Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1264/18.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:12/06/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:APLICAÇÃO SUPLETIVA DO CPA AO PROCEDIMENTO DE ASILO
CONTAGEM DE PRAZOS
DIREITO DE ASILO
ÓNUS DA PROVA
PRINCÍPIO DO BENEFÍCIO DA DÚVIDA
PERSEGUIÇÃO POR AGENTES PRIVADOS
RECEIO
PROTECÇÃO SUBSIDIÁRIA
REPÚBLICA DOS CAMARÕES
RAZÕES HUMANITÁRIAS
COMPETÊNCIAS DISCRICIONÁRIAS
Sumário:I - As regras previstas no art.º 87.º do CPA são subsidiariamente aplicáveis ao procedimento de asilo;
II – A aplicação do que vem indicado no art.º 87.º do CPA não colide com a natureza do procedimento de asilo ou com a urgência que o legislador quis imprimir a tal procedimento especial;
III - Cabe ao requerente do pedido de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por razões humanitárias, o ónus da prova dos factos que alega;
VI - O art.º 18.º, n.º 4, da Lei n.º 27/2008, de 30-06, é um corolário do princípio do benefício da dúvida, que exige que frente a um relato consistente, congruente e credível do requerente de asilo, o ónus da prova se reparta com o respectivo decisor;
V – A invocação do princípio do benefício da dúvida não faz sentido quando, no caso, falta cumprir um ónus inicial e básico: a de fazer um relato sem contradições, circunstanciado, coerente e credível;
VI - Para efeitos de protecção internacional, o “recear com razão” pressupõe a verificação de um elemento subjectivo – um estado de espirito do requerente – a que se associa necessariamente uma condição objectiva, relativa à situação actual do país de origem;
V- Alegando o Recorrente que é oriundo da República dos Camarões, que faz parte da maioria francófona e que residia em zona em que não se verificam conflitos com a minoria anglófona ou com o grupo Boko Haram, a sua situação não é subsumível no regime subsidiário previsto no art.º 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06;
VI - O preenchimento do conceito “razões humanitárias” constante do artigo 7º da Lei n.º 27/2008, de 30.06, encerra competências discricionárias, que só à Administração competem formular;
VII - A sindicabilidade de actos em sede de competências discricionárias só tem lugar em situações de erro de facto, erro grosseiro ou manifesto.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO
H...intentou acção administrativa no Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa impugnando o despacho do Director Nacional (DN) do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 28-06-2018, que considerou infundado o pedido de protecção internacional apresentado pelo Requerente. Nessa acção foi, ainda, pedida a condenação da Entidade Requerida a admitir o pedido de asilo ou a protecção subsidiária do Requerente. Por Acórdão do TAC de Lisboa foi julgada improcedente a acção e foi o Ministério da Administração Interna (MAI) absolvido do pedido.
Inconformado com a decisão o Recorrente apresentou as suas alegações, onde formulou as seguintes conclusões: “1. I – Da inobservância do prazo previsto no artigo 24.º n.º 4 da Lei do Asilo:
1.º Face matéria de facto dada por provada, no que aqui importa verifica-se que o recorrente formulou o seu pedido de asilo em 20/6/18 tendo a autoridade recorrida proferido decisão em 28/6/18, ou seja, 8 dias após o pedido.
2.º Entende-se que quanto ao referido prazo não se aplicam as regras de sua contagem previsto no art.º 87 do CPA, posto que por se trata de um procedimento especial e sujeito a tramitação acelerada, como se dispõe no art.º 19 da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.
3.º De facto, no caso concreto, o artigo 19 ao dispor que “A análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional é sujeita a tramitação acelerada”, consiste numa regulamentação negativa que consagra a continuidade do prazo procedimental, ela afastará a aplicação das regras do CPA nesta matéria, impedindo, por isso, o recurso à figura da contagem dos prazos previsto no CPA, uma vez que o recorrente pode apresentar qualquer documentação junto da entidade demandada aos sábados, domingos e feridos, por estar aberta aos cidadão, como também pode e deve a entidade demandada analisar o seu pedido em tais dias, por não estar encerrada.
4.º Parece-nos pois lícito afirmar que, no caso em apreço, a não previsão expressa e em sentido contrário, na Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, da aplicação da figura da contagem dos prazos não impunha, por força da aplicação supletiva, a aplicação do disposto no artigo 87º do CPA, pelo que se considera que entidade demandada não respeitou o prazo que disponha para prolação da decisão do pedido do recorrente de proteção internacional como se lhe impunha nos termos do disposto no art.º 24/4 da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.
