Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:130/18.2BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO FISCAL
NOTIFICAÇÕES VIA CTT
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
DIREITO DE DEFESA
Sumário:I. O regime regra de aplicação subsidiária imposta pela al. b) do artigo. 3.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), às contraordenações tributárias e respetivo processamento é o do ilícito de mera ordenação social, porém, a questão das notificações em processo de contraordenações tributárias encontra regime de exceção no artigo n.º 70.º do mesmo diploma legal (RGIT), remetendo o seu n,º 2, expressamente para as disposições correspondentes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
II. O conceito de domicilio fiscal alargado pela Lei n.º 64-B/2011 (OE 2012) e que alterou o n.º 2 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária (LGT) no sentido de, nele passar a incluir a caixa postal eletrónica, sendo reforçado em 2017, pelo Dec. Lei n.º 93/2017 de 01/08, com alteração ao mesmo n.º 2 do 19.º da LGT no sentido de nele se integrar o domicilio fiscal eletrónico, que inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado também à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica.
III. A norma legal que institui a presunção de notificação eletrónica e a que refere os termos em que esta pode ser ilidida pelo notificado são claras quanto à exigência da demonstração cabal de que a notificação ocorreu em data posterior à presumida, por facto que não lhe seja imputável e nos casos em que se comprove que o contribuinte comunicou a alteração daquela nos termos do artigo 43.º (artigo 39.º nº 10 e 11 do CPPT).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

S... – S..., Lda., melhor identificada nos autos, veio interpor recurso da decisão do Chefe do Serviço de Finanças do Montijo, que, lhe fixou a coima no montante de € 6.970,18, acrescido de custas do processo, nos autos de contraordenação fiscal nº 2....

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, por decisão de 07 de fevereiro de 2019, rejeitou o recurso por extemporaneidade.

Inconformada, a S... – S..., Lda., A, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«a) Como constitui jurisprudência dominante, não existe um verdadeiro ónus da prova em processo de contraordenação, vigorando o princípio da investigação, também designado de princípio da verdade material e se os factos resultam provados, pouco importa quem desenvolveu a atividade probatória, o importante é a situação de certeza (Neste sentido, vide, entre muitos outros, o Acórdão da Relação de Évora de 4 de Abril de 2013, tirado no Recurso nº 2121/11.5TBABF.E1).

b) Caberá sempre, tomar em conta o princípio da presunção de inocência aplicável ao processo de contraordenação (nºs 2 e 10 do art.º 32º da CRP).

c) De facto, as garantias próprias do processo penal têm vindo a ser paulativamente adquiridas pelo processo contraordenacional e pelo direito sancionatório em geral, o que é comprovado pelo art.º 32, nº10 da CRP (neste sentido, vide, entre outros o Acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Fevereiro de 2011, tirado no Recurso nº 3501/06.3TFLSB.L1).

d) Em face da inexistência de ónus da prova em processo de contraordenação, da presunção de inocência de que a recorrente beneficia e da ausência de prova da data em que a gerência da mesma acedeu à sua caixa postal do Via CTT, tomando conhecimento do teor da decisão de aplicação de coima na origem dos presentes autos,

e) Não deveria o recurso ter sido rejeitado, por extemporaneidade.

f) Assim, a douta Sentença recorrida preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de julgamento.

g) Em processo tributário as notificações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico consideram-se efetuadas no quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas no sistema de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas, associado à morada única digital ou na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar (nº 10 do art.º 39º do CPPT).

h) Trata-se assim de uma presunção de notificação estabelecida naquela norma, porquanto na sua interpretação literal se o contribuinte não aceder à sua caixa postal eletrónica, o prazo de reação inicia-se e termina sem que de tal notificação tenha efetivo conhecimento.

i) Tal interpretação afigura-se contrária aos mais elementares direitos de audiência e defesa do arguido, constitucionalmente consagrados em sede de processo de contraordenação (nº 10 do art.º 32º da CRP).

j) Às notificações no processo de contraordenação aplicam-se as disposições correspondentes do CPPT (nº 2 do art.º 70º do RGIT).

k) Tal remissão resulta da Lei nº 15 de 2001, de 5 de Junho que aprovou o RGIT e foi mantida na última redação dada ao preceito pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro de 2012, que determinou a última alteração à redação da mesma disposição legal.

l) Disposição legal anterior à redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 93/2017 de 1 de Janeiro, que estabeleceu a atual redação do nº 10 do art.º 39º do CPPT. E,

m) Anterior à redação dada ao art.º 38º do CPPT, que introduziu a possibilidade de as notificações previstas na mesma norma serem efetuadas por transmissão eletrónica de dados.

