Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05673/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/02/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NOTIFICAÇÃO COMO REQUISITO DE PERFEIÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO DE LIQUIDAÇÃO.
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO ENQUANTO FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL.
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO PREVISTA NO ARTº.39, Nº.1, DO C.P.P.T.
ILISÃO DA PRESUNÇÃO.
Sumário:1. A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação.

2. No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.).

3. De acordo com a interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.e), do C.P.P. Tributário). Em resumo, o regime processual de defesa do contribuinte, nestas situações será o seguinte:
A-Se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T., invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível, sendo indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o de extemporaneidade da liquidação;
B-Já se foi instaurada uma execução e efectuada notificação válida do acto de liquidação, mas a notificação foi realizada fora do prazo de caducidade previsto no artº.45, nº.1, da L.G.T. (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e), do nº.1, deste artº.204, do C.P.P.T. (trata-se de situação que, no seu teor literal, poderia caber na mencionada alínea i), pois não se engloba nela a apreciação da legalidade da própria liquidação nem é matéria da exclusiva competência da entidade que emite o título, mas que era dela afastada à face do entendimento jurisprudencial referido formado na vigência do C.P.T., reconduzindo-se a utilidade da alínea e) ao afastamento da aplicabilidade deste entendimento; a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário);
C-Por último, se foi efectuada uma liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo, mas não foi ainda instaurada execução, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação, invocando a ilegalidade da sua extemporaneidade, porém, se o não fizer e não pagar a quantia liquidada, não ficará impedido de se opor à execução, ao abrigo da alínea e) referida, visto que, além da ilegalidade da liquidação, ocorrer também a sua inexigibilidade por falta de tempestiva notificação.

4. A presunção de notificação prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.T., está conexionada com a forma de notificação consagrada no artº.38, nº.3, do mesmo diploma (notificação efectuada através de carta registada). Nestes casos, o legislador presume que as notificações são feitas no 3º. dia útil posterior ao do registo ou no 1º. dia útil seguinte a esse, quando esse (o 3º. dia) não seja útil. No entanto, para se poder extrair a presunção prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.T., é necessário que a notificação tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar. Mais se devendo referir que o ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação, cabe à Fazenda Pública.

5. A presunção sob exame apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida, como se pressupõe no nº.2 do artº.39, do C.P.P.T., em que apenas se admite a possibilidade de ilidir a presunção demonstrando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida e já não quando a notificação não tiver ocorrido, nomeadamente porque a carta foi devolvida. O único meio de prova admissível para comprovação da não efectivação da notificação na data presumida nos termos do nº.1 é a informação dos correios, normalmente a pedido do notificando e no sentido de se apurar que a carta não foi entregue ou se extraviou.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do TAF de Leiria, exarada a fls.67 a 71 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a oposição intentada pela executada, sociedade “O................. - ......................, L.da.”, visando a execução fiscal nº......................., a qual corre termos no Serviço de Finanças de ............, propondo-se a cobrança de dívida de I.R.C., relativa ao ano de 2007 e no montante total de € 83.370,68.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.82 a 85 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-No que diz respeito a liquidações resultantes de matéria colectável, as notificações devem ser feitas com carta registada nos termos do artº.38, nº.1, do C.P.P.T. Tal prova deverá ser efectuada pela A. T., não bastando para o efeito, um mero “print” interno processado pelos respectivos serviços, mas sim o registo da correspondência emitido pelos C.T.T., ainda que colectivo, onde constem os elementos aptos a comprovar que a correspondência foi remetida para o domicílio fiscal do contribuinte;
2-Ora, no caso “sub judice”, com a junção da guia de entrega e expedição dos registos dos C.T.T. (nº.2011/481 e nº.2011/744, a fls.7 e 11 do P.A.), bem como as notas de liquidação e cobrança enviadas e relativas ao I.R.C. de 2007 (fls.10 a 14 do P.A.) está-se na linha do entendimento proferido no Ac. do TCA do Sul de 23/03/2010, no proc. 03499/09, que sumariamente acima mencionámos;
3-Dito de outra forma, tais documentos atestam que o objecto da notificação identificado com o respectivo nº. de registo foi efectivamente entregue ao destinatário, substituindo, para o pretendido, o talão de registo;
4-Refira-se ainda o Ac. do STA de 20/10/2010 no proc.0526/10 onde se presumiu a notificação com tais elementos e o Ac. de 21/01/2010, no proc.00623/08.6 que também admite como prova de envio da carta a informação dos C.T.T., onde essa averiguação foi feita no próprio Tribunal de Recurso junto do site dos C.T.T.;
5-Pelo exposto, a decisão agora em análise deverá ser revogada e substituída por outra que declare que as liquidações foram validamente notificadas, e, consequentemente julgar-se improcedente a presente oposição por não provada;
6-Assim VOSSAS EXCELÊNCIAS farão a habitual JUSTIÇA.
