Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03527/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/16/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
RESPONSABILIDADE DOS GERENTES NOS TERMOS DOS ARTºS 13º DO CPT E 24º DA LGT
GERÊNCIA DE DIREITO E GERÊNCIA DE FACTO
PRESUNÇÃO DECORRENTE DO REGISTO
Sumário:1. O regime da responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes pelas dívidas da sociedade tem natureza substantiva, sendo aplicável o que se encontrar em vigor à data em que ocorreu o facto tributário.

2. No regime de responsabilidade ínsito do artº 13º do CPT, a gerência de direito cria a presunção judicial da gerência de facto, cuja ilisão se basta com a criação de uma dúvida fundada.

3. No regime do artigo 24° da LGT também se consagra a gerência de facto como requisito essencial da efectivação da responsabilidade subsidiária e o credor tributário apenas terá que provar que o executado tem a qualidade de gerente ou administrador no período a que respeitam as dívidas fiscais.

4. Quer a nomeação da gerência, quer a sua cessação, são factos obrigatoriamente sujeitos a registo e isso deve-se à necessidade da publicidade de tais factos como fautores de confiança e segurança do comércio.

5. O registo definitivo, constitui presunção de que existe a situação jurídica nos precisos termos em que é definida, como determina o artigo 11º do CRComercial, tratando-se, neste caso, de uma presunção legal.

6. O facto de a oponente não figurar no registo como gerente da sociedade devedora impede que se presuma que manteve, desde a sua nomeação até à cessação de funções, aquela qualidade jurídica - ou seja, a qualidade de gerente de direito.

7. Trata-se aqui de uma presunção legal que só pode ser ilidida por prova em contrário, nos termos do artº 350 nº 2 do C.C., no caso, necessariamente documental, já que a nomeação e a renúncia ou a destituição da gerência, só podem verificar-se pelas formas previstas na lei, todas elas a provar por documento (artº 63, 252-2, 253-4 e 256, 257 e 258, todos do CSC e artº364 do C.C.).

8. O que se presume legalmente, face ao registo, é a gerência de direito ou “in nomine”, pelo que se não há registo, não se prova a qualidade de gerente da oponente e, assim, não se pode ter como assente a gerência de facto.
9. Não tendo essa qualidade de gerente sido inequivocamente provada relativamente à oponente, é ela parte ilegítima na presente execução.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. – A FAZENDA PÚBLICA e A..., inconformadas com a sentença da Mª Juíza do TAF de Almada que julgou parcialmente procedente a oposição deduzida pela segunda contra a execução fiscal instaurada contra a firma B...-Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Ldª e contra si revertida para cobrança de dívidas de IVA dos anos de 1997, 1999, 2000 e 2001, IRC dos anos de 1996, 1997, 2000, 2001 e 2004, Juros Compensatórios e coimas relativas aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, no montante de €28.551,22 dela recorrem com os sinais dos autos, concluindo a sustentar que:
RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA:
“1. Encontra-se provado que a oponente foi gerente de facto e de direito até 19 de Junho de 1997;
2. A oponente não provou que não exerceu as funções de gerente para as quais foi designada pela Assembleia-Geral da sociedade devedora originária em 9 de Julho de 1997;
3. Em face do regime de responsabilização dos gerentes constante do CPT, a oponente não pode deixar de ser responsabilizada pelas dívidas de IRC e IVA de 1997 e pelas dívidas de IVA de 1998;
4. A oponente não provou que não era gerente de facto no período de 1999 em diante;
5. A oponente não provou que a falta de pagamento das dívidas constituídas a partir de 1999 não lhe é imputável;
6. A ora oponente deve ser considerada parte legítima na supra identificada execução fiscal;
7. Contra ela deve prosseguir a reversão efectuada até ao pagamento integral das importâncias exigidas;
8. Decidiu mal a Meritíssima Juíza ao julgar parcialmente procedente a oposição, violando assim as normas constantes no n.° 1, do art.° 13.°, do CPT e da alínea b) do n.° 1 do art.° 24.° da LGT.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a oposição, tudo com as devidas e legais consequências.”
RECURSO DA OPONENTE:
“1) Não existe um único documento, seja cheques, declarações fiscais, faxes, cartas, o que quer que seja que, por um único momento, permita sequer supor que a Recorrente exercia, ainda que de facto a gerência da sociedade.
2) Tanto assim que na declaração de alterações ao IVA de 1997 e 1998, é identificado um outro gerente que não a Recorrente.
3) Da suposta acta que fundamenta a reversão, a Recorrente apenas teve conhecimento ao ser citada para os presentes Autos, já que de tal nomeação nunca foi dada, através do competente registo, publicidade.
4) Nunca a Recorrente deu o seu assentimento à referida nomeação, a qual outro intuito não teve que não o de imputar a terceiros a responsabilidade pela gestão societária.