n) Pelo que se entende inconstitucional, por violação do preceituado no nº 10 do art.º 32º da CRP, o nº 10 do art.º 39º do CPPT, conjugado com o nº 2 do art.º 70º do RGIT, na interpretação segundo a qual fique precludido o direito de defesa do arguido, em sede de decisão de aplicação de coima em processo de contraordenação, por não aceder à sua caixa postal eletrónica.

o) Inconstitucionalidade que para os devidos efeitos, se invocou no recurso de contraordenação apresentado, rejeitado por extemporaneidade na Sentença ora recorrida, e ora se invoca perante V. Exas.

p) Caberia assim, aplicar, ao contrário do entendido na douta Sentença recorrida, o nº 1 do art.º 38º do CPPT, norma segundo a qual as notificações sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes são obrigatoriamente efetuadas por carta registada com aviso de receção.

q) Pelo, por todo o exposto, o recurso de contraordenação foi tempestivo, tanto mais que a ora recorrente não foi ainda, sequer notificada por carta registada com aviso de receção.

r) Assim, também pelo ora exposto a douta Sentença recorrida, ao considerar não existir a inconstitucionalidade alegada, rejeitando por extemporaneidade, o recurso de contraordenação apresentado, preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de julgamento.

Nestes termos, atentos os fundamentos expendidos, nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso depois de admitido, ser julgado procedente por provado, sendo revogada a douta Sentença recorrida, com todas as consequências legais daí advindas.»


»«

A recorrida, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.

»«

Neste TCA Sul, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, pronunciou-se no sentido da improcedência do pedido com a manutenção da sentença recorrida.

»«

Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

»«

Objeto do recurso

Como é sabido, são as conclusões das alegações do recurso que definem o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, com a ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº. 412, nº.1, do CPP, “ex vi” do artº.3, alba), do RGIT., e do artº.74, nº.4, do RGCO).

No caso sub Júdice, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa aferir se a sentença incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação das normas referentes a notificações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico nos termos previstos no artigo 39.º n.º 10.º do CPPT, face aos direitos de defesa do arguido (n.º 10 do art. 32.º da CRP), na decisão que culminou em extemporaneidade do direito de ação.

II - FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:


«1.

Em 28 de Outubro de 2017, foi remetida, mediante notificação electrónica para o domicílio fiscal electrónico da Reclamante, a decisão de aplicação da coima, no valor de € 6.970,18, acrescida de custas no valor de € 76,50, proferida pela Chefe do Serviço de Finanças do Montijo no processo de contra-ordenação n.º 2... – cfr. documento n.º 1 do requerimento inicial e informação do Serviço de Finanças do Montijo a fls. 21 dos autos, facto não contestado;

2.

Em 29 de Janeiro de 2018, o presente recurso de contra-ordenação foi remetido por correio sob registo postal para o Serviço de Finanças do Montijo – cfr. fls. 19 e 20 dos autos.

*

Não se provou que:

A recorrente apenas tenha tomado conhecimento da decisão de aplicação da coima em causa nos autos em 29 de Dezembro de 2017, por só em tal data ter acedido à sua caixa postal electrónica – cfr. artigos 4.º e 17.º do requerimento inicial;


***

O Tribunal considera provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base nos documentos juntos aos autos e na informação prestada pelo Serviço de Finanças do Montijo, constante a fls. 21 dos autos.

O facto dado como não provado resulta da ausência de qualquer prova, nomeadamente documental, de suporte da alegação.

Acresce que na informação do Serviço de Finanças do Montijo é referido que o acesso ocorrido em 29 de Dezembro de 2017 respeita à citação no processo de execução fiscal n.º 2194-2017/01181270 e não à decisão de aplicação da coima presentemente recorrida.»


»«

Do direito

Na situação sub judice, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Almada, que rejeitou, por intempestivo o recurso de contraordenação que intentado contra o despacho de fixação da coima proferido nos autos de contraordenação n.º 2... pelo Chefe do Serviço de Finanças do Montijo.

Para assim decidir, o TAF de Almada, considerou que a remessa da petição de recurso para o Serviço de Finanças do Montijo em 29 de janeiro de 2018 se mostra claramente extemporânea, conforme decorre do artigo 63.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra- Ordenações (RGCO), aplicável ex vi artigo 3.º, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).

