Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3322/09.1BCLSB
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:10/25/2018
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRC
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I. O artigo 268º da Constituição da República Portuguesa estabelece os direitos e garantias dos administrados, ou seja, os direitos fundamentais do cidadão enquanto administrado, entre os quais, o direito à fundamentação dos actos que afectem direitos ou interesses protegidos.

II. O sentido jurídico-constitucional do dever de fundamentação determina contextualização da fundamentação, isto é, ela deve ser parte da decisão (e não elaborada a posteriori).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela “.............................. – ..........................., S.A.” contra o acto de liquidação adicional do IRC e juros compensatórios, do ano de 1997, dela recorreu para o SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, formulando, em alegações, as seguintes conclusões:
«1) Estabelecia o n°5 do art°45° da LGT, na redacção que lhe foi dada pelo art°8° da Lei n°15/2001, de 5/6, que "Instaurado o procedimento de inspecção tributária, o direito de liquidar os tributos incluídos no âmbito da inspecção caduca no prazo de seis meses após o termo do prazo fixado para a sua conclusão, (...).".
2) Por sua vez, em conformidade com o previsto no art°11° da sobredita lei e no que respeita a processos pendentes, o supramencionado prazo deveria contar-se a partir da entrada em vigor da mesma Lei n°15/2001, ou seja, a partir de 5/7/2001.
3) De acordo com o entendimento jurisprudencial expresso a este respeito, a última parte do estabelecido no art°11° da referida lei não tem aplicação nos casos em que o prazo de seis meses fixado para a conclusão da inspecção ocorre já depois de 5 de Julho de 2001, ou seja, em plena vigência da Lei n°15/2001, tal como sucede inequivocamente no caso em apreço.
4) Assim, uma vez que a inspecção se iniciou em 10/5/2001, com a notificação à impugnante da nota de serviço mencionada no art°51° do RCPIT, deveria a conclusão da mesma ocorrer, nos termos do art°36º, n°2 do mesmo regime, em 10/11/2001, sendo que a caducidade do direito à liquidação se verificaria seis meses após aquela data, ou seja, em 10/5/2002.
5) Ora, tendo a liquidação em causa sido notificada em 23/4/2002, resulta evidente que não ocorreu a aludida caducidade do direito à liquidação, pelo que, ao ter decidido com base em entendimento contrário ao que decorre das presentes conclusões, a sentença em causa viola designadamente o, então vigente, n°5 do art°45° da LGT, pelo que deverá ser revogada, com as legais consequências».

**
A Recorrida, .............................. - .............................., S.A., apresentou a sua contra-alegação, na qual requereu a ampliação do recurso ao abrigo do disposto no artigo 684º-A do CPC (actual artigo 636º) pedindo a confirmação do julgado e formulando, a final, o seguinte quadro conclusivo:
«A) Entendeu o douto Tribunal a quo que o acto tributário objecto dos presentes autos deveria ser anulado, em virtude da decorrência do prazo de caducidade do direito à liquidação, tal como previsto no nº 5 do artigo 45° da LGT à data dos factos tributários em conjugação com o disposto no artigo 11° da Lei n°15/2001, de 5 de Junho, diploma este que aprovou o referido normativo;
B) Na óptica da Recorrente, a aplicação do prazo de caducidade previsto no número 5 do artigo 45° da LGT apenas ocorrerá a partir do termo do prazo legal de conclusão do procedimento de inspecção e não da entrada em vigor do referido preceito legal, o que sucedeu a 5 de Julho de 2001;
C) Na óptica da Recorrida, a liquidação de IRC ora sindicada padece de vício de caducidade por decurso do prazo previsto no n°5 do artigo 45° da LGT, uma vez que o legislador distingue claramente a notificação do início do procedimento, a qual se efectiva mediante o envio de carta-aviso ao sujeito passivo (artigo 49° do RCPIT), do início (propriamente dito) dos actos de inspecção, os quais se materializam com a entrega da ordem de serviço (artigo 51° do RCPIT);
D) Para efeitos de contagem do prazo de duração do procedimento de inspecção, o artigo 36° do RCPIT dispõe de forma absolutamente cristalina que o dies a quo é o momento da notificação do início da inspecção, e não o de início da inspecção;
E) Tendo a ora Recorrida sido notificada do início do procedimento de inspecção a 12 de Abril de 2001, o procedimento de inspecção deveria ter sido concluído até 12 de Outubro de 2001, salvo se, antes dessa referida data, a Administração Tributária validamente a notificasse da prorrogação do prazo de conclusão da mesma, ao abrigo de qualquer uma das três circunstâncias previstas no n°3 do artigo 36° do RCPIT, o que não sucedeu no caso concreto;
