Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:243/17.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/29/2017
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:FIANÇA
AFERIÇÃO DA IDONEIDADE DA GARANTIA
CARÁCTER NÃO EXAUSTIVO DO DISPOSTO NO ARTIGO 199.º-A (AVALIAÇÃO DA GARANTIA) DO CPPT.
Sumário:1) Na imposição de obrigações formais ou declarativas, a AT está sujeita ao princípio da proporcionalidade, o qual veda a imposição de ónus ou gravames que ultrapassem os limites do exigível em função do resultado almejado pela norma legal habilitante.
2) Compete à AT aferir da idoneidade em concreto da fiança prestada, o que passa pela aferição da disponibilidade do património da fiadora para assumir a dívida garantida, em caso de incumprimento do executado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. Relatório

A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 109/127, que julgou procedente a reclamação judicial intentada por “R... of Portugal, Ltd.” contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ..., que não aceitou a garantia prestada sob a forma de fiança, constituída pela “R... Portuguesa, SA”, no âmbito da execução fiscal n.º ....

Nas alegações de recurso, a recorrente formula as conclusões seguintes:

I - A reclamante intentou este incidente contra o acto de indeferimento do pedido de garantia prestada sob a forma de fiança porquanto, apesar de ter enviado para o Serviço de Finanças de ... os documentos constantes do email da Divisão de Gestão de Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa, não procedeu ao envio de quase 200 certidões de ónus ou encargos relativos a bens sujeitos a registo e à identificação de todos os imóveis e respectivo valor pelo qual se encontra registado na contabilidade, artigo a artigo e fracção autónoma a fracção autónoma (individualizar cada prédio e/ou fracção com o respectivo valor de registo na contabilidade) por considerar que a informação das matrizes é extremamente onerosa sendo o património da R... mobiliário e imobiliário manifestamente elevado em face de uma fiança de € 20.000,00 e, consequentemente a AT indeferiu o pedido por considerar que os elementos solicitados e não enviados são fundamentais para se poder aferir da existência ou não de eventuais deduções previstas no n.º 2 do art.º 199.º-A do CPPT e, porque o envio detalhado sem todos os imóveis e respectivas fracções autónomas pertencentes ao património do garante e respectivos valores pelos quais se encontram registados nas suas demonstrações financeiras, é fundamental para se poder concluir da eventual correcção prevista nos art.ºs 15.º e 31.º do CIS.

II - Dos elementos solicitados, a reclamante não entregou a (i) Listagem de Inventário com valorização (unitária e global) reportado a 31/12/2015; (ii) Cópia de Contratos de Locação Financeira e / ou Operacional em vigor e respectivos planos financeiros; (iii) Certidão de Ónus e Encargos relativos a Bens sujeitos a registo (móveis e imóveis); (iv) Identificação de todos os imóveis e respectivo valor pelo qual se encontra registado na contabilidade (no balancete), artigo a artigo e fracção autónoma a fracção autónoma (individualizar cada prédio e / ou fracção com o respectivo valor de registo na contabilidade).

III - Quanto ao mencionado no ponto anterior, a sociedade fiadora e garante explicou que a obtenção e envio de toda essa documentação seria extremamente morosa e onerosa em termos de custo e de tempo e que, em todo o caso, da análise das contas da sociedade fiadora era possível extrair a informação de que o seu património é manifestamente elevado, bem como positivamente desproporcionado em face de uma fiança de cerca de 20 mil euros.

IV - A reclamante alega que dos preceitos legais não decorre qualquer obrigatoriedade de entrega de todos os documentos, ora, solicitados.      

V - A douta sentença do Tribunal ad quo decidiu que a reclamante tinha razão, anulando o despacho reclamado.

VI - A Fazenda considera que a douta sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito porquanto, do art.º 199.º-A do CPPT resulta que o mesmo remete para os art.ºs 13.º a 17.º do CIS, para efeitos de avaliação de garantia, sendo que o art.º 13.º do CIS consagra que o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário e o art.º 15.º do CIS refere o último balanço, o valor das acções, os resultados líquidos.

Ora, estes elementos encontram-se na contabilidade e nos elementos contabilísticos solicitados.

VII - Por outro lado, apesar da AT ter, efectivamente, no seu registo cadastral a informação cadastral quanto aos prédios da propriedade da garante, tal como o número de matriz, o artigo matricial, a localização e o valor patrimonial tributário, certo é que, não tem informação sobre se cada prédio se encontra ou não onerado e porquanto, nem tem nem poderia ter informação sobre o valor pelo qual se encontra registado cada prédio ou fracção na contabilidade do garante, para se poder aferir da liquidez da garante, caso a reclamada accionasse a garantia, sob fiança, prestada.

