Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12244/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/25/2015
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA
AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA; ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - É nula a sentença, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, al. b) do CPC, se o Tribunal se limita a afirmar que as testemunhas ouvidas não lograram demonstrar determinado facto, sem explicitar as razões que impuseram tal conclusão.

II - Alegando o requerido factos dos quais decorre, em sua opinião, o direito a adquirir a nacionalidade portuguesa por via da naturalização e formulando, a final, o pedido de remessa do processo à Conservatória dos Registos Centrais para que a nacionalidade portuguesa lhe seja concedida com esse fundamento, é nula a sentença, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, al. d) do CPC, se o Tribunal não se pronunciou sobre essa questão.

III - A aquisição da nacionalidade portuguesa em razão da vontade, nos termos do artigo 3º da Lei da Nacionalidade, depende da manifestação da vontade do interessado nesse sentido, e tem como pressuposto a constância de um casamento ou de uma união de facto com cidadão nacional português há mais de três anos.

IV - A aquisição da nacionalidade portuguesa é negada verificados que sejam determinados pressupostos, designadamente no caso de ser julgada procedente a acção especial de oposição deduzida pelo Ministério Público tendo por fundamento a inexistência de ligação efectiva do requerente à comunidade nacional.

V - Na sequência das alterações introduzidas à Lei da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04 e da aprovação do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa pelo Decreto-lei n.º 237-A/2006, de 14/12, o requerente apenas tem de se pronunciar por mera declaração, sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional, não se exigindo que comprove essa ligação.

VI - Por efeito de tais alterações, foi revogada a exigência anteriormente prevista no artigo 22º, n.º 1, al. a) do Regulamento da Nacionalidade no sentido de o requerente comprovar por meio documental, testemunhal ou outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional; por outro lado, nos termos do disposto no artigo 57º, n.ºs 1 e 3 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, o requerente deve pronunciar-se sobre (i) a existência de ligação efectiva à comunidade nacional, (ii) se foi objecto de condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa e (iii) o exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro, mas apenas tem de comprovar estes dois últimos factos.

VII - Cabe ao Ministério Público, caso entenda existirem factos dos quais resulte a inexistência de ligação efectiva do requerente à comunidade nacional, opor-se à aquisição da nacionalidade portuguesa; porque se trata de facto impeditivo do direito do requerente, o ónus da prova impende sobre ele, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 342º do Código Civil.
Votação:Maioria com 1 voto de vencido
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa contra R…………. ………….., a qual foi julgada procedente por sentença proferida em 15/05/2014.