F) A admitir-se a bondade da interpretação secundada pela Recorrente, a alteração introduzida no n°1 do artigo 46° da LGT não teria qualquer efeito útil (quando se eliminou a referência ao início do procedimento de inspecção como causa de suspensão do prazo de caducidade e se passou a prever a entrega da ordem de serviço);
G) O artigo 36° do RCPIT estipula sem margem para dúvidas que a inspecção deve estar concluída no prazo de seis meses a contar da notificação do seu início, a qual ocorre nos termos do artigo 49° do RCPIT com a entrega da carta-aviso;
H) Desta forma, é inequívoco que a liquidação de IRC 1997 deveria ter sido notificada à ora Recorrida até 12 de Abril de 2002 (12 de Outubro de 2001 + 6 meses), o que não sucedeu e que, consequentemente, determina a verificação da caducidade do direito à liquidação no caso em apreço, por violação do disposto no artigo 36° do RCPIT e no número 5 do artigo 45° da LGT, o que se invoca para os devidos efeitos legais;
I) O artigo 36° do RCPIT estipula sem margem para dúvidas que a inspecção deve estar concluída no prazo de seis meses a contar da notificação do seu início, a qual ocorre nos termos do artigo 49° do RCPIT com a entrega da carta-aviso;
J) Ora, tendo o procedimento de inspecção sido iniciado a 12 de Abril de 2001, a sua conclusão deveria ter ocorrido o mais tardar até 12 de Outubro de 2001, sendo que a caducidade do direito à liquidação se verificou decorridos seis meses após esta última data, ou seja, 12 de Abril de 2002, para efeitos de contagem do prazo de caducidade previsto no n°5 do artigo 45° da LGT;
K) Pelo que, tendo sido a liquidação de IRC 1997 notificada à ora Recorrida apenas a 23 de Abril de 2002, não restam dúvidas sobre a violação do prazo de caducidade ao abrigo do disposto no número 5 do artigo 45° da LGT, o que se invoca para efeitos de improcedência do presente recurso;
L) Em abono da tese sustentada pela Recorrida, importa atentar nas alterações introduzidas por via da Lei n° 50/2005, as quais vieram alterar de forma significativa as redacções dos artigos 49°, 51° e 61° do RCPIT, retirando qualquer efeito legal à entrega da carta-aviso para efeitos de contagem do prazo de conclusão do procedimento de inspecção;
M) O entendimento propugnado pela Recorrente foi igualmente acolhido na íntegra pelo TCA Sul, no âmbito do processo n°1456/06 (acórdão de 06.02.07);
N) O artigo 684°-A do CPC permite a arguição, subsidiária, de vícios da sentença à parte vencedora, prevenindo a necessidade da sua apreciação (ver Acórdão do STA no recurso n° 46644, de 18.12.2002);
O) Na sentença ora recorrida o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a legalidade das correcções efectuadas pela Administração Tributária a título de i) reintegrações não aceites, ii) custos não devidamente documentados, iii) custos não aceites e iv) investimento não considerado para efeitos de CFI, uma vez que a sentença proferida prejudicou a resposta a dar a estas questões na sentença proferida pelo Tribunal a quo;
P) A ampliação do presente recurso, nos termos acima formulados, implicará a ampliação da matéria de facto no que diz respeito à correcção referente ao crédito fiscal por investimento, uma vez que a matéria de facto assente é completamente omissa quanto a esta matéria, mormente sobre a natureza do investimento efectuado pela ora Recorrida e apreciação da documentação anexa aos autos de impugnação em Outubro de 2007;
Q) Com efeito, a ampliação da matéria de facto em relação ao CFI mostra-se determinante para efeitos de apreciação da correcção efectuada pela Administração Tributária, o que se invoca para os devidos efeitos legais;
R) A matéria de facto padece, ainda, de omissão relevante e deficiente apreciação por parte do Tribunal a quo, uma vez que não levou em conta a revogação parcial da correcção referente a reintegrações não aceites, a qual foi anulada parcialmente em sede de impugnação judicial para EUR 65.540,64;
S) Considerando que este Venerando Tribunal apenas é competente para apreciar matéria de direito em função da matéria de facto dada por assente pelas instâncias (artigo 729° do CPC e artigo 280° do CPPT), será o mesmo hierarquicamente incompetente para julgar o presente recurso, assim se devendo ordenar a sua baixa para o TCA Sul;
T) Relativamente à correcção referente a reintegrações não aceites, da análise da decisão da Administração Tributária não se vislumbra porque é que, não obstante os argumentos aduzidos pelo sujeito passivo, esta considera serem de manter as correcções, limitando-se a uma remissão genérica para o projecto de correcções, o que, salvo o devido respeito, equivale a nada dizer, porquanto nada esclarece quanto à matéria invocada pela Recorrida e a prova apresentada;
