Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 598/11.8BESNT |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 01/14/2021 |
Relator: | VITAL LOPES |
Descritores: | OPOSIÇÃO; GERÊNCIA DE FACTO; ÓNUS DE PROVA. |
Sumário: | 1. Sendo o exercício efectivo de funções de administração ou gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária prevista no art. 24.º da LGT, e cabendo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício de funções de administração ou gestão pelo Oponente. 2. Não pode a exequente pretender operar a reversão nos termos da alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT (em que há inversão do ónus da prova quanto aos pressupostos da culpa) com factos constitutivos da gerência ou administração unicamente reportados ao período de constituição da dívida (2005), que não ao do seu pagamento (2010). |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL 1 – RELATÓRIO A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a oposição deduzida por J..... à execução fiscal n.º ..... contra si revertida e originariamente instaurada contra “S....., S.A.” para cobrança de dívida de IRC de 2005, no valor total de 366.977,01 Euros. O Recorrente conclui as alegações assim: « I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição deduzida por J..... à execução fiscal n.º ..... e apenso, contra si revertida e instaurada originariamente contra a sociedade “S..... SA”, NIPC ......... por dívidas de IRC do ano de 2005, no valor total de € 366.977,01, fundamentando a sua posição, em suma, na sua ilegitimidade, por não exercício efectivo da gerência. II. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do artigo 24.º, n.º 1, aliena b) da LGT. III. Vem a douta sentença dizer que dos factos provados nos autos não é possível afirmar o exercício da gerência de facto por parte do Oponente no termo do prazo para pagamento voluntário dos impostos em cobrança coerciva, não obstante este até admitir que se encontrava para tal designado desde a constituição da sociedade. E tal impossibilidade decorre de a Administração Tributária não ter demonstrado qualquer facto que indiciasse o exercício da gerência de facto pelo ora Recorrido. IV. Na verdade, da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente ou administrador resulta a presunção legal de que é gerente/administrador de direito, não de que exerce efectivas funções de gerência/administração (cfr. art.º 11.º do Código do Registo Comercial). V. O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa. VI. Ou seja, não resulta dos autos, qualquer incapacidade legal do oponente para o exercício das suas funções, pelo que, a sua responsabilidade inicia-se com a sua nomeação para o exercício do cargo e da sua livre aceitação do cargo de gerente/administrador. VII. Relativamente à gerência, na esteira da Douta sentença do 2.º Juízo Cível do Circulo de Santa Maria da Feira, sentença A. Ordinária n.º 237/2002 “os gestores ou administradores estatutários, ainda que não o sejam na prática, encontram-se numa posição legal de garante em relação aos credores sociais, com vista a que os “gerentes de facto” adoptem métodos de um “gestor criterioso”, impondo-se-lhes um dever de vigilância quanto aos procedimentos de gestão adoptados por este último”. VIII. “No caso da omissão desse dever de vigilância e se os “gestores ou administradores de facto” não actuarem de modo diligente no exercício dessas funções de direcção, os dirigentes societários estatutários respondem civilmente perante os credores sociais pelos danos causados por aqueles outros “dirigentes de facto”. IX. O Recorrido no exercício das suas funções na sociedade executada tinha como dever zelar pelo cumprimento das obrigações legais da mesma, nomeadamente, em sede de obrigações fiscais. X. O Recorrido, ao aceitar a sua nomeação como administrador, assumiu e fez crer a terceiros que era responsável pelos deveres e obrigações resultantes do exercício regular da actividade da sociedade, pelo que, a sua atuação – enquanto administrador da devedora originária – deixou desprotegidos os credores, designadamente, a Fazenda Pública. XI. In casu, ao contrário do postulado na sentença ora recorrida, o Recorrido teve intervenção ativa na sociedade enquanto administrador de facto, nomeadamente, quando assinou as escrituras de compra e venda realizadas em 30-11-2005 e 06-12- 2004, como aliás decorre da factualidade assente. Resulta, da mesma forma, provado que o