Inconformada, a requerida interpôs recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:
“1. A presente acção de oposição à aquisição da nacionalidade encontra-se prevista no Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14/12 (cfr. respectivo art. 57°) e segue a tramitação prevista nos arts. 58° e 59° daquele diploma. Em tudo o que não se achar regulado nos preceitos referidos, segue os termos da acção administrativa especial (cfr. art. 60°), dispondo o art. 40°, nº 3 do ETAF "nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito.
2. A acção em causa tem valor superior à alçada, pelo que, não tendo sido decidida em formação de três juízes, mas por juiz singular, o foi de acordo com a previsão do citado art. 27°, nº 1, ai. i), ainda que a Mma. Juiz não tenha invocado expressamente tal preceito.
3. Dessa decisão de mérito cabe reclamação para a conferência, nos termos do nº 2 do art. 27° do CPTA, e não recurso jurisdicional (cfr. neste sentido o Ac. do STA - Pleno de 05.06.2012, Proc. 0420/12 e deste TCAS de 12.01.2012, Proc. 08262/11), sendo que, caso assim se não entenda, atenta a tempestividade da apresentação do presente articulado, requer-se, se determine a convolação da presente reclamação para a conferência em recurso jurisdicional caso se entenda, sem conceder, ser esse o meio de reacção adequado, notificando-se a aqui Requerida/ Reclamante para proceder à liquidação da TJ correspondente.
4. A decisão reclamada, proferida sobre a matéria de facto, não analisou criticamente as provas nem especificou os fundamentos que foram decisivos para a determinar a convicção do Tribunal.
5. Apesar do Tribunal ter concluído que, face à prova produzida nos autos não foi possível apurar que a requerida possa ter criado laços com a cultura portuguesa, costumes, usos e tradições do povo português, não sendo, portanto, possível concluir que a mesma seja possuidora de uma ligação efectiva a Portugal e aos portugueses, certo é que a decisão não esclarece de que elementos se socorreu para chegar a tal conclusão.
6. A decisão reclamada nenhuma referência faz aos fundamentos e às razões que o levaram a considerar tal matéria procedente ou não procedente, não especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, sequer há referência aos depoimentos prestados das testemunhas, quais as testemunhas que foram ouvidas ou até a razão para desconsiderar os mesmos.
7. Em sede de julgamento foram ouvidas as testemunhas António …………. e Helena ………, arroladas pela Requerida, sendo certo que em nenhum momento da decisão recorrida o Tribunal se pronuncia sobre estes depoimentos ou das razões que o levaram a desconsiderar os mesmos, limitando-se a uma referência genérica "E, da prova testemunhal produzida nada mais se apurou do desejo da Requerida adquirir a nacionalidade portuguesa ...”.
8. Era, pelo menos, exigível ao Tribunal que na exposição fáctica e jurídica que fez na sentença em apreço, se pronunciasse sobre as razões que o levaram a dar mais credibilidade a um determinado meio de prova em detrimento de outro, para considerar provados os factos constantes da decisão. Ao invés, limitou-se tão só a apreciar a documentação constante dos autos - e mesmo esta não na sua totalidade -, esquecendo em absoluto toda a demais prova produzida pela Requerida, designadamente a testemunhal.
9. Às partes assiste o direito de conhecer as razões que estiveram na base da sua decisão, sendo que é na fundamentação da sentença que deve ser encontrada a legitimação daquela.
10. A fundamentação das decisões judiciais é um dever constitucionalmente consagrado e está previsto no art. 205º, n.º 1 da CRP, sendo que nos termos dos arts. 154º e 607º, n.º 3 do CPC, as decisões têm sempre de ser fundamentadas, com a indicação dos factos julgados provados e não provados. Ou seja, ao julgador, que é livre na apreciação da prova, impõe-se que use tal liberdade de forma cuidadosa, socorrendo-se ainda dos seus conhecimentos científicos e dos que resultam das regras de experiência da vida e que exteriorize o cuidado que teve e os conhecimentos que utilizou na valoração da prova produzida, designadamente a testemunhal, que há-de ser compatibilizada com os demais elementos probatórios que se tenham produzido.
11. Nos presentes autos, da análise da decisão final, não resulta que esta tenha avaliado correctamente o julgamento de facto que foi feito, assim como, descurou da análise crítica da prova, que se impunha minuciosa e plena, para além de não ter especificado, de forma totalmente clara, congruente e cabal os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção face aos factos alegados e cuja prova se pretendia fazer. No fundo, a decisão do TAC de Lisboa esqueceu em absoluto de fazer a análise dos depoimentos prestados, em termos de idoneidade, credibilidade, isenção, imparcialidade.
12. A decisão de que ora se reclama é, portanto, nula, por manifesta violação do disposto na alínea b), do n.º 1 do art. 668° do CPC, porquanto deixou o Tribunal de se pronunciar sobre os fundamentos de facto que sustentaram a sua decisão, vício que, desde já, se invoca para todos os legais efeitos.
13. Em sede de Contestação, a Requerida invocou múltiplas questões perante o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que se pretendiam, pois claro, apreciadas e decididas, sendo certo que não está dispensado o Tribunal de avaliar e ponderar cada um dos argumentos apresentados pela Requerida e de sobre si impender o dever de se posicionar sobre cada um dos fundamentos suscitados.
14. O regime jurídico aplicável ao caso em apreço (regulado pela Lei da Nacionalidade e pelo Regulamento da Nacionalidade Portuguesa), permite que seja deferida a atribuição de nacionalidade portuguesa por diversas vias, nomeadamente por efeito de vontade ou por naturalização, impondo-se, neste último caso, que estejam preenchidos os requisitos previstos no art. 6.º, n.º 1 da Lei da Nacionalidade.
15. Consta do processo administrativo, que a Requerida preenche três dos requisitos supra referidos (al. a), c) e d)), sendo que quanto ao segundo, vertido na al. b) do art. 6°da Lei da Nacionalidade e por se não encontrar preenchido, o nº 4 do mesmo artigo possibilita que seja suprido por outra via.
16. A Requerida nasceu em 8 de Julho de 1959 em Sorocaba, São Paulo, Brasil, e é filha de Francisco ……………… e Naír ………, o primeiro natural de Sorocaba e a segunda de Cesario Lange, ambos de nacionalidade brasileira (cfr. facto provado 1).
17. O pai da Requerida, Francisco ……….., por sua vez, é filho de António de …………. e Judith ………, avós paternos da Requerida, como consta do documento junto ao processo administrativo a fls. 6 e doc. nº 2 (Certidão em Inteiro Teor), emitido pelo Registo Civil das Pessoas Naturais -Republica Federativa do Brasil, ambos de nacionalidade portuguesa.
18. Da prova documental que se juntou, resulta inequívoco que os avós paternos (ascendentes do 2° grau da linha recta) da Requerida (António ………… (Andrade) e Judith ………..) eram cidadãos portugueses que nunca perderam essa qualidade, encontra-se dispensado o requisito previsto na alínea b) do art. 6° da Lei da Nacionalidade (residência em território nacional há pelo menos seis anos) por se encontrar preenchido o n.°4 do mesmo artigo, pelo que a Requerida preenche todos os requisitos para que lhe seja concedida a nacionalidade portuguesa, não só por via do casamento, mas também, por via da naturalização.
19. Ao abrigo do principio do aproveitamento dos actos e da economia processual, foi requerido ao Tribunal que tais factos fossem considerados e apreciados nesta sede ou, caso assim o entendesse, poderia o Tribunal (considerando as limitações processuais do presente processo especial e sempre ao abrigo dos supra invocados princípios!) ordenar a remessa à Conservatória dos Registos Centrais do presente processo com os elementos coadjuvantes de prova que dele ficam a constar, por forma a que fosse deferida à Requerida a sua pretensão, fundada e legítima, de obtenção da nacionalidade portuguesa, por essa forma se convolando o primitivo pedido, com aproveitamento de todos os actos já praticados, com vista a que não seja negado à Requerida um direito constitucionalmente consagrado e que lhe assiste.
20. A verificação dos requisitos para obtenção da nacionalidade por naturalização (ainda que cumulados com os da aquisição da nacionalidade por declaração de vontade) é, só por si, de acordo com o disposto no artigo 9° da alínea a) da Lei da Nacionalidade (oposição à aquisição da nacionalidade por efeito de vontade ou da adopção), quando devidamente demonstrados, obstativo à apreciação da oposição e dos seus fundamentos, o que também se invocou, sendo que se fez constar do presente processo todos os elementos de prova necessários ao preenchimento das exigências do artigo 6°do mesmo diploma.
21. Sobre tal questão o Tribunal sequer se pronunciou, o que se impunha. Na verdade, tratando-se de factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes alegaram e resultam da instrução da causa, ao julgador está cometido o dever de sobre eles se pronunciar, sendo que in casu tal se não verificou. Aliás na sentença sequer é feita qualquer referência a esta matéria alegada, não obstante o tribunal ter ordenado a junção de prova documental que a sustentasse.
22. Ao não se ter pronunciado sobre matéria que foi alegada pela Requerida, designadamente quanto à concessão da nacionalidade portuguesa por via da naturalização, incorreu, por aqui, o Tribunal em Omissão de Pronúncia sendo, em consequência, a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Lisboa NULA, o que se invoca (art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC).
23. ln casu o Tribunal não motivou, minimamente, os factos que considerou provados (apenas 4) - não tendo sequer indicado quais os factos não provados -com a indicação dos respectivos documentos e depoimentos das testemunhas que estiveram na base da sua convicção e motivação, ou seja, não analisou criticamente as provas, nem especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, como exige o n.º 2 do art. 607.º do CPC.
24. Existem um conjunto de factos que ficaram documentalmente provados que se impunham terem passado para os factos dados como provados, sendo certo que tal se não verificou.
25. Em sede de audiência de julgamento, foi ordenado por despacho a junção dos documentos comprovativos de que a requerida é neta de portugueses, o que esta fez dirigindo aos autos em 3 de Fevereiro de 2014 os respectivos comprovativos, nomeadamente a certidão de nascimento da requerida, a certidão de nascimento do pai da requerida e a certidão de casamento dos avós paternos da requerida. Porém, o Tribunal não levou esta matéria aos factos assentes, fazendo letra morta toda a alegação vertida na Contestação, bem sabendo que a mesma tem todo o interesse para os presentes autos.
26. Ficou também demonstrado no processo que a Requerida é mãe de três filhos: José ………….., Sílvia …………… e Luiz ……………, os quais, nascidos no Brasil, requereram a nacionalidade portuguesa que lhes foi concedida (cfr. docs. 6, 7 e 8 juntos com a Contestação). A documentação junta, apesar da sua relevância, comprova que os três filhos da Requerida com o seu marido, cidadão português, são também cidadãos nacionais, sendo certo que a tal facto não atendeu o Tribunal que, para além de não se ter pronunciado sobre esta questão, sequer a levou aos factos provados.
27. Do Certificado de Registo Criminal da Requerida, que consta do processo na Conservatória dos Registos Centrais - que notificou a Requerida para o efeito -, resulta que a Requerida não tem antecedentes criminais nem no seu país de origem nem em Portugal (cfr. fls. 45), contudo, tal matéria também não foi tida em consideração pelo Tribunal que sobre ela sequer se manifesta.
28. A Requerida deu cumprimento do despacho da Conservatória dos Registos Centrais quando notificada para esse efeito, juntando ao processo de nacionalidade alguma correspondência trocada com os seus familiares portugueses, bem como juntou mais prova na sua Contestação, sendo certo que a mesma não foi valorada pelo Tribunal que, sobre ela, sequer se pronunciou.
29. Toda esta matéria, pela sua importância e relevância para a causa, deveria ter sido conduzida aos factos provados, o que se não verificou, tendo o Tribunal se limitado a dar como assente quatro factos, manifestamente insuficientes para sustentar a procedência da oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.
30. A questão a decidir nos presentes autos é a de saber se, no caso concreto, se deve entender que se mostra suficientemente comprovada, ou não, a ligação efectiva da Recorrente à comunidade nacional, sendo que para sustentar a decisão de que ora se reclama, necessariamente o Tribunal teria que dar como provada certa matéria, designadamente que a Requerida não tem ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa ou, ao invés, dar como não provado que a Requerida tinha essa ligação.
31. Nenhum dos factos alegados pelo Ministério Público (de que são exemplo os arts. 8.º, 9.º, 11.º, 14.º e 15.º da PI) constam da matéria provada, pelo que como pôde o Tribunal dar como assente que a Requerida não tem qualquer ligação à comunidade nacional portuguesa? Aliás, da matéria provada, nenhum facto reporta à ligação, ou à ausência dela, da Requerida à nossa comunidade, pelo que o Tribunal não dispunha de elementos suficientes para decidir pela procedência da oposição apresentada pelo Ministério Público.
32. A decisão reclamada padece de evidente vício por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito para justificar a decisão, porquanto a matéria provada é manifestamente insuficiente para que o Tribunal pudesse concluir pela falta de ligação efectiva da Requerida à comunidade portuguesa. De resto, se no entender do Tribunal a Requerida não fez prova suficiente de que possa ter criado laços com a cultura portuguesa, costumes, usos e tradições do povo português, impunha­se ter dado como não provada a matéria alegada por esta na sua contestação, tanto mais que o ónus da prova era seu, o que in casu se não verificou.
33. O Tribunal não dispunha de elementos suficientes para ter concluído pela procedência da oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte da Requerida, sendo, em consequência, a sentença nula, impondo-se a sua revogação (art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC).
34. Ao contrário do sustentado na decisão, a Requerida fez prova de ligação efectiva à comunidade nacional mais do que suficiente para justificar a improcedência da oposição. A unidade de nacionalidade da família é uma realidade que interessa ao legislador, traduzindo o matrimónio uma ligação à comunidade nacional susceptível de justificar um critério menos exigente na apreciação do requisito da ligação efectiva a essa comunidade. Por outro lado, a ligação que se exige é à comunidade nacional e não propriamente ao território português, podendo, por isso, essa ligação ser estabelecida no seio de uma comunidade de emigrantes portuguesa.
35. Do teor do art. 57.º, n.º 7 do Regulamento da Nacionalidade retira-se, que apenas conhecendo factos que impeçam a obtenção da nacionalidade portuguesa, deve o Conservador remeter o processo ao Ministério Público competente, não se extraindo (por força da presunção legal), que a falta de qualquer elemento é suficiente para fundamentar um pedido de oposição.
36. Ainda, na alínea a) do n.º 4 do art. 6° da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 19/2000, o direito interno de cada Estado Parte deve permitir a aquisição da nacionalidade pelos cônjuges dos seus nacionais, independentemente de qualquer exigência, para além do casamento, no respeito pela sua identidade e pela sua dignidade étnica e cultural própria.
37. Parece daqui resultar inequívoco que a lei faz presumir que a Requerida, casada com nacional português, tem ligação efectiva à comunidade nacional, e como tal, enquanto direito constitucionalmente consagrado no art. 8º da CRP, não lhe poderá ser negada a aquisição da nacionalidade portuguesa, nomeadamente pelos factos alegados pelo Ministério Público.
38. A Exm.ª Sr.ª Conservadora teria de elencar factos que permitissem concluir pela inexistência de ligação efectiva à comunidade portuguesa, não bastando a mera enunciação de que o requisito legal em causa se não encontra preenchido por a Requerida dele não ter feito prova (ao que se não concede!).
39. Resulta à evidência, que o Ministério Público não alega factos concretos que obstem à aquisição da nacionalidade da Requerida, por via da declaração de vontade, o que seria fundamental para se sustentar a oposição deduzida. A inexistência da alegação de qualquer facto, nos termos referidos, é impeditiva dos efeitos pretendidos pelo Ministério Público, pelo que o Tribunal sempre deveria ter absolvido a Requerida da presente lide nos termos do art. 493° do CPC.
40. Da Contestação da Requerida e também das testemunhas ouvidas em julgamento, resultou demonstrado suficientemente que a Requerida, para além de ser casada com nacional português, tem também estreita ligação com a comunidade nacional, o que determinou o pedido efectuado na Conservatória dos Registos Centrais.
41. A ligação familiar e emocional a Portugal sempre foi elemento presente na sua vida, que funcionou com verdadeiro vínculo à comunidade nacional, já que também ela cresceu e foi educada de acordo com os costumes, usos e tradições portugueses e forte ligação à comunidade portuguesa de S. Paulo, princípios e vivências, cultura e raízes que, em conjunto com seu marido, promoveu no seu agregado familiar junto de seus filhos.
42. Os pais da Requerida, por influência do avô paterno da Requerida, sempre viveram no Brasil com respeito pela cultura e hábitos portugueses, considerando-se herdeiros da cultura e hábitos lusos que verdadeiramente vivenciavam e estavam ínsitos na sua maneira de viver e de pensar e tinham expressão na sua vivência quotidiana.
43. Esse registo de ligação a Portugal, aos seus hábitos, à sua cultura, foram sempre vivenciados pela Requerida, nunca como um elemento meramente folclórico ou lateral, mas como uma forma estruturante de vida e de cultura, manifestando-se como um verdadeiro vínculo de pertença à comunidade de seus antepassados próximos e aos seus valores.
44. Em conjunto com o seu marido, cidadão nacional e descendente de portugueses, a Requerida vem promovendo a cultura portuguesa e as tradições do nosso país na sua área de residência e nas comunidades portuguesas que aí se sediam, para além de manter com familiares em Portugal contacto permanente, a quem escreve ou telefona regularmente e a quem visita com alguma frequência.
45. Resulta, por isso, um efectivo vínculo de pertença da Requerida à comunidade nacional, uma ligação forte a Portugal, um afecto à cultura e valores da terra de seus antepassados próximos e de seu marido que foram, de resto, os que lhe foram incutidos por educação pelos seus progenitores. Sobre tal matéria, foram ouvidas as testemunhas arroladas pela Requerida, que a corroboraram. Contudo, lamentavelmente, sobre estes depoimentos o Tribunal não se pronunciou, nem mesmo para os desconsiderar.
46. Desta forma, ao ter concluído pela procedência da oposição, a decisão reclamada violou o disposto pelos arts. 3.º e 9.º, al. a), da Lei da Nacionalidade (Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17.04).”

