Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13550/16
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/05/2017
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:ASILO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I - Dispõe o artigo 24.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, (com as alterações da Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio) sob a epígrafe “apreciação do pedido e decisão”, no seu n.º 2 que “o requerente é informado por escrito, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, dos seus direitos e obrigações e presta declarações que valem, para todos os efeitos, como audiência prévia do interessado”.

II - Cabe ao requerente do pedido de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por razões humanitárias, o ónus da prova dos factos que alega.

III - Para tanto, exige-se um relato coerente, credível e suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar ao país de origem por parte do requerente do pedido de asilo/protecção subsidiária.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:


RELATÓRIO

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, inconformado com a sentença do TAC de Lisboa, de 27 de Abril de 2016, que julgou procedente, por provada, a acção administrativa especial urgente, intentada por Mareme S....., natural do Senegal, ao abrigo do disposto na Lei nº 26/2014, de 5 de Maio, e, em consequência, anulou a decisão da Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 15 de Fevereiro de 2016, veio interpor o presente recurso jurisdicional para este TCAS e em sede de alegações formulou as seguintes conclusões (sintetizadas):

“ 1.ª O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por sentença de 27 de Abril 2016, decidiu julgar procedente e, em consequência, anular a decisão da Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de 15 de Fevereiro de 2016 que, com base nos fundamentos constantes da informação nº 266/GAR/16 elaborada pelo Gabinete de Asilo do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras considerou infundado o pedido de asilo apresentado pela cidadã senegalesa Mareme S....., ora recorrida, bem como considerou infundado o pedido de protecção subsidiária, por se enquadrar na alínea e) do nº 1 do art.º 19º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº 26/2014, de 05 de Maio (doravante designada de Lei de Asilo).

2.ª A anulação da decisão da entidade demandada foi motivada pela questão suscitada pelo douto Tribunal que alega que foi preterida a audiência dos interessados no Processo desencadeado pelo Pedido de Protecção Internacional, referindo o que aqui integralmente se reproduz, mormente que,
“… no caso dos autos e atendendo ao teor do auto das declarações que prestou ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em 10 de Fevereiro de 2016 constata-se que apenas ao primeiro daqueles quatro pontos/ objectivos foi dado cumprimento. A requerente de protecção internacional foi ouvida sobre os fundamentos do pedido de protecção que formulou. Mas não lhe foi dado a conhecer o projecto de decisão de indeferimento, nem os respectivos fundamentos, nem lhe foi dada a possibilidade de efectiva e utilmente no procedimento se pronunciar sobre os mesmos. Ou seja, não se afigura que as declarações prestadas pela requerente pra autora possam ainda ser considerados como audiência prévia do interessado (entendida esta com a exigência e o alcance que o Tribunal de justiça da União Europeia e o direito da União Europeia impõem) (…)

3.ª Pugnou o douto Tribunal “ a quo” pelo entendimento de que a supra mencionada decisão “ viola o art.º 24º, nº 2 da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº 26/2014, de 05 de Maio, interpretado em conformidade com o que dispõe designadamente o art.º 41º, nº 2 alínea a) da Carta dos direitos fundamentais da União europeia.

4.ª O ora Recorrente não concorda, com os termos da Sentença recorrida, exarada pelo Meritíssimo Juíz de Direito do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

5.ª Entende o ora Recorrente que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, ora recorrida, procedeu num incorrecto enquadramento e interpretação das normas internas constantes da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 26/2014 de 5 de Maio (Lei do Asilo) quer das normas constantes da Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004 ( revogada pela Directiva 2011/95/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro de 2011, relativamente aos Estados-Membros por ela vinculados co efeitos a partir de 21 de Dezembro de 2013), da Carta do Direitos Fundamentais da União Europeia, da Directiva 2013/32/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013 relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de protecção internacional, bem como das normas constitucionais invocadas, bem assim como do invocado Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

6.ª Na pendência da Directiva 2004/83/CE fazia-se a distinção entre pedido de asilo ou de estatuto de refugiado e pedido de protecção subsidiária, correspondendo a cada pedido um procedimento distinto, situação que se alterou com a entrada em vigor da Directiva 2011/95/EU que com o intuito de uniformizar e tornar mais célere, procedeu à inovação da figura do Pedido de Protecção Internacional, considerando que qualquer pedido de Protecção Internacional encerra em si quer o pedido de estatuto de refugiado, quer o pedido de protecção subsidiária.