U) Deste modo, sempre se há-de entender que a "fundamentação" da decisão final não permite descortinar as razões, de facto e de direito, que possam ter levado a Administração a não valorar os argumentos apresentados pela ora Recorrida em sede de audição prévia, o que implica uma clara violação do disposto no número 7 do artigo 60° da LGT;
V) No que diz respeito à correcção no valor de EUR 40.517,34, respeitante aos casos em que um bem é composto de diversos elementos, estamos perante situações em que os diversos elementos individualmente considerados entraram em funcionamento em meses diferentes, não se verificando, contudo, a utilização de taxas de amortização para além do período de vida útil do bem, mas apenas um erro no preenchimento do respectivo mapa, uma vez que apenas foi evidenciado o mês mais recente de entrada em funcionamento;
W) Quanto à correcção referente a senhas de gasolina, a Administração Tributária confunde despesas mal documentadas e, como tal, não aceites como custo fiscal nos termos do disposto no número 1 do artigo 23° do CIRC, com despesas confidenciais e não documentadas, as quais se encontravam à data sujeitas a tributação autónoma nos termos do Decreto-Lei n°192/90, de 9 de Junho;
X) Com efeito, mesmo que se admitisse que o efectivo consumo dos combustíveis não se encontra documentado, nunca tal facto significaria de per si que tais despesas estariam sujeitas a tributação autónoma, mormente em virtude da documentação junta pela ora Recorrida no âmbito do processo de impugnação judicial comprovativa da origem dos custos;
Y) Nestes termos, sempre se deverá entender que inerente ao carácter confidencial de uma determinada despesa está o intuito do sujeito passivo de ocultar a identidade do beneficiário da despesa, tornando impossível a tributação do respectivo rendimento na esfera deste último, o que não sucede claramente no caso em apreço;
Z) A beneficiária das despesas em apreço é a própria Recorrida, uma vez que é ao serviço desta que os consumos são efectuados;
AA) Na situação objecto dos presentes autos, é evidente que não pode atribuir-se aos referidos cheques auto a qualificação de despesas de carácter confidencial, uma vez que é conhecida a sua natureza, finalidade, origem, bem como os respectivos beneficiários, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente de manifesta ilegalidade da tributação autónoma efectuada pela Administração Tributária;
BB) A Administração Tributária desconsiderou, para efeitos do benefício fiscal referente ao CFI, o investimento efectuado pela ora Recorrida com a aquisição de um sistema integrado de facturação e gestão de clientes, no valor de EUR 6.339.515,66;
CC) A ora Recorrida não concorda com o entendimento vertido pela Administração Tributária, uma vez que o mesmo viola directamente o regime consagrado no Decreto-Lei n°121/95 (diploma que regula o presente benefício), padecendo, ainda, de vício de falta de fundamentação;
DD) O legislador pretendeu incentivar a escolha no investimento em factores produtivos, em alternativa ao investimento em activos incorpóreos, ou corpóreos supérfluos, ou mesmo dispensáveis ao funcionamento da empresa;
EE) O sistema integrado de facturação é um bem do activo corpóreo da Recorrida;
FF) Contrariamente ao sustentado pela Administração Tributária, não estamos perante uma simples aplicação de facturação, mas antes de um sistema integrado de gestão de informação, dados e manutenção de contas correntes, sem a qual a ora Recorrida não conseguiria, de forma eficiente, desenvolver a sua actividade e prestar um serviço de qualidade;
GG) Desta forma, uma análise funcional da aplicação acima descrita não permitirá retirar outra conclusão que não seja a de que estamos perante um serviço imprescindível para a actividade produtiva desenvolvida pela ora Recorrida, o que se invoca para efeitos de verificação dos requisitos legais inerentes ao benefício fiscal referente a CFI, o que determinará a anulação parcial do acto tributário objecto do presente recurso;
HH) A Recorrente exerce a sua actividade num sector com elevados índices de investimento em factores tecnológicos, os quais se encontram em permanente evolução, mostrando-se imprescindível o investimento em interfaces de informação que permitam uma adequada gestão da rede, gestão de clientes e factura;
II) De entre as funcionalidades mais relevantes desempenhadas por tal aplicação informática cumpre destacar as seguintes:
• validação e gestão de chamadas, mensagens de texto, envio de dados, mensagens multimédia e acesso a Internet (WAP);
• gestão de informação para efeitos de facturação;
• gestão de informação de suporte ao cliente;
• invalidação de registos incompletos para efeitos de sua análise e reprocessamento;
• detecção de anomalias no fluxo de utilização de rede;
• activações de serviços, tais como a activação de serviço telefónico, alteração de dados de conta de clientes, alteração do método de pagamento, activação de promoções, consulta de conta corrente, etc..
