Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1367/19.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:12/18/2019
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:ASILO; PROTEÇÃO INTERNACIONAL; RETOMA A CARGO;
DETERMINAÇÃO DO ESTADO RESPONSÁVEL PELA ANÁLISE DO PEDIDO DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL;
DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA.
Sumário:I. Uma vez que o foco do relatório previsto no artigo 17.º da Lei do Asilo incide na análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional, não se prefigura de aplicar tal normativo ao procedimento de determinação do Estado responsável, em que se prevê ser de prescindir a análise dessas condições, cf. artigo 19.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do mesmo diploma legal.

II. Ainda que do artigo 5.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados-Membros por nacionais de países terceiros ou apátridas), apenas decorra a necessidade de se confrontar o requerente com o registo das informações que prestou, o mesmo tem de ser conjugado com o princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões, cf. artigos 267.º, n.os 1 e 5, da CRP, e 12.º do CPA, e decorrente sujeição da Administração ao regime geral da audiência prévia dos interessados, cf. artigos 121.º ss. deste último diploma legal.

III. No âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV da Lei do Asilo, se a entidade competente não faculta ao requerente de asilo o acesso à proposta de decisão, que lhe permita pronunciar-se em tempo sobre os respetivos fundamentos, incorre em violação do direito de audição prévia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO

A………………… intentou a presente ação administrativa no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, tramitada como processo urgente, contra o Ministério da Administração Interna - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), na qual pede a anulação da decisão de Diretora Nacional do SEF de 17/07/2019, que determinou a sua transferência para a República Federal Alemã e a condenação da entidade requerida no prosseguimento da tramitação do processo de proteção internacional.

Alega, em síntese, que na Alemanha já foi indeferido o seu pedido de proteção, pelo que a sua transferência implicará o regresso ao seu país, onde corre risco de vida, no procedimento em causa não foi ouvido na presença de um intérprete, nem foi elaborado e entregue ao requerente o relatório previsto no artigo 17.º, n.º 1, da Lei do Asilo, devendo ser retomado o procedimento no momento imediatamente posterior à apresentação escrita do pedido de proteção internacional, para proceder à respetiva entrevista pessoal, facultando ao autor a possibilidade de se pronunciar sobre a aplicação dos critérios do Regulamento à sua situação e de juntar os elementos que considere pertinentes à completa apreciação do seu caso.

Citada, a entidade requerida apresentou contestação, na qual alega ter ocorrido entrevista do autor, seguindo as formalidades legais, e efetuado pedido de retoma a cargo pelas autoridades alemãs, o que foi aceite, devendo improceder o requerido.

Por sentença datada de 30/09/2019, o TAC de Lisboa julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu a entidade demandada do pedido.
Inconformado com esta decisão, o autor interpôs recurso da mesma, terminando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1. O Recorrente não consegue perceber por que razão, esse procedimento, que tem sido adotado e é o correto por se basear numa análise concreta de cada caso, não foi adotado no seu caso.
2. Tendo sido adotado, in casu, um procedimento que, salvo melhor opinião, incorreto, configura um tratamento infundamentadamente desigual de cidadãos requerentes de proteção internacional na mesma situação, deveria o Tribunal recorrido apreciar esse mesmo procedimento.
3. Facto esse que não pode ser considerado despiciendo, nem ser deixado passar em branco, não obstante inserir-se no poder discricionário que é conferido à Administração na prossecução do interesse público.
4. Tal poder, enquanto tal, não deixa de ser sindicável nos seus aspetos vinculados, designadamente os relativos à forma, à competência, aos pressupostos de facto, à adequação ao fim prosseguido e aos limites internos ao exercício do poder discricionário,
5. Incluindo-se nestes últimos o respeito pelos princípios constitucionalmente previstos, como o da legalidade, da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, tal como decorre do preceituado no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa, bem como nos artigos n.º 1,4.º, 5.º, 6º e 6ºA do Código de Procedimento Administrativo.
6. Atendendo ao facto de o princípio da igualdade, na sua vertente positiva, obrigar a Administração a tratar de modo igual situações iguais, apontando assim para o princípio da auto vinculação, «estritamente associado ao princípio da imparcialidade querendo-se significar com isso a exigência de as normas jurídicas dadoras de poderes discricionários à Administração serem concretizadas consistentemente segundo os mesmos critérios, as mesmas medidas e as mesmas condições a todos os particulares a quem venham a ser aplicadas e se encontrem em situação idêntica, ou seja, a exigência de «igualdade de tratamento dos interesses dos cidadãos através de um critério uniforme de prossecução de interesse público».
7. E atendendo ainda ao facto de o desrespeito pelo princípio da igualdade configurar a violação do princípio da justiça, segundo o qual a Administração deve «pautar a sua atividade por certos critérios materiais ou de valor, constitucionalmente plasmados, como por exemplo (...) o princípio da igualdade (...)»,
8. Bem como ao facto de a observância do princípio da boa fé impedir que a Administração adote procedimentos divergentes dos usualmente adotados em situações idênticas, defraudando a confiança criada na contraparte pela sua atuação,
9. Não se pode deixar de concluir que, neste caso em concreto, os princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça e da boa fé não foram observados.
10. E, como tal caberia ao Tribunal a quo uma apreciação detalhada do caso em concreto e não uma decisão/transcrição dos procedimentos e despachos dos Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
11. O Autor, ora recorrente, como se demonstrou na Petição Inicial não foi aceite na Alemanha, sendo assim incompreensível que Portugal o envie para lá sabendo da decisão de indeferimento.”