7.ª De facto, a Directiva 2011/95/EU do Parlamento de 13 de Novembro veio introduzir um sistema uniforme de Protecção Internacional, no qual se considera que a partir do momento em que um cidadão de país terceiro ou apátrida solicita Protecção Internacional a um Estado Membro, o mesmo é recebido como Pedido de Protecção Internacional quer para efeitos de estatuto de refugiado, quer para efeitos de protecção subsidiária, sendo que naquele Pedido de Protecção internacional são analisados em simultâneo os pressupostos quer para o estatuto de refugiado, quer para protecção subsidiária.

8.ª O invocado Acórdão do Tribunal de Justiça tem por objecto a questão aí suscitada de sucessão de procedimentos, que ao tempo vigorava na Irlanda, nada tendo que ver com o caso dos autos, e muito menos com o quadro legal que actualmente vigora na União Europeia.

9.ª Aliás contrariamente ao que vem defendido na Sentença em crise, a legislação comunitária apenas exige que o requerente de protecção internacional seja ouvido antes de proferida decisão sobre o seu pedido de protecção internacional, o qual como já foi dito, encerra tanto o estatuto de refugiado, como a protecção subsidiária, sendo que após a sua audição, inexiste obrigação de notificar para mais uma vez intervir no procedimento.

10.ª Ora a invocação por esse douto Tribunal do que entendeu o Tribunal de Justiça da União europeia, no Acórdão de 22 de Novembro de 2012, proferido no processo C-277/11, falece, s.m.o., na equiparação ao caso dos autos, porque se tratou de uma questão suscitada na pendência da Directiva revogada que distinguia o pedido de estatuto de refugiado e o pedido de protecção subsidiária, não estando os Estados obrigados a analisar em simultâneo os dois pedidos, uma vez que à data se tratavam efectivamente de pedidos diferentes.

11.ª No sistema jurídico actualmente em vigor, o Pedido de Protecção Internacional, tal como foi referido, reúne os dois pedidos num único procedimento, sendo que o requerente é ouvido para prestar declarações de molde a verificar se reúne as condições de admissibilidade do estatuto de refugiado e em caso de não ser admissível, se reúne as condições de enquadramento no mecanismo de protecção subsidiária.

12.ª No caso dos Autos, tratando-se de pedido de Protecção Internacional efectuado no Posto de Fronteira, o mesmo é tratado como Regime especial, seguindo os trâmites dos artigos 23º e ss da Lei nº 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 5 de Maio.

13.ª Com interesse determina o art.º 23º sob a epígrafe “Regime especial”:
1 — A decisão dos pedidos de protecção internacional apresentados nos postos de fronteira por estrangeiros que não preencham os requisitos legais necessários para a entrada em território nacional está sujeita ao regime previsto nos artigos anteriores com as modificações constantes da presente secção.
2 — Os funcionários que recebam requerentes de protecção internacional nos postos de fronteira possuem formação apropriada e conhecimento adequado das normas pertinentes aplicáveis no domínio do direito da protecção internacional.”

14.ª Por sua vez o art.º 24º sob a epígrafe “Apreciação do pedido e decisão”
1 — O SEF comunica a apresentação do pedido de protecção internacional a que se refere o artigo anterior ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que actue em seu nome, que podem entrevistar o requerente se o desejarem.
2 — O requerente é informado por escrito, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, dos seus direitos e obrigações e presta declarações que valem, para todos os efeitos, como audiência prévia do interessado.
3 — À prestação de declarações referida no número anterior é aplicável o disposto no artigo 16.º
4 — O director nacional do SEF profere decisão fundamentada sobre os pedidos no prazo máximo de sete dias.
5 — A decisão prevista no número anterior é notificada por escrito, ao requerente com informação dos direitos de impugnação judicial que lhe assistem, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, e é comunicada ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que actue em seu nome, desde que o requerente tenha dado o seu consentimento…”

15.ª Assim, aos pedidos apresentados nos Postos de Fronteira é aplicado um regime de tramitação mais acelerado, o qual apesar de não dispensar a prestação de declarações pelo requerente em conformidade com o art.º 16.º, e que no caso foi cumprido, não determina qualquer dever por parte da administração no sentido de notificar o requerente do relatório para que este se possa pronunciar.