Recorrido teve intervenção ativa na celebração dos contratos de empreitada, de qualidade de administrador da sociedade devedora originária. XII. Vale isto por dizer que, não obstante a devedora originária se obrigar com a assinatura de dois administradores em conjunto, sendo o universo de administradores de cinco, verifica-se que o ora Recorrido esteve presente, apondo a sua assinatura, em nome e representação da sociedade, em negócios de milhões de euros, como os elencados nos artigos que antecedem. XIII. O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa. XIV. Ou seja, não resulta dos autos, qualquer incapacidade legal do oponente para o exercício das suas funções, pelo que, a sua responsabilidade inicia-se qua a sua nomeação para o exercício do cargo e da sua livre aceitação do cargo de gerente/administrador. XV. Assim, a alegação de que não teve intervenção nos destinos da sociedade, como era seu dever, apenas reforça a posição passiva que norteou a sua actuação, enquanto administrador da sociedade S....., S.A, por condutas omissivas, ou seja, que se demitiu dos seus deveres, designadamente, de vigilância e diligência de gerência. XVI. Como nos ensina Lima Guerreiro in Lei Geral Tributária, anotada, pág.144/145: “(…)a culpa na insuficiência do património societário pode, hoje, resultar não apenas de condutas comitivas, como omissivas, em particular o não exercício, por desinteresse, das funções de administração e gerência. Nenhum obstáculo legal impede que seja fundamento de responsabilidade tributária essa conduta, já que o abandono legitimo dessas funções configura um facto ilícito e culposo para efeitos do regime da responsabilidade subsidiária (…)”. (destaques nossos) XVII. No mesmo sentido, o Parecer do DMMP, nos presentes autos: “Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus. (…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efetivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência. Ora, na presente situação, a AT fez prova, designadamente documental, dos factos que alega, relativamente à culpa do oponente”(destaques nossos). XVIII. Afigura-se-nos, assim, imperceptível como pode o Recorrido afirmar e a sentença proferida confirmar que nunca exerceu a gerência de facto atendendo ao facto de que a sua assinatura, conjuntamente com a de outro socio, tinham a autoridade legal para vincular a devedora originaria no giro comercial. Como, aliás, sucedeu nos negócios milionários supra mencionados. XIX. Ou seja, o Recorrido possui uma intervenção pessoal e activa na vinculação da sociedade devedora originária, o que significa que a viabilidade funcional desta era concretizada com a intervenção do Oponente, o que se subsume, integralmente à noção de administração de facto. XX. Antes do mais se diga que a lei não faz qualquer distinção, para efeitos de responsabilidade subsidiária, entre actos de gestão ou de gerência técnica e actos de natureza administrativa ou financeira. XXI. Não descuramos que não estamos perante qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador. Tanto que, a Fazenda Pública tendo o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, veio carrear toda a prova necessária e possível. XXII. E perante tal factualidade, mostra-se sólida a conclusão, extraída por presunção judicial, de que o oponente/Recorrido exerceu a gerência da devedora originária em período concomitante com o da dívida ou seu pagamento. XXIII. Perante o referido não resta se não concluir que o Recorrido exerceu de facto a gerência/administração da sociedade, pelo que, a douta sentença ao decidir como decidiu não fez uma correcta apreciação da matéria de facto. XXIV. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do artigo 24.º, n.º 1, aliena b) da LGT. XXV. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente oposição judicial, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei. TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!». Contra-alegações, não houve. A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso deverá proceder, devendo a sentença ser revogada, na senda do pretendido pelo recorrente. Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. 2 – DO OBJECTO DO RECURSO Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão controvertida reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir não ter a Fazenda Pública feito prova do exercício de facto das funções de administração do oponente enquanto pressuposto da responsabilidade subsidiária por dívidas tributárias da sociedade devedora originária. 