5) Nos termos do disposto no art°24° da Lei Geral tributária, cabe à administração tributária provar, cabalmente, o preenchimento dos pressupostos da culpa da aqui Recorrente, "por o património da sociedade, garantia geral dos credores e, nomeadamente, do Estado, se ter tornado insuficiente para a satisfação das obrigações tributárias",
6) A administração fiscal não logrou efectuar tal prova, até porque nem sequer invoca qualquer facto que permita tal suposição ou conclusão.
7) Nunca tendo sido gerente de direito, jamais igualmente poderia a Recorrente dissipar património societário ao ponto de o tornar insuficiente para satisfação das dívidas tributárias.
8) Por outro lado, os factos sujeitos a registo (como é o caso da nomeação de gerentes) apenas produzem efeitos em relação a terceiros após a efectivação deste, de acordo com as normas registrais.
9) Resulta dos Autos pois que é totalmente abusivo o teor da acta que nomeou a Recorrente como gerente da firma executada.
10) Pelo que, no presente caso é inaplicável o disposto no artº 23º da Lei Geral Tributária, os quais foram nessa medida violados pela douta sentença recorrida.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente Recurso e, por essa via alterar-se a decisão recorrida nos termos expostos, assim se fazendo Justiça.”
Não foram produzidas contra -alegações.
A EPGA emitiu parecer a fls. 159/160 no sentido da procedência do recurso da FP e da improcedência do recurso da oponente.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
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2. -Na sentença recorrida foi julgado que, da análise da prova documental, os presentes autos permitem dar como assentes os seguintes factos com relevo para a questão a decidir:
“1. Em 02/11/1987, foi entregue a declaração de início de actividade da Sociedade Armisonho, Comercio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda., tendo a ora oponente assinado a mesma na qualidade de legal representante (cfr. doc. junto a fls. 19 a 20 dos autos);
2. Em 26/06/1997, foi entregue uma declaração de alterações em que é indicado como gerente Fernando Manuel Pio da Costa Abreu da sociedade B...Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. (cfr. doc. junto a fls. 149 a 150 da cópia do processo executivo junto aos autos);
3. Em 26/06/1997, a oponente cedeu a posição de sócia da Sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda., (cfr. doc. junto a fls. 5 a 8 dos autos - certidão do registo comercial);
4. Em 26/06/1997, a oponente renunciou à gerência da Sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. (cfr. doc. junto a fls. 5 a 8 dos autos - certidão do registo comercial);
5. Por acta de 09/07/1997, foi a oponente nomeada gerente da Sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. (cfr. doc. junto a fls. 7 e 8 da cópia do processo executivo junto aos autos);
6. Em 10/11/2000, foi autuado o processo de execução fiscal n° 2160-00/103855.9, que corre termos no Serviço de Finanças do Barreiro, onde é executada a sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. por dívidas de Coimas, no montante global de € 334,19 (cfr. doc. junto a fls. 2 a 3 da cópia do processo executivo junto aos autos);
7. Em 24/05/2001, foi autuado o processo de execução fiscal n° 2160-01/101014.0, que corre termos no Serviço de Finanças do Barreiro, onde é executada a sociedade Armisonho, Comercio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. por dívidas de IVA do exercício de 1998, no montante global de € 1.496,39 (cfr. doc, junto a fls. 71 a 73 da cópia do processo executivo junto aos autos);
8. Em 01/06/2001, foi autuado o processo de execução fiscal n° 2160-01/101171.5, que corre termos no Serviço de Finanças do Barreiro, onde é executada a sociedade Armisonho, Comercio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. por dívidas de Coimas, no montante global de € 359,13 (cfr. doc. junto a fls. 76 a 78 da cópia do processo executivo junto aos autos);
9. Em 11/09/2001, foi autuado o processo de execução fiscal n° 2160-01/101958.9, que corre termos no Serviço de Finanças do Barreiro, onde é executada a sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. por dívidas de IVA referente ao exercício de 1999, no montante global de € 1.496,39 (cfr. doc. junto a fls. 81 a 83 da cópia do processo executivo junto aos autos);
10. Em 18/12/2001, foi autuado o processo de execução fiscal n° 2160-01/104716.7, que corre termos no Serviço de Finanças do Barreiro, onde é executada a sociedade Armisonho, Comercio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. por dívidas de IVA referente ao exercício de 1997, no montante global de € 1.122,30 (cfr. doc. junto a fls. 86 a 88 da cópia do processo executivo junto aos autos);
11. No âmbito do processo executivo identificado no ponto anterior, foi lavrado um auto de diligências, com data de 09/04/2002, do qual consta que a executada já não exerce a sua actividade no local há mais de 3 anos, desconhecendo-se se exerce actividade em qualquer outro local (cfr. doc. junto a fls. 93 da cópia do processo executivo junto aos autos);
12.Ao processo de execução fiscal identificado no ponto 10 foram apensados os processos executivos 2160-01/101014.0, 2160-01101958.9, 2160-01/101171.5 e 2160-01/103855.9 (cfr. doc. junto a fls. 99 da cópia do processo executivo junto aos autos);
13. Em 03/04/2002, foi autuado o processo de execução fiscal n° 2160-02/100781.5, que corre termos no Serviço de Finanças do Barreiro, onde é executada a sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. por dívidas de Coimas fiscais, no montante global de € 256,89 (cfr. doc. junto a fls. 139 a 141 da cópia do processo executivo junto aos autos);