JJ) A Administração Tributária limita-se a concluir que a aplicação informática em apreço não é imprescindível para a actividade produtiva da empresa, sem que, contudo, enuncie um único facto susceptível de sustentar tal conclusão, ou mesmo, acrescente-se, basear tal asserção numa análise funcional da mesma, funções desempenhadas e estrutura produtiva da ora Recorrida, análise essa fundamental para poder averiguar a verdadeira necessidade do equipamento em questão;
KK) A argumentação acima expendida é igualmente válida na aplicação de salários, devendo, em consequência, ser aceite o benefício fiscal no valor de EUR 3.740,98, tudo com as demais consequências legais;
LL) Tendo a ora Recorrida procedido ao pagamento do acto tributário objecto dos presentes autos, e em função da sua anulação pelos motivos ora melhor expostos nas presentes contra-alegações, são devidos juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43° da LGT.

Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costuma Justiça».

Por decisão do Senhor Juiz Conselheiro Relator, de 21.05.2009, o Supremo Tribunal Administrativo, declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para o conhecimento do recurso, por entender que o mesmo não versava exclusivamente matéria de direito, atribuindo a competência para o efeito, a este Tribunal Central Administrativo Sul, ao qual o processo foi remetido a pedido da Recorrente, Fazenda Pública.
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Nesta instância a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no qual consigna, além do mais, que « (…) a questão fulcral do presente recurso versa precisamente sobre a ocorrência de caducidade do direito à liquidação. Porém nas contra-alegações de recurso são chamadas à colação questões sobre as quais o tribunal “ a quo” não se pronunciou. Questões relacionadas com a aludida caducidade. Daí, dever ser ampliada a matéria de facto e dele conhecer-se.».

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Colhidos que se mostram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
É dentro de tal âmbito que este Tribunal de recurso deve resolver as seguintes questões:
- saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter julgado verificada a caducidade do direito à liquidação de IRC impugnada; procedendo tal questão, importa conhecer as questões apontadas na ampliação do objecto do recurso.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença da Primeira Instância fixou-se a matéria de facto nos seguintes termos:
«1. Em 10/04/01 a Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária emitiu uma carta aviso, na qual "notificavam" a impugnante que, "a muito curto prazo, se deslocarão" à sede os técnicos dos serviços de inspecção, com finalidade de verificação do cumprimento das obrigações tributárias, nos exercícios de 1997, 1998 e 1999 (fls. 45).
2. A impugnante recebeu a nota de diligência a que se reporta o documento referido no n° anterior em 12/03/02 (fls. 46).
3. Em 02/03/02 a Administração Tributária emitiu o ofício com o n°00793, segundo o qual notificava a impugnante para exercer o direito de audição no âmbito da inspecção a que se referia o documento referido em 1 (fls. 47).
4. Em 16/04/02 a Administração Tributária emitiu o ofício com o n°01327 segundo o qual notificava a impugnante dos actos resultantes do relatório de inspecção tributária (fls. 84).
5. No âmbito da acção inspectiva efectuada pela Administração Tributária, foram analisadas as áreas contabilístico-fiscais de acordo, tendo no âmbito da mesma a inspecção tributária efectuado diversas correcções das quais referiremos as contestadas (cf. relatório a fls. 85 e seguintes do processo administrativo).
6. Reintegrações e amortizações praticadas e não aceites, com a seguinte fundamentação: "o contribuinte utilizou o método de reintegração das quotas constantes por duodécimos, previsto no n° 6 do art° 29° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e n°1 do art°7° do Decreto Regulamentar 2/90, de 12/01. Foram encontradas, contudo, diferenças no valor de 15. 785.514$00, entre as reintegrações máximas resultantes da adopção (no início da utilização dos elementos do imobilizado) de uma reintegração deduzida à taxa anual, correspondente ao número de meses contados desde o mês da entrada em funcionamento, e as reintegrações calculadas nos mapas de reintegrações e amortizações (Mod. 32.1) que acompanharam a Declaração de rendimentos de IRC (Mod. 22) de 1997. Ainda nos mapas indicados na alínea anterior (mod. 3.2.1) foram efectuados os seguintes bens do imobilizado, amortizados por duodécimos, para além do período de vida útil preconizado nos n°7 do art.°29.°do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e n°2 do art°7°do Decreto Regulamentar 2/90, de 12/01" (fls. 94).
7. Tendo em conta a fundamentação referida no n° anterior e os valores constantes nos bens referidos no quadro a fls. 94, foi proposta a seguinte correcção
Quadro 17, linha 7, campo 323: 15.785.514$00 + 1.987.658$00 = + 17.773.172$00 (fls. 94 do apenso).