O recorrido apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
“1. Quanto ao fundo da questão e mérito da causa, há que referir que, um dos requisitos para que possa ser concedida a nacionalidade portuguesa é a prova da ligação efectiva à comunidade nacional (arts. 9°, al. a) da Lei nº 37/81, de 03/10, e 22º, nº 1 , al. a) do DL nº 322/82, de 12/8);
2. Incumbe à requerente da aquisição da nacionalidade o ónus da prova da ligação efectiva à comunidade nacional (art . 22°, nº 1, al. a) do DL nº 322/82 de 12.08 e alterado pelo art. 56º, nº 2 do DL nº 237-A/2006 de 14.12).
3. Tratando-se a acção de oposição à aquisição de nacionalidade, de acção de simples apreciação negativa, de acordo com o disposto no art. 343°, nº 1 do C.C. "compete ao requerido a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga".
4. A reclamante não fez prova de tal ligação à comunidade portuguesa, conforme resulta da matéria de facto dada como assente e que se fundamenta quer na prova testemunhal apresentada quer na documentação junta aos autos.
5. A Reclamante/Recorrente, apenas demonstrou que tem residência permanente no Brasil, desde sempre tendo estabelecido naquele País a sua vida pessoal e profissional.
6. Sendo que o único fundamento apresentado é ser casado com cidadão português, igualmente natural da República Federativa do Brasil, e que com ele, aí mora.
7. E o mesmo, é manifestamente insuficiente para integrar o conceito de ligação efectiva à comunidade portuguesa.
8. A decisão reclamada, proferida sobre a matéria de facto, analisou criticamente as provas.
9. Tendo sido especificados os fundamentos que foram decisivos para determinar a convicção do Tribunal.
10. Não foi violado o disposto nos artigos 205° nº 1 da CRP, e 154°, 607º, 615º, nº 1 al. d), nº 3, e 668º, nº 1 do CPC.
11. Igualmente não foi violado o disposto nos artigos 3º e 9º ai. a) da Lei da Nacionalidade (Lei Orgânica nº 2/2006, de 17.04).
12. Assim, bem decidiu o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ao julgar procedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade da recorrente e ao ordenar o arquivamento do processo conducente ao registo respectivo, pelo que deve ser confirmada.”