14. Em 26/07/2002, foi autuado o processo de execução fiscal n° 2160-02/102901.0, que corre termos no Serviço de Finanças do Barreiro, onde é executada a sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. por dívidas de Coimas fiscais, no montante global de € 114,72 (cfr. doc. junto a fls. 151 a 153 da cópia do processo executivo junto aos autos);
15. Em 12/11/2002, foi autuado o processo de execução fiscal n° 2160-02/103557.6, que corre termos no Serviço de Finanças do Barreiro, onde é executada a sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. por dívidas de IRC referente ao exercício de 1996, no montante global de € 16.049,63 (cfr. doc. junto a fls. 158 a 159 da cópia do processo executivo junto aos autos);
16. Em 29/11/2002, foi autuado o processo de execução fiscal n° 2160-02/103604.1, que corre termos no Serviço de Finanças do Barreiro, onde é executada a sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. por dívidas de IVA referente ao exercício de 2000, no montante global de €1.496,40 (cfr. doc. junto a fls. 163 a 164 da cópia do processo executivo junto aos autos);
17. Em 30/12/2002, foi autuado o processo de execução fiscal n° 2160-02/106392.8, que corre termos no Serviço de Finanças do Barreiro, onde é executada a sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. por dívidas de IRC referente ao exercício de 1997, no montante global de € 627,56 (cfr. doc. junto a fls. 169 a 170 da cópia do processo executivo junto aos autos);
18. Em 27/08/2003, foi autuado o processo de execução fiscal n° 2160200301501305, que corre termos no Serviço de Finanças do Barreiro, onde é executada a sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. por dívidas de Coimas, no montante global de €799,90 (cfr. doc. junto a fls. 174 a 176 da cópia do processo executivo junto aos autos);
19. Em 24/10/2003, foi autuado o processo de execução fiscal n° 2160200301523546, que corre termos no Serviço de Finanças do Barreiro, onde é executada a sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. por dívidas de Coimas, no montante global de €114,90 (cfr. doc. junto a fls. 179 a 181 da cópia do processo executivo junto aos autos);
20. Em 06/02/2004, foi autuado o processo de execução fiscal n° 2160200401008846, que corre termos no Serviço de Finanças do Barreiro, onde é executada a sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. por dívidas de IVA referente ao exercício de 2001, no montante global de € 1.496,40 (cfr. doc. junto a fls. 185 a 186 da cópia do processo executivo junto aos autos);
21. Em 20/04/2004, foi autuado o processo de execução fiscal n° 2160200401016946, que corre termos no Serviço de Finanças do Barreiro, onde é executada a sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. por dívidas de Coimas, no montante global de € 1.679,90 (cfr. doc. junto a fls. 188 a 190 da cópia do processo executivo junto aos autos);
22. Em 27/02/2005, foi autuado o processo de execução fiscal n°c2160200501003623, que corre termos no Serviço de Finanças do Barreiro, onde é executada a sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. por dívidas de IRC referente ao exercício de 2000, no montante global de € 582,34 (cfr. doc. junto a fls. 193 a 194 da cópia do processo executivo junto aos autos);
23. Em 27/10/2005, foi autuado o processo de execução fiscal n° 2160200501074830, que corre termos no Serviço de Finanças do Barreiro, onde é executada a sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. por dívidas de IRC referente ao exercício de 2001, no montante global de € 582,34 (cfr. doc. junto a fls. 196 a 197 da cópia do processo executivo junto aos autos);
24. Em 28/12/2005, foi autuado o processo de execução fiscal n° 2160200501087444, que corre termos no Serviço de Finanças do Barreiro, onde é executada a sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. por dívidas de IRC referente ao exercício de 2002, no montante global de € 537,90 (cfr. doc. junto a fls. 198 a 199 da cópia do processo executivo junto aos autos);
25. Em 10/07/2006, foi elaborada uma informação da qual consta que em face do desconhecimento de bens penhoráveis da devedora originária serão de reverter as dívidas contra a ora oponente e o sócio António Augusto Rodrigues Carvalho (cfr. doc. junto a fls. 22 e 23 da cópia do processo executivo junto aos autos);
26. Por despacho de 10/07/2006, foi ordenada a audiência prévia da ora oponente para efeitos de reversão da dívida exequendas identificadas nos pontos anteriores, no montante global de € 28.551,22 (cfr. doc. junto a fls. 24 da cópia do processo executivo junto aos autos);
27. Por ofício de 10/07/2006, foi a ora oponente notificada para exercer o seu direito de audição (cfr. doc. junto a fls. 29 da cópia do processo executivo junto aos autos);
28. A oponente exerceu o seu direito de audição prévia (cfr. doc. junto a fls. 33 e segs. da cópia do processo executivo junto aos autos);
29. Por despacho de 21/08/2006, foram revertidas contra a ora oponente as dívidas executivas (cfr. doc. junto a fls. 47 e 48 da cópia do processo executivo junto aos autos);
30.A oponente foi citada no âmbito do despacho de reversão por ofício de 21/08/2006 (cfr. docs. juntos a fls. 52 e 53 da cópia do processo executivo junto aos autos);
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Ao abrigo do art° 712 do CPC, altera-se o probatório em termos de se considerarem provador os seguintes factos:
31. A nomeação referida em 5. não foi nunca levada ao registo (Cfr. fls. 134 a 136 da cópia dos autos de execução em anexo).