5.º Finalmente se é certo que a tramitação acelerada é aplicável a todo o tipo de pedido de proteção internacional, seja ele formulado ou não nos postos de fronteira, não é menos verdade que apenas em sede deste procedimento especial está prevista a culminação de que caso a autoridade administrativa nada diga em contrário no prazo legal, tal determina a entrada do requerente em território nacional, seguindo-se a instrução do procedimento, conforme se alude no art.º 26/4 da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.
6.º Acresce que, a lei prevê duas formas de tramitação do procedimento administrativo para a proteção do requerente de asilo, a saber: a forma urgente (artigo 23 e segs da Lei de Asilo) e a forma semi-urgente (artigo 27 e segs,). Em ambas as formas de procedimento, está prevista a obrigatoriedade de realização de diligências instrutórias, antes da tomada de decisão final, vide art.º 24/2 da citada Lei, pelo que não se trata por isso de mera decisão liminar como afirma do Tribunal ad quo.
7.º Assim não assiste razão, salvo melhor entendimento, ao doutamente decidido pelo Tribunal ad quo devendo o mesmo ser anulado e substituído por douto acórdão que determine que entidade demandada não respeitou o prazo que disponha para prolação da decisão do pedido do A. de proteção internacional como se lhe impunha nos termos do disposto no art.º 24/4 da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, pelo que padece vício de forma por ultrapassagem do prazo previsto no artigo 24.º n.º 4 da Lei do Asilo.
II- Da decisão de mérito do pedido de asilo:
8.º Mesmo que assim não se entenda, transigindo sem jamais consentir, sempre se dirá que devia ter sido admitido o seu pedido de proteção internacional.
9.º De facto, ao contrário do doutamente decidido o recorrente afirmou e demonstrou que se regressasse a Douala por ali se encontrar rebeldes do Boko Haram e da zona anglófona, a sua vida estaria em sério risco, posto que os rebeldes Ambasonia poderiam querer vir atrás de dele por ter fugido do seu campo.
10.º Ademais, o facto de não ter apresentado prova do supra alegado tal não deveria conduzir a recusa dos eu pedido de asilo, posto que aplicar-se o benefício da dúvida ao caso em apreço, pois constata-se que o A. não consegue, por falta de elementos de prova, fundamentar algumas das suas declarações, mas estas apresentam-se de forma coerente e plausível face à generalidade dos factos conhecidos, tudo nos termos dos arts. 15º, 18º e 28º-1 da Lei 27/2008.
11.º Ora, entre o risco de dar asilo a quem conte uma história consistente e plausível, apesar de não conseguir provar de modo inteiramente convincente os seus receios de voltar ao país de origem, e o risco de o negar, o legislador preferiu prima facie o primeiro.
12.º O recorrente demonstrou que o seu receio é razoável e plausível, baseado numa avaliação objectiva da situação no país de origem, pelo que deve ser considerado refugiado, mesmo que incapaz de provar plenamente o seu caso.
13.º E pode ser concedido se, no país de origem do interessado, existir «grave insegurança devida a conflitos armados ou à sistemática violação dos direitos humanos» que, em concreto, impeça [“pulsão objectiva”] ou impossibilite [“pulsão subjectiva”] o regresso [e permanência] do requerente ao país da sua nacionalidade”, sendo que “recai sobre o requerente de autorização de residência o ónus da prova dos factos em que baseia a sua pretensão” [cfr., neste sentido, os acórdãos do STA, de 29-10-2003, proferido no âmbito do recurso nº 0151/03, e deste TCA Sul, de 24-5-2007, proferido no âmbito do processo nº 02543/07, e de 24-2-2011, proferido no âmbito do processo nº 07157/11].
14.º Donde, deve assim obter-se provimento ao presente recurso concedendo-lhe o benefício da dúvida quanto à prova do seu caso, portanto, uma vez que o seu depoimento foi credível, coerente e plausível, suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente do pedido de asilo / proteção subsidiária.”
O MAI não contra-alegou.