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida: « Com interesse para a decisão da causa considera-se assente a factualidade que se passa a subordinar por alíneas: A) No Serviço de Finanças da Amadora-1 foi instaurado contra a sociedade “S....., S.A.”, pessoa coletiva n.º ........., o processo de execução fiscal (PEF) n.º ....., para cobrança de dívida de coima fiscal, identificado como processo principal, ao qual foram apensados outros, incluindo o PEF para cobrança de dívida de IRC do exercício de 2005, no valor total de € 366.977,01, resultante de liquidação adicional efetuada na sequência de ação de inspeção tributária, com data limite de pagamento voluntário em 12.05.2010 – cf. fls. 1, 2, 42 a 63 e 76 do PEF apenso. B) Por informação de 24.02.2011 emitida no âmbito do PEF identificado em A), foi feito constar, na sequência das diligências de pesquisa nas bases de dados documentadas a fls. 13 a 16 do PEF, além do mais, que “em face das diligências […], nomeadamente consulta aplicações informáticas do Património, SIPA e CEAP, que não são conhecidos bens penhoráveis à executada”, sendo determinada a notificação dos administradores J......... e o ora Oponente para efeitos de audição prévia com vista à reversão por terem exercido as funções de administração no período entre 12.01.2003 e 25.01.2007, conforme registo comercial respetivo e, ainda, porque os mencionados Administradores foram intervenientes, em representação da sociedade devedora originária, em escrituras públicas de venda de imóveis ocorridas em 2004 e 2005 – cf. fls. 69 a 72 do PEF apenso. C) Em 21.03.2011 o oponente exerceu o direito de audição prévia, conforme requerimento de fls. 93 a 98 do PEF apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – cf. fls. 93 a 98 do PEF apenso. D) Em 29.03.2011 foi proferido despacho de reversão da execução identificada em A), relativamente à dívida de IRC de 2005, contra o ora Oponente com os fundamentos vertidos na informação de fls. 94 a 96 do PEF apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e onde, além do mais, é referido que “[f]oi documentada a prova de gerência de facto da sociedade… (escrituras públicas de venda de bens imóveis existentes em nome da devedora original…), concluindo-se que o sócio J..... efectivamente, assumia o cargo de gerente de facto”, resultando ainda do despacho de reversão, como fundamentação do ato, o seguinte: Dos administradores, diretores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício a seu cargo [art.º 24/1/b) da LGT]. – cf. fls. 94 a 96 e 106 do PEF apenso. E) Em 04.04.2011 o Oponente foi citado, por reversão, para a execução identificada em A), em relação à dívida de IRC de 2005, no valor total de € 366.977,01, constando da carta de citação os seguintes “Fundamentos da reversão”: Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23º/n.º 2 da LGT): Dos administradores, diretores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício a seu cargo [art.º 24/1/b) da LGT]. – cf. fls. 110 a 114 do PEF apenso. F) A sociedade da “S....., S.A.”, foi constituída em 1970, sendo o respetivo registo efetuado em 09.11.1970, sendo o ora Oponente um dos cinco membros do Conselho de Administração designado para o triénio de 2003/2005, que se obrigava com a assinatura de dois membros, tendo renunciado ao cargo em 04.12.2007, objeto de registo pela an. 1/20080117 – cf. Certidão do Registo Comercial a fls. 28 a 32 do PEF apenso. G) Em 06.12.2004 e 30.11.2005 o ora Oponente outorgou, na qualidade de administrador e em representação da sociedade “S....., S.A.”, duas as escrituras de compra e venda de imóveis de que aquela sociedade era proprietária – cf. fls. 56 a 61 e 87 a 90 do suporte físico dos autos. H) Em 01.04.2004 e 16.04.2004 o ora Oponente assinou, na qualidade de administrador e em representação da sociedade “S....., S.A.”, com vista ao desenvolvimento da sua atividade societária, dois contratos de empreitada com a Companhia Portuguesa de Hipermercados – cf. fls. 159 a 166 do suporte físico dos autos. I) Por sentença proferida em 08.02.2010, no âmbito do processo de insolvência n.