Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:995/20.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:DÍVIDAS À SEGURANÇA SOCIAL ;
CITAÇÃO;
PRESCRIÇÃO.
Sumário:1.A interrupção da prescrição inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente. E quando resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
2.Tendo a citação ocorrido em 5/11/2002 em plena vigência do n.º 2 do art. 49º LGT, apenas revogado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito interruptivo, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3.Se o processo esteve parado por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, antes da revogação do n.º 2 do art.º 49º LGT, o efeito interruptivo da citação degrada-se em efeito suspensivo e a contagem da prescrição efetua-se nos termos prescritos  no art.º 49º/2 LGT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


RECORRENTE: R..............
RECORRIDO: IGFSS, IP.
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Leiria que julgou improcedente a reclamação deduzida contra o despacho de indeferimento do pedido de declaração de prescrição das dívidas à Segurança Social.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:


42º

O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões.

43º

Nesta conformidade cumpre ao Recorrente, no âmbito destas conclusões, delimitar o objecto do Recurso sub judice.

Do objecto do Recurso.


44º

Em síntese e na substância o Recorrente pretende ver revogada a decisão recorrida dado que a mesma julgou incorretamente a matéria de facto aportada nos autos, violou o disposto nos art.ºs 8º, nº 1 e 2º, alíneas a) e b) da LGT e não aplicou o disposto no art.º 48º, nº 3 da LGT, como exige o caso sub judice.

45º

Objectivamente, a Meritíssima Juiz do tribunal à Quo, julgou incorretamente a matéria de facto que envolve o caso em apreço, na medida em que considerou o Recorrente como devedor originário da dívida exequenda em causa, quando, de facto, a devedora originária da dívida exequenda era e é a sociedade “ P…………, LDª”.

46º

A dívida exequenda em causa tem a sua génese na falta de pagamento de cotizações e contribuições liquidadas no período compreendido entre os anos de 2000 e 2002, sendo aquela falta de pagamento das cotizações e contribuições imputado à sociedade “P………….., LDª”, que enquanto pessoa colectiva e entidade empregadora está, ex-vi-legis, obrigada a pagar os tributos em causa
– 11% - retido no salário dos trabalhadores e 23,75 % de sua responsabilidade – percentagens aferidas à luz do salário pago aos trabalhadores.

47º

Inexplicavelmente, a Meritíssima Juiz do tribunal à Quo, não obstante concluir de forma clara e inequívoca na decisão recorrida que a devedora originária da divida exequenda em causa era a sociedade “P………, LDª”,

48º

decidiu considerar o Recorrente como devedor originário da dívida exequenda e, nesse sentido, não aplicou à mesma o instituto jurídico da prescrição a que alude o disposto no art.º 48º, nº 3 da LGT.

49º

Toda esta matéria foi incorretamente julgada pela Meritíssima Juiz do Tribunal à Quo, dado que o Recorrente jamais, em tem algum, contraiu qualquer dívida junto da Segurança Social.

50º
É certo e verdade que o Recorrente exerceu funções de gerente de facto da devedora originária sociedade “P………., LDª”, no período em que esta sociedade não pagou à Segurança Social os tributos – cotizações e contribuições – que matriciam a dívida exequenda,

51º

e, nessa qualidade – gerente de facto da devedora originária – o Recorrente responde subsidiariamente por aquelas dívidas.

Todavia,


52º

tal responsabilidade subsidiária do Recorrente pelo pagamento das dívidas tributárias contraídas pela devedora originária junto da Segurança Social, além de balizada pelo disposto nos artigos 23º e 24º da LGT,

53º

encontra-se, ainda, protegida pelo disposto no art.º 48º, nº 3 da LGT.

Ora,


54º

o caso em apreço é paradigmático da aplicação do disposto no art.º 48º, nº 3 da LGT,


55º

dado que, o Recorrente, enquanto responsável subsidiário pelo pagamento da dívida exequenda sub judice – não existe outra figura – é apenas responsável subsidiário –, não foi citado em processo de execução fiscal relativamente a tal dívida exequenda, dentro da grelha de cinco (5) anos contados após ocorrer a liquidação dos tributos que matriciam a dívida exequenda.

56º

As citações/notificações que a decisão recorrida refere, ocorreram – se é que ocorreram? – na pessoa do ora Recorrente enquanto gerente de facto da devedora originária sociedade “P………….., LDª”.