Alega a recorrente que o recurso não deveria o ter sido rejeitado, por extemporaneidade, face da inexistência de ónus da prova em processo de contraordenação e à ausência de prova da data em que a gerência acedeu à sua caixa postal do Via CTT, tomando conhecimento do teor da decisão de aplicação de coima na origem dos presentes autos,

Face ao que, apela à aplicação da presunção de inocência. – (concl. a) a d) do articulado recursório).

Considera ainda que ao rejeitar o recurso apresentado por extemporaneidade, a sentença recorrida preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de julgamento – (concl. e) e f))

Do que se deixou dito e face á leitura pondera das conclusões recursivas constatamos que a recorrente se não conforma com o entendimento de que à notificação da decisão de aplicação da coima se aplica a presunção prevista no artigo 39.º n.º 10 do CPPT, por considerar que deveria ter sido notificada por carta registada com aviso de receção – (concl. g) e seguintes).

O que nos coloca perante a questão da validade das notificações efetuadas para a caixa postal eletrónica do arguido.

Termos em que importa antes de mais atentar ao regime das notificações em sede de contraordenações tributárias, começando por relembrar que não obstante a regra de aplicação subsidiária imposta pela al. b) do artigo 3.º do RGIT, no sentido de ser aplicada às contraordenações e respetivo processamento o regime geral do ilícito de mera ordenação social, a questão das notificações em processo de contraordenações tributárias encontra regime de exceção no artigo 70.º do mesmo diploma legal (RGIT), remetendo o seu n,º 2, expressamente para as disposições correspondentes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Importa ainda dispensar atenção ao conceito de domicilio fiscal alargado pela Lei n.º 64-B/2011 (OE 2012) e que alterou o n.º 2 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária (LGT) no sentido de, nele passar a incluir a caixa postal eletrónica, diz-se ali: “[O]o domicílio fiscal integra ainda a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal eletrónica.”

Trata-se, conjuntamente com outras alterações introduzidas na lei processual fiscal, nomeadamente, o aditamento do artigo 60.º-A também da LGT, que, com epigrafe “Utilização das tecnologias da informação e da comunicação”, assume a possibilidade de utilização, por parte da AT, de tecnologias da informação e da comunicação no procedimento tributário (1) e bem assim das funcionalidades proporcionadas pelo sistema de internet, ali consideradas idênticas às dos serviços em instalações físicas (2).

No mesmo sentido o artigo 151.º da já citada Lei n.º 64.º-B/2011, vem estipular disposições transitórias conferindo, aos sujeitos passivos referidos no n.º 9 do artigo 19.º da LGT, nomeadamente, aos sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas com sede ou direção efetiva em território português, prazos para completar os procedimentos de criação da caixa postal eletrónica e comunicá-la à administração tributária, por meio de transmissão eletrónica de dados disponibilizada no portal das finanças na Internet (www.portaldasfinancas.gov.pt,), mediante acesso restrito do sujeito passivo

O conceito de domicilio fiscal veio ainda a ser reforçado em 2017, pelo Dec. Lei n.º 93/2017 de 01/08, com alteração ao n.º 2 do 19.º da LGT no sentido de nele se integrar o domicilio fiscal eletrónico, também ali se especifica que este, inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica.

Por força de todas estas alterações o regime geral de notificações implícito nos artigos 38.º e 39.º do CPPT foi consequentemente alterado pela lei do OE para 2012 e depois sucessivamente reajustado.

Dito isto, regressemos à situação que nos ocupa para aferir do quadro normativo em vigor à data dos factos sobre que incide o decisório objeto do presente recurso, mas não sem antes atentarmos ao texto decisório, que, diga-se desde já, por não nos merecer qualquer tipo de censura, acompanhamos.

Diz-se ali:

«(…)

Estabelece o n.º 1 do artigo 80.º do Regime Geral das Infracções Tributárias que “As decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objecto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação”.

Prazo que se conta nos termos do artigo 60.º do Regime Geral das Contra- Ordenações, ou seja, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados.

Por força do estabelecido no artigo 70.º, n.º 2, do Regime Geral das Infracções Tributárias, as notificações a efectuar no âmbito deste diploma seguem as normas constantes do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Ora, quanto às notificações, dispõe o artigo 38.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para o que ora interessa, da seguinte forma: “1 - As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências; (…) 3 - As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada; (…) 9 - As notificações referidas no presente artigo podem ser efectuadas por transmissão electrónica de dados, que equivalem, consoante os casos, à remessa por via postal registada ou por via postal registada com aviso de recepção”.

Considera o Supremo Tribunal Administrativo que as decisões de aplicação de coima não alteram a situação tributária dada a sua natureza punitiva, pelo que devem ser efectuadas por carta registada simples – cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo prolatado em 18 de Novembro de 2015, processo n.º 0754/14, disponível em www.dgsi.pt.