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Contra-alegou o recorrido (cfr.fls.88 a 93 dos autos), o qual pugna pela confirmação do julgado, sustentando nas Conclusões o seguinte:
1-A douta sentença recorrida fez correcto julgamento da matéria de fac­to contida no número 1 dos factos não provados constantes da referida sentença;
2-Com efeito, a junção das “guias de entrega e expedição dos registos em causa - guias nº.2011/481 e nº.2011/744 (fls.7 a 11 do P.A.) - não constitui pro­va que as notificações para pagamento voluntário da liquidação que deu origem à divida exequenda tenham sido efectuadas com carta registada;
3-Na verdade, segundo os nºs.1, 2 a) e 4 a) e c) do artº.28, do Regu­lamento dos Correios, a cada carta registada corresponde um recibo, o qual é entregue ao remetente e por sua vez, o levantamento subsequente, por parte do destinatário, da referida carta é também objecto de um recibo, o qual fica na pos­se dos CTT;
4-Ora, as guias de entrega e expedição dos registos em causa - guias nº.2011/481 e nº.2011/744 (fls.7 a 11 do P.A.) não preenchem nenhum dos requisitos previstos no artº. 28, do Regulamento dos C.T.T.;
5-Aliás, constituindo o registo postal das notificações com carta regis­tada um elemento externo do próprio procedimento das notificações das liquida­ções, a mera junção das guias de entrega e expedição dos registos transformaria o processo de liquidação e cobrança do imposto num procedimento fechado e inacessível com o inerente esvaziamento jurídico-constitucional do direito à notifi­cação por parte dos administrados/contribuintes;
6-A douta decisão recorrida fez não só um correcto julgamento da maté­ria de facto bem como uma correcta interpretação e aplicação do nº.1, do artº.39, do C.P.P.T., conjugado com o artº.28, do Regulamento dos Correios;
7-Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente e em consequência ser mantida a douta sentença recorrida e o corres­pondente arquivamento da execução fiscal.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal não emitiu parecer (cfr.fls.108 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.110 e 111 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.68 e 69 dos presentes autos):
1-A oponente foi submetida a uma acção inspectiva que culminou com correcções em sede de I.R.C. (cfr.documentos juntos a fls.28 e seg. do processo administrativo apenso);
2-A oponente foi notificada do relatório da referida inspecção (cfr.documentos juntos a fls.28 e seg. do processo administrativo apenso);
3-Liquidação nº................, de I.R.C. e respectivos juros compensatórios do ano de 2007 (cfr.documentos juntos a fls.28 e seg. do processo administrativo apenso);
4-Contra a oponente foi instaurada a execução fiscal nº................................., do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, por dívidas de I.R.C., no montante global de € 83.370,68 (cfr.documentos juntos a fls.15 e seg. do processo administrativo apenso);
5-A oponente foi citada no âmbito daquele PEF em 11/07/2011 (cfr.documento junto a fls.16 do processo administrativo apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…
1-A liquidação n.° ....................., foi remetida à oponente sob o registo postal n.° ......................…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal baseou-se no correlacionamento e análise crítica de toda a prova produzida nestes autos, com especial destaque para os documentos juntos aos autos, não impugnados, nomeadamente, aqueles para os quais se remete no probatório bem como nos factos sobre os quais as partes estão de acordo.
Os factos não provados, ou seja a ausência de notificação das liquidações ao oponente funda-se na insuficiência da prova apresentada.
Com efeito, a AF pretende demonstrar que a oponente foi notificada das liquidações através dos prints do PA a fls. 1 a 4, do PA.