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As questões suscitadas pela recorrente são as de saber se a sentença recorrida padece (i) nulidade nos termos do artigo 615º, n.º 1, als. b) e d) do CPC, (ii) erro de julgamento de facto e (iii) erro de julgamento de direito ao considerar que o Ministério Público demonstrou a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional.
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Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1 - A requerida Rosangela ………….., de nacionalidade brasileira, nasceu a 08.07.1959, em Sorocaba, São Paulo, Brasil, e ambos os progenitores têm nacionalidade brasileira (cfr. doc. de fls. 14 e 14 verso dos autos).
2 - A requerida contraiu casamento, em 25.05.1984, em Sorocaba, São Paulo, Brasil, com o cidadão português José …………., conforme certidão de assento de casamento n.º 242/2009 (cfr. doc. de fls. 40 e 41 dos autos).
3 - No dia 01.06.2011, na Conservatória dos Registos Centrais, a requerida prestou declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, ao abrigo do art. 3º/Lei 37/81, com fundamento no celebrado casamento, na sequência do que foi instaurado o processo n.º 22198/11 na Conservatória dos Registos Centrais (cfr. doc. de fls. 11 a 50 dos autos).
4 - A requerida reside em São Paulo, Brasil (admissão por acordo).
No que respeita à motivação da decisão de facto e aos factos não provados, considerou-se na sentença recorrida:
A convicção do Tribunal fundamentou-se na prova documental, supra identificada, na admissão por acordo das partes.
Nada mais logrou-se provar com interesse ou relevância para a decisão da presente causa, designadamente não se logrou provar que a requerida tenha qualquer ligação efectiva à comunidade nacional e da prova testemunhal produzida não teve por efeito provar aquele requisito legal.