57º

Se, de facto, tais citações/notificações relativamente à divida exequenda ocorreram, as mesmas interromperam a prescrição do direito de exigir o pagamento de tal dívida apenas em relação à devedora originária, não produzindo efeitoa interrupção da prescriçãorelativamente ao responsável subsidiário,


58º

razão pela qual muito mal andou a Meritíssima Juiz ao não aplicar ao caso em apreço o disposto no art.º 48º, nº 3 da LGT.

Em suma:


59º

A Meritíssima Juiz do Tribunal à Quo, julgou incorretamente a posição jurídica do então Reclamante ora Recorrente, relativamente à dívida exequenda em causa, dado que considerou o Reclamante devedor originário dessa dívida quando, de facto, era e é devedor/responsável subsidiário de tal dívida.

Termos em que,        
deve o presente Recurso ser julgado totalmente procedente por provado e, em consonância, deve ser revogada a decisão recorrida no sentido de julgar totalmente procedente a Reclamação apresentada pelo Recorrente junto do Tribunal à Quo, considerando-se prescrito o direito de exigir ao então Reclamante ora Recorrente o pagamento da quantia exequenda por força da aplicação ao caso sub judice do disposto no artº 48º, nº 3 da Lei Geral Tributária.

CONTRA ALEGAÇÕES.

Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo  pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

                                                        

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar improcedente a reclamação deduzida contra o despacho que indeferiu o pedido de declaração de prescrição das dívidas

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

1.        Em 31 de outubro de 2002 foi pela Seção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. autuado o processo de execução fiscal n.º…………., em nome de R.............., ora Reclamante, para cobrança coerciva de uma dívida de contribuições dos anos de 1999/11T a 2001/06T, no montante de 6.513,61€ - cfr. autuação, certidão de dívida n.º 1457/2001, a fls. 22 a 24 dos autos (sempre em suporte de papel).

2.        Em 05 de novembro de 2002 foi assinado pelo Reclamante o aviso de receção, atinente à sua citação no âmbito do processo de execução fiscal n.º .............., para pagamento da quantia exequenda no montante de 6.513,60€ e acrescidos (juros de mora), no montante de 1.577,55€, no montante total de 8.091,15€ – cfr. citação, docs. “Quantia Exequenda” e aviso de receção, a fls. 26 a 29 dos autos.

3.        Em 29 de janeiro de 2003 foi assinado pelo Reclamante o aviso de receção referente à notificação do teor da informação proferida pelo Diretor da Seção de Processo de Braga em 28 de janeiro de 2003, que determinou a prossecução da execução fiscal quanto à quantia exequenda associada à certidão de dívida n.º 1457/2001, juros de mora e custas processuais, porquanto as contribuições referentes aos meses de novembro, dezembro de 1999 e de março de 2000 foram pagas dentro do prazo legal, encontrando-se em dívida as contribuições dos meses de abril a dezembro de 2000, janeiro a julho de 2001, no montante de 5.920,33€, juros de mora no montante de 1.613,12€ e custas processuais no montante de 59,86€ – cfr. informação, notificação, docs. “Quantia Exequenda” e aviso de receção, a fls. 40 a 44 dos autos.

4.        Em 21 de fevereiro de 2003 foi assinado por J.............. o aviso de receção associado à notificação do Reclamante, da qual consta que em resultado da apreciação do pedido de pagamento em prestações formulado no processo de execução fiscal n.º .............. em 04 de fevereiro de 2003, e que por despacho do Diretor de Finanças de Braga do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. datado de 18 de fevereiro de 2003, foi autorização o pagamento em 36 prestações da quantia exequenda no montante de 5.920,33€, no valor mensal de 164,45€ - cfr. requerimento, despacho, notificação e aviso de receção, a fls. 45, 50 a 52 dos autos.

5.        Em 07 de março de 2003 foi elaborado o auto de constituição de garantia no âmbito do processo de execução fiscal n.º .............., no montante de 9.565,65€, oferecida para pagamento da quantia exequenda de 5.920,33€, a qual acrescem juros de mora, a liquidar em 36 prestações mensais – cfr. auto e cheque bancário, a fls. 53 e 54 dos autos.

6.        Através do ofício n.º 03776, datado de 12 de setembro de 2007, foi emitido em nome do Reclamante a notificação da qual consta que em resultado do pedido de pagamento em prestações formulado também em 24 de julho de 2007, e que por despacho da Coordenadora da Seção de Processo Executivo de Braga do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., datado de 10 de setembro de 2007, foi autorizado no âmbito do processo de execução fiscal n.º .......... o pagamento em prestações da quantia exequenda no montante de 1.827,15€, em 12 prestações mensais, no montante de 152,26€, com isenção de garantia – cfr. requerimento, ofício e despacho, a fls. 86 a 88 dos autos.