8. Foi efectuada uma correcção que a Administração Tributária denominou como Custos (não devidamente) documentados, com a seguinte fundamentação: "não foram apresentados os (.) documentos contabilizados na conta de custos 622120002 -Gasolina no total de 16.675.000$00, () razão pela qual não são aceites como custo fiscal alínea h) n°1 do art°41° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. O valor mencionado vai também ser sujeito a tributação autónoma à taxa de 30% em conformidade com o disposto no n°1 do art.°4.°do Decreto-Lei n°192/90, de 9 de Junho (redacção do artº31° da Lei n° 52-C/96, de 27 de Dezembro. Corrige-se a favor do contribuinte os 20% acrescidos por este ao Resultado Líquido, para efeitos do cumprimento do n°4 do art°41º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas () b) correcções propostas - quadro 17, linha 16, campo 332 (Mod. 22): 16.675.000$00 = + 16.67 5.000$00; quadro 17, linha 23, campo 339 (Mod. 22): 16.675.000300*20% = - 3.335.000$00; quadro 19, linha 12, campo 456 (Mod. 22): 16.675.000$00*30% = + 5.002.500$00 (fls. 95).
9. Foi efectuada a correcção denominada investimento não considerado relevante para efeitos de CFL com a seguinte fundamentação "Com efeitos no beneficio fiscal respeitante ao Crédito Fiscal ao Investimento (CFI), disposto no Dec.-Lei n°121/95, de 31 de Maio, não é aceite como relevante, nos termos do item vi), da alínea a), do artigo 2°, do mesmo decreto, o investimento efectuado em 1997 no activo imobilizado contabilizado nas seguintes contas: conta .................... equipamento administrativo - SW facturação no valor de 1.270.958.778$00; conta .................... equipamento administrativo - SW financeiro/salários no valor de 15.000.000$00, no total de 1.285.958.778$00. Correcções propostas - quadro 19, Unha 4.4, campo 446: 1.285.958.778$00 = - 64.297.939$00 (fls. 96).
10. Na sequência da acção inspectiva referida supra foi efectuada em 14/04/02 a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do exercício de 1997 n° 8310006943 no valor de 573.450,11 (fls. 27).
11. A liquidação foi paga em 06/05/02 (fls. 80 do apenso).
12. A impugnante não foi notificada da prorrogação do prazo da inspecção (facto que não vem controvertido)»
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A título de factualidade não provada, exarou-se na Sentença recorrida que:
«Dos factos, com interesse para a decisão, constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra.»

E, em sede de fundamentação da decisão de facto, consignou-se na Sentença recorrida que:
«A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam.».

Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto
Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se, ao probatório, a coberto do estatuído no artigo 662.º, nº 1, do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:
13.Em 10.5.2001, a impugnante assinou e recebeu a ordem de serviço n.º …../2001, onde consta, além do mais, o despacho que ordenou a inspecção externa. (doc. fls.44 dos autos)
14.A impugnante reclamou graciosamente da liquidação a que alude o ponto 10, a qual veio a ser indeferida, por decisão datada de 24.06.2003. (fls. não paginada do processo de Reclamação Graciosa apenso)

É, ainda alterada, a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de 1ª Instância relativamente ao ponto 1: devendo o mesmo passar a ter a seguinte redacção:
1.Datada de 10.04.2001 e sob o número 1838, foi remetido à Impugnante uma Carta Aviso, em cumprimento do disposto na al. l) do n.º 3 do artigo 59.º da LGT e do artigo 49.º do RCPIT, comunicando que a muito curto prazo seria objecto de acção inspectiva, abrangendo os exercícios de 1997 a 1999 1998 e 1999, a qual foi recepcionada em 12.04.2001. (doc. fls.45 dos autos)
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D. DO DIREITO
A «..............................-.............................., S.A.» apresentou impugnação judicial junto do Tribunal Tributário de Lisboa, visando a anulação da liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e respectivos juros compensatórios do exercício de 1997, emitidas na sequência de procedimento externo de inspecção.
A sentença recorrida julgou procedente a impugnação por considerar que se verificava a invocada caducidade do direito à liquidação com base no disposto no nº 5 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT) (na redacção introduzida pela Lei 15/2001, de 5 de Junho), tendo como pano de fundo, o facto dessa liquidação resultar de um procedimento de inspecção tributária.
Para assim decidir, o Tribunal «a quo» expendeu a seguinte argumentação: « (…) de acordo com o n.º11 da Lei n.º 15/01 a liquidação controvertida, deveria ter sido efectuada no prazo de seis meses contados desde 05 de Julho de 2001. O que manifestamente não aconteceu, pois, a mesma foi efectuada em 17/04/02.».
A Fazenda Pública (ora Recorrente) não se conforma com a interpretação feita pelo Tribunal «a quo» sobre os efeitos decorrentes do prazo de caducidade previsto no n.º5 do artigo 45.º da LGT, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 8º da Lei n.º 15/2001, e da norma de aplicação no tempo desta Lei constante do seu artigo 11.º.
Posto isto, a questão a resolver circunscreve-se, assim, em saber se ocorreu ou não o prazo de caducidade do direito à liquidação impugnada.