16.ª No caso em apreço, por se tratar de um regime especial, cumprido o determinado no art.º 16.º, em conformidade com o que vem estipulado no art.º 24.º nº 3, o requerente é notificado da decisão proferida pelo director nacional do SEF, a qual deve ser emitida no prazo máximo de 7 dias após a recepção do pedido, cfr., art.º 24º nº 4.

17.ª Não prevê aquela Lei, em sede do regime especial, que o requerente tenha que ser notificado do relatório referido no nº 1 do art.º 16.º para que este se possa pronunciar, e só posteriormente ser notificado da decisão, aliás, o que seria de todo incompatível com o prazo de 7 dias, após a recepção do pedido, para tomada de decisão por parte do Director Nacional do SEF (tratando-se de um processo complexo), e qye certamente terá sido tido em conta pelo legislador ao não prever expressamente a obrigação de notificação para aquele efeito, mas tão-somente de notificar da decisão.

18.ª Acresce assim referir, s.m.o. que não foi desrespeitado o nº 2 do art.º 41º da Carta do Direitos Fundamentais da União Europeia, na medida em que esta expressamente refere que o direito da pessoa que está aqui em causa é o de ser ouvida antes de ser tomada qualquer medida individual que a afecte, não se podendo daí retirar que antes de se chegar à decisão final a pessoa dever ser notificada para se pronunciar sobre os argumentos que levarão o órgão decisor a decidir em sentido contrário.

19.ª Ora esse direito foi efectivamente respeitado com a audição da requerente em 10 de Fevereiro de 2016, em cumprimento do disposto no nº 3 do art.º 24º e nº 1 e do art.º 16 da Lei nº 27/2008, de 30 de Julho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 5 de Maio.

20.ª Aliás, em conformidade com o nº 2 do art.º 24º da Lei de Asilo, as declarações prestadas pelo requerente valem, para todos os efeitos como audiência prévia de interessado, pelo que o mesmo será dizer que nesse âmbito e fazendo o paralelismo com o artigo 121º e ss. Do CPA, o ora A. Foi ouvido e teve a possibilidade de se pronunciar, antes de ser proferida a decisão final.

21.ª Em conclusão, não foram preteridos quaisquer direitos do ora A., tendo sido cumpridas com rigor todas as formalidades legais exigidas para o caso, não existindo assim qualquer motivo para considerar anulável a decisão em crise.

22.ª No que tange ao Pedido de protecção internacional efectuado pelo ora recorrido afigura-se claro a decisão da entidade administrativa encontra-se legalmente fundamentada, sendo disso prova o teor da informação 266/GAR/16 elaborada pelo Gabinete de Asilo e Refugiados, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido, e que passa a fazer parte integrante das presentes alegações.

23.ª Efectivamente, o recorrente durante o procedimento administrativo não logrou provar de forma concreta e inequívoca quais as ameaças graves contra a sua vida e ou integridade física sofridos que pudessem justificar enquadramento da sua situação na norma veiculada pelo art.º 7º nº 2 c) da Lei de Asilo.

24.ª Quanto ao pedido de asilo propriamente dito, as alegações da requerente não merecem acolhimento, na medida em que não foi invocado qualquer receio de perseguição em virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões politicas ou integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer actividade individual susceptível de provocar um fundado receio de perseguição, na acepção do artigo 3º da lei nº 27/08, de 30 de Julho.