2. Do Direito

2.1. Pretende a recorrente que a sentença recorrida é nula nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, al. b) do CPC, uma vez que:
- “a decisão que foi proferida sobre a matéria de facto não analisou criticamente as provas nem especificou os fundamentos que foram decisivos para determinar a convicção do Tribunal";
- “não motivou, minimamente, os factos que considerou provados (apenas 4) - não tendo sequer indicado quais os factos não provados - com a indicação dos respectivos documentos e depoimentos das testemunhas que estiveram na base da sua convicção e motivação, ou seja, não analisou criticamente as provas, nem especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”;
- “a matéria provada é manifestamente insuficiente para que o Tribunal pudesse concluir pela falta de ligação efectiva da requerida à comunidade portuguesa”.
Vejamos.
Prescreve o artigo 615º, n.º 1, al. b) do CPC que “ É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Como refere Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, pág. 139 e segts.:"uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base"; comprometendo a sua validade por carecer, então, de um elemento essencial, quer porque cabe ao juiz demonstrar que a solução dada ao pleito é "emanação correcta da vontade da lei, quer porque as partes, e sobretudo a vencida, "tem o direito de saber porque razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o Tribunal Superior"; carecendo este "também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso".
Esta causa de nulidade abrange quer a falta de discriminação dos factos, quer a falta do exame crítico das provas. É que, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 607º do CPC, “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.
O juiz deve, assim, proceder à indicação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, com especificação dos meios de prova e das razões ou motivos substanciais por que relevaram ou obtiveram credibilidade (Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 434).
Em suma, o julgador não se deve limitar a uma simples e genérica indicação dos meios de prova produzidos, impondo-se-lhe que os analise criticamente.
Contudo, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º do CPC. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 139/140 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pág. 669).
A sentença recorrida aduziu a seguinte fundamentação com referência aos factos que julgou provados: “A convicção do Tribunal fundamentou-se na prova documental, supra identificada, na admissão por acordo das partes”.
E relativamente aos factos não provados considerou que: “Nada mais logrou-se provar com interesse ou relevância para a decisão da presente causa, designadamente não se logrou provar que a requerida tenha qualquer ligação efectiva à comunidade nacional e da prova testemunhal produzida não teve por efeito provar aquele requisito legal”.
Tendo presentes os considerandos acima expostos, concluímos que a sentença recorrida não fundamentou os factos e, em especial, os que julgou não provados (já que os factos provados assentam em documentos que não foram impugnados e na prova por admissão das partes).
Importa começar por referir que, em rigor, o que resultou não provado foram os factos alegados pela ora recorrente dos quais seria possível concluir que a mesma tem ligação efectiva à comunidade nacional e não, como se refere na sentença recorrida, “que a requerida tenha qualquer ligação efectiva à comunidade nacional”, na medida em que essa afirmação traduz uma conclusão e não um facto.
O Tribunal a quo limita-se a afirmar que as testemunhas ouvidas não lograram provar tal facto, sem explicitar as razões que impuseram tal conclusão, sem dizer, como se impunha, porque motivo é que os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pela ora recorrente não permitiram concluir nesse sentido. Em suma, a fundamentação aduzida não é minimamente elucidativa das razões que levaram o Tribunal a decidir como decidiu, pelo que a sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação.
Nos termos do disposto no artigo 662º, n.º 2, al. d), o tribunal superior deve “determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
O que está em causa é a circunstância de o Tribunal a quo não ter explicitado as razões que o levaram a dar como não provados os factos alegados pela ora recorrente dos quais seria possível concluir que a mesma tem ligação efectiva à comunidade nacional.
Acontece que, como veremos mais adiante, não é sobre aquela, mas antes sobre o MP, que impende o ónus de provar a inexistência de ligação efectiva da mesma à comunidade nacional, razão pela qual concluímos não estarmos perante um facto essencial, pelo que não há lugar à remessa dos autos ao TAC de Lisboa nos termos do disposto no artigo 662º, n.º 2, al. d) do CPC.
2.2. Alega ainda a recorrente a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, al. d) do CPC, uma vez que não apreciou a questão por si colocada em sede de contestação de saber se lhe assiste o direito de adquirir a nacionalidade portuguesa por via da naturalização.
Com efeito, sustenta a recorrida, estão preenchidos todos os requisitos para que lhe seja concedida a nacionalidade portuguesa, não só por via do casamento, mas também, por via da naturalização, sendo certo que a não opção por esta via aquando da apresentação do respectivo pedido junto da Conservatória dos Registos Centrais resultou da frustração das diligências que desenvolveu no sentido da obtenção dos registos de nascimento dos seus avós paternos. Contudo, acrescenta, não obstante não ter sustentado o seu pedido inicial em tais factos, o certo é que, ao abrigo do princípio do aproveitamento dos actos e da economia processual, requereu ao Tribunal que tais factos fossem considerados e apreciados nesta sede ou, caso assim o entendesse, que fosse ordenada a remessa do processo à Conservatória dos Registos Centrais por forma a que fosse deferida essa pretensão. Porém, o Tribunal não se pronunciou sobre essa questão, o que se impunha; aliás, na sentença nem sequer é feita qualquer referência a esta matéria alegada, não obstante o Tribunal ter ordenado a junção de prova documental que a sustentasse.
Vejamos se lhe assiste razão.
Dispõe o artigo 615º, n.º 1, al. d) do CPC que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
Esta causa de nulidade da sentença está directamente relacionada com o comando fixado no artigo 608º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz o dever de “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Do que se trata, pois, é de saber qual o sentido a atribuir ao vocábulo “questões”.
Socorrendo-nos dos ensinamentos de Alberto dos Reis diremos que “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção. (…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in Código de Processo Civil Anotado, 5º, pág. 143).
Seguindo esta linha de pensamento, na análise da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a jurisprudência distingue “questões”, de um lado, e “razões” ou “argumentos”, de outro, concluindo que só a falta de pronúncia sobre as primeiras integra esse vício (entre outros, vide, Acórdãos do STA de 7/04/2005, proc. n.º 1322/04, de 30/10/2008, proc. n.º 0641/08, de 12/01/2011, proc. n.º 037/10 e de 9/10/2014, proc. n.º 01754/13).
Significa isso que o juiz está obrigado a apreciar e decidir todas as questões que as partes trazem a juízo, embora não tenha para tal que analisar todas as razões ou argumentos aduzidos pelas partes em sustento da sua pretensão.
Regressando ao caso dos autos, constatamos que em sede de contestação a ora recorrente, previamente à pronúncia que apresentou com referência à oposição deduzida pelo Ministério Público, coloca uma questão e formula um pedido.
Assim, começa a mesma por referir que “em acto prévio à apreciação dos fundamentos da oposição deduzida pelo Ministério Público (…), ao abrigo do princípio da economia processual, e porque tais factos constam já do processo administrativo junto aos autos (ainda que não tenham sido relevados), não se coibirá de alegar matéria que permita concluir pelo direito que a lei portuguesa lhe assegura de adquirir a nacionalidade”.
Alega então a mesma factos dos quais decorre, em sua opinião, o direito a adquirir a nacionalidade portuguesa por via da naturalização e, a final, formula o seguinte pedido: “a entender-se estarem integralmente preenchidos os requisitos para a obtenção da nacionalidade por naturalização, como preliminarmente se invoca e demonstra em sede de “Questão prévia à apreciação dos fundamentos da oposição” considerar-se que tal constitui fundamento que obsta à apreciação do pedido da acção, devem serem os elementos disponíveis no processo remetidos à Conservatória dos Registos Centrais para que a nacionalidade portuguesa seja concedida à requerida por naturalização, sempre ao abrigo dos princípios da economia processual e do aproveitamento dos actos praticados no processo”.
Estamos perante uma questão (e não argumento) colocada pela requerida e um pedido pela mesma formulado sobre os quais se impunha que o Tribunal se pronunciasse, sendo certo que a decisão sobre os mesmos não resultou prejudicada pela solução dada à questão que foi concretamente apreciada.
Sucede que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal questão e sobre o correspondente pedido, aos quais não fez, aliás, qualquer referência, pelo que a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, al. d) do CPC.
Deste modo, cumpre a este Tribunal conhecer da referida questão em substituição, nos termos do artigo 149º, n.º s 1 e 3 do CPTA. Contudo e porque o fundamento da oposição deduzida pelo Ministério Público respeita ao pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa apresentado pela ora recorrente nos termos do artigo 3º da Lei da Nacionalidade (aquisição em caso de casamento ou união de facto), começaremos por apreciar os fundamentos do recurso que se reportam a essa matéria.