A entidade requerida não apresentou contra-alegações.
*

Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, ao concluir pela legalidade do procedimento a que foi sujeito.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
*

II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A) Em 14/06/2019 o aqui A. A………………, cidadão nacional da Serra Leoa, apresentou pedido de protecção internacional ao Estado Português, junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – cfr. fls. 1-6, do PA.
B) Através do sistema Eurodac verificou-se que o A. havia apresentado anteriormente um pedido de protecção internacional à Suíça a 12/10/2016, à Alemanha a 25/10/2016 e a França a 21/03/2019 – cfr. fls. 19, do PA.
C) Em 08/07/2019 o A. prestou declarações sobre o seu pedido de protecção internacional, constando da Entrevista/transcrição, o seguinte:
“(…)
«imagem no original»








«imagem no original»
«imagem no original»







(…)”- cfr. fls. 25-33, do PA.
D) Em 11/07/2019 pelo Gabinete de Asilo e Refugiados, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, foi apresentado pedido de retomada a cargo às autoridades alemãs – cfr. fls. 43-46, do PA.
E) Em 17/07/2019 as autoridades alemãs aceitaram o pedido de retomada a cargo – cfr. fls. 47-48, do PA.
F) Em 17/07/2019, pelo Gabinete de Asilo e Refugiados, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, foi prestada a Informação nº 1270/GAR/2019, onde consta o seguinte:
“(…)
«imagem no original»
«imagem no original»



«imagem no original»



(…)” – fls. 50-53, do PA.

G) Em 17/07/2019, pela Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, foi proferida decisão, nos termos seguintes:
«imagem no original»


(…)” - cfr. fls. 54, do PA.

H) Em 19/07/2019 foi o A. notificado da decisão de transferência proferida aos 17/07/2019 pela Directora Nacional do SEF, na qual se determina que a Alemanha é o Estado responsável pela sua retoma a cargo, tendo-lhe sido entregue duplicado da respectiva notificação, cópia da decisão notificada e da informação nº 1270/GAR/2019 do SEF - cfr. fls. 58, do PA.

I) Tal notificação foi lida ao A. na língua inglesa- cfr. fls. 58, do PA.
*

II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, a questão a decidir cinge-se a saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, ao concluir pela legalidade do procedimento a que foi sujeito o autor/recorrente.

Vejamos o direito aplicável e relevante para a solução do caso em apreciação.
Nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa (CRP), “[é] garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua atividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.”

Concretizando o direito de asilo aí consagrado, a Lei n.º 27/2008, de 30 de junho (Lei do Asilo, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio), veio estabelecer as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo as Diretivas n.º 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, n.º 2013/32/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e n.º 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e implementar a nível nacional o Regulamento (UE) n.º 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho para efeitos de aplicação efetiva do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.

Consta do respetivo artigo 3.º o seguinte:
“1 - É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
2 - Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.
3 - O asilo só pode ser concedido ao estrangeiro que tiver mais de uma nacionalidade quando os motivos de perseguição referidos nos números anteriores se verifiquem relativamente a todos os Estados de que seja nacional.
4 - Para efeitos do n.º 2, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.”

Releva neste procedimento que:
- o requerente tem direito a prestar declarações antes de ser proferida decisão sobre o seu pedido, cf. artigo 16.º, n.º 1;
- cabe ao SEF elaborar um relatório escrito do qual constam as informações essenciais relativas ao pedido, que é notificado ao requerente para que o mesmo se possa pronunciar sobre ele no prazo de cinco dias, cf. artigo 17.º, n.os 1 e 2.

O procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional encontra-se previsto no capítulo IV da Lei do Asilo, tendo lugar “quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado-membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o SEF solicita às respetivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo” – artigo 37.º, n.º 1.

E segundo o respetivo n.º 2, “[a]ceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o diretor nacional do SEF profere, no prazo de cinco dias, decisão nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º-A e do artigo 20.º, que é notificada ao requerente, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, e é comunicada ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, mediante pedido apresentado, acompanhado do consentimento do requerente.”

O referido artigo 19.º-A, n.º 1, al. a), prevê que o pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, e o n.º 2 que se prescinde da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional. Segundo o artigo 20.º, n.º 1, cabe ao Diretor Nacional do SEF tomar tal decisão.

Como se vê, a Lei do Asilo remete para o Regulamento (UE) n.º 604/2013, o apuramento da responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional, posto que são aí estabelecidos os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados-Membros por nacionais de países terceiros ou apátridas.

O artigo 3.º deste Regulamento, sob a epígrafe ‘acesso ao procedimento de análise de um pedido de proteção internacional’, prevê o seguinte:
“1. Os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável.
2. Caso o Estado-Membro responsável não possa ser designado com base nos critérios enunciados no presente regulamento, é responsável pela análise do pedido de proteção internacional o primeiro Estado-Membro em que o pedido tenha sido apresentado.

Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.

Caso não possa efetuar-se uma transferência ao abrigo do presente número para um Estado-Membro designado com base nos critérios estabelecidos no Capítulo III ou para o primeiro Estado-Membro onde foi apresentado o pedido, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável passa a ser o Estado-Membro responsável.

3. Os Estados-Membros mantêm a faculdade de enviar um requerente para um país terceiro seguro, sem prejuízo das regras e garantias previstas na Diretiva 2013/32/UE.”

Veja-se ainda que, de acordo com o artigo 17.º, n.º 1, do Regulamento, “[e]m derrogação do artigo 3.º, n.º 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento.”

A fim de facilitar o processo de determinação do Estado-Membro responsável, exige o artigo 5.º do Regulamento que seja realizada uma entrevista pessoal com o requerente, antes de ser adotada qualquer decisão relativa à sua transferência para o Estado-Membro responsável. Mais aí se exige a elaboração de um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista, que pode ser feito sob a forma de relatório ou formulário-tipo, a que o requerente (ou um seu representante) tenha acesso em tempo útil.

No caso vertente, releva a seguinte factualidade:
- o autor apresentou pedido de proteção internacional em 14/06/2019;
- prestou declarações nos Serviços do SEF em 08/07/2019;
- o SEF detetou, após consulta do sistema EURODAC, que o autor formulara pedido anterior em Itália, pelo que deu início ao procedimento especial com vista a determinar o Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional;
- efetuado pedido de retoma a cargo do autor às autoridades alemãs, as mesmas aceitaram o pedido;
- no dia 17/07/2019, na sequência de informação dos Serviços do SEF n.º 1270/GAR/2019, a Diretora Nacional do SEF proferiu decisão com o seguinte teor: “[d]e acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 19º-A e no nº 2 do artigo 37º, ambos da Lei nº 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº 26/2014, de 05 de maio, com base na Informação nº 1704/GAR/2018 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de proteção internacional apresentado pelo cidadão que se identificou como A…………………, nacional da Serra Leoa, inadmissível. // Proceda-se à notificação do cidadão nos termos do artigo 37º nº 3 da Lei nº 27/08, de 30 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2014, de 05 de maio, e à sua transferência, nos termos do artigo 38º do mesmo diploma, para a Alemanha Estado Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional nos termos do Regulamento (EU) 604/2013 do Conselho, de 26 de Julho”.

Entende o recorrente ser aplicável ao procedimento em questão o disposto no artigo 17.º, n.os 1 e 2, da Lei do Asilo, pelo que teria o SEF de elaborar um relatório escrito com as informações essenciais relativas ao pedido e de o notificar, possibilitando a pronúncia deste.

Trata-se, contudo, de previsão específica para o procedimento relativo ao pedido de proteção internacional, que não é de aplicar ao distinto procedimento de determinação do Estado responsável.

É que no caso do pedido estar sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV, o legislador entendeu ser de prescindir a análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional.