25.ª Efectivamente, verifica-se que o pedido é manifestamente infundado, face às disposições reguladoras do direito de asilo, porquanto a requerente não concretiza nem comprova quaisquer medidas individuais de natureza persecutória de que tenha sido alvo, em consequência de actividades atrás descritas.

26.ª Tal como ficou amplamente explanado na contestação, subsistem diversas contradições no relato apresentado pelo requerente e uma manifesta falta de apresentação de elementos probatórios credíveis para sustentar os factos por si alegados.

27.ª O recorrido prestou declarações vagas, desprovidas de pormenor e mesmo contraditórias, não tendo causado no examinador a convicção de que se trata de pessoa verdadeiramente necessitada de protecção, ou seja de pessoa perseguida nos termos da legislação de asilo e bem assim da protecção subsidiária.

28.ª Face aos elementos carreados para os autos, o Recorrido logrou provar que a decisão da Administração respeitou integralmente os princípios, normas e trâmites legalmente previstos, facto que levou o Tribunal a quo a decidir em Favor do R.

29.ª Quanto ao mais, remete para todo o vertido no articulado da sua contestação oportunamente deduzida, bem como para o processo administrativo junto aos autos.

30.ª Todo o exposto demonstra que o acto ora impugnado foi correcta e legalmente proferido não padecendo de qualquer vício que o invalide, pelo que não procedem in totu as razões aduzidas pela A.

31.ª Pelo acima exposto, conclui-se que a Sentença recorrida deve ser revogada, em virtude de o Réu, ora recorrido, carecer em absoluto de competência para o cumprimento da mesma, considerando ainda que acto administrativo é válido e respeitou todos os trâmites legais”.


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A ora Recorrida contra alegou pugnando pela manutenção do decidido.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a decisão recorrida.

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Sem vistos vem o processo submetido à conferência para julgamento.

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DA MATÉRIA DE FACTO

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663º nº 6 do Cód. Proc. Civil.

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DA MATÉRIA DE DIREITO


Veio o presente recurso interposto da sentença do TAC de Lisboa, que julgou procedente, por provada, a acção administrativa especial urgente, intentada por Mareme S....., natural do Senegal, ao abrigo do disposto na Lei nº 26/2014, de 5 de Maio, e, em consequência, anulou a decisão da Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 15 de Fevereiro de 2016.
A decisão da Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 15 de Fevereiro de 2016, com base nos fundamentos constantes da informação nº 266/GAR/16 elaborada pelo Gabinete de Asilo do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considerou infundado o pedido de asilo apresentado pela cidadã senegalesa Mareme S....., ora recorrida, bem como considerou infundado o pedido de protecção subsidiária, por se enquadrar na alínea e) do nº 1 do art.º 19º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº 26/2014, de 05 de Maio (doravante designada de Lei de Asilo).
A anulação da decisão da entidade demandada foi motivada pela questão suscitada pelo Tribunal a quo que sustenta que foi preterida a audiência dos interessados no Processo desencadeado pelo Pedido de Protecção Internacional, referindo o que aqui integralmente se reproduz, mormente que,“… no caso dos autos e atendendo ao teor do auto das declarações que prestou ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em 10 de Fevereiro de 2016 constata-se que apenas ao primeiro daqueles quatro pontos/ objectivos foi dado cumprimento. A requerente de protecção internacional foi ouvida sobre os fundamentos do pedido de protecção que formulou. Mas não lhe foi dado a conhecer o projecto de decisão de indeferimento, nem os respectivos fundamentos, nem lhe foi dada a possibilidade de efectiva e utilmente no procedimento se pronunciar sobre os mesmos. Ou seja, não se afigura que as declarações prestadas pela requerente pra autora possam ainda ser considerados como audiência prévia do interessado (entendida esta com a exigência e o alcance que o Tribunal de justiça da União Europeia e o direito da União Europeia impõem) (…)
Concluiu o Tribunal a quo pelo entendimento de que a decisão da Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras viola o art.º 24º, nº 2 da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº 26/2014, de 05 de Maio, interpretado em conformidade com o que dispõe designadamente o art.º 41º, nº 2 alínea a) da Carta dos direitos fundamentais da União europeia.
Discorda deste entendimento o ora Recorrente ao alegar que a sentença em crise “ (…) procedeu num incorrecto enquadramento e interpretação das normas internas constantes da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 26/2014 de 5 de Maio (Lei do Asilo) quer das normas constantes da Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004 ( revogada pela Directiva 2011/95/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro de 2011, relativamente aos Estados-Membros por ela vinculados co efeitos a partir de 21 de Dezembro de 2013), da Carta do Direitos Fundamentais da União Europeia, da Directiva 2013/32/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013 relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de protecção internacional, bem como das normas constitucionais invocadas, bem assim como do invocado Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia” – cfr. conclusão 5ª (sintetizada) .