2.3. O TAC de Lisboa julgou procedente a oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa instaurada pelo Ministério Público contra a ora recorrente, considerando ser “manifesta a omissão de prova, pela requerida” e que a mesma “não comprovou, de modo suficiente e convincente, ter preenchido o requisito da inserção na comunidade nacional”.
Entendeu, assim, o Tribunal a quo que impendia sobre a ora recorrente o ónus da prova da ligação efectiva à comunidade nacional e que a mesma não logrou demonstrar os factos que permitiam concluir nesse sentido.
A recorrente sustenta que “o Ministério Público não alega factos concretos que obstem à aquisição da nacionalidade da Requerida, por via da declaração de vontade, o que seria fundamental para se sustentar a oposição deduzida. A inexistência da alegação de qualquer facto, nos termos referidos, é impeditiva dos efeitos pretendidos pelo Ministério Público, pelo que o Tribunal sempre deveria ter absolvido a Requerida da presente lide nos termos do art. 493° do CPC”.
Vejamos.
Está em causa a aquisição da nacionalidade portuguesa em razão da vontade, situação que vem regulada no artigo 3º da Lei da Nacionalidade - Lei n.º 37/81, de 3/10 -, o qual tem a seguinte redacção (introduzida pelas Leis n.ºs 25/94, de 19/08 e n.º 2/2006, de 17/04):
1 - O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio.
(…)
3 - O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após acção de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível.”
A aquisição da nacionalidade portuguesa depende, assim, da manifestação da vontade do interessado nesse sentido, e tem como pressuposto a constância de um casamento ou de uma união de facto com cidadão nacional português há mais de três anos.
Isso mesmo resulta também do n.º 1 do artigo 14º do Regulamento da Nacionalidade (Decreto-Lei n.º 237-A/2006 de 14 de Dezembro, na versão do Decreto-Lei nº 43/2013, de 1 de Abril), nos termos do qual, “o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português, se, na constância do matrimónio, quiser adquirir a nacionalidade, deve declará-lo”.
Para adquirir a nacionalidade portuguesa não basta, contudo, a verificação de tais pressupostos, uma vez que a mesma pode ser negada verificados que sejam determinados factos.
Assim é que, o Ministério Público pode opor-se à pretensão do interessado, deduzindo oposição à aquisição da nacionalidade, designadamente (e para o que aqui importa) em caso de “inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional” (cfr. artigo 9º, al. a) da Lei da Nacionalidade e artigo 56º, n.º 2, al. a) do Regulamento da Nacionalidade).
A primeira questão que se coloca é a de saber a quem incumbe a prova deste facto, se ao Ministério Público, se ao interessado, requerente da nacionalidade, como entendeu o TAC de Lisboa.
Esta questão não tem obtido resposta unânime por parte deste TCAS. Assim, enquanto uns defendem que a acção de oposição à aquisição da nacionalidade configura uma acção de simples apreciação negativa, competindo ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, nos termos do disposto no artigo 343º, n.º 1 do Código Civil (cfr. acórdãos de 2/04/2014, proc. n.º 10952/14, 6/11/2014, proc. n-º 11025/14, 26/02/2015, proc. n.º 11791/15, 12/03/2015, proc. n.º 11816/15, 30/04/2015, proc. n.º 10528/13 e de 11/06/2015, proc. n.º 12086/15), outros entendem que a prova daquele requisito compete ao Ministério Público (cfr. acórdãos de 10/07/2014, proc. n.º 11308/14, 11/09/2014, proc. n.º 11251/14 e de 16/04/2015, proc. n.º 11964/15).
O STA pronunciou-se sobre esta questão no acórdão de 19/06/2014, processo n.º 0103/14 e mais recentemente no acórdão de 28/05/2015, processo n.º 01548/14 no sentido de que “cabe ao MºPº alegar e provar factualidade que demonstre que o requerido não tem uma ligação efectiva, material ou real à nação e sociedade portuguesas (art. 9º da LN), desse modo impedindo que o requerente da aquisição da nacionalidade prossiga no exercício do direito que invoca (art. 3º, nº 1 da LN)”.
A solução a dar à questão exige do intérprete uma análise das sucessivas alterações que foram introduzidas à Lei da Nacionalidade e ao Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e das razões que a elas presidiram, tanto mais que o legislador não tomou posição expressa sobre a quem incumbe ónus da prova da inexistência de uma ligação efectiva do requerente à comunidade nacional, pois que nada é referido a esse propósito no artigo 9º da Lei da Nacionalidade na redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04.
Vejamos então.
O artigo 3º, n.º 1 da Lei da Nacionalidade na sua versão original prescreve que “o estrangeiro casado com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do casamento”.
E o artigo 9º, al. a) do mesmo diploma determina que “constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: a) A manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional”.
Como refere Rui Moura Ramos, “a cláusula indeterminada inicialmente prevista visava, pela sua latitude, permitir frustrar a inserção na comunidade portuguesa de indivíduos que, mau grado a manifestação de vontade nesse sentido e o vínculo familiar com um cidadão português, não tinham na realidade um vínculo efectivo à comunidade nacional. Simplesmente, entendeu então a nossa jurisprudência, de acordo aliás com os princípios gerais em matéria de ónus da prova, que, tratando-se de factos impeditivos, cabia ao Estado através do Ministério Público fazer a prova da "manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional" (3). Neste sentido, entre outros, Acs. do STJ de 17.3.1988, proc. nº 76.033 e de 4.10.1988, proc. nº 76.487), tendo assim julgado improcedente a oposição em situações em que o casamento se não podia dizer de conveniência, pois durava há seis anos e dele resultara um filho, registado na secção consular portuguesa do país residência, como noutras, onde porventura a ligação à comunidade portuguesa seria menor mas em que o Ministério Público não fizera nem sequer esboçara tal prova” (A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 136, Março-Abril de 2007).
A Lei n.º 25/94, de 19/08, introduziu importantes alterações à Lei da Nacionalidade e, no que aqui importa, aos artigos 3º e 9º.
Assim, o n.º 1 do artigo 3º passou a ter a seguinte redacção: “o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio”.
Por outro lado, nos termos da al. a) do artigo 9º, passou a constituir fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa “a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional”.
Em consonância com estas alterações, foi também alterado o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa através do Decreto-lei n.º 253/94, de 20/10.
O artigo 11º Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, passou a dispor que “1 - O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português, se, na constância do matrimónio, quiser adquirir a nacionalidade, deve declará-lo. 2 - A declaração será instruída com certidão do assento de casamento e com prova da nacionalidade do cônjuge português, salvo se os actos respectivos estiverem arquivados na Conservatória dos Registos Centrais, caso em que serão identificados no auto da declaração”.
E o artigo 22º do mesmo diploma passou a ter a seguinte redacção: “todo aquele que requeira registo de aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve: a) comprovar por meio documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional”.
Resulta destes preceitos que o cidadão estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português que declarasse pretender adquirir a nacionalidade portuguesa tinha a seu cargo o ónus de, além do mais, provar a sua “ligação efectiva à comunidade nacional”.
Continuando a citar Rui Moura Ramos diremos que “em 1994 o legislador tomaria duas medidas: por um lado, tornaria necessário um casamento com a duração de três anos para que a declaração visando a aquisição da nacionalidade portuguesa pudesse ter lugar, com o que se punha algum travão aos casamentos de conveniência; por outro lado, e agora como reacção à tendência jurisprudencial que se desenhara, procederia à inversão do ónus da prova, ao passar a enunciar como fundamentos da oposição "a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional".
Nestes termos, para além da tentativa de neutralizar os efeitos dos casamentos de conveniência, o legislador impunha ao interessado em adquirir a nacionalidade portuguesa a alegação e comprovação de uma ligação efectiva à comunidade nacional.
Este passo levaria a uma profunda modificação da prática jurisprudencial. Assim, o Supremo Tribunal de Justiça viria a considerar "esta comprovação como fundamento de aquisição da nacionalidade portuguesa é compreensivelmente necessária porque o Estado tem de ser cuidadoso e exigente na integração de pessoas no círculo dos seus nacionais, constituindo mesmo uma faculdade de sua reserva, devendo basilar-se a ligação procurada de alguém à comunidade nacional como uma ligação séria, aberta, efectivamente desejada e permanente, não meramente conjuntural portanto, ou desenhada com intenções reservadas".
E adiantaria, mais, que "a ligação efectiva à comunidade nacional constitui um autêntico pressuposto da aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade, tendo o requerente - candidato à aquisição - o ónus da correspondente alegação e prova.
Não o fazendo, há fundamento bastante para a procedência da acção de oposição", precisando ainda que "a mencionada ligação efectiva à comunidade nacional é verificada através da prova de algumas circunstâncias objectivas que revelem um sentimento de pertença a essa comunidade, como é o caso, entre outras, do domínio ou conhecimento da língua, dos laços familiares, das relações de amizade ou de convívio, do domicílio, dos hábitos sociais, das apetências culturais, da inserção económica, do interesse pela história ou pela realidade presente do país", e que "o denominador comum deve servir como pauta de referência e cimento aglutinador para aferir da ligação que a lei exige, não poderá deixar de ser a comunidade nacional e não uma concreta comunidade de nacionais no estrangeiro. (…) A interpretação jurisprudencial deste diploma consagraria na verdade a tese de que o interessado na aquisição da nacionalidade portuguesa tinha de comprovar, em termos que não poderiam deixar de se considerar como particularmente exigentes, a existência de uma ligação efectiva à comunidade nacional, o que permitiria restringir significativamente a aquisição da nacionalidade portuguesa”.