Foram os autos ao Digno Magistrado do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, que não se pronunciou.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto, que ora não vem impugnada, pelo que se mantém:
1. Em 20 de junho de 2018, H…, ora Requerente, apresentou-se em Lisboa, no Aeroporto General Humberto Delgado, proveniente de Dakar – cfr. fls. 3 e 4 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
2. Foi-lhe recusada a entrada em território nacional por o Requerente ser portador de um documento de viagem falsificado – cfr. fls. 3 a 16 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
3. Em 20 de junho de 2018 o Requerente apresentou pedido de proteção internacional – cfr. fls. 17 a 20 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
4. O Requerente nasceu em 22 de maio de 1985, na República dos Camarões, em Iaoundé, é de etnia bameleke, expressa-se em francês e professa a religião católica – cfr. fls. 1 e 15 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
5. No âmbito do procedimento tendente à concessão de proteção internacional acima mencionado, em 25 de junho de 2018, após entrevista do Requerente pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ora SEF, foi elaborado o seguinte auto de declarações:
(“texto integral no original; imagem”)

6. Em 26 de junho de 2018, o SEF elaborou a informação n.º 980/GAR/18, a qual tem o seguinte teor parcial:
(“texto integral no original; imagem”)

7. Em 28 de junho de 2018, o Diretor Nacional do SEF proferiu a seguinte decisão:
(“texto integral no original; imagem”)

– cfr. fls. 48 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

8. O Requerente tomou conhecimento da decisão que antecede em 28 de junho de 2018 – cfr. fls. 50 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas.”

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório, por violação do art.º 24.º, n.º 4, da Lei n.º 27/2008, de 30-06, porque a decisão impugnada foi proferida após o termo do prazo aí previsto, que tem de ser contado em dias seguidos e não em dias úteis, por não se aplicar supletivamente o art.º 87.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), pois o procedimento em questão é um procedimento especial e acelerado;
- aferir do erro decisório, porque haveria de ter sido concedido o asilo ao ora Recorrente, atendendo ao princípio do benefício da dúvida ou, assim não se entendendo, a protecção subsidiária.

Diz o Recorrente que a decisão impugnada foi proferida no 8.º dia – contado em dias seguidos - após a apresentação do seu pedido, pelo que ofendeu o art.º 24.º, n.º 4, da Lei n.º 27/2008, de 30-06, que refere que a indicada decisão tem de ocorrer no “prazo máximo de 7 dias”. Considera o Recorrente, que não se aplica ao procedimento de asilo e ao procedimento em apreço o art.º 87.º do CPA.
Esta alegação improcede, pois não estando indicada na Lei n.º 27/2008, de 30-06, a forma da contagem dos prazos, há que aplicar-se - subsidiariamente - ao procedimento de asilo o que vem definido no art.º 87.º do CPA.
Por força do determinado no art. 2.º, n.ºs. 1 e 5 do CPA, as regras relativas ao procedimento administrativo que vêm indicadas no CPA são subsidiariamente aplicáveis ao procedimento de asilo, que não obstante ser um procedimento especial, é omisso na matéria relativa à contagem dos prazos.
Mais se refira, que não se considera que a suspensão da contagem dos prazos procedimentais nos sábados, domingos e feriados, que vem prevista no na al. c) do art.º 87.º do CPA, colida com a celeridade que o legislador impôs ao procedimento de asilo, pois aquele objectivo alcança-se plenamente por via do estabelecimento de prazos mais reduzidos para as diversas situações que ficaram contempladas pela na Lei n.º 27/2008, de 30-06. Ou seja, nesta lei já se estabelecem prazos curtos, ou nalguns casos curtíssimos, que diferem dos restantes prazos para a decisão que ficaram consignados, em termos gerais, no CPA e, dessa forma, já se garante a celeridade do procedimento de asilo.
Portanto, não se considera que a aplicação do que vem indicado no art.º 87.º do CPA colida com a natureza do procedimento de asilo ou com a urgência que o legislador quis imprimir a tal procedimento especial.
Falece pois, a invocação do Recorrente relativa à não aplicação do art.º 87.º do CPA ao procedimento de asilo.

Igualmente falece o recurso no respeitante à obrigação de se conceder o direito de asilo ao ora Recorrente por força do princípio do benefício da dúvida.
Determina o art.º 3º, da Lei n.º 27/2008, de 30.06, que “1 – É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
2 – Tem ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões politicas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual”.
Quanto aos actos de perseguição, terão de constituir, pela sua natureza e reiteração, uma grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afectem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais – cf. art.º 5.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30-06.