Vejamos o que se nos oferece dizer.

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As conclusões das alegações definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontram nos autos os elementos necessários à sua consideração – cfr. artigos 635º nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, ex vi artigo 140º do CPTA.

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Na pendência da Directiva 2004/83/CE fazia-se a distinção entre pedido de asilo ou de estatuto de refugiado e pedido de protecção subsidiária, correspondendo a cada pedido um procedimento distinto, situação que se alterou com a entrada em vigor da Directiva 2011/95/EU que com o intuito de uniformizar e tornar mais célere, procedeu à inovação da figura do Pedido de Protecção Internacional, considerando que qualquer pedido de Protecção Internacional encerra em si quer o pedido de estatuto de refugiado, quer o pedido de protecção subsidiária.
Com efeito, a Directiva 2011/95/EU do Parlamento de 13 de Novembro veio introduzir um sistema uniforme de Protecção Internacional, no qual se considera que a partir do momento em que um cidadão de país terceiro ou apátrida solicita Protecção Internacional a um Estado Membro, o mesmo é recebido como Pedido de Protecção Internacional quer para efeitos de estatuto de refugiado, quer para efeitos de protecção subsidiária, sendo que naquele Pedido de Protecção internacional são analisados em simultâneo os pressupostos quer para o estatuto de refugiado, quer para protecção subsidiária.
No sistema jurídico actualmente em vigor, o Pedido de Protecção Internacional, tal como referido, reúne os dois pedidos num único procedimento, sendo o requerente ouvido para prestar declarações de molde a verificar se reúne as condições de admissibilidade do estatuto de refugiado e, em caso de não ser admissível, se reúne as condições de enquadramento no mecanismo de protecção subsidiária.
No caso em apreço, tratando-se de pedido de Protecção Internacional efectuado no Posto de Fronteira, o mesmo é tratado como Regime especial, seguindo os trâmites dos artigos 23º e ss da Lei nº 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº 26/2014, de 5 de Maio.
Com relevo, estatui o artigo 23º sob a epígrafe “Regime especial” o seguinte:
“1 — A decisão dos pedidos de protecção internacional apresentados nos postos de fronteira por estrangeiros que não preencham os requisitos legais necessários para a entrada em território nacional está sujeita ao regime previsto nos artigos anteriores com as modificações constantes da presente secção.
2 — Os funcionários que recebam requerentes de protecção internacional nos postos de fronteira possuem formação apropriada e conhecimento adequado das normas pertinentes aplicáveis no domínio do direito da protecção internacional.
Por sua vez, o artigo 24º, sob a epígrafe “Apreciação do pedido e decisão” estatui que:
1 — O SEF comunica a apresentação do pedido de protecção internacional a que se refere o artigo anterior ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que actue em seu nome, que podem entrevistar o requerente se o desejarem.
2 — O requerente é informado por escrito, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, dos seus direitos e obrigações e presta declarações que valem, para todos os efeitos, como audiência prévia do interessado.