No que concerne à perfeição das notificações, estabelece o artigo 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que “As notificações efectuadas para o domicílio fiscal electrónico consideram-se efectuadas no quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas no sistema de suporte ao serviço público de notificações electrónicas associado à morada única digital ou na caixa postal electrónica da pessoa a notificar” (n.º 10), e, igualmente, que “A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando, por facto que não lhe seja imputável, a notificação ocorrer em data posterior à presumida e nos casos em que se comprove que o contribuinte comunicou a alteração daquela nos termos do artigo 43.º” (n.º 11).

(…)”

Na verdade, as decisões de aplicação de coimas por contra infração às normas tributárias são, reguladas no RGIT. Trata-se de matéria de carater sancionatório que, não obstante seja regulada em regime próprio privilegia, como suporte subsidiário, no que respeita a contraordenações e respetivo processamento, o regime geral do ilícito de mera ordenação social (artigo 3.º al. b) do RGIT).

Assim e não obstante, os factos punitivos decorram de infração a norma(s) tributária(s), ou em matéria tributária, de carater substantivo ou adjetivo, aqui a aplicação é punitiva ou seja, é a infração que está em causa, sendo certo que o ato sancionatório, por si, não é suscetível de produzir qualquer alteração na situação tributária do arguido, podendo, ou devendo, como se refere no ac. do STA citado no texto sob recurso (proferido em 18/11/2015 no proc. N.º 0754/14) “…ver-se até como um elemento estabilizador dessa mesma situação.

Diz-se ainda no referido aresto que: ”Embora a lei não defina concretamente o que entende por situação tributária entendemos que a mesma não pode deixar de considerar-se como a posição que em determinado momento o cidadão na sua qualidade de obrigado tributário mantém com o Fisco e o ordenamento Fiscal em vigor. Neste entendimento relacional e tendo em conta também o disposto nos artigos 30 e 31 da LGT pode a situação tributária considerar-se como o conjunto das relações jurídicas, compreendendo o conjunto de direitos e deveres do obrigado tributário englobando ainda toda a situação de facto a ele respeitante e regulada pelo direito fiscal designadamente o seu património, rendimentos, benefícios fiscais, despesas, deduções e garantias.”

Dito isto concluímos que bem andou a sentença recorrida no enquadramento que faz da situação no âmbito do artigo 39.º do CPPT

De facto, a infração tributária não apresenta força capaz de produzir qualquer alteração na situação tributária do contribuinte nem constitui convocação para estes assistirem ou participarem em atos ou diligências, pelo que se afasta da aplicação do artigo 38.º do CPPT, como pretende a recorrente.

Prosseguindo

Decorre do n.º 10 da citada norma legal, na redação que lhe foi dada pelo Dec. Lei n.º 93/2017, de 01/08, em vigor à data dos factos, que: “[A]as notificações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico consideram-se efetuadas no quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas no sistema de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital ou na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar.” – o sublinhado e o negrito são nossos.

Resulta do assim estatuído que enviada que seja a notificação para o domicilio eletrónico do destinatário se presume que este dela tomou conhecimento, porém, trata-se de uma presunção ilidível, como decorre desde logo do n.º 11 (1) do mesma norma legal (art.º 39.º do CPPT) que expressamente nos dos diz os termos em que a mesma pode ser refutada, indicando que a presunção só pode ser ilidida pelo notificado quando, por facto que não lhe seja imputável, a notificação ocorra em data posterior à presumida e nos casos em que se comprove que o contribuinte comunicou a alteração daquela nos termos do artigo 43.º - o negrito é nosso.

Assim, considerando que estamos perante uma presunção ilidível (iuris tantun) e ainda que o próprio texto legal nos encaminha para o modo como a mesma pode ser rebatida, não vemos como a interpretação levada a cabo na sentença sob recurso pode ser contrária aos mais elementares direitos de audiência e defesa do arguido, constitucionalmente consagrados em sede de processo de contraordenação (nº 10 do art.º 32º da CRP), como alega o recorrente. – (concl. i) do articulado recursivo)

Pelo contrário, atentamos que o legislador foi cauteloso ao consagrar no texto legal, de forma expressa, o modo de contrariar a presunção assegurando assim aos notificados as garantias de defesa dos seus direitos, não se descortinando das alegações e conclusões apelatórias, de que forma, o regime em vigor à data dos factos e de que fez uso a sentença recorrida possa atentar contra o direito de defesa do arguido (concl. n)), sendo certo que a notificação foi feita por via, pese embora tenha sido legalmente imposto (2) carece de adesão (3), por conseguinte a recorrente não a podia ignorar o dever de cuidado quanto à respetiva consulta.