Como refere Andreia Sofia de Oliveira, para aferir-se do preenchimento do conceito de perseguição para efeitos de atribuição do direito de asilo, haverá que fazer-se uma abordagem “holística”, ou seja, há que olhar a situação como um todo, admitindo-se que as motivações económicas, relacionadas com a pobreza ou a falta de oportunidades, também concorram para a motivação do requerente, o que não afastará a existência de actos de perseguição se existirem motivações fortes do ponto de vista da ofensa grave, intencional e discriminatória aos direitos fundamentais do requerente que justificam a necessidade de protecção internacional (cf. da Autora, “Introdução ao Direito de Asilo”, in CEJ - O contencioso do direito de asilo e proteção subsidiária [Em linha]. 2.º ed. Obra colectiva. Coleção Formação Inicial. Lisboa: CEJ, Setembro de 2016 [Consult. em 03-10-2017]. Disponível em <URL: http://bit.ly/2fZ7eCU, pp. 51-53).
Da aplicação conjugada dos art.ºs 15.º, 15.º-A, 16.º e 18.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06, compete ao Requerente de asilo o ónus da prova dos factos que alega, admitindo-se, no entanto, nos termos do n.º 4 do art.º 18.º da citada lei, que tal ónus seja repartido quando se reúnam, em termos cumulativos, as seguintes condições: (1) o requerente tenha feito um esforço autêntico para fundamentar o seu pedido; (2) o requerente apresente todos os elementos ao seu dispor e explicação satisfatória para a eventual falta de outros considerados pertinentes; (3) as declarações prestadas pelo requerente forem consideradas coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações disponíveis e a credibilidade geral do requerente; (4) o pedido tenha sido apresentado com a maior brevidade possível, a menos que o requerente apresente justificação suficiente para que tal não tenha acontecido; (5) tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.
Mais se refira, que o indicado art.º 18.º, n.º 4, da Lei n.º 27/2008, de 30-06, é um corolário do princípio do benefício da dúvida, que exige que frente a um relato consistente, congruente e credível do requerente de asilo, o ónus da prova se reparta com o respectivo decisor.
Neste sentido, conforme o Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado, da ACNUR “205. O processo de constatação e avaliação dos fatos pode, portanto, ser resumido da seguinte forma: (a) O solicitante deverá:
(i) Dizer a verdade e apoiar integralmente o examinador no estabelecimento dos fatos referentes ao seu caso.
(ii) Esforçar-se para sustentar suas declarações com todas as evidências disponíveis e dar uma explicação satisfatória em relação a qualquer falta de elementos de prova. Se necessário, ele deve esforçar-se para obter evidências adicionais.
(iii) Fornecer todas as informações pertinentes sobre a sua pessoa e a sua experiência pretérita com o máximo de detalhes possíveis para permitir que o examinador conheça os fatos relevantes. É preciso pedir ao solicitante que explique de maneira coerente todas as razões invocadas como fundamentos do seu pedido de refúgio e responda a todas as questões que lhe são colocadas.
(b) O examinador deverá:
(i) Assegurar que o solicitante apresente o seu caso de forma tão completa quanto possível e com todos os elementos de provas disponíveis.
(ii) Apreciar a credibilidade do solicitante e avaliar os elementos de prova (se necessário, dando ao requerente o benefício da dúvida) a fi m de estabelecer os elementos objetivos e subjetivos do caso.
(iii) Relacionar estes elementos com os critérios relevantes da Convenção de 1951, de modo a obter uma conclusão correta sobre a concessão da condição de refugiado ao solicitante” (in ACNUR, Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado [Em linha] ACNUR [Consult. em 9-10-2017] Disponível em http://bit.ly/2g8z4jY).
Portanto, em sede de direito de asilo imputa-se ao requerente o ónus da prova dos factos que alega, mas exige-se, também, ao Estado que aprecia o pedido de asilo, que coopere activamente com o requerente, havendo que recolher junto de diversas fontes não estatais – como o ACNUR, a EASO ou outras organizações de defesa de direitos humanos - as informações mais actuais e necessárias para apreciar aquele pedido (cf. neste sentido – Ana Rita Gil – “ A garantia de um procedimento justo no Direito Europeu de Asilo”, in CEJ - O contencioso…, ob. cit., pp. 242-243).
Como decorre dos factos provados e do preceituado nos art.ºs 2.º, n.º 1, ac), 3.º, 5.º, 6.º da Lei n.º 27/2008, de 30-06, o Requerente do pedido de asilo e ora Recorrente não preenche os requisitos exigidos para lhe ser atribuído o estatuto de asilado.