3 — À prestação de declarações referida no número anterior é aplicável o disposto no artigo 16.º
4 — O director nacional do SEF profere decisão fundamentada sobre os pedidos no prazo máximo de sete dias.
5 — A decisão prevista no número anterior é notificada por escrito, ao requerente com informação dos direitos de impugnação judicial que lhe assistem, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, e é comunicada ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que actue em seu nome, desde que o requerente tenha dado o seu consentimento…”
Assim, aos pedidos apresentados nos Postos de Fronteira é aplicado um regime de tramitação mais acelerado, o qual apesar de não dispensar a prestação de declarações pelo requerente em conformidade com o artigo 16.º, e que no caso foi cumprido, não determina qualquer dever por parte da administração no sentido de notificar o requerente do relatório para que este se possa pronunciar.
No caso sub judice, por se tratar de um regime especial, cumprido o determinado no artigo 16.º, em conformidade com o que vem estipulado no artigo 24.º, nº 3, o requerente é notificado da decisão proferida pelo director nacional do SEF, a qual deve ser emitida no prazo máximo de 7 dias após a recepção do pedido -cfr., artigo 24º, nº 4.
Não prevê todavia aquela Lei, em sede do regime especial, que o requerente tenha que ser notificado do relatório referido no nº 1 do artigo 16.º para que este se possa pronunciar, e só posteriormente ser notificado da decisão, aliás, o que seria de todo incompatível com o prazo de 7 dias, após a recepção do pedido, para tomada de decisão por parte do Director Nacional do SEF (tratando-se de um processo complexo), e que certamente terá sido tido em conta pelo legislador ao não prever expressamente a obrigação de notificação para aquele efeito, mas tão-somente de notificar da decisão.
Importa ainda salientar que não foi desrespeitado o nº 2 do artigo 41º da Carta do Direitos Fundamentais da União Europeia, na medida em que esta expressamente refere que o direito da pessoa que está aqui em causa é o de ser ouvida antes de ser tomada qualquer medida individual que a afecte, não se podendo daí retirar que antes de se chegar à decisão final a pessoa dever ser notificada para se pronunciar sobre os argumentos que levarão o órgão decisor a decidir em sentido contrário. E, verdadeiramente, esse direito foi respeitado com a audição da requerente em 10 de Fevereiro de 2016, em cumprimento do disposto no nº 3 do artigo 24º e nº 1 e do artigo 16 da Lei nº 27/2008, de 30 de Julho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 5 de Maio.
Aliás, em conformidade com o nº 2 do artigo 24º da Lei de Asilo, as declarações prestadas pelo requerente valem, para todos os efeitos como audiência prévia de interessado, pelo que o mesmo será dizer que nesse âmbito e fazendo o paralelismo com o artigo 121º e ss. do CPA, o ora Recorrida foi ouvida e teve a possibilidade de se pronunciar, antes de ser proferida a decisão final.
Em conclusão, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, não foram preteridos quaisquer direitos do ora Recorrida, tendo sido cumpridas com rigor todas as formalidades legais exigidas para o caso, não existindo assim qualquer motivo para considerar anulável a decisão de 15 de Fevereiro de 2016.