7.        Através do ofício n.º 003777, datado de 12 de setembro de 2007, foi emitido em nome do Reclamante a notificação da qual consta que em resultado do pedido de pagamento em prestações formulado em 24 de julho de 2007, e que por despacho da Coordenadora da Seção de Processo Executivo de Braga do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., datado de 10 de setembro de 2007, foi autorizado no âmbito do processo de execução fiscal n.º .......... o pagamento em prestações da quantia exequenda no montante de 3.945,02€, em 36 prestações mensais, no montante de 109,58€, com isenção de garantia – cfr. requerimento, ofício e despacho, a fls. 90 a 90-v, 93 e 94 dos autos.

8.        Em 11 de novembro de 2013 foi emitido pela Seção de Processo Executivo de Braga do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., o ofício de notificação ao Reclamante dos valores de cotizações em dívida no âmbito do processo de execução fiscal n.º .............. e outros, por dívidas à Segurança Social no montante de 6.971,20€, dos quais 456,79€ são dívidas de cotizações, com a indicação de que a existência de tais dívidas constituía indício de integrar a prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social – cfr. ofício, a fls. 98 e 98-v dos autos.

9.        Em 07 de março de 2003 o processo de execução fiscal n.º ……………. e apensos foi suspenso por pagamento em prestações – cfr. histórico, a fls. 100 a 100-v dos autos.

10.      Em 04 de março de 2020 foi remetido pelo Mandatário do Reclamante ao Instituto de Gestão Financeira Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Leiria, através de correio registado sob o registo n.º RH……….., um requerimento, pelo qual veio requerer, entre o mais, a prescrição das dívidas em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º …………. – cfr. requerimento e registo, a fls. 101 a 102-v e 109 dos autos.

11.      Em data não apurada, foi emitido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Leiria, um ofício pela qual informa o Reclamante dos valores em dívida e pendentes de regularização – cfr. ofício, a fls. 103 dos autos.

12.      Em 30 de junho de 2020 foi elaborado pela Seção de Processo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., informação/proposta, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no âmbito da qual se determinou a exigibilidade da totalidade dos valores em dívida e consequente prosseguimento da tramitação do processo de execução fiscal n.º ……………. – cfr. informação, a fls. 111 e 112 dos autos.

13.      Em 29 de junho de 2020 foi proferido pelo Coordenador da Seção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., despacho de concordância com a referida informação – cfr. despacho, a fls. 111 dos autos.

14.      Através de ofício datado de 30 de junho 2020 foi emitido a notificação ao Mandatário do Reclamante do teor da informação/proposta referidas nos pontos anteriores – cfr. ofício, a fls. 110 dos autos.

15.      Na mesma data, foi emitida em nome do Reclamante o ofício de notificação dos valores em dívida no âmbito do processo de execução fiscal n.º .............. e apensos, com o seguinte teor:

- processo de execução fiscal n.º .............., contribuições do período tributário 2006/06T a 2001/07T, cuja quantia exequenda em dívida ascende ao montante de 2.331,76€ e respetivos juros de mora em dívida no montante de 79,19€;

-         processo de execução fiscal n.º…………, contribuições do período tributário 1999/01T a 2002/06TT, cuja quantia exequenda em dívida ascende ao montante de 456,79€;

-         processo de execução fiscal n.º……….., contribuições do período tributário 1999/01T a 2002/06T, cuja quantia exequenda em dívida ascende ao montante de 456,79€ e respetivos juros de mora no montante de 443,37€.

(…)” – cfr. notificação, a fls. 113 a 113-v dos autos.

Factos não provados

Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa, atenta a causa de pedir, designadamente não está provado que:

1.       A remessa e o recebimento das notificações do deferimento dos pedidos de pagamento em prestações requeridos pelo Reclamante no âmbito do processo de execução fiscal n.º .........., em 24 de julho de 2007 e melhor descritos nos pontos 6) e 7) do probatório supra.

2.       A remessa e o recebimento da notificação ao Reclamante dos valores de cotizações em dívida e por regularizar no âmbito do processo de execução fiscal n.º .............., no montante de 6.971,20€, dos quais 456,79€ são referentes a cotizações, melhor descrito no ponto 8) do probatório supra.