De facto, por um lado, o Recorrente não alegou que tenha exercido alguma das actividades indicadas no art.º 3.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30-06, ou que tenha sido perseguido em função desse exercício. Por outro lado, o Recorrente invoca ter assistido à violação e morte da sua Mãe, pertencer à minoria francófona e ter sido raptado para ser recrutado pelos rebeldes anglófonos, que depois o perseguiram, mas esse mesmo relato mostra-se contraditório, vago, não detalhado e inconsistente, face à realidade que se vive na República dos Camarões e ao último local onde o Recorrente dizia residir, Douala. Quanto a essa zona, não será alvo da actuação de grupos rebeldes anglófonos, que operarão em zonas diferentes e delimitadas do país. Igualmente, os francófonos serão uma maioria e não serão perseguidos na maior parte das zonas do país.
Do relato do Recorrente resulta, ainda, que este não terá feito queixa às autoridades do país, quando podia tê-lo feito se tivesse sido realmente alvo de perseguições.
Da mesma forma, o Recorrente não apresentou quaisquer elementos adicionais de prova, quando face ao seu relato lhe era possível apresentar tal prova, pois tinha passaporte desde 2005, afirmou que decidira reunir o dinheiro que obteve com o seu negócio para viajar para o Senegal e que comprara um bilhete para o Mundial de Futebol, a partir do qual também conseguiu um visto electrónico para viajar para a Rússia. Mais se refira, que o Recorrente apresentou um documento de viagem falsificado. Por conseguinte, do relato feito pelo Recorrente decorre que a sua saída da República dos Camarões foi algo preparado e demorado, logo, que lhe permitiria reunir prova da perseguição, se a mesma tivesse ocorrido. Do indicado relato resulta, igualmente, que a saída dos Camarões se relacionou com questões económicas, de procura de uma vida melhor.
Realce-se, quanto à invocada perseguição por rebeldes, que o Recorrente também não alegou e provou, como lhe competia, factos consistentes e suficientes que pudessem indicar que foi alvo de perseguição individual, ou que se sentiu gravemente ameaçada e que o respectivo Estado não é capaz de lhe dar protecção contra essas perseguições. Todo o relato do Recorrente é algo vago e contraditório nesse aspecto.
Como se indica na decisão recorrida, “o Requerente, quando confrontado com as razões da sua saída dos Camarões, referiu inicialmente a existência da crise política que opõe anglófonos a francófonos e a existência de problemas por falar francês na parte anglófona; não obstante a ostensiva gravidade das circunstâncias, apenas ulteriormente veio a referir que a sua mãe terá sido violada e assassinada e que foi levado pelo grupo Ambasonia; o discurso patenteado pelo Requerente a este respeito demonstra-se francamente vago e pouco credível (o Requerente nada concretizou quanto às agressões à sua mãe; o Requerente nada disse quanto a alguma agressão contra si; não referiu para onde foi levado; não explicou porque quereriam os anglófonos integrar um francófono no seu grupo; fica por explicar como se processou a sua fuga pelo telhado de uma sala trancada à chave).
A tudo isto acresce que o Requerente não foi claro quanto ao local onde residia atualmente (inicialmente disse que era em Douala; depois afirmou que era em Santa; mais tarde esclareceu que ainda mantinha um quarto em Douala por causa de negócios) e que relatou diversas circunstâncias totalmente irrelevantes do ponto de vista da proteção internacional ou desprovidas de qualquer atualidade para o seu caso concreto (é o que sucede com os problemas económicos invocados, com o facto de ficar sozinho em Douala, bem como por “se terem metido” consigo e com o seu pai, numa visita a Iaoundé, por causa da respetiva etnia, há mais de 10 anos atrás).
(…) Inversamente, existem indícios de que o Requerente abandonou o seu país de origem por razões económicas, mencionando, por algumas ocasiões, a possibilidade de reorganizar a sua vida e as dificuldades financeiras que tinha em sobreviver da agricultura no seu país de origem.”
Assim, frente ao indicado relato e factualidade teremos de concluir que o receio individual que o Recorrente invoca, não será mais que isso, um receio, que não está suportado com alegações concretas e circunstanciadas que justifiquem a existência de qualquer perseguição.
A jurisprudência do STA é unânime a defender que o receio de perseguição, pressuposto essencial do direito de asilo, tem de ser avaliado objectivamente, a partir de factos invocados, não bastando um receio subjectivo, um estado pessoal de inquietação ou medo (cf., entre muitos, os Acs. do STA de 07-05-1998, Proc. n.º 42793, de 02-02-1999 e Proc. n.º 43838, publicados em http://www.dgsi.pt/jsta).