O regime da aquisição da nacionalidade por efeito da vontade voltou a sofrer profundas alterações com a Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04 - que introduziu alterações à Lei da Nacionalidade - e com o Decreto-lei n.º 237-A/2006, de 14/12 - que aprovou o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e revogou o anterior Regulamento aprovado pelo Decreto-lei n.º 322/82, de 12/08.
No que à Lei da Nacionalidade respeita, a alteração que importa aqui atentar é a de que passou a constituir fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa “a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional” (cfr. al. a) do artigo 9º).
O novo Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-lei n.º 237-A/2006, de 14/12, introduziu importantes alterações nesta matéria, designadamente quanto às imposições que impendem sobre o requerente da nacionalidade portuguesa.
O artigo 14º, n.º 3 exige que o mesmo instrua a declaração de que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa “com certidão do assento de casamento e com certidão do assento de nascimento do cônjuge português” (cfr. artigo 14º, n.º 3).
Por seu lado, o artigo 57º, n.º 1 estipula que “quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo anterior”; e o n.º 3 do mesmo preceito determina que “para efeitos do disposto no n.º 1, o interessado deve: a) Apresentar certificados do registo criminal, emitidos pelos serviços competentes do país da naturalidade e da nacionalidade, bem como dos países onde tenha tido e tenha residência; b) Apresentar documentos que comprovem a natureza das funções públicas ou do serviço militar prestados a Estado estrangeiro, sendo caso disso”.
Ao invés do que sucedia anteriormente, para a aquisição da nacionalidade portuguesa apenas se exige que o interessado reúna as condições previstas no artigo 3º da Lei da Nacionalidade - isto é, esteja casado há mais de três anos com cidadão português - e que manifeste a sua vontade nesse sentido, pronunciando-se, por mera declaração, “sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional”. Não se exige agora que o mesmo comprove essa ligação.
E tanto assim é, que foi revogada a exigência anteriormente prevista no artigo 22º, n.º 1, al. a) do Regulamento da Nacionalidade de o requerente comprovar por meio documental, testemunhal ou outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional.
Como resulta do disposto no artigo 57º, n.ºs 1 e 3 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, o requerente deve pronunciar-se sobre (i) a existência de ligação efectiva à comunidade nacional, (ii) se foi objecto de condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa e (iii) o exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro, mas apenas tem de comprovar estes dois últimos factos.
A lei basta-se agora com a mera pronúncia do interessado sobre a sua ligação à comunidade nacional, não lhe impondo a prova deste facto, uma vez que presume que a circunstância de o mesmo ser casado há mais de três anos com um cidadão português e de ter manifestado vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa é indício bastante de ter ligação efectiva à comunidade nacional (presunção iuris tantum).
Cabe ao Ministério Público, caso entenda existirem factos dos quais resulte a inexistência de ligação efectiva do requerente à comunidade nacional, opor-se à aquisição da nacionalidade portuguesa. E porque se trata de facto impeditivo do direito, o ónus da prova impende sobre ele, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 342º do Código Civil.
Assim, incumbe ao Ministério Público alegar e provar os factos que demonstrem que o requerido não tem ligação efectiva à comunidade nacional, assim obstando que o mesmo adquira a nacionalidade portuguesa.
Neste mesmo sentido e a propósito da alteração à Lei da Nacionalidade operada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04, refere Rui Moura Ramos (in ob. cit.) que a mesma “ao repor o entendimento tradicional quanto ao ónus da prova, vem legitimar uma posição menos restritiva quanto à aquisição da nacionalidade, ao limitar de algum modo o mecanismo de oposição, ainda que deixe de ser tão exigente na caracterização da inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional, uma vez que esta, para efeitos do desencadear da oposição, deixa de ter de ser manifesta”. E acrescenta: “Por outro lado, um outro aspecto importa ainda referir em sede de reforço do vínculo de nacionalidade e de redução do poder determinante que era conhecido do Estado na sua modelação. Falamos do instituto da oposição à aquisição da nacionalidade, o outro elemento que permitia ao Governo intervir no delineamento concreto do vínculo de nacionalidade. A este propósito há que recordar que ele funcionava como válvula de segurança que permitia paralisar determinadas aquisições de nacionalidade decorrentes da vontade ou da adopção quando existisse o risco de introdução na comunidade portuguesa de “elementos em relação a quem houvesse fundadas razões para que o Estado não lhes quisesse reconhecer a condição nacional portuguesa” (…). (…) a inversão do ónus da prova a que volta a proceder a nova lei, retornando assim à solução original da Lei n.º 37/81, (…) ao restringirem o alcance do mecanismo da oposição à aquisição, vêm limitar claramente as faculdades preclusivas (da aquisição da nacionalidade portuguesa) que ele comportava. Pode assim dizer-se que o poder modelador do Estado nas situações de aquisição derivada, que já fora limitado, no domínio da naturalização, às hipóteses, algo residuais, hoje previstas nos n.ºs 5 e 6 do artigo 6º, se vê também igualmente ainda mais circunscrito por uma concepção que implica um uso mais morigerado do instituto da oposição à aquisição – o que equivale afinal a reforçar a densidade do direito à nacionalidade tal como ele emerge dos diversos preceitos da nossa lei” (sublinhado nossos).
Também o STA se pronunciou neste sentido nos recentes acórdãos de 19/06/2014, proc. n.º 0103/14 e de 28/05/2015, proc. n.º 01548/14. A propósito da alteração operada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, refere-se no primeiro destes arestos: “No entanto, o legislador, considerando que o equilíbrio na atribuição da nacionalidade passava por uma previsão de regras que, “garantindo o factor de inclusão que a nacionalidade deve hoje representar em Portugal, não comprometam o rigor e a coerência do sistema, bem como os objectivos gerais da política nacional de imigração, devidamente articulada com os nossos compromissos internacionais e europeus, designadamente os que resultam da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, que Portugal ratificou em 2000”, resolveu, uma vez mais, alterar a redacção da mencionada norma com vista a que no, procedimento de oposição do Estado Português à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, se invertesse “o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artigo 9.º que passa a caber ao Ministério Público. Regressa-se desse modo ao regime inicial da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro.” – Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 32/X. E, porque assim, a partir da entrada em vigor da Lei 2/2006 passou a constituir fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade “a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional” (nova redacção da al.ª a) do art.º 9.º) a qual tinha de ser provada pelo M.P.”.
Igual entendimento foi acolhido por este TCAS nos acórdãos de 13/11/2008, proc. n.º 03697/08, de 17/03/2011, proc. n.º 06449/10, de 10/07/2014, proc. n.º 11308/14, de 11/09/2014, proc. n.º 11251/14 e de 16/04/2015, proc. n.º 11964/15.
Também neste sentido se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão de 6/02/2007, proc. n.º 10.181/06-2, onde se escreveu o seguinte: “Assim, enquanto no âmbito da versão originária a não ligação efectiva funcionava como facto impeditivo da aquisição de nacionalidade – cabendo a sua prova àquele que deduzia a oposição (art. 342º, n.º 2 do Cód. Civil) – na versão da Lei n.º 25/94 a referida ligação configura-se como facto constitutivo do direito a tal aquisição, recaindo sobre quem o pretende fazer valer o ónus da respectiva alegação e prova. (…) A Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, veio porém alterar o quadro legal de referência, e assim, designadamente, ao introduzir nova redacção no sobredito art. 9º da Lei da Nacionalidade (…). Retomando, pois, o legislador de 2006, a configuração da ausência de ligação efectiva do interessado à comunidade nacional como facto impeditivo da aquisição da nacionalidade, com prova a cargo de quem deduzisse oposição àquela”.
Isto posto e analisando os factos constantes do probatório, forçoso é concluir que o Ministério Publico não logrou demonstrar, como lhe competia, a inexistência de ligação efectiva da ora recorrente à comunidade nacional.
Com efeito, apenas resultou provado que esta é natural do Brasil, que casou no dia 25/05/1984 com um cidadão português, que reside no Brasil e que manifestou vontade de ser cidadã nacional, tendo então afirmado que tem ligação efectiva à comunidade portuguesa.
Estes factos não demonstram que a recorrente não tenha qualquer ligação efectiva à comunidade nacional, considerando que a mesma “se revela por um sentimento de pertença à cultura portuguesa, manifestada no conhecimento e domínio da sua língua, na aceitação e prática dos seus costumes, na partilha dos bens culturais, no interesse pela sua história, pela realidade do país ou pela forma como ele é governado e pelos laços familiares, relações de amizade ou de convívio com os cidadãos nacionais” (cfr. acórdão do STA de 19/06/2014, proc. n.º 0103/14).
Assim sendo, e considerando que o ónus da prova cabia ao Ministério Público, concluímos pela total procedência das conclusões de recurso (assim resultando prejudicada a apreciação das restantes questões que vinham colocadas).