3.        A remessa e o recebimento do ofício de notificação dos valores em dívida e pendentes de regularização junto do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., melhor descrito no ponto 11) do probatório supra.

Motivação da matéria de facto

A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes do processo de execução fiscal, ora incorporado e conforme é especificado nos vários pontos do probatório supra.

Quanto aos factos não provados a convicção do Tribunal fundou-se na ausência de prova documental.

Assim, quanto ao facto não provado com o n.º 1, a convicção do Tribunal resulta da circunstancia de, nos autos, apesar de constarem os requerimentos do pedido de pagamento em prestações no âmbito do processo de execução fiscal n.º …………… e apensos, o cálculo do valor da garantia, os ofícios de notificação e despachos proferidos pela Coordenadora da Seção de Processo Executivo de Braga do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., inexiste associado aos referidos documentos qualquer registo postal coletivo ou print da base de dados dos “Ctt Correios” que permita aferir a sua remessa e muito menos o recebimento de tais notificações pelo Reclamante.

Não sendo possível demonstrar a remessa, muito menos é possível aferir que os mesmos foram efetivamente recebidos pelo Reclamante.

Relativamente aos factos n.ºs 2 e 3 não provados, a mesma situação se coloca, apenas foi emitido o ofício de citação, inexistindo também qualquer print da base de dados dos “Ctt Correios” que permita associar os referidos documentos a qualquer suporte documental da remessa e recebimento pelo Reclamante.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Invocando a qualidade de responsável subsidiário, o Reclamante impugnou o despacho de indeferimento do pedido de declaração de prescrição das dívidas relativas aos períodos de 2001, 2002 e 2003, alegando, em síntese, não ter sido citado nos cinco anos posteriores ao ano da liquidação dos tributos. Por isso, mesmo em caso de interrupção da prescrição em relação ao devedor principal, a dívida está prescrita em relação a si ao abrigo do art.º 69º da Lei n.º 83-A/2013, de 30  de dezembro, conjugado com o art. 48º/3 da LGT.

A MMº juiz julgou a reclamação improcedente, por ainda não ter decorrido o prazo legal de prescrição.

O Recorrente defende que a sentença errou desde logo porque o considerou como devedor originário da dívida exequenda, quando é apenas devedor subsidiário pelas dívidas da sociedade “P………, Lda”.

Isto não obstante a MMª juiz concluir na decisão recorrida que a devedora originária é a sociedade “P..........” (Conclusões 47º a 55º).

As citações e notificações que ocorreram produziram seus efeitos em relação à devedora originária, mas não ao responsável subsidiário (Conclusões 56º e segs.).

Sendo estas as questões que nos são apresentadas para julgamento vejamos, em primeiro lugar, se a execução foi instaurada contra o Reclamante/Executado como devedor subsidiário ou como devedor originário.

Contudo, não há dúvidas nenhumas de que o processo de execução fiscal n.º .............. (e seus apensos), foi instaurado contra o Reclamante na qualidade de devedor originário, como resulta dos factos provados n.ºs 1 e 2, especialmente.

É certo que o Reclamante no Requerimento inicial alegou responder subsidiariamente pelas dívidas da devedora originária a sociedade “P..........”.

Porém, esse facto não foi provado.

E não foi por lapso que não foi provado, porque a MMª juiz a fls. 11 da douta sentença esclarece que “Apesar de o Reclamante alegar que não foi citado na presente execução fiscal dentro do prazo de 5 anos após a liquidação, inexiste nos autos qualquer prova de que a quantia exequenda adveio da Sociedade originária devedora “P.........., Lda”, através do instituto da reversão”.

Não obstante o Recorrente não impugnar validamente a matéria de facto, nos termos que o art. 640º do CPC exige, tão pouco dos autos consta qualquer documento de onde se possa inferir, ainda que indiciariamente, que a quantia exequenda esteja a ser exigida ao Reclamante como devedor subsidiário.

Pelo contrário. Toda a documentação junta aos autos, incluindo os pedidos de pagamento em prestações, são feitos em nome individual do Reclamante/Recorrente, sem referência à sociedade “P..........”.

Assim, não tendo impugnado validamente a matéria de facto e não constando dos autos qualquer prova que permita corroborar, ou indiciar minimamente, a tese do Recorrente, que se demitiu de juntar, por exemplo, o alegado despacho de reversão que facilmente confirmaria a sua tese, concluímos que a matéria de facto na douta sentença se encontra estabilizada e não merece qualquer censura ou correção.