32. A sociedade executada obrigava-se com a intervenção de um gerente (cfr. doc. junto a fls. 134 a 136 -certidão do registo comercial -e 144 a 148 –alteração parcial do contrato de sociedade).
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E, quanto aos FACTOS NÃO PROVADOS, altera-se o consignado no probatório, nos termos seguintes:
Dos factos constantes da oposição, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita, designadamente e com relevo para a decisão da causa, não se provou que a partir da nomeação dita em 5. e 31 dos factos provados, a oponente A... passou a exercer de facto as funções de gerente naquela sociedade.
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A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como do depoimento das testemunhas arroladas.
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3 – DO DIREITO:
De acordo com as conclusões das alegações, a questão a apreciar em ambos os recursos é a de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento quanto à questão da alegada ilegitimidade do oponente na presente execução no atinente às temporalidades consideradas em cada um deles.
Assim:
Segundo as conclusões do recurso da Fazenda Pública, ao julgar parcialmente procedente a oposição à execução fiscal em apreço, a sentença recorrida violou as normas dos artigos 13º nº 1 do CPT e 24º nº 1 al. b) da LGT pois que:
-a oponente foi gerente de facto e de direito até 19/6/97;
-não fez prova de não ter exercido as funções de gerente para as quais foi designada em Assembleia-Geral da Sociedade executada e devedora originária em 09/07/97;
-não provou que não era gerente de facto no período de 1999 em diante;
-não provou que o não pagamento das dívidas constituídas a partir de 1999 lhe não era imputável.
Pelas razões acabadas de sumariar, entende a recorrente FªPª que a oponente deve ser julgada parte legítima na execução na parte sob recurso e ser julgada totalmente improcedente a oposição.
Para julgar procedente em parte a oposição (no âmbito recorrido pela FP) o Mº Juiz de 1ª Instância considerou, no fundamental, que, relativamente ao exercício de 1996 -IRC (cfr. ponto 12 do probatório supra), a Fazenda Pública logrou provar que a oponente foi gerente de facto da devedora originária no período a que se reporta a dívida sendo que a própria oponente admite ter sido gerente até ao momento da cessão de quotas e também resulta do probatório que a oponente exercia de facto as funções de gerente (cfr. ponto 1 do probatório supra), e, por assim ser, julgou improcedente a presente oposição nessa parte.
Já no que tange ao IVA dos exercícios de 1997 e 1998, e IRC de 1997, uma vez que já tinha sido entregue uma declaração de alterações de IVA em que é indicado como gerente outra pessoa, e não constando dos autos qualquer documento assinado pela oponente que comprove que esta, além da gerência de direito (decorrente da acta de 09/07/1997), não resultou provada a gerência de facto da sociedade, sendo certo que esta prova incumbia à Administração Fiscal, a Mª Juíza declarou a oponente parte ilegítima e julgou procedente a oposição.
Consequentemente e no que respeita ao IRC de 1996, o Mº Juiz julgou improcedente a presente oposição, e procedente no que respeita às dívidas de IRC de 1997 e IVA de 1997 e 1998.
Quid juris?
Sendo pacífico que as normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes de sociedades são normas relativas a responsabilidade extracontratual, matéria que é regulada pela lei vigente no momento em que ocorre o facto gerador da responsabilidade, como decorre dos n°1 e 2 do art. 12° do Código Civil, temos que até 31/12/1998 vigorava o regime de responsabilidade subsidiária instituído pelo artigo 13° do Código de Processo Tributário e, após 01/01/99, o regime previsto no artigo 24° da LGT.
Nos termos do revogado artigo 13° do CPT: "Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais."
Ora, o que com relevância para o caso em apreciação se apurou nos autos foi que (cfr. pontos 2 a 4 do probatório), em 26/06/1997, foi entregue uma declaração de alterações em que é indicado como gerente Fernando Manuel Pio da Costa Abreu da sociedade B...Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda., tendo a oponente, na mesma data, cedido a posição de sócia da Sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda., e renunciado à gerência da Sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico.
Assim, as dívidas exequendas relativamente às quais foi julgada procedente a oposição, reportam-se ao período de gerência efectiva da Oponente sobre o qual não restam dúvidas de que a Oponente foi gerente de direito, obrigando-se a sociedade com a sua assinatura pelo que, no âmbito do CPT, caberia à Oponente fazer prova que não teria efectivamente exercido nesse período as funções de gerente.