VIII - Os elementos solicitados pela AT, ainda consagra uma outra vertente é que ao património da garante deverá deduzir as correcções, sendo que o resultado líquido aferido é o expurgo dos montantes, sendo, por isso, imprescindíveis os elementos solicitados para se saber qual a liquidez que a garante tem.

IX - Nos termos expostos, deve a douta sentença ser revogada por outra, pois sem os elementos que faltam a AT não poderia avaliar o património da garante uma vez que, não sabia se os prédios estavam ou não onerados e por quanto.


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Não há registo de contra-alegações.

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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando por que se negue provimento ao recurso (fls. 157/159).

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II. Fundamentação

2.1. De Facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (numeração aditada):

1. Em 05.06.2016, foi instaurado em nome de R... of Portugal LTD, contribuinte n.º ..., o processo de execução fiscal n.º ..., por dívidas de IMI do ano de 2015, no valor de €14.782,60 (cfr. documento de fls. 2 e 3 do processo de execução fiscal junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

2. Em 14.07.2016, a R... of Portugal LTD requereu a suspensão do processo de execução fiscal n.º ... por ter sido deduzida reclamação graciosa junto do Serviço de Finanças de Almada 3, a que foi atribuído o n.º ..., oferecendo como garantia uma fiança prestada em 08.07.2016, pela sociedade R... Portuguesa, SA, contribuinte n.º 500.246.963, no valor de €15.033,91 (cfr. documento de fls. 4 a 11 do processo de execução fiscal junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

3. Em 03.08.2016, a R... of Portugal LTD foi notificada para reforçar ou substituir a garantia prestada em 14.07.2016, em virtude do valor apresentado ser inferior ao legalmente previsto, tendo em 05.08.2016, essa empresa entregue nova fiança no valor de €19.099,49 (cfr. documento de fls. 12 a 15 do processo de execução fiscal junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

4. Em 12.08.2016, foi remetida à Direcção de Finanças de Lisboa os elementos apresentados por R... of Portugal LTD relativos à fiança apresentada, por ser o órgão periférico regional a entidade competente para apreciar as garantias constituídas por fiança (cfr. documento de fls. 20 do processo de execução fiscal junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

5. Em 26.09.2016, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ..., foi proferido despacho pela Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa sob a Informação n.º 1117/2016, de 22.09.2016, com o seguinte teor (cfr. fls. 21 e 22 do processo de execução fiscal junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido): // «(...) Preâmbulo // A presente análise tem como objectivo avaliar a capacidade financeira do património da sociedade garante R... PORTUGUESA, SA, NIF …, doravante Fiadora, tendo em vista a apreciação da idoneidade da garantia prestada, mediante fiança a favor da Autoridade Tributária, para suspensão do processo executivo n.ºs ... (...) // Assim, para se proceder à avaliação da garantia prestada (fiança), foram solicitados à fiadora, por email com data de 01.09.2016, os seguintes elementos contabilísticos-financeiro abaixo indicados, relativos ao exercício de 2015:

i. Balancete Analítico antes do apuramento de resultados;

ii. Balanço;

iii. Demonstração de Resultados;

iv. Anexo ao Balanço e Demonstração de Resultados;

v. Demonstração dos Fluxos de Caixa;

vi. Mapa de Alterações no Capital Próprio;

vii. Relatório de Gestão;

viii. Cópia da Acta de Aprovação de contas com proposta de aplicação dos resultados;

ix. Cópia do Relatório e Parecer do Fiscal Único/Conselho Fiscal;

x. Cópia da Certificação Legal de Contas;

xi. Listagem de Inventário com valorização (unitária e global) reportado a 31/12/2015;

xii. Cópia de Contratos de Locação Financeira e/ou Operacional em vigor e respectivos planos financeiros;

xiii. Identificação dos financiamentos contraídos em vigor, fim a que se destinam, garantias prestadas e respectivos planos de fluxos financeiros;

xiv. Certificação de Ónus ou Encargos relativos a bens sujeitos a registo (móveis ou imóveis);

xv. Identificação de todos os imóveis e respectivo valor pelo qual se encontra registado na contabilidade (no balancete), artigo a artigo e fracção autónoma a fracção autónoma (individualizar cada prédio e/ou fracção com o respectivo valor de registo na contabilidade);