Equacionada a questão, urge decidi-la.
Constitui uma garantia dos contribuintes a caducidade do poder de determinação do montante do imposto e de outras prestações tributárias, pelos serviços da Administração Tributária, quando o valor dessa determinação não for notificado ao contribuinte no prazo fixado na lei, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que ocorreu o facto tributário.
A questão da caducidade do direito à liquidação prende-se, assim, com a validade substancial do acto tributário, contendo com a sua validade e, por consequência, constitui fundamento da impugnação judicial. Nesta matéria, refere JOAQUIM GONÇALVES «a obrigatoriedade da notificação da liquidação no prazo de caducidade não retira ao próprio acto da notificação a natureza do requisito de eficácia, embora para efeitos de caducidade tal notificação tenha, por força da lei, definido um regime especial, pois que releva, agora, também como pressuposto da caducidade do direito à liquidação por parte do Estado, esta, sim, uma ilegalidade concreta que afecta a validade do acto de liquidação e que, como tal, é susceptível de fundamentar a respectiva impugnação» (“A caducidade face ao direito tributário”, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, p. 237).
No que concerne, ao prazo de caducidade do direito de liquidar tributos é, em regra, nos termos do artigo 45.º da LGT, de quatro anos, contados nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (sendo o imposto em causa o IRC relativo ao exercício do ano de 1997, iniciando-se a contagem do prazo a partir de 01.01.1998, a caducidade do direito a liquidá-lo ocorreria, se nada mais houvesse a considerar, em 1 de Janeiro de 2002).
Tal como referido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.05.2005, proferido no processo n.º 0965/04: « (…) este princípio geral sofre uma excepção, que é aquela que resulta do estabelecido no seu nº 5.
Aí se diz expressamente que “instaurado o procedimento de inspecção tributária, o direito de liquidar os tributos incluídos no âmbito da inspecção caduca no prazo de seis meses após o termo do prazo fixado para a sua conclusão, sem prejuízo das prorrogações previstas na lei reguladora daquele procedimento, a não ser que antes dessa ocorra a caducidade prevista no prazo geral fixado no n.º 1”.
A nosso ver e com este dispositivo legal, pretendeu, assim, o legislador encurtar o prazo de caducidade do direito de liquidar, criando, deste modo, mecanismos de celeridade na actuação da Administração Fiscal, tendo sempre como pano de fundo o reforço das garantias do contribuinte.
Entretanto e com a entrada em vigor da citada Lei nº 15/01 – o que aconteceu em 6/7/01 (cfr. artº 14º) -, estabeleceu este diploma legal, no seu artº 11º, que “relativamente a processos pendentes, os prazos definidos no artigo 183.º-A do Código do Procedimento e de Processo Tributário e no n.º 5 do artigo 45.º da lei geral tributária são contados a partir da entrada em vigor da presente lei”.(…)
Como resulta do teor desse artigo, este regime de transição tem antes como pressuposto o prazo a que alude o artº 45º nº 5 da LGT. Prazo esse, de seis meses, que se reporta não à inspecção tributária, mas ao direito de liquidar. De harmonia, aliás, com o que ali se estabelece expressamente: “...o direito de liquidar os tributos incluídos no âmbito da inspecção caduca no prazo de seis meses após o termo do prazo fixado para a sua conclusão...”.
Sendo assim e com a entrada em vigor do artº 11º, a contagem do prazo de seis meses para proceder à liquidação do tributo passou a contar-se, não do termo do processo inspectivo, mas da entrada em vigor da própria Lei nº 15/01. Houve como que uma prorrogação do citado prazo.
Daí que, da conjugação dos préditos artºs 11º e 45º, nº 5 o prazo de liquidação dos tributos incluídos no processo inspectivo caduca se não for validamente notificada ao contribuinte dentro do prazo de seis meses contados a partir da data da entrada em vigor da referida Lei nº 15/01.»
No caso vertente, da leitura das conclusões de recurso em particular da 4.ª conclusão, extrai-se que a Fazenda Pública entende e bem adiantamos já que a inspecção se iniciou em 10.5.2001, com a notificação à impugnante da nota de serviço mencionada no artigo 51° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT).
Na verdade, nesta matéria, é hoje pacífico e uniforme na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (de entre muitos, pode-se atentar no acórdão do STA de 12.10.2016, proferido no processo n.º 879/15) que: «Nos termos da anterior redacção do art. 51.º, que vigorava à data dos factos, já se dizia que «[d]a ordem de serviço ou de despacho que determinou o procedimento de inspecção, será no início deste, entregue uma cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário» (n.º 1) e «[o] sujeito passivo ou obrigado tributário ou o seu representante devem assinar a ordem de serviço indicando a data da notificação» (n.º 2). Por seu turno, o art. 49.º do RCPIT, sempre na referida redacção, tinha como epígrafe “Notificação para início do procedimento de inspecção” e dizia nos seus dois primeiros números:«1- O início do procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias.