Todavia, no que tange às dívidas provenientes de IVA dos exercícios de 1997 e 1998, e IRC de 1997, a recorrente FP pretende extrair idêntico tratamento, ancorando-se na acta de 09/07/1997 pela qual foi a oponente nomeada gerente da Sociedade Armisonho, Comércio de Colchões e Mobiliário Doméstico, Lda. (cfr. ponto 5 do probatório).
O certo é que, conforme se considerou na sentença, já tinha sido entregue uma declaração de alterações de IVA em que é indicado como gerente outra pessoa, e não constando dos autos qualquer documento assinado pela oponente que comprove que esta, além da gerência de direito (decorrente da acta de 09/07/1997).
Adite-se que, em decorrência da ampliação (alteração do probatório a que este tribunal de recurso procedeu, a dita nomeação nunca foi levada ao registo e, embora a sociedade executada se obrigasse com a intervenção de um gerente, a partir da prova documental, bem como do depoimento das testemunhas arroladas, não se provou que a partir da ajuizada nomeação dita, a oponente A... passasse a exercer de facto as funções de gerente naquela sociedade.
Em face de tais dados afigura-se-nos que foi feita contraprova que afaste a presunção judicial de que à gerência nominal corresponde a gerência efectiva e, assim sendo, a Oponente é parte ilegítima na execução nos termos ditados na sentença recorrida.
Assim, como patentemente decorre da sentença, a razão porque a Mm.º juiz recorrida veio a decidir como decidiu radica no facto de serem necessária a assinatura de um gerente da executada originária para a obrigar, aliada à circunstância de a nomeação da oponente (decorrente da acta de 09/07/1997) como gerente daquela nunca ter sido levada ao registo, sendo certo que nada se apurou quanto a saber se a oponente continuou gerir a sociedade porque nenhum acto típico da gerência esta provado, antes se apurando foi outra pessoa que assinou a declaração de alterações de IVA em que é indicado como gerente outra pessoa. Portanto, embora a sociedade, para se obrigar, carecesse da assinatura de apenas um gerente, só provando o exercício da gerência através de algum acto é que podia fazer-se funcionar a presunção de que oponente participara em actos de gerência efectiva.
Sem que se possa afirmar que, efectivamente não tenha sido assim, o certo é que se não invocou sequer a existência de nenhum desse tipo de actos (v.g. a assinatura de cheques) que incumbiria demonstrar, pois, se é facto que a qualidade jurídica de gerente faz presumir a gerência de facto, a nosso ver, a exigência de determinadas assinaturas, por parte do pacto social (e levada ao registo), não conduz à mesma presunção.
Na verdade, na senda do Acórdão do TCA tirado no recurso nº 1.860/99 “(...) a questão da suficiência, ou não, da assinatura de um só dos gerentes, na prática de actos formais, para os quais o pacto social determina a necessidade de assinatura de dois gerentes para que a sociedade fique vinculada, sempre teria que ser configurada como questão reportada à representação da sociedade e à falta de poderes do gerente interveniente, isto é, como questão ligada, para uns à «ineficácia» ou, para outros, à «anulabilidade» dos actos firmados por um só dos representantes legais (...) e não já como questão reportada à prova ou não prova do exercício do cargo de gerente por parte do gerente alegadamente não interveniente. Para esta solução apontam, aliás, o disposto nos nºs. 3 e 4 do art. 192.º e no n.º 3 do art. 254.º , ambos do CSComerciais.”
Vale isto por dizer que, a eventual falta de poderes para obrigar a sociedade, tem a ver apenas com a “substância” dos actos de gestão praticados, seja numa vertente de eficácia, ou, antes e a montante, de validade, e não já com a aptidão para fazer inferir “ficcionando”, que tais actos não foram, efectivamente, praticados em tais moldes; Este entendimento é , também , o que se compagina com a alteração introduzida ao art.º 13.º do CPT , pela Lei n.º 52-C/76DEZ27, ao possibilitar a responsabilização subsidiária dos meros gerentes de facto, sabido que é, que, do ponto de vista civil , não têm poderes para vincularem a sociedade em nome e no interesse de quem actuem.
Ou seja e como se aponta no Acórdão deste TCA de 19-07-2006 no Recurso nº 01134/06, “…a circunstância do pacto social exigir a assinatura de dois gerentes da sociedade executada originária, para a obrigarem, válida e/ou eficazmente, perante terceiros e de, nessa conformidade, tal exigência implicar a participação do oponente em actos de gestão, para o que aqui nos importa, não pode ser considerada do que mais um elemento probatório a avaliar livremente pelo tribunal.
«In casu», sustenta recorrente FP que a oponente não provou que não exerceu as funções de gerente para as quais foi designada pela Assembleia-Geral da sociedade devedora originária em 9 de Julho de 1997 pelo que em face do regime de responsabilização dos gerentes constante do CPT, a oponente não pode deixar de ser responsabilizada pelas dívidas de IRC e IVA de 1997 e pelas dívidas de IVA de 1998, sendo que a oponente não provou que não era gerente de facto no período de 1999 em diante e que a falta de pagamento das dívidas constituídas a partir de 1999 não lhe é imputável pelo que tem de ser considerada parte legítima na supra identificada execução fiscal, contra ela deve prosseguir a reversão efectuada até ao pagamento integral das importâncias exigidas.