Ora, porque é precisamente esse o foco do relatório previsto no citado artigo 17.º, n.º 2, a análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional, não se prefigura de aplicar tal normativo ao procedimento que ora nos ocupa.

O que não vale por dizer que irreleve não se ter permitido ao autor pronunciar-se, em sede de audiência prévia, quanto à decisão do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela apreciação do pedido de proteção internacional.

Como se assinalou no acórdão do STA de 30/05/2019 (proc. n.º 0970/18.2BELSB, disponível em http://www.dgsi.pt), “o princípio da audiência prescrito, no plano interno, nos arts. 121.º e segs., do CPA, enquanto princípio estruturante de cada procedimento administrativo, assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se alude no art. 12.º do mesmo código, e surge na sequência e em cumprimento da diretriz constitucional inserta no art. 267.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, constituindo uma manifestação do princípio do contraditório/defesa através da possibilidade não só do confronto dos critérios da Administração com os dos administrados de modo a poderem ser obtidas plataformas de entendimento, mas, também, da possibilidade de estes apontarem razões e fundamentos, quer de facto quer de direito, que invalidem o caminho que a Administração intenta percorrer e levem a que outro seja o sentido da decisão, na certeza de que o seu afastamento, ou a sua dispensa, exigem que a concreta situação tenha ou encontre enquadramento na previsão do art. 124.º do CPA. (…) [E] no plano do direito da União, o princípio do respeito dos direitos de defesa constitui um seu princípio geral e fundamental (hoje consagrado nos arts. 48.º e 49.º da CDFUE e, também, no art. 41.º da mesma Carta) e que é aplicável sempre que a Administração se proponha adotar, relativamente a uma pessoa, um ato lesivo dos seus interesses”.

Sufragando tal entendimento, afigura-se então de exigir, em casos como o dos autos, a sujeição da decisão do SEF ao regime da audiência prévia, previsto nos artigos 121.º e seguintes do CPA (neste sentido, cf., para além do referido acórdão do STA de 30/05/2019, os acórdãos deste TCAS de 06/06/2019, proc. n.º 90/19.2BELSB, e de 04/07/2019, proc. n.º 2379/18.9BELSB, disponíveis em http://www.dgsi.pt).

Dos autos apenas consta a tomada de declarações ao requerente, sem qualquer referência à entrega de resumo das mesmas, conforme exige o artigo 5.º do Regulamento n.º 604/2013.

Outrossim, não consta dos autos que tenha sido dado a conhecer ao requerente a indicação do sentido da decisão a proferir, conforme exige a apontada regra geral de sujeição das decisões da administração ao regime da audiência prévia, previsto nos artigos 121.º e seguintes do CPA.

Como já se assinalou, cabia à entidade requerida dar a conhecer ao requerente a indicação do sentido da decisão a proferir, possibilitando a sua pronúncia.

Não o tendo feito, verifica-se o vício de preterição da audiência prévia, e não tem aplicação ao caso o disposto no artigo 163.º, n.º 5, do CPA, posto que, no quadro geral do Regulamento n.º 604/2013, não se vê que a decisão impugnada tenha conteúdo vinculado ou que corresponda à única solução possível no caso.

O que implica a sua anulação, cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA, devendo ser retomado o procedimento em questão.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e anular a decisão da Diretora Nacional do SEF de 17/07/2019, devendo ser retomado o procedimento em questão.

Sem custas, atento o disposto no artigo 84.º da Lei do Asilo.

Lisboa, 18 de dezembro de 2019

(Pedro Nuno Figueiredo)


(Cristina dos Santos)


(Sofia David)[com declaração de voto]



Declaração de voto

Voto a decisão, mas não acompanho integralmente a fundamentação por considerar que as exigências de audição e defesa que vêm impostas pelo art.º 5.º do Regulamento de Dublin para a decisão sobre a determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional não têm de seguir o formalismo que vem previsto nos art.sº 121.º e ss. do CPA, nem a tramitação prevista para o procedimento de asilo na sua forma comum.
Sem embargo, acompanho a decisão relativa à violação do direito de audiência prévia do Recorrente, porque atendendo à factualidade apurada e ao teor do relatório-tipo se verifica que não foi garantido o direito de audição, tal como exigido pelo art.º 5.º do Regulamento de Dublin, para a decisão sobre a determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional e que relativamente à decisão de inadmissibilidade do pedido de protecção internacional não foi dada ao requerente a oportunidade de pronúncia sobre a mesma, aqui cumprindo-se as exigências da Lei n.º 27/2008, de 30-06.
Lisboa, 18/12/2019