º 775/10.9T2SNT do Juízo de Comércio de Sintra, Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, foi declarada a insolvência da sociedade “M…………., Lda.”, conforme requerido pela sociedade “S....., S.A.”, constando da respetiva factualidade provada, além do mais, o seguinte: “[…] c) A requerida tem o capital social de 997.595,79 euros e são seus sócios J........., J......... e M......... B......... - também gerentes - teor do documento de folhas 17 e ss. dos autos, que no mais se dá por reproduzido. d) A requerente disponibilizou à requerida a quantia de 12.607.254,01 euros no âmbito de projectos comuns e adiantamentos. e) Requerente e requerida acordaram um plano de pagamentos daquela quantia. f) A requerida não pagou a primeira prestação relativa ao acordo aludido em e), no valor de 5.000.000,00 euros, em Dezembro de 2009. g) A requerida tem dívidas a diversos credores e os bens que tem não são suficientes para fazerem face às dívidas.” – cf. docs. 1 a 3 junto com a p.i.. J) A oposição deu entrada nos serviços da Administração Tributária em 29.04.2011 – cf. fls. 4 do suporte físico dos autos. * Factos não provados: Não resultam dos autos outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa, que importe julgar como não provados. * Motivação da decisão de facto: A decisão da matéria de facto assenta nos elementos constantes dos autos e PEF apenso, conforme indicado nas respetivas alíneas do probatório, os quais não foram impugnados nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade. 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A questão central dos autos reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro no julgamento que fez quanto à ausência de prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes de sociedades por dívidas tributárias. Em causa, está a reversão de dívidas de IRC relativas ao exercício de 2005. Aplica-se o regime de responsabilidade subsidiária previsto na Lei Geral Tributária, cujo art.º 24.º, n.º 1, dispõe: «1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento». Resulta daquele preceito legal, desde logo, que um dos requisitos da responsabilidade subsidiária dos membros de corpos sociais é o exercício de facto de funções de administração ou gerência. Como exemplarmente se deixou consignado no recente Acórdão deste TCA de 12/03/2020 tirado no proc.º2548/14.0BELRS, «No que diz respeito às regras do ónus da prova relativamente ao exercício de facto de funções de administração ou gestão, importa ter presente que o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão do Pleno do CT do STA de 28/02/2007, proc. n.º 01132/06, reiterado posteriormente, pelo acórdão do STA de 10/12/2008, proc. n.º 0861/08, e pelo acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12) considerou, ainda no âmbito do regime do CPT, que competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, «deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência». Entendeu-se no que respeita ao exercício das funções de gerência que «sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efetivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal». Com este acórdão, fica assim sem margens para dúvidas, afastado o entendimento segundo o qual, uma vez verificada a gerência nominal ou de direito, se presume a gerência de facto ou efetiva. Estas regras do ónus da prova aplicam-se, de igual modo, no âmbito do regime do art. 24.º da LGT. Não obstante, nada impede que o julgador possa valorar criticamente toda a prova que consta do processo de execução fiscal para formar a sua convicção, inclusive a certidão da matrícula da sociedade executada originária e as respetivas inscrições, em particular, aquelas que dizem respeito à existência de um ou mais gerentes ou administradores nomeados, e a forma como se vincula a sociedade, que poderão constituir factos indiciadores da gerência de facto e que podem e devem ser conjugados com outros meios de prova constantes do processo. O julgador deve extrair do conjunto dos factos provados o efetivo exercício da gerência, formando a sua convicção pelo exame crítico das provas, mas já não pela “aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.” [acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12], e diremos mais, de igual modo, também não poderá o julgador resguardar-se na inexistência de presunção para se eximir do exame crítico da prova (cf. acórdão do TCAS de 11/07/2019, proc. n.