Todavia, face à prova documental e testemunhal produzida, particularmente a que acima se referenciou, impõe-se concluir que, no mínimo, fica uma fundada dúvida sobre se a oponente praticou, ou não, actos de gestão em concreto, em representação da executada originária, designadamente no período de tempo que aqui releva e que tem a ver com a génese dos factos tributários e com a cobrança voluntária da dívida exequenda.
Por esse prisma, nenhuma censura nos merece a sentença ao concluir, no que se refere ao IVA dos exercícios de 1997 e 1998, e IRC de 1997, que uma vez que já tinha sido entregue uma declaração de alterações de IVA em que é indicado como gerente outra pessoa, e não constando dos autos qualquer documento assinado pela oponente que comprove que esta, além da gerência de direito (decorrente da acta de 09/07/1997 que não foi levada ao registo), não resultou provada a gerência de facto da sociedade.
Destarte, sendo pacífico que a gerência de direito cria a presunção judicial da gerência de facto, cuja ilisão se basta com a criação de uma dúvida fundada, teremos então de concluir que, no caso sub iudicio, não se pode dar por assente ocorrerem os necessários pressupostos legais à responsabilização subsidiária do recorrente, ao abrigo do art.º 13.º do revogado CPT.
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Como se viu, a recorrente FP também se insurge quanto ao julgamento da sentença sobre a falta de pagamento das dívidas constituídas a partir de 1999, dizendo que a oponente não provou que não lhe é imputável pelo que tem de ser considerada parte legítima na identificada execução fiscal, contra ela devendo prosseguir a reversão efectuada até ao pagamento integral das importâncias exigidas.
A essas dívidas é aplicável o art. 24° da LGT, em vigor à data dos factos que estatuía:
“1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (...)"
Nesta matéria seguiremos de perto os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29/05/2007, no recurso nº 1462/06, de 18/12/2008, no Recurso nº 2699/08 e de 12/05/2009, no Recurso nº 2961/09.
Assim, da letra do preceito logo resulta que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto, à semelhança do que o artigo 13º do CPT também já consagrava.
No caso dos autos e quanto aos exercícios que agora estão em análise, é duvidoso que a oponente haja exercido as suas funções de gerente da executada, quer no período em que as dívidas se constituíram, quer no período em que se venceram.
Não obstante, para determinar se a oponente poderá ser responsável subsidiária pelas dívidas em causa, importa apurar se a situação dos autos se enquadra na alínea a) ou na alínea b) a que acima nos referimos.
A letra da lei não deixa dúvidas quanto ao campo de aplicação de cada uma das alíneas.
Assim, a alínea a) é aplicável às dívidas tributárias:
-cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do cargo, mas postas à cobrança posteriormente à cessação do mesmo (se o facto constitutivo e a cobrança se verificarem no período de exercício do cargo é já aplicável a alínea b);
-ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício.
Trata-se, em qualquer dos casos, de situações em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança, pelo que só responderá se tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a satisfação da prestação tributária.
O ónus da prova dessa culpa caberá à Fazenda Pública, estando agora em causa um facto positivo -a prova da culpa -, ao contrário do previsto no artigo 13º do CPT em que cabia ao gerente ou administrador provar a ausência de culpa (facto negativo).- Neste sentido v. António Lima Guerreiro - LGT Anotada, pág. 140/141 e Diogo Leite de Campos e outros - LGT Anotada, pág. 132.
Por sua vez, a alínea b) é aplicável quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, o que significa que está aqui abrangida a situação em que nesse período concorrem o facto constitutivo e a cobrança.
E, nestes casos, e como resulta da expressão “quando não provêm que não lhes foi imputável a falta de pagamento”, o ónus da prova cabe aos gerentes ou administradores.
Compreende-se esta diferença de regimes já que no caso da alínea a) o gerente ou administrador não pode ser responsabilizado pela falta de pagamento, uma vez que, enquanto exerceu o cargo, a dívida ainda não tinha sido posta a pagamento: assim, apenas poderá ser responsabilizado por eventual culpa na insuficiência do património.
Já no caso da alínea b), constituindo o pagamento da prestação tributária uma obrigação do gerente ou administrador, não sendo aquela satisfeita, cabe àqueles provar que a falta de pagamento não lhes é imputável, podendo, nomeadamente, provar que os gerentes ou administradores que exerceram o cargo durante o período do nascimento da dívida praticaram actos lesivos do património da executada que impedem o pagamento por falta das verbas necessárias.
(Em sentido idêntico se decidiu também nos Acórdãos do mesmo Tribunal, de 17.12.2004 - Recurso nº 214/04, de 02.06.05- Recurso nº 289/01 e de 10.11.05-Recursonº 31/03 e no Acórdão do TCA, de 21.10.03-Recurso nº400/03).