2- A notificação para início do procedimento de inspecção efectua-se por carta-aviso elaborada de acordo com modelo aprovado pelo director-geral dos Impostos, contendo os seguintes elementos:[...]»Esta redacção algo equívoca levou a que alguma jurisprudência, tanto quanto sabemos exclusivamente do Tribunal Central Administrativo Sul (Vide os seguintes acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, sendo o primeiro referido na sentença:
- de 6 de Fevereiro de 2007, proferido no processo n.º 1456/06, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/8f8aa044e2fbad968025727c004cee0f;
- de 9 de Junho de 2009, proferido no processo n.º 2729/08, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/7799762acdfffbb2802575d700348ccc;
- de 6 de Outubro de 2009, proferido no processo n.º 2941/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/fe3e61ec9371f4018025764d003acfc9.) e não do Supremo Tribunal Administrativo – os acórdãos invocados pela sentença a favor da sua tese, de 29 de Novembro de 2006, proferido no processo n.º 695/06 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 16 de Novembro de 2007 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2006/32240.pdf), págs. 2062 a 2065, também disponível em), e de 9 de Dezembro de 2009, proferido no processo n.º 1019/09 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010
(
http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 2043 a 2047, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e60d2d3c17bf77cb8025768f0059cc6e.), não se referem à questão de saber se o início do procedimento de inspecção se deve situar na data da recepção da carta a que alude o art. 49.º do RCPIT –, entendesse que o prazo de 6 meses de caducidade do direito à liquidação, que se devia contar da notificação do início da inspecção, tinha o seu início com «a notificação referida no art. 49.º do mesmo RCPIT, que não desde a data da ordem de serviço ou de despacho que determinou o procedimento de inspecção referida no art. 51.º do mesmo RCPIT».
Desde logo, registamos que os referidos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, na determinação do momento em que deve considerar-se como sendo o da notificação do início da inspecção apenas consideram o binómio “notificação referida no art. 49.º do RCPIT” “data da ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspecção”, quando se nos afigura que o segundo termo desta relação deveria ser a data em que foi ou deveria ter sido assinado pelo inspeccionando a ordem de serviço ou o despacho que determinou o procedimento de inspecção e do qual lhe deve ser entregue cópia nos termos do art. 51.º do RCPIT, com indicação da data dessa notificação.
Na verdade, a notificação do início da inspecção a considerar designadamente para determinar o termo do prazo da inspecção, com relevância para efeitos da contagem do prazo da caducidade, a nosso ver, não pode ser outra senão a prevista no art. 51.º, mesmo na redacção deste artigo anterior à da Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto, ou seja, aquela que «marca, formalmente, o início do procedimento externo de inspecção» (Neste sentido, MARTINS ALFARO, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Comentado e Anotado, Lisboa, Áreas Editora, 2003, pág. 377.).
Salvo o devido respeito, a notificação prevista no art. 49.º do RCPIT, mesmo na referida redacção anterior à da Lei n.º 50/2005, não pode ser vista como a notificação do início da inspecção. Aliás a sua epígrafe (“Notificação para início do procedimento de inspecção”), pese embora não seja inequívoca, também aponta nesse sentido, pois, a ser como defende a sentença, a epígrafe mais curial seria, simplesmente, notificação do início do procedimento de inspecção. Essa notificação constitui, isso sim, uma notificação prévia da inspecção, o anúncio ao destinatário de que a inspecção vai ter lugar – anúncio que lhe deve ser remetido com a antecedência mínima de 5 dias em relação ao início do procedimento –, cuja exigência decorre do princípio da cooperação, expressamente consagrado no art. 59.º da LGT e que sempre seria exigível – mesmo na ausência do art. 49.º do RCPIT – pela alínea l) do seu n.º 3, que dispõe: «3. A colaboração da administração tributária com os contribuintes compreende, designadamente: […] l) A comunicação antecipada do início da inspecção da escrita, com a indicação do seu âmbito e extensão e dos direitos e deveres que assistem ao sujeito passivo». Esta notificação prévia (designação que a lei veio a adoptar na epígrafe do artigo após a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 50/2005 e que era, já anteriormente, também utilizada no art. 51.º do RCPIT) é obrigatória, «de modo a poder antecipar na esfera jurídica do destinatário a possibilidade da prática de actos intrusivos e potencialmente restritivos» e, por outro lado, «permitirá à entidade inspeccionada preparar devidamente a vinda dos funcionários da inspecção» (() JOAQUIM FREITAS DA ROCHA e JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária Anotado e Comentado, Coimbra Editora, 2013, págs. 268/269.).Mas esta notificação nem sempre terá lugar, o que, decisivamente, afasta a sua potencialidade de constituir o momento a relevar como a notificação do início da inspecção, designadamente para efeitos de contagem do prazo fixado para a conclusão do procedimento tributário de inspecção, determinante para averiguar da caducidade do direito à liquidação à face do disposto no n.º 5 do art. 45.º da LGT, na redacção da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho. Na verdade, há situações em que não haverá lugar à notificação prevista no art. 49.º do RCPIT, como resulta do art. 51.º do mesmo Regulamento (quer antes quer depois da Lei n.º 50/2005). Ora, se nem sempre a carta-aviso prevista naquele artigo é enviada ao sujeito passivo ou obrigado tributário, mal se compreenderia que a lei fixasse o momento da sua recepção como início do prazo.