Acrescentamos que não se provando a citação do Reclamante como devedor subsidiário, também não há lugar à aplicação do art.º 48º/3 da LGT, ao contrário do que advoga o Recorrente.

E passamos então ao invocado erro de julgamento de direito.

As contribuições para a segurança social constituem prestações pecuniárias de carácter obrigatório e definitivo, afetas ao financiamento de uma ampla categoria de despesas do sistema previdencial de segurança social e de outras (designadamente das políticas ativas de emprego e de formação profissional), pagas a favor de uma entidade de natureza pública e tendo em vista a realização de um fim público de proteção social.

O montante das contribuições (da entidade empregadora em relação aos trabalhadores por conta de outrem) e quotizações (dos trabalhadores por conta de outrem) é determinado de acordo com a incidência da taxa contributiva na remuneração auferida pelo trabalhador, pertencendo a responsabilidade do seu pagamento à entidade empregadora, enquanto substituto tributário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/12/2019, rec.1555/08.5BEBRG; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/09/2016, proc.9930/16; Nazaré da Costa Cabral, Contribuições para a Segurança Social, Natureza, Aspectos de Regime e de Técnica e Perspectivas de Evolução num Contexto de Incerteza, Cadernos do IDEFF, nº.12, 2010, pág.81 e seg.; Apelles J. B. Conceição, Segurança Social, Manual Prático, 10ª. Edição, Almedina, 2017, pág.107 e seg.)[1].

O prazo de pagamento voluntário das contribuições, ou quotizações terminava no dia quinze do mês seguinte àquele a que diziam respeito (cfr. artº.18º, do Decreto-Lei n.º 140-D/86, de 14/6; artº.10º/2, do Decreto-Lei n.º 199/99, de 8/6).

Esse prazo decorre, atualmente, entre o dia dez e o dia vinte do mês seguinte àquele a que dizem respeito (cfr. ac. S.T.A.-2ª.Secção, 4/12/2019, rec.1555/08.5BEBRG; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/03/2017, proc.240/13.2BEFUN; artº.43, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16/9, em vigor desde 1/01/2011).

O prazo de prescrição das dívidas era de dez anos (cfr. artº.14, do Decreto-Lei n.º

103/80, de 9/3; artº.53º/2 da Lei 28/84, de 14/8). Atualmente reduzido cinco, por força do disposto no atr. 63º da Lei n.º 17/2000, de 8/8 e das leis posteriores que lhe sucederam (Lei n.º 32/2002, de 20/12 e 4/2007 de 16/1 e 187º/1 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social – CRCSPSS).

O termo inicial do prazo prescricional ocorre a partir da data em que a obrigação deveria ser cumprida, e interrompe-se com a prática de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida, (nomeadamente, a instauração de processo de execução fiscal - cfr.artº.63, nºs.2 e 3, da Lei 17/2000, de 8/8; artº.49, nºs.1 e 2, da Lei 32/2002, de 20/12; artº.60, da Lei 4/2007, de 16/1; artº.187, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social; ac. S.T.A.-2ª.Secção, 4/12/2019, rec.1555/08.5BEBRG; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/09/2016, proc.9930/16; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.127 e seg.).

Estabelecendo a nova lei um prazo mais curto de prescrição, aplica-se aos prazos que estiverem em curso. Mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar (art. 297º do Código Civil).

Esta reflexão apenas tem pertinência para as dívidas de 1999 a 2000, porque as restantes estão abrangidas pela regra da prescrição de cinco anos, prevista na Lei n.º 17/2000.

O termo inicial do prazo ocorre a partir da data em que a obrigação deveria ter sido cumprida (art. 63º/2 da Lei n.º 17/2000), nos termos que também já referimos.

À prescrição das dívidas à Segurança Social aplica-se, subsidiariamente, o regime previsto na L.G.T., atento o disposto no artº. 3º-a), do atual Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.

Assim, o termo final da prescrição das referidas dívidas (1999 e 2000), ocorreria  em 2009 e 2010, se não surgisse qualquer facto interruptivo ou suspensivo do mesmo prazo.

Portanto, quando em 4/2/2001 entrou em vigor a Lei n.º 17/2000 que estabeleceu um prazo prescricional menor, faltavam mais anos para se completar a prescrição segundo o prazo maior da lei antiga.

Donde, é aplicável o prazo prescricional de cinco anos, embora só se conte a partir 4/2/2001- data da entrada em vigor da lei nova.