xvi. Relação entre a sociedade afiançada e a fiadora;

xvii. Declaração emitida pelo órgão de gestão da fiadora onde sejam prestadas informações relativamente às seguintes alíneas do art. 199.º-A do CPPT, aditado pelo art. 176.º da Lei n.º7-A/2016, de 30 de Março;

a) Garantias concedidas e outras obrigações extrapatrimoniais assumidas;

b) Partes de capital do executado que sejam detidas, directa ou indirectamente, pelo garante e respectiva composição da Carteira de Participações em caso positivo);

c) Passivos contingentes, nomeadamente: tipo de passivo contingente; valor da responsabilidade potencial, passivos contingentes não quantificáveis à data do reporte, e estimativa de valor, identificação do beneficiário, condições de conversão do passivo contingente em passivo efectivamente exigível e espectro temporal das condições anteriormente referidas;

d) Quaisquer créditos do garante sobre o executado (independentemente da sua natureza);

xviii. Certidão da situação tributária regularizada perante a Segurança Social e a Administração Fiscal.

No dia 05-09-2016 foram enviados por email, um conjunto de elementos que tinham sido solicitados com as correspondentes explicações e informações acerca desses elementos.

No entanto, houve diversos elementos solicitados que não foram, até à presente data, enviados, designadamente, os elementos referentes aos pontos xi, xii, xiv, xv da presente informação.

Em todas essas situações é alegado como justificação para o seu não envio o facto de a preparação e o envio dessa informação ser extremamente oneroso em termos de tempo e custo e que é do entendimento da fiadora que o seu património (mobiliário e imobiliário) é manifestamente elevado - e positivamente desproporcionado - em fase de uma fiança de 20 mil euros.

A análise dos elementos solicitados e não enviados pelos motivos descritos no parágrafo anterior são fundamentais para se poder aferir da existência ou não de alguma das situações descritas no n.º 1 do art. 199º-A do CPPT, para efeitos de eventuais deduções previstas no n.º2 do referido artigo.

De igual modo, o envio detalhado de todos os imóveis e respectivas fracções autónomas pertencentes ao património do garante, e respectivos valores pelos quais se encontram registados nas suas demonstrações financeiras, é fundamental para se poder concluir da eventual correcção prevista nos art.s 15º e 31º do CIS.

Ora, tais lacunas, entre outras, inviabilizam a apreciação da garantia prestada (fiança), pelo que nestes termos, não se encontram reunidas as condições para nos pronunciarmos, e não nos pronunciamos, sobre a apreciação da garantia prestada (fiança), para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal (...)».

6. Em 29.09.2016, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ... o Chefe do Serviço de Finanças de ... proferiu o seguinte despacho (cfr. fls. 25 do processo de execução fiscal junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

«(...) Nos termos do artº 52º da LGT e do art.º 169º do CPPT, o processo de execução fiscal fica suspenso em virtude do não pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição, desde que tenha sido constituída garantia idónea, nos termos do art.º 195º ou prestada nos termos do art. 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido.

- Face ao informado e analisados os elementos existentes nos autos, nomeadamente a informação n.º 1117/2016 da Divisão de Gestão da Dívida Executiva, não pode este Serviço de Finanças aferir da suficiência e idoneidade da garantia constituída pela fiança constituída pela R... PORTUGUESA, SA, a favor da executada R... OF PORTUGAL, LTD, pelo que se decide pela sua não aceitação, para efeitos de suspensão dos autos de execução fiscal n.º... (…)».

7. Em 04.10.2016, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ..., a R... of Portugal LTD foi notificada do teor do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ... proferido a 29.09.2016 (cfr. fls. 26 do processo de execução fiscal junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida).

8. Em 14.10.2016, foi remetido, via CTT, ao Serviço de Finanças de ... a petição inicial que originou os presentes autos (cfr. fls. 61 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida).


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Em sede de “Factos não provados”, consignou-se: «inexistem, com relevância para a decisão da causa».

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Em sede de “Motivação de Facto”, consignou-se o seguinte: «A matéria de facto julgada provada foi a considerada relevante para a decisão da causa, assentando a convicção deste Tribunal no teor dos documentos integrantes do processo judicial e do processo de execução fiscal junto aos autos, que se dão aqui como integralmente reproduzidos e, bem assim, na posição assumida pelas Partes nos articulados».