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa deduzida pelo Ministério Público.
Sem custas em ambas as instâncias.

Lisboa, 25 de Junho de 2015


_________________________
(Conceição Silvestre) (1)



_________________________
(Cristina dos Santos)


_________________________
(Paulo Pereira Gouveia)
VOTO DE VENCIDO

Discordo do decidido, pelos seguintes motivos:

- A legislação relativa à aquisição da nacionalidade não alterou, nem revogou, o previsto no art. 10º/3-a) do CPC e no importante art. 343º/1 do CC;

- Assim sendo, como é, e respeitando a racionalidade e a unidade do sistema jurídico (sob a égide do art. 9º do CC), consideramos que é impossível afirmar que, neste tipo de processo (ação de simples declaração negativa), o ónus da prova da factualidade relevante cabe ao autor; até porque é difícil ou impossível fazer a prova de factos negativos (sobretudo por causa da impossibilidade jurídica e constitucional de o MP invadir a vida privada e social do interessado), sendo certo que aqui o art. 9º/a) da LN se refere a uma conclusão a retirar de factos pessoais do interessado em obter a nacionalidade portuguesa, que mais facilmente podem ser alegados e provados pelo interessado;

- Para quem considere, como é inevitável, que esta ação é das previstas no art. 10º/3-a) do CPC, é importante referir que não se descortina qualquer presunção legal nesta matéria a favor do interessado; com efeito, lida e relida a legislação em causa, a mesma não exprime/prevê qualquer presunção (legal) de ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa a favor do estrangeiro que queira ser português, em qualquer caso; aliás, tal presunção legal não teria sentido, porque seria presumir algo que a lei qualifica ou exige como sendo “efetivo”;

- Ad latere: muitas das vezes, esta questão nem precisará de ser discutida, porque a factualidade provada não permite concluir pela existência da ligação efetiva;

- No mais, remete-se, v.g., para o Ac. do TCAS de 22-3-2012, P. nº 8174/11 (rel. Teresa de Sousa), o Ac. do TCAS de 3-5-2012, P. nº 6222/10 (rel. Teresa de Sousa), e o Ac. do TCAS de 11-6-2015, P. nº 12086/15, por mim relatado.

25-6-2015

Paulo P. Gouveia

(1) Assim revendo a posição assumida nos acórdãos deste TCAS de 12/03/2015, proc. n.º 11816/15, 30/04/2015, proc. n.º 10528/13 e de 14/05/2015, proc. n.º 12013/15.