Como referimos, a prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida (art.º 63º/3).

Consideram-se diligências administrativas todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor[2].c

No caso, o facto com potencialidade interruptiva ocorreu, pelo menos, com a citação do Reclamante em 5/11/2002 (factos provados n.º 2).

As leis tributárias enumeram os factos aos quais se atribui  efeito interruptivo da obrigação tributária, pelo que não há que fazer apelo às normas do Código Civil na determinação dos factos interruptivos.

Mas os efeitos decorrentes da interrupção não estão completamente regulados nestas leis. Por isso, deve aplicar-se, quanto a estes e subsidiariamente, o regime do Código Civil (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág. 52 e seg.) [3].

Nos termos do art.º 326º/1 do Código Civil, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente.

Mas quando resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artº. 327º/1 do Código Civil).

Assim, a citação tem um duplo efeito no decurso da marcha prescricional: um efeito instantâneo decorrente da inutilização para a prescrição do tempo anteriormente percorrido e um  efeito duradouro, ou suspensivo da prescrição, que impede a retoma do prazo prescricional  enquanto o processo durar.

Contudo, a citação ocorreu em 5/11/2002 numa altura em que ainda estava em vigor o n.º 2 do art. 49º LGT, apenas revogado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, nos termos do qual a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número  anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.

Por conseguinte, perante este circunstância factual e legal, antes de aplicar, ou não, o efeito  duradouro da citação na prescrição, teremos de saber se o processo esteve parado por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo. Se esteve, não podemos aplicar o efeito duradouro da citação na interrupção da marcha prescricional porque o efeito interruptivo da citação degrada-se, neste caso, em efeito suspensivo efetuando-se, então, a contagem da prescrição nos termos prescritos  no referido n.º 2 do artº 49º LGT[4].

Vale isto por dizer que sem esta prova não é possível decidir se a prescrição ocorreu ou não, para além de não se saber exatamente as datas em que ocorreu o deferimento do pedido de pagamento em prestações nem em que datas foi proferido despacho de exclusão.

Como estes elementos não constam do processo, deverão os autos ser remetidos ao tribunal "a quo" para que,  socorrendo-se dos meios processuais que a lei lhe confere (cfr. art. 13º do  CPPT e 99º LGT), se proceda à respetiva indagação e se profira nova sentença que ao caso couber.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da segunda sub-secção de contencioso Tributário deste TCAS em anular a sentença recorrida por défice instrutório e determinar a baixa dos autos para a averiguação factual acima explanada.

Sem Custas.

Lisboa, 29 de abril de 2021.

[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]

(Mário Rebelo)



 

___________________________

[1]Com a devida vénia, seguimos de perto o douto Ac. do STA n.º 0534/20.0BEBRG de 15-07-2020 Relator: JOAQUIM CONDESSO

[2] Ac. do STA n.º 023/10 de 21-04-2010 Relator:      MIRANDA DE PACHECO
[3] Ac. do STA n.º 01437/18.4BEBRG de 10-04-2019  Relator: DULCE NETO 
Sumário:              I - Constitui facto interruptivo do prazo legal de prescrição de dívidas à Segurança Social a citação para a execução fiscal, o qual tem não só um efeito jurídico instantâneo (de inutilizar todo o prazo anteriormente decorrido) como, também, um efeito jurídico duradouro, isto é, um efeito interruptivo que permanece até ao termo do processo executivo, em conformidade com o disposto no art.º 327º nº 1 do Código Civil, norma cuja aplicação se deve ao facto de o diploma que define o regime das contribuições à Segurança Social e a actual Lei Geral Tributária nada disporem sobre a matéria.
[4] Ac. do STA n.º 01207/19.2BESNT de 04-03-2020 - Relator:               PAULO ANTUNES              
Sumário:              I - Para o conhecimento da prescrição, se a citação ocorreu em data anterior a 1-1-2007, em que entrou em vigor a Lei 53-A/2006, de 29/12, que revogou o n.º 2 do art. 49.º da L.G.T., importar que seja verificado se não ocorreu a paragem do processo por período superior a um ano, conforme anteriormente nesse n.º2.
II - Com efeito, no caso de ter ocorrido tal paragem antes de 1-1-2007, o efeito interruptivo da referida citação degenerou em suspensivo.
III - A aplicação do novo regime nesse caso redunda em retroatividade, a qual se encontra constitucionalmente proibida, e provoca a violação dos princípios da segurança e certeza jurídicas.