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2.2. De Direito

2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 109/127, que julgou procedente a reclamação judicial intentada por “R... of Portugal, Ltd.” contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ..., que não aceitou a garantia prestada sob a forma de fiança, constituída pela “R... Portuguesa, SA”, no âmbito da execução fiscal n.º ....

2.2.2. Para julgar procedente a presente reclamação, a sentença estruturou, entre o mais, a argumentação seguinte:

«No caso dos autos, a Administração Tributária para a avaliação da garantia prestada (fiança) solicitou que lhe fossem entregues os seguintes elementos: balancete analítico, balanço, demonstração de resultados, demonstração de fluxos de caixa, mapa de alterações no capital próprio, relatório de gestão, identificação dos financiamentos contraídos em vigor, fim a que se destinam, garantias prestadas, relação entre sociedade afiançada e a fiadora e declaração emitida pelo órgão de gestão da fiadora onde sejam prestadas informações relativamente às alíneas do artigo 199.º-Ado CPPT, aditado pelo art. 176.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, como garantias concedidas, partes do capital do executado que sejam detidas, directa ou indirectamente, pelo garante, passivos contingentes e quaisquer créditos do garante sobre o executado. Tendo ainda solicitado outros elementos, estes sim, que não lhe foram entregues e que por isso fundamentaram a não apreciação da garantia, a saber: listagem de inventário (xi), cópia de contratos de locação financeira e/ou operacional (xii), certidão de ónus ou encargos relativos a bens sujeitos a registo (xiv) e identificação de todos os imóveis e respectivo valor pelo qual se encontra registado na contabilidade (no balancete), artigo a artigo e fracção autónoma a fracção autónoma (individualizar cada prédio e/ou fracção com o respectivo valor de registo na contabilidade) (xv).

Efectivamente, com os elementos/documentos solicitados a Administração Tributária pretendia proceder ao cálculo do valor do património da sociedade garante, efectuando as deduções exigidas pelo artigo 199.º-A do CPPT.

Ainda assim, como se disse e se reitera, os normativos supra referidos não consagram, em concreto, quais os elementos contabilísticos - financeiros a atender na determinação do valor da garantia, nem a obrigação de entrega dos concretos elementos que foram exigidos pela Administração Tributária. Podendo a Administração Tributária calcular o valor do património da sociedade garante e considerar as necessárias deduções e correcções através da documentação disponibilizada pelo contribuinte e da informação cadastral que também dispõe».

2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Considera que sem a totalidade dos elementos que foram solicitados ao garante não é possível aferir da idoneidade e suficiência da garantia prestada. Tais elementos são imprescindíveis, sustenta. Pelo que o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de ..., que não aceitou a garantia prestada sob a forma de fiança não merece censura e deve ser confirmado na ordem jurídica.

Vejamos.

Estabelece o artigo 199.º do CPPT (“Garantias”), n.º 1, que se não encontrar «já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente». A garantia idónea «poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.» (n.º 2). «A garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 % da soma daqueles valores, sem prejuízo do disposto no n.º 13 do artigo 169.º (Redação da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)» (n.º 6).

Por seu turno, determina o artigo 199.º-A, do CPPT (“Avaliação da garantia”), o seguinte: «1- Na avaliação da garantia, com exceção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património do garante apurado nos termos dos artigos 13.º a 17.º do Código do Imposto do Selo, com as necessárias adaptações, deduzido dos seguintes montantes: // a) Garantias concedidas e outras obrigações extrapatrimoniais assumidas; // b) Partes de capital do executado que sejam detidas, direta ou indiretamente, pelo garante; // c) Passivos contingentes; // d) Quaisquer créditos do garante sobre o executado. // 2 - Sendo o garante uma sociedade, o valor do seu património corresponde ao valor da totalidade dos títulos representativos do seu capital social determinado nos termos do artigo 15.º do Código do Imposto do Selo, deduzido dos montantes referidos nas alíneas do número anterior».

No caso em exame, a dívida em causa reporta-se a IMI do ano de 2015, no valor de €14.782,60 a cobrar através do processo de execução fiscal n.° ...; para efeito da sua suspensão, a recorrida prestou garantia, sob a forma de fiança subscrita por R... Portuguesa, SA, no valor de €20,000,00.

Recorde-se que «[o] fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor» (artigo 627.º/1, do CC). «A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor» (artigo 627.º/2, do CC).

«A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor» (artigo 634.º do CC).