No caso dos autos, sendo certo que existe dúvida sobre se a recorrida era gerente de facto da executada, não cabe questionar se as dívidas se venceram e deviam ter sido pagas durante a sua gerência, não se verificando os requisitos da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, não tendo, pois, a oponente que provar que não lhe foi imputável a falta do pagamento das referidas dívidas.
Assim, há que afastar desde logo a aplicabilidade da al. a) do nº1 do artº 24º da LGT, de acordo com a qual os gerentes são responsáveis pelo pagamento das dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste. É que, nestes casos, será a Administração Tributária que terá que alegar e provar que foi por culpa destes gerentes que a dívida não foi paga e que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento.
Consequentemente, o credor tributário apenas terá que provar que o executado tem a qualidade de gerente ou administrador no período a que respeitam as dívidas fiscais.
Ora, como supra se demonstrou, essa qualidade de gerente não foi inequivocamente provada pela AT relativamente à oponente.
E, não obstante competisse à oponente fazer prova de que a falta de pagamento não lhe é imputável, já que não se coloca a questão da culpa na insuficiência patrimonial da executada originária, na consideração de que, em princípio, a previsão da alínea a) do citado preceito legal é afastada no caso de aplicação da alínea b) do mesmo preceito, sempre se impunha provar a qualidade de gerente da oponente.
Assim sendo, verificando-se que a oponente logrou infirmar a gerência de facto da devedora originária é ela parte ilegítima na presente execução quanto às dívidas em apreço.
Termos em que improcede o recurso da Fazenda Pública.
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De acordo com as conclusões do recurso da oponente, no que tange à parte em que viu insatisfeita a sua pretensão, afirma, em substância, que a AT não logrou fazer prova da culpa da oponente na insuficiência do património societário para a satisfação das obrigações tributárias, como lho impunha o artº 24º da LGT.
Mais aduz que não existe um único documento, seja cheques, declarações fiscais, faxes, cartas, o que quer que seja que, por um único momento, permita sequer supor que a Recorrente exercia, ainda que de facto a gerência da sociedade, tanto assim que na declaração de alterações ao IVA de 1997 e 1998, é identificado um outro gerente que não a Recorrente.
Ainda refere que da suposta acta que fundamenta a reversão, a Recorrente apenas teve conhecimento ao ser citada para os presentes Autos, já que de tal nomeação nunca foi dada, através do competente registo, publicidade, sendo que nunca a Recorrente deu o seu assentimento à referida nomeação, a qual outro intuito não teve que não o de imputar a terceiros a responsabilidade pela gestão societária.
Nunca tendo sido gerente de direito, jamais igualmente poderia a Recorrente dissipar património societário ao ponto de o tornar insuficiente para satisfação das dívidas tributárias ou ser-lhe imputável a falta de pagamento dos tributos e, por outro lado, os factos sujeitos a registo (como é o caso da nomeação de gerentes) apenas produzem efeitos em relação a terceiros após a efectivação deste, de acordo com as normas registrais.
Diga-se que quer a nomeação da gerência, quer a sua cessação, são factos obrigatoriamente sujeitos a registo e isso deve-se à necessidade da publicidade de tais factos como fautores de confiança e segurança do comércio.
É que, atendendo à relevância funcional que o órgão de administração que é a gerência desempenha numa sociedade ao ponto de serem na prática o rosto dessa mesma sociedade, compreende-se que a sua constituição ou modificação sejam factos obrigatoriamente sujeitos a registo dada a importância decisiva desse órgão para a actividade da sociedade comercial.
Mas tal já não releva para o simples não exercício da gerência que é uma situação de facto em princípio irrelevante por não conflituar com os interesses de terceiros e porque, dada a sua falta de acção, se torna em princípio ineficaz.
E é precisamente por isso que tal irrelevância é levada em conta apenas como factor de exclusão de culpa dado que uma insuficiência culposa do património societário supõe em princípio uma actividade lesante e culposa. É certamente por isso que tal situação fáctica continua a não ser fonte de responsabilização não lhe reconhecendo o legislador importância para a sujeitar a registo como reconheceu a todo um conjunto de outras situações de facto discriminadas nas várias alíneas do artigo 3° do Código de Registo Comercial .
Daí que a redacção da alínea m) do artigo 3º do citado diploma tenha de ser interpretada no sentido de as situações aí referidas respeitarem somente à designação e cessação de funções dos gerentes e já não à simples situação fáctica do não exercício dessas funções dada a irrelevância da mesma em vista da sua neutralidade.
Assim, o registo definitivo, constitui presunção de que existe a situação jurídica nos precisos termos em que é definida, como determina o artigo 11º do CRComercial, tratando-se, neste caso, de uma presunção legal.
O facto de a oponente não figurar no registo como gerente da sociedade devedora apenas impede que se presuma que manteve, desde a sua nomeação até à cessação de funções, aquela qualidade jurídica - ou seja, a qualidade de gerente de direito.
