Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04799/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/31/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC. DEDUÇÃO À COLECTA. DECLARAÇÕES.
DOSSIER FISCAL.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. O imposto retido em sede de substituição tributária, relativo a rendimentos prediais devidos a ente com sede em Portugal, pelo seu obrigado tributário, configura um pagamento por conta;
2. O imposto retido pelos obrigados tributários, pode ser deduzido à colecta do sujeito passivo do imposto, mas apenas até ao seu esgotamento, não podendo gerar resultado negativo;
3. Na falta de entrega pelos obrigados tributários das declarações legalmente devidas dessas retenções, não impede que o sujeito passivo efectue a prova das mesmas retenções por quaisquer outros meios de prova em direito permitidos;
4. Também a falta da entrega do dossier fiscal, entretanto criado, igualmente não afecta a possibilidade de provar por outros meios probatórios o imposto retido, apenas podendo relevar em sede contra-ordenacional.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Sociedade A..., Lda, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1. A impugnante arrendou vários imóveis seus a diversas sociedades;
2. Nos contratos e nas rendas contratadas não foi considerada qualquer importância a título de retenção na fonte;
3. Relativamente ao ano de 2000, a impugnante entregou a declaração Mod. 22 sem juntar algumas das declarações, de modelo oficial, previstas no artº 119°, nº 1, alínea b.) do CIRS;
4. Por acção inspectiva não lhe foram consideradas as retenções na fonte para as quais não apresentou comprovativo;
5. Por impugnação veio requerer fossem admitidos outros meios de prova, nomeadamente cópias dos cheques recebidos e dos recibos emitidos;
6. Foi ouvido como (única) testemunha o TOC da sociedade;
7. A impugnante não entregou as declarações a que se alude em 3. supra, mas não fez prova igualmente, a título dos "outros meios de prova" que requer sejam considerados, de que teriam sido entregues as declarações previstas no nº 1, alínea c.) do mesmo normativo; o que tornava óbvio que a retenção tinha de facto, ocorrido.
8. Ou seja, não fez prova de que os valores que deduziu na sua declaração, a título de retenção na fonte, foram efectivamente retidos (e entregue nos cofres do Estado);
9. Os recibos emitidos aquando do recebimento das rendas também não faziam qualquer menção ao imposto que deveria ter sido retido; facto confirmado pelo TOC;
10. O qual acrescentou que, pese embora o afirmado, registava na contabilidade o valor das rendas abatido do valor do imposto, tendo por base a diferença de valores entre os cheques emitidos e os recibos correspondentes;
11. A impugnante também não entregou o dossier fiscal, do qual deveriam constar as declarações em falta;
12. A douta sentença recorrida errou ao julgar como provado, que “os rendimentos prediais que auferiu no ano de 2000 foram objecto de retenção na fonte à taxa de 15% pelos seus arrendatários”, com base na factualidade supra descrita;
13. Não foi um caso isolado de falta da declaração já referenciada e de entrega obrigatória, conforme o artº 119° do CIRS;
14. Foram vários os arrendatários de quem a impugnante não recebeu a mencionada declaração...
15. Agiu assim bem a Administração Fiscal (AF) ao desconsiderar os valores sem suporte documental legalmente exigido;
16. E por sua vez r a douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou o disposto no artº 119° do CIRS;
17. Pelo que deve a decisão da AF manter-se nos precisos termos em que ocorreu;
18. Já que não se demonstra nos autos que as retenções efectivamente foram feitas;
19. E deve a douta decisão recorrida ser revogada.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a Vs. Exas. se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, proferindo decisão que revogue a decisão recorrida e substituindo-a por acórdão que ju1gue a impugnação totalmente improcedente.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, por não ter sido efectuada a prova suficiente para retenção do imposto por parte dos arrendatários e nem para criar a dúvida fundada sobre o mérito da liquidação e que in casu, cabia à ora recorrida.

Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a falta da entrega à ora recorrida pelos arrendatários das declarações de retenção do imposto nos rendimentos que lhe foram pagos como senhoria, tem como efeito necessário, que esta não possa deduzir à colecta tais importâncias; Se esta não logrou provar que tais retenções tenham sido efectuadas; E se a falta da entrega do dossier fiscal com os elementos legalmente devidos, igualmente torna como não possível a dedução à colecta do imposto retido.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1- A ora impugnante foi objecto de uma acção de inspecção interna com vista ao controlo das deduções efectuadas no campo 359 do quadro 10 da declaração mod. 22 do exercício de 2000 no montante de € 30.661.01 (cfr. relatório de Inspecção de fls. 15/38 do processo administrativo em apenso).
2- Os serviços de inspecção detectaram que do valor de retenções na fonte deduzido na declaração mod. 22 (€ 30.661,01), não existiam documentos de suporte para o montante de € 24.118.73 (cfr. fls. 16 do apenso).
3- No exercício do direito de audição prévia, o contribuinte apresentou diversos documentos de suporte, tendo os serviços de considerado ser de aceitar o imposto retido por terceiros no montante de € 18.173.56 (cfr. fls. 17 do apenso).
4- Os serviços de inspecção consideraram que não ficou provada a existência de retenções efectuadas por terceiros no montante de € 12.487,45, com referência aos seguintes sujeitos passivos:
- B...- ..., Lda;
- C..., Lda;
- D.... ..., Lda;
- E..., Lda;
- F...;
- G..., Lda;
- H...Lda;
- I..., Lda;
- J...;
- K...;
- L...(como consta de fls. 18 do apenso).
5- O relatório de inspecção foi objecto de parecer com o seguinte teor "Confirmo o teor do relatório do procedimento interno de inspecção em anexo, bem como as correcções propostas no âmbito do mesmo, no montante de euro 12.487,45. (...) não foram aceites documentos no valor de euro 12.487,45 pois, não foram entregues como suporte das retenções, as declarações a que se referem os artigos 119º do CIRS e 120° do CIRC. Os documentos enviados não comprovam a retenção de quaisquer importâncias, alegadamente efectuadas pelos sujeitos passivos relacionados no quadro da parte final do ponto 5 deste relatório." (cfr. fls. 15 do apenso).
6- Com base na acção de inspecção foi efectuada a liquidação referente ao IRC de 2000 no montante de € 12.487.45 tendo este montante sido pago por compensação (cfr. teor de fls. 39/42 do processo administrativo).
7- A ora impugnante celebrou contrato de arrendamento comercial com H...– ..., Lda., (cfr. fls. 81/83).
8- E celebrou contratos-promessa de arrendamento comercial com D…, Lda., C... - ..., Lda., B...- …, Lda., e com F...(cfr. fls. 84/95).
9- O valor dos cheques emitidos a favor da impugnante pelos arrendatários são de valor inferior aos recibos passados pela impugnante a esses arrendatários como consta dos documentos de fls. 28/54.
10- A impugnante tem armazéns arrendados e os inquilinos fazem retenção na fonte de 15% (cfr. depoimento do TOC da sociedade).
11- Na contabilidade do exercício de 2000 era lançada a renda como proveito e registado também o valor das retenções na fonte (cfr. depoimento do TOC da sociedade).
12- A impugnante passava os recibos com o valor total da renda (cfr. depoimento do TOC).
13- A impugnante não entregou o "dossier fiscal" do ano de 2000 nas finanças (cfr. depoimento do TOC).
14- Alguns dos inquilinos não entregaram à impugnante a declaração com os valores das rendas pagas e montante do imposto retido (cfr. depoimento do TOC).
15- A impugnante tentou obter dos inquilinos em falta as respectivas declarações (cfr. depoimento do TOC).

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo bem como dos depoimentos das testemunhas melhor identificadas na acta de inquirição de testemunhas de fls. 77/79 e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório.

Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que embora alguns dos arrendatários não lhe tenham entregue a declaração de retenção do imposto referida no art.º 114º do CIRS, o certo é que na contabilidade da ora recorrida tais valores eram tidos em conta e foi considerado na respectiva declaração de rendimentos relativa a 2000, prova que logrou fazer, pelo que pese tal falta por parte daqueles, a mesma retenção constitui dedução à colecta, sendo ilegal a liquidação que a não aceitou, bem como a não entrega do dossier fiscal não impedir a dedução à colecta do imposto retido.

Para a Fazenda Pública ora recorrente, é contra esta fundamentação que vem esgrimir argumentos tendentes a reapreciar a sentença recorrida em ordem a sobre ela ser emitido um juízo de censura conducente à sua revogação ou anulação, pugnando que a recorrida não entregou as declarações previstas no art.º 119.º, n.º1, alínea c) do CIRS e nem fez prova de que as importâncias que declarou como tendo sido retidas o tivessem sido e nem entregou o dossier fiscal, do qual tais declarações deveriam constar pelo que bem desconsideradas foram tais invocadas deduções.