Em conclusão, e tendo sempre presentes as regras hermenêuticas do art. 9.º do Código Civil, temos que a notificação do início da inspecção a considerar, designadamente para determinar o termo do prazo da inspecção, com relevância para efeitos da contagem do prazo da caducidade ao abrigo do n.º 5 do art. 45.º na redacção da Lei n.º 15/2001, é aquela em que, nos termos do art. 51.º do RCPIT, é ou deve ser assinado pelo sujeito passivo ou obrigado tributário a ordem de serviço, de que lhe será dada cópia no início da inspecção( disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Assim e contrariamente ao que refere a recorrida a notificação da carta-aviso, que ocorreu em 12.04.2001 [Cfr.ponto1.do probatório],não constitui o momento relevante para determinar o início do procedimento de inspecção.
Isto dito, e revertendo aos autos, deles se extrai que o procedimento de inspecção teve início em 10.5.2001 [Cfr.ponto13.do probatório], data em que se mostra assinado pela Impugnante e recebida a ordem de serviço referente ao início da inspecção, pelo que, deveria a mesma ser concluída no prazo máximo de seis meses, ou seja, até 10.11.2001 (Cfr. n.º2 do artigo 36.º, n.º2º do RCPIT, segundo o qual: «O procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início») e contando-se dessa data o prazo seis meses de caducidade (cfr. n.º5 do artigo 45.º, na redacção da Lei n.º 15/2001), chegamos a 10.05.2002.
Ora, em data concretamente não determinada, mas que se situará pelo menos em 06.05.2002 (Cfr. ponto 11. do probatório) foi a liquidação sindicada notificada à Impugnante, pelo que, o dito prazo de caducidade não se tinha completado ainda.
É certo que a sentença recorrida entendeu que «Estando a decorrer o procedimento inspectivo quando entrou em vigor o n.º5 do art.º45 e, de acordo com o n.º11 da Lei n.º15/01 a liquidação controvertida, deveria ter sido efectuada no prazo de seis meses contados desde 05 de Julho de 2001 (…)», contudo, como já anteriormente o dissemos, por via da transcrição parcial do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.05.2005, proferido no processo n.º 0965/04, o prazo fixado naquele normativo (cfr. nº 5 do artigo 45.º da LGT), que o artigo 11º da Lei nº 15/2001, de 5 de Julho, manda contar a partir da sua entrada em vigor é, apenas, o de caducidade, de seis meses, naquele estabelecido, e não, também, o prazo fixado para a conclusão da inspecção.
Refira-se, ainda, que nos processos pendentes, este último prazo de seis meses só se conta a partir de 5 de Julho de 2001, sendo certo, que não se aplica, nesta parte aos presentes autos, uma vez, que como já vimos, o prazo de seis meses fixado para a conclusão da inspecção terminou em 10.5.2002, ou seja, já depois de 5.07.2001, em plena vigência da Lei nº 15/2001, de 5 de Julho.
Do exposto, temos, assim, que, no caso presente, não se verifica, pois, a caducidade do direito de liquidar o imposto em causa nestes autos.
Razão por que não pode manter-se a sentença que assim não decidiu, procedendo o recurso interposto pela Fazenda Pública e consequente revogação da sentença recorrida.
Dito isto, importa de seguida, atenta da ampliação do recurso, conhecer os vícios imputados ao acto impugnado não apreciados pelo Tribunal Tribuário de Lisboa.
i.) Reintegrações não aceites
A Administração Tributária procedeu à correcção técnica no montante de € 78.737,81, por considerar a Impugnante praticou amortizações excessivas relativamente aos bens identificados na pág. 21 e 9 do Relatório de Inspecção Tributária (RIT).
A Impugnante pretende a anulação da dita correcção, alegando para tanto, que discurso fundamentador que a suporta padece do vício de forma por falta de fundamentação, na medida em que a prova produzida em sede de audição prévia quanto às amortizações foi desconsiderada na decisão final do procedimento inspectivo, em flagrante violação do n.º7 do artigo 60.º da LGT.
A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito mostra-se consagrada no artigo 60.º da LGT, cujo n