Para efeitos de protecção internacional o “recear com razão”, pressupõe a verificação de um elemento subjectivo – um estado de espirito do requerente – a que se associa necessariamente uma condição objectiva, relativa à situação actual do país de origem (cf. a expressão e neste sentido Andreia Sofia Pinto de Oliveira – Introdução…., op. cit., p. 55).
Portanto, ainda que o Recorrente expresse algum receito, subjectivamente sentido, porque tal receio não foi suportado em alegações circunstanciadas, certas, com que apresentem um mínimo de credibilidade, não se pode considerar nestes autos que o A. e Recorrente seja efectivamente perseguido e não possa regressar aos Camarões, ou aí regressando corra o risco de sofrer ofensa grave.
No caso dos autos, como se disse, o relato do Requerente foi ab initio incoerente e inconsistente e não veio alicerçado de quaisquer provas, quando tal seria possível face à situação relatada. Logo, a invocação do princípio do benefício da dúvida não faz sentido no seu caso, porque lhe faltou cumprir um ónus inicial e básico: a de fazer um relato sem contradições, circunstanciado, coerente e credível.
Assim, no caso sub judice, sem dúvida que terá de ficar arredada a aplicação do artigo 3º, da Lei n.º 27/2008, de 30.06, à situação do Recorrente.

Nos termos artigo 7º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30.06, “É concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave”.
Como acima se expôs, nos presentes autos também não resulta que a situação do A. e Recorrente seja subsumível no regime subsidiário previsto no art.º 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06.
Como resulta da factualidade apurada, o SEF apreciou as informações existentes sobre a alegada perseguição dos rebeldes anglófonos e indicou que essa realidade está delimitada no tempo e a uma zona geográfica dos Camarões – Mezam - diferente daquele em que o requerente diz ter sido a sua última morada. Igualmente, segundo as informações recolhidas pelo SEF e trazidas aos autos, a actuação do grupo Boko Haram estará circunscrita à zona do extremo norte da República dos Camarões e o Estado tem vindo a reforçar a segurança através da intervenção militar nas zonas afectadas. Igualmente, verificou o SEF que o Requerente fala francês e pertencerá à maioria francófona e não à minoria anglófona.
Esta realidade dos Camarões não é contrariada pelas alegações do A. e ora Recorrente, que a aceita. Quer na PI, quer nas alegações de recurso, o A.e Recorrente não vem invocar a existência de uma realidade nos Camarões diferente daquela que o SEF alega e que que possa levar à concessão da autorização de residência por razões humanitárias, por nos Camarões existir uma situação que o impeça ou impossibilite de regressar a esse país, ou por ali ocorrer uma sistemática violação dos direitos humanos ou por aí poder sofrer uma ofensa grave.
Quanto ao relato do Recorrente, como já se frisou, apresenta-se falho e inconsistente ab initio.
Ou seja, dos autos não resulta indiciado que se o A. e Recorrente regressar ao país de origem corre o risco de sofrer ameaça grave contra a vida ou integridade física ou que o Estado Camaronês não intervenha e não consiga garantir a segurança da ora Recorrente.
Acresce, que o preenchimento do conceito “razões humanitárias” constante do artigo 7º da Lei n.º 27/2008, de 30.06., encerra competências discricionárias, que só à Administração competem formular.
Ora, a sindicabilidade de actos em sede de competências discricionárias só tem lugar em situações de erro de facto, erro grosseiro ou manifesto.
O A. e Recorrente não arguiu a existência de tais erros, mas limitou-se a descrever as razões pessoais que, na sua óptica, justificavam o deferimento do pedido de autorização de residência por razões humanitárias.
Assim sendo, não é possível ao Tribunal fazer outra apreciação para além daquela que resulta da existência dos alegados erros de facto, grosseiros ou manifestos. Igualmente, porque o preenchimento do conceito “razões humanitárias” apenas compete à Administração, também nunca poderia proceder o pedido de condenação do R. a autorizar o A. a sua residência em Portugal por razões humanitárias, pois tal apreciação extravasa o foro jurídico (cf. neste sentido, entre muitos, os Acs. do STA de 14-06-2000, Proc. n.º 45635, de 26-10-2002, Proc. n.º 44848, de 07-02-2001, Proc. nº 44852, em http://www.dgsi.pt/jsta).
Falecem, assim, todas as invocações do Recorrente contra a sentença recorrida.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- sem custas por isenção objectiva (cf. art.º 84.º da Lei nº 27/2008, de 30-06).

Lisboa, 6 de Dezembro de 2018.
(Sofia David)
(Conceição Silvestre)
(José Correia)