º 281/11.4BELRS). Com efeito, naquele acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12, sumariou-se: “I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social. II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário. III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova. IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência. V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.” (sublinhado nosso). Como supra exposto, não existe uma presunção legal segundo a qual o gerente de direito o é, também, de facto, sendo esse um elemento a considerar na decisão de facto. Em suma, a partir da prova produzida o juiz pode firmar um facto desconhecido, usando as regras da experiência e juízos de probabilidade, através de presunção judicial nos termos do art. 350.º do Código Civil (v. acórdão do STA de 10/12/2008, proc. n.º 0861/08: “(…) IV - No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência”). O que não se poderá é inferir a gerência de facto automática e exclusivamente com base na gerência de direito, sob pena de reconduzir a presunção judicial a uma presunção legal, como resulta da jurisprudência fixada pelo STA. Desta forma, no procedimento de reversão, a AT deve procurar determinar se os gerentes de direito exercerem de facto essa gerência, e para formar essa convicção, deve juntar ao processo executivo elementos de prova que a corroborem, de modo a satisfazer o seu ónus probatório. Se concluir pelo não exercício de facto da gerência pelos gerentes de direito, deve então apurar quem exerceu a gerência de facto do sujeito passivo, na medida em que tais pessoas são responsáveis subsidiários ainda que a sua atuação seja “somente de facto”, como refere o n.º 1 do art.º 24.º da LGT, pois o preceito legal não se exige a gerência nominal ou de direito, sendo suficiente a mera gerência efetiva ou de facto.» (fim de citação). Nesta linha de entendimento e descendo aos autos, destes e do probatório não constam quaisquer factos relevantes com base nos quais se possa firmar a convicção quanto à efectividade do exercício das funções de administração do oponente no período que verdadeiramente importa, lembrando-se que a dúvida a tal respeito se resolve contra a Fazenda Pública, titular do direito de reversão, que é a parte onerada com a prova. Vejamos. A reversão concretizou-se nos termos da alínea b) do n.º1 do art.º24.º da LGT. Com efeito, quer no projecto de reversão, quer na citação, deixou-se consignado como fundamentos da reversão, no segmento que importa: «Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/ entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo art.24.º/n.º1/b) LGT]» - cf. fls. 113 e 126 dos autos. Ou seja, nos termos do preceito invocado e do teor da fundamentação externada, o exercício, ainda que somente de facto, das funções de administração ou gestão está reportada ao período do pagamento da dívida (2010), que não ao período do facto constitutivo (2005) – cf. pontos A) e D) da matéria assente. Ora, como a sentença bem sinaliza, os factos integradores do exercício das funções de administrador estão reportados ao período de constituição da dívida (2004/2005), conforme se extrai dos pontos G) e H) da matéria assente. Sucede que, em 04/12/2007 (cf. certidão a fls.52 dos autos e ponto F) da matéria assente), o oponente, aqui recorrido, cessou funções de membro do Conselho de Administração da sociedade devedora originária por renúncia, nada havendo no probatório ou nos autos que permita afirmar a continuidade daquelas funções, ainda que somente de facto, após aquela data. Ou seja, aferido ao período de pagamento da dívida (2010) nada permite afirmar (ou sequer extrair por via presuntiva – art.º 351.º do C. Civ.) o exercício de facto das funções de administração do oponente na sociedade devedora originária. Porque, convenhamos, não pode a exequente pretender fazer a reversão nos termos da alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT (em que há inversão do ónus da prova quanto aos pressupostos da culpa) com factos constitutivos da gerência ou administração unicamente reportados ao período de constituição da dívida (2005), que não ao do seu pagamento (2010). O oponente é, pois, parte ilegítima na execução por não se verificarem os pressupostos da responsabilidade subsidiária nos termos em que essa responsabilidade lhe foi imputada no procedimento de reversão. A sentença recorrida, que perfilhou idêntico entendimento, não merece qualquer censura, sendo de confirmar e negar provimento ao recurso. 5 - DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Condena-se a Recorrente em custas. Lisboa, 14 de Janeiro de 2021 [O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina flora]. Vital Lopes |