Vejamos então.
Como bem se fundamenta na sentença recorrida, a norma do art.º 103.º do CIRC, na redacção e numeração de então vigente em relação ao exercício de 2000, dispunha que o regime do art.º 114.º do CIRS, era aplicável às entidades obrigadas a efectuar retenções na fonte de IRC, igualmente na redacção então vigente, onde obrigava as entidades que estivessem obrigadas à retenção na fonte do imposto, que entregassem, aos respectivos sujeitos passivos, documento comprovativo das importâncias devidas no ano anterior, do imposto retido na fonte e das deduções a que eventualmente haja lugar, o qual deveria ser junto à declaração de rendimentos do ano a que respeita - n.º3 do mesmo art.º 114.º - declaração de retenção que alguns desses arrendatários não entregaram à ora recorrida, como da matéria constante na alínea 14. se pode colher, pelo que se coloca como questão a decidir, assim desdobradas em duas, se a falta de tal entrega pelos inquilinos pode ser suprida por outro meio de prova e bem assim se no caso, se mostra provada essa retenção por esses inquilinos que a AT não aceitou como tal retenção tenha ficado provada – cfr. matéria do ponto 4.º fixado na sentença recorrida.

A retenção na fonte dos rendimentos prediais, na vertente de quem constitui o seu contribuinte – a ora recorrida – que pelo mecanismo da substituição tributária impende, no caso, legalmente, sobre quem paga tais rendimentos (os inquilinos) – cfr. art.ºs 18.º, n.º3, 20.º e 34.º da LGT – tem para esta a natureza de pagamento por conta do imposto, a final, devido – cfr. art.º 74.º, n.º3 do CIRC – desta forma não entrando na determinação do lucro tributável do exercício da contribuinte, como um seu custo fiscal – cfr. art.ºs 17.º e 23.º e segs do CIRC – mas sim num ulterior momento ou a já a jusante, quando a colecta já se encontra determinada, de acordo com o resultado obtido na soma algébrica tal como o citado art.º 17.º a define, a qual pode absorver na sua totalidade (mas já não criar um resultado negativo da colecta do exercício, por se tratar de um pagamento por conta, o que a norma do n.º6 do art.º 71.º da CIRC, expressamente contempla), mas no que ao suporte documental diz respeito, não pode deixar de comungar do mesmo regime que para os custos fiscais impende e que, como constitui doutrina e jurisprudência correntes(1), podem, em geral, no âmbito do IRC, ser substituídos por outros meios de prova, designadamente por prova testemunhal, de molde a comprovar a substância desse lançamento, a materialidade de tal operação, sem prejuízo de eventual responsabilidade contra-ordenacional do obrigado.

Assim, quanto à resposta a tal questão, da falta da entrega pelos inquilinos à ora recorrida das referidas declarações e da sua substituição por outros meios de prova, merece respeita positiva, tal como se fundamentou na sentença recorrida e em contrário do pretendido pela recorrente, cuja materialidade assim improcede.

E também improcede a outra vertente em que se fundou a liquidação, de não ter sido feita (outra) prova da retenção do imposto quanto aos inquilinos referidos no ponto 4. do probatório da sentença recorrida, face à matéria constante nos pontos 9., 10., 11. e 12. do probatório fixado na mesma sentença, apoiado nos documentos que refere, conjugados com o testemunho prestado por uma das testemunhas inquiridas, em que tal factualidade relativa a tais retenções foi dada como verificada e sobre que a ora recorrente, embora discorde e alegue ao contrário do que aí consta como provado – cfr. matéria dos seus pontos 8., 9. e 18. das conclusões do recurso – o certo é que não veio validamente impugnar tal matéria de facto ao abrigo do que a norma do então art.º 690.º-A do CPC dispunha, pelo que a mesma não poderá deixar de se manter nos termos em que foi julgada pelo Tribunal “a quo”.

Também a não entrega do dossier fiscal a que alude a norma do art.º 104.º do CIRC, na redacção do Dec-Lei n.º 55/2000, de 14 de Abril, mandado aplicar ao exercício de 1999 e seguintes, pela norma do seu art.º 4.º, com os elementos definidos na Portaria n.º 359/2000, de 20 de Junho, ao seu abrigo emitida, igualmente, no caso, nenhum efeito podem ter para a desconsideração daquelas quantias que os inquilinos retiveram à ora recorrida a título de retenção na fonte, já que a constituição do mesmo teve por fito a simplificação do cumprimento das obrigações (declarativas) que impendem sobre os contribuintes, quer para a liquidação do imposto, quer para controlo das operações efectuadas com terceiros, com vista a uma racionalização e separação da dívida de imposto e do controlo fiscal, como do seu preâmbulo se pode ler, cuja falta de cumprimento pela ora recorrida, apenas poderá relevar, em sede contra-ordenacional, igualmente em nada contendendo com a substituição de um legal meio de prova por outros meios probatórios, em ordem a comprovar a materialidade da operação efectuada na contabilidade.


Improcede assim, toda a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa,31/01/2012

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS


1- Na doutrina, cfr. António Moura Portugal, Dedutibilidade dos custos, pág. 201 e segs, na jurisprudência, cfr. entre muitos outros, o acórdão deste TCAS n.º 4.788/01 e que teve por Relator o do presente.