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Aqui chegados, importa conhecer do pedido de protecção internacional formulado pela ora Recorrida e para tanto conhecer dos fundamentos da decisão de 15 de Fevereiro de 2016, que se estribou no teor da informação 266/GAR/16 elaborada pelo Gabinete de Asilo e Refugiados.
No essencial, a Autora pediu que lhe fosse concedida protecção internacional nos termos dos artigos 3º nº 2, e 7º da Lei nº 27/2008, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei nº 26/2014, de 5 de Maio.
A questão a dilucidar prende-se assim em saber se, no caso concreto, se mostram preenchidos os requisitos para a concessão do direito de asilo ou de autorização de residência por razões humanitárias conforme a Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, diploma que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária.
A propósito do direito de asilo estatui o artigo 3º da referida Lei o seguinte:
“ 1 – É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
2 – Tem ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões politicas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual”.

Constata-se do nº 1 do citado artigo 3º que os actos de perseguição mencionados só fundamentam o pedido de asilo quando a pessoa perseguida tenha tido uma actividade em prol da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
Por sua vez, os actos de perseguição mencionados no nº 2 do artigo 3º devem constituir uma flagrante violação dos direitos humanos, sob pena de qualquer cidadão comum vitima de perseguição, por qualquer motivo , poder vir a pedir asilo. O que vale por dizer que o instituto do asilo não visa propriamente substituir-se ao regime criminal dos países de onde os cidadãos que requerem o asilo são originários.
A propósito o artigo 5º da mesma Lei esclarece que os actos de perseguição susceptíveis de fundamentar o direito de asilo, para efeitos do artigo 3º, devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afectem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais (cfr. nº 1), podendo tais actos, nomeadamente, assumir as formas de actos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual ou actos cometidos especificamente em razão do género (cfr. nº 2).
Cabe ao Requerente do pedido de asilo o ónus da prova dos factos que alega, face ao disposto no artigo 18º nº 4 da citada Lei, sendo certo porém que o mesmo nº 4 excepciona tal prova quando estejam reunidas cumulativamente as condições referidas nas suas diversas alíneas, entre elas “ as declarações prestadas pelo requerente forem consideradas coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações disponíveis e a credibilidade geral do requerente”.
Importa ainda salientar que o “ beneficio da dúvida” a que alude o manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o Estatuto de Refugiado de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados, Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, Genebra, Janeiro de 1992, deverá, apenas, ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e “ quando o examinador esteja satisfeito no respeito à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos”.
Do exposto infere-se que a opinião do funcionário que procede à audição do peticionante é relevante dado que só o contacto directo com este permitirá aferir a credibilidade do seu depoimento, bem como da sua credibilidade geral como pessoa.
E assim sendo, salvo caso de erro grosseiro por parte da entidade aqui Recorrida, não pode o tribunal sindicar a opinião desta no tocante a este requisito (credibilidade do depoimento) a qual é de vital importância para a concessão do asilo peticionado.
Por último, valem os argumentos utlizados também para o pedido de autorização de residência uma vez que, nos termos do artigo 34º da citada Lei nº 27/2008 “As disposições constantes das Secções I, II, III, e IV do presente Capítulo são correspondentemente aplicáveis às situações previstas no artigo 7º.”
Assim, nos termos do artigo 7º :
“ 1 – É concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
2 – Para efeitos do nº 2 considera-se ofensa grave, nomeadamente:
a) A pena de morte ou execução;
b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou
c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.”

No caso sub judice, a ora Recorrida não logrou provar de forma concreta e inequívoca quais as ameaças graves contra a sua vida e ou integridade física sofridos que pudessem justificar enquadramento da sua situação na norma veiculada pelo art.º 7º nº 2 c) da Lei de Asilo.
Quanto ao pedido de asilo propriamente dito, as alegações da requerente não merecem acolhimento, na medida em que não foi invocado qualquer receio de perseguição em razão de raça, religião, nacionalidade, opiniões politicas ou integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer actividade individual susceptível de provocar um fundado receio de perseguição, na acepção do artigo 3º da lei nº 27/08, de 30 de Julho.
Verifica-se que o pedido é manifestamente infundado, face às disposições reguladoras do direito de asilo, porquanto a requerente não concretiza nem comprova quaisquer medidas individuais de natureza persecutória de que tenha sido alvo, em consequência de actividades atrás descritas. Aliás, subsistem diversas contradições no relato apresentado pela Requerente e uma manifesta falta de apresentação de elementos probatórios credíveis para sustentar os factos por si alegados , porquanto prestou declarações vagas, desprovidas de pormenor e mesmo contraditórias, não tendo causado no examinador a convicção de que se trata de pessoa verdadeiramente necessitada de protecção, ou seja de pessoa perseguida nos termos da legislação de asilo e bem assim da protecção subsidiária.

Em conclusão, procedem na íntegra as conclusões da alegação do Recorrente, sendo de conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida, uma vez que não se encontram reunidos os pressupostos para a concessão de autorização de residência por razões humanitárias, com a consequente improcedência da acção.

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Acordam, pois, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS, 2º Juízo, em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida, com a consequente improcedência da acção.
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Sem custas – artigo 84º da Lei do Asilo.



Lisboa, 5 de Julho de 2017
António Vasconcelos
Pedro Marchão Marques
Helena Canelas