Trata-se aqui, reafirmamo-lo, de uma presunção legal que só pode ser ilidida por prova em contrário, nos termos do artº 350 nº 2 do C.C., no caso, necessariamente documental, já que a nomeação e a renúncia ou a destituição da gerência, só podem verificar-se pelas formas previstas na lei, todas elas a provar por documento (artº 63, 252-2, 253-4 e 256, 257 e 258, todos do CSC e artº364 do C.C.).
Todavia, o que se presume legalmente, face ao registo é a gerência de direito ou “in nomine”, pelo que se não há registo, não se prova a qualidade de gerente da oponente e, assim, não se pode ter como assente a gerência de facto, sendo que quanto à primeira a sentença recorrida nada decide em contrário, nada diz sobre a presunção legal decorrente do registo certamente porque constatou que o mesmo não foi efectivado, não podendo, pois, afirmar-se que a oponente foi gerente de direito.
Assim, não pode manter-se a decisão de improcedência não assenta na não qualidade de gerente de direito do oponente, mas no não (provado) exercício, de facto, dessa gerência.
Ora, se não ocorre a presunção legal, derivada do registo da qualidade, significa que a oponente não foi gerente de direito, não podendo operar-se com uma presunção judicial, porque assente nas regras de normalidade e de razoabilidade, retiradas da experiência da vida, que nos levam, natural e logicamente, a supor que quem foi nomeado gerente de direito de uma determinada sociedade, exerceu esse cargo, enquanto o teve e, assim, ser-lhe-ia imputável o não pagamento dos impostos em causa.
Sendo de concluir que, relativamente ao exercício de 1996 -IRC (cfr. ponto 12 do probatório supra), a Fazenda Pública logrou provar que a oponente foi o gerente de facto da devedora originária no período a que se reporta a dívida, acrescendo que é a própria oponente que admite ter sido gerente até ao momento da cessão de quotas (vide artº 1º da p.i.) e também resulta do probatório supra que ela exercia de facto as funções de gerente (cfr. ponto 1 do probatório supra) teria forçosamente de julgar-se improcedente a presente oposição nesta matéria.
Todavia e como se disse acima, a alínea b) do nº 1 do artº 24º da LGT é aplicável quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, o que significa que está aqui abrangida a situação em que nesse período concorrem o facto constitutivo e a cobrança, sendo que, nestes casos, e como resulta da expressão “quando não provêm que não lhes foi imputável a falta de pagamento”, o ónus da prova cabe aos gerentes ou administradores. Isso porque, constituindo o pagamento da prestação tributária uma obrigação do gerente ou administrador, não sendo aquela satisfeita, cabe àqueles provar que a falta de pagamento não lhes é imputável, podendo, nomeadamente, provar que os gerentes ou administradores que exerceram o cargo durante o período do nascimento da dívida praticaram actos lesivos do património da executada que impedem o pagamento por falta das verbas necessárias.
No caso dos autos, sendo certo que existe dúvida sobre se a recorrida era gerente de facto da executada, uma vez que não opera a presunção legal decorrente do registo, não cabe questionar se as dívidas se venceram e deviam ter sido pagas durante a sua gerência quando nem sequer está demonstrada a gerência de direito, não se verificando os requisitos da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, não tendo, pois, a oponente que provar que não lhe foi imputável a falta do pagamento das referidas dívidas.
Assim, por um lado, há que afastar desde logo a aplicabilidade da al. a) do nº1 do artº 24º da LGT, de acordo com a qual os gerentes são responsáveis pelo pagamento das dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste. É que, nestes casos, será a Administração Tributária que terá que alegar e provar que foi por culpa destes gerentes que a dívida não foi paga e que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento.
Consequentemente, o credor tributário apenas terá que provar que o executado tem a qualidade de gerente ou administrador no período a que respeitam as dívidas fiscais.
Ora, como supra se demonstrou, essa qualidade de gerente não foi inequivocamente provada pela AT relativamente à oponente.
E, não obstante competisse à oponente fazer prova de que a falta de pagamento não lhe é imputável, já que não se coloca a questão da culpa na insuficiência patrimonial da executada originária, na consideração de que, em princípio, a previsão da alínea a) do citado preceito legal é afastada no caso de aplicação da alínea b) do mesmo preceito, sempre se impunha provar a qualidade de gerente da oponente, o que a sinalizada falta do registo impede.
Assim sendo, verificando-se que a oponente logrou infirmar a gerência de direito e não se provou a de facto, é ela parte ilegítima na presente execução quanto às dívidas em apreço.
Termos em que procede o recurso da oponente.
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4. -Termos em que se acorda:
a) -negar provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública;
b) -conceder provimento ao recurso interposto pela oponente quanto às dívidas fiscais referentes aos exercícios de 1999 e seguintes, revogando a sentença nessa parte e julgando a oposição procedente.
Custas pela recorrente Fazenda Pública, levando em conta o decaimento.
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Lisboa, 16/03/2010
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Aníbal Ferraz) – com declaração
Discordando das menções no sentido de que, “a gerência de direito cria a presunção judicial da gerência de facto”.