Acontece que estes prints são de ordem interna, dos próprios serviços da AT, não provando a remessa dessas cartas à oponente e para o seu domicílio fiscal, para que pudesse funcionar a presunção de recebimento contida no n.° 1, do art. 39.°, do CPPT.
A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não se revelar sem interesse para a decisão da causa…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
6-No ano de 2011, a sociedade executada/opoente, “O................... - ........................, L.da.”, com o n.i.p.c. ......................, tinha o seu domicílio fiscal, conhecido da Fazenda Pública, sito na Rua ......................., nº.17 4 A, ......... .......... (cfr. documentos juntos a fls.21 a 25 do processo administrativo apenso);
7-Em 4/4/2011, na sequência do relatório de inspecção mencionado no nº.2 do probatório, a A. Fiscal, estruturou a liquidação de I.R.C. nº.................., relativa ao ano fiscal de 2007 e no montante a pagar, após compensação, de € 83.370,68, da qual surge como sujeito passivo a sociedade executada/opoente (cfr.documentos juntos a fls.13 e 14 do processo administrativo apenso);
8-A liquidação identificada no nº.7 foi comunicada à sociedade executada/opoente através de carta registada sob o nº......................, expedida através da guia de entrega e expedição do registo colectivo dos C.T.T. com o nº.2011/481, em 20/4/2011, tendo tal objecto sido entregue ao destinatário em 21/4/2011 (cfr.documentos juntos a fls.4, 7 e 14 do processo administrativo apenso);
9-A carta registada identificada no nº.8 acima foi enviada para a morada da sociedade opoente que consistia no seu domicílio fiscal conhecido da Fazenda Pública, sito na Rua .............., nº.17 4 A, ........ ............. (cfr.documento junto a fls.14 do processo administrativo apenso).
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Considera-se não escrita a factualidade constante do nº.3 do probatório supra exarado pelo Tribunal em 1ª. Instância, o qual é substituído pelo nº.7 da factualidade aditada.
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada uma dos números do probatório, nomeadamente de cópias de informações/documentos dos C.T.T. juntos a fls.4 e 7 do processo administrativo apenso.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, mais decretando a extinção da execução fiscal instaurada contra a sociedade opoente, tudo em virtude do sujeito passivo não ter sido legalmente notificado da liquidação antes da instauração do processo executivo.
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Em primeiro lugar, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o recorrente, em síntese e como supra se expõe, que a notificação da liquidação que constitui a dívida exequenda devia ser efectuada com carta registada nos termos do artº.38, nº.1, do C.P.P.T. Sendo que a prova da mesma deverá ser produzida pela A. T., não bastando para o efeito, um mero “print” interno processado pelos respectivos serviços, mas sim o registo da correspondência emitido pelos C.T.T., ainda que colectivo, de onde constem os elementos aptos a comprovar que a correspondência foi remetida para o domicílio fiscal do contribuinte. Que, no caso concreto, existe prova do registo e remessa da carta para o domicílio da opoente, pelo que a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que declare que as liquidações foram validamente notificadas, e, consequentemente julgar-se improcedente a presente oposição por não provada (cfr.conclusões 1 a 5 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à decisão recorrida o vício de erro de julgamento de direito.
Examinemos se a sentença recorrida comporta tal vício.
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª. edição revista, Coimbra, 1993, pág.935).
A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação (cfr.Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311).
É sabido que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (cfr.artº.36, nº.1, do C.P.P.T.).
No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.; ac.T.C.A.Sul, 25/10/2011, proc.4870/11).
Por outro lado, refira-se que o domicílio fiscal dos sujeitos passivos pessoas colectivas é o local da sede ou direcção efectiva destes (cfr.artº.19, nº.1, al.b), da L.G.Tributária). O domicílio fiscal é, assim, um domicílio especial, pelo qual se expõe a um lugar determinado o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias (cfr.António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, 2000, Rei dos Livros, pág.119; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.124).
De acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, há muito se fixou o entendimento de que a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, é fundamento de oposição a enquadrar no artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário), dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva. Face a esta interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.e), do C.P.P.Tributário).