Mais se refere que, «[a]pesar da falta de definição legal de “garantia idónea”, não pode deixar de concluir-se, em face das normas contidas nos arts. 169º, 199º e 217º do CPPT e art. 52º da LGT, que essa idoneidade depende da capacidade de, no caso de o órgão da execução ter de accionar a garantia prestada (ou, mais precisamente, de efectuar o pagamento da dívida em cobrança através do património do garante), ela se mostre apta a assegurar essa cobrança. // Desde que se verifique que a garantia oferecida detém, em concreto, essa capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a cobrança da dívida garantida, ainda que sem onerar ou afectar de forma grave os interesses legítimos do executado, não há como recusar a sua idoneidade para o fim em vista»[1].

«Não basta que o critério de avaliação do património do fiador para efeitos de avaliar a sua idoneidade para assegurar o pagamento da dívida exequenda garantida e acrescido seja objectivo, necessário é também que seja adequado ao fim tido em vista, que só poderá ser, nos termos da lei, o de averiguar da susceptibilidade do património do fiador para responder pela dívida exequenda e acrescido e não o de permitir à AT recusar como garantes fiadores cujo património ofereça suficiente consistência para responder pela dívida garantida»[2].

«[A] jurisprudência há muito se firmou no sentido de reconhecer a admissibilidade, em abstracto, de a fiança constituir garantia idónea com vista à suspensão da execução fiscal, sendo que a sua idoneidade, em concreto, há-de resultar de uma avaliação sobre a sua susceptibilidade de assegurar o efectivo pagamento da quantia exequenda e do acrescido, o que passa necessariamente pela análise da sua concreta suficiência e solidez e pelo exame da solvência da entidade garante, não podendo recusar-se a prestação de garantia por fiança sem proceder previamente a essa avaliação, isto é, sem analisar a solidez dessa garantia e sem examinar a solvência do fiador»[3].

No caso em exame, do probatório resulta que a AT teve acesso à documentação referida em 5. do probatório, correspondente a elementos fornecidos pela fiadora, com as ressalvas aí indicadas, tendo sido invocada, como causa para o não envio dos demais elementos solicitados o carácter gravoso, em termos de tempo e de custos, da obtenção e fornecimento dos elementos em falta.

Vejamos.

Na imposição de obrigações formais ou declarativas, a AT está sujeita ao princípio da proporcionalidade (artigo 55.º da LGT), o qual veda a imposição de ónus ou gravames que ultrapassem os limites do exigível em função do resultado almejado pela norma legal habilitante. No caso, compete à AT aferir da idoneidade em concreto da fiança prestada (artigo 199.º/1, do CPPT), o que passa pela aferição da disponibilidade do património da fiadora para assumir a dívida garantida, em caso de incumprimento do executado.

Como se refere na sentença e ora se reitera, a norma do artigo 199.º-A do CPPT, estabelece um elenco de elementos a obter pela AT junto do executado/garante com vista a aferir da suficiência da garantia prestada, o que significa, no caso da garantia prestada consistir na fiança, a necessidade de apurar dados fidedignos sobre o património líquido do fiador. Donde resulta que o universo de elementos a considerar pela AT deve ter por referência a finalidade mencionada de apuramento do património líquido do fiador, sem que seja necessária a análise exaustiva dos elementos referidos na norma, pelo que o elenco dos elementos referidos no preceito do artigo 199.º-A, citado, não é taxativo.

Seja com base nos elementos fornecidos pela fiadora, seja com base nos elementos constantes da base de dados da AT, relativos ao património daquela, não se pode afirmar, com rigor, que a AT não tem acesso à capacidade patrimonial da fiadora, ou que se encontra, no caso, impossibilitada de proceder à avaliação do referido património, pelo que a recusa em proceder à aferição da idoneidade em concreto da garantia prestada, subjacente ao despacho impugnado, com base na falta dos elementos referidos constitui uma imposição excessiva por parte da AT à fiadora de ónus informativos ou declarativos, os quais redundam na recusa ilegal da fiança prestada pela executada, como garantia da boa cobrança, em detrimento dos interesses legais desta última.

Ao decidir no sentido apontado, a sentença recorrida não merece censura, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.

Termos em que se impõe julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.


Dispositivo

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(Cristina Flora - 1º. Adjunto)

(Cremilde Miranda - 2º. Adjunto)


[1]              Acórdão do STA, de 18.06.2014, P. 0507/14.
[2]              Acórdão do STA, de 24.02.2016, P. 82/16.

[3]              Acórdão do STA, de 18.06.2014, P. 0507/14.