Acresce referir que na situação em apreço, não obstante tenha sido dado como não provado que a recorrente apenas tenha tomado conhecimento da decisão de aplicação da coima em causa nos autos em 29 de dezembro de 2017, por só em tal data ter acedido à sua caixa postal eletrónica, este facto não vem contraditado, não vindo, nesta sede invocado qualquer motivo justificativo da falta de conhecimento tardia, da referida notificação por motivo que não lhe seja imputável.

Ora, consideramos que não é suficiente, já que, repete-se, a norma legal que institui a presunção de notificação eletrónica e a que refere os termos em que esta pode ser ilidida pelo notificado são claras quanto à exigência da demonstração cabal de que a notificação ocorreu em data posterior à presumida, por facto que não lhe seja imputável e nos casos em que se comprove que o contribuinte comunicou a alteração daquela nos termos do artigo 43.º (artigo 39.º nº 10 e 11 do CPPT).

Dito isto resta-nos rematar em concordância com a sentença recorrida que

“(…)

Não tendo afastado a Recorrente essa presunção - por ter comunicado a alteração da caixa postal electrónica ou demonstrado ter sido impossível essa comunicação por facto que não lhe seja imputável -, na verdade, confirmando a recepção da notificação em causa na sua caixa postal electrónica – cfr. artigo 3.º do requerimento inicial -, importa concluir que o prazo para apresentação do recurso de contra-ordenação se completava em 30 de Novembro de 2017.

Assim, a remessa do mesmo para o Serviço de Finanças do Montijo em 29 de Janeiro de 2018 – cfr. ponto n.º 2 do probatório – mostra-se claramente extemporânea, impondo-se a sua rejeição, no termos do artigo 63.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra- Ordenações, aplicável ex vi artigo 3.º, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias.

Atento os normativos referidos, não pode colher o entendimento defendido que o prazo para interposição do recurso se conta de um alegado e posterior acesso da Recorrente ao seu domicílio fiscal electrónico, importando demonstrar cabalmente que não o pôde fazer num momento anterior por facto que não lhe foi imputável – cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, prolatado em 16 de Março de 2017 no processo 01191/16.4BEPNF, disponível em www.dgsi.pt -.

Não pode colher, igualmente, o entendimento da Recorrente de que teria de ser sempre efectuada notificação da decisão de aplicação da coima por carta registada com aviso de recepção, que não é exigida (nem por carta registada simples, acrescenta-se), pois como se referiu, as notificações electrónicas equivalem à remessa por via postal registada ou por via postal registada com aviso de recepção, nos termos do citado artigo 38.º, n.º 9, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Nem se vislumbra por que motivo o artigo 39.º, n.º 10, do Código de Procedimento e de Processo Tributário se mostra ferido de inconstitucionalidade ao afectar os direitos de defesa da Recorrente, ao estabelecer tal presunção, inconstitucionalidade que apesar de invocada pela Recorrente não é concretizada.

(…)».

Assim e porque, repete-se, dos autos não se descortina os moldes em que este regime atente contra o art.º 32.º, n.ºs 2 e 10, da CRP, não existindo qualquer fundamento legal nem justificação do ponto de vista da segurança jurídica que exija que a notificação de tais decisões seja feita ao abrigo do art.º 38.º do CPPT, improcedem in totun todas as conclusões do recurso, ao que se provirá na parte do dispositivo.


III - DECISÃO

Face ao que, acordam em conferência os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pelo recorrente

Registe. Notifique.

Lisboa, 4 de junho de 2020


Hélia Gameiro Silva – Relatora
Benjamim Barbosa – 1.º Adjunto
Ana Pinhol – 2.º adjunta


(Assinado digitalmente)


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(1) Também na redação do Dec. Lei n.º 93/2017, de 01/08, em vigor à data dos factos.
(2) Artigo 19 n.º 9 da LGT: “Os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas com sede ou direcção efectiva em território português e os estabelecimentos estáveis de sociedades e outras entidades não residentes, bem como os sujeitos passivos residentes enquadrados no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, são obrigados a possuir caixa postal electrónica, nos termos do n.º 2, e a comunicá-la à administração fiscal.
(3) A adesão às notificações e citações electrónicas exercida por opção é efectuada no Portal das Finanças mediante autenticação na área reservada, após identificação do sujeito passivo com o respetivo NIF e da respectiva senha pessoal de acesso (password).