Em resumo, o regime processual da defesa do contribuinte, nestas situações será o seguinte:
1-Se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T., invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível, sendo indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o de extemporaneidade da liquidação;
2-Já se foi instaurada uma execução e efectuada notificação válida do acto de liquidação, mas a notificação foi realizada fora do prazo de caducidade previsto no artº. 45, nº.1, da L.G.T. (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e), do nº.1, deste artº.204, do C.P.P.T. (trata-se de situação que, no seu teor literal, poderia caber na mencionada alínea i), pois não se engloba nela a apreciação da legalidade da própria liquidação nem é matéria da exclusiva competência da entidade que emite o título, mas que era dela afastada à face do entendimento jurisprudencial referido formado na vigência do C.P.T., reconduzindo-se a utilidade da alínea e) ao afastamento da aplicabilidade deste entendimento; a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário);
3-Por último, se foi efectuada uma liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo, mas não foi ainda instaurada execução, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação, invocando a ilegalidade da sua extemporaneidade, porém, se o não fizer e não pagar a quantia liquidada, não ficará impedido de se opor à execução, ao abrigo da alínea e) referida, visto que, além da ilegalidade da liquidação, ocorrer também a sua inexigibilidade por falta de tempestiva notificação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/9/2011, rec.473/11; ac.T.C.A.Sul, 25/10/2011, proc.2727/08; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.360).
“In casu”, conforme se entendeu na sentença recorrida, a liquidação que consubstancia a dívida exequenda devia ser efectuada através de carta registada nos termos do artº.38, nº.3, do C.P.P.Tributário, dado que nos encontramos perante liquidação derivada de correcção à matéria tributável (cfr.nºs.1, 2 e 7 do probatório).
Ora, tendo sido esse o modo como a A. Fiscal operou a notificação da liquidação à sociedade executada/opoente (cfr.nºs.8 e 9 da matéria de facto provada), o que está em causa nos presentes autos reside em saber se operou, ou não, a presunção de notificação da liquidação de I.R.C., relativa ao ano de 2007, prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.Tributário. A presunção de notificação prevista neste normativo, está conexionada com a forma de notificação consagrada no citado artº.38, nº.3, do mesmo diploma (notificação efectuada através de carta registada). Nestes casos, o legislador presume que as notificações são feitas no 3º. dia útil posterior ao do registo ou no 1º. dia útil seguinte a esse, quando esse (o 3º. dia) não seja útil.
No entanto, para se poder extrair a presunção prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.T., é necessário que a notificação tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar. Mais se devendo referir que o ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação, cabe à Fazenda Pública (cfr.ac.T.C.A.Sul, 17/5/2011, proc.4631/11; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.382; João António Valente Torrão, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.202 e seg.).
A presunção sob exame apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida, como se pressupõe no nº.2 do mesmo preceito, em que apenas se admite a possibilidade de ilidir a presunção demonstrando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida e já não quando a notificação não tiver ocorrido, nomeadamente porque a carta foi devolvida. O único meio de prova admissível para comprovação da não efectivação da notificação na data presumida nos termos do nº.1 é a informação dos correios, normalmente a pedido do notificando e no sentido de se apurar que a carta não foi entregue ou se extraviou (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/10/2010, rec.526/10; Jorge Lopes de Sousa, ob.cit., pág.383; João António Valente Torrão, ob.cit., pág.202 e 203).
Voltando ao caso “sub judice”, conforme resulta da matéria de facto provada (cfr.nºs.6, 8 e 9 da matéria de facto provada), deve constatar-se que a A. Fiscal procedeu à correcta notificação da sociedade opoente, e para o seu domicílio fiscal, da liquidação de I.R.C., relativa ao ano de 2007, mais se devendo concluir que a carta de notificação não foi devolvida ao remetente. Assim sendo, deve ter-se por operante a presunção de notificação consagrada no examinado artº.39, nº.1, do C.P.P.Tributário, no caso em apreciação nos presentes autos, tanto mais que a sociedade opoente apenas se limitou a defender na p.i. que não fora validamente notificada do acto tributário em causa.
Por tudo o que deixámos dito, o recurso merece provimento, não podendo manter-se a decisão de procedência da oposição e consequente extinção da execução fiscal contra o opoente instaurada, a qual será revogada e substituída por outra que julgue a oposição improcedente, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição que originou o presente processo.
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Condena-se a executada/opoente em custas, em ambas as instâncias.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 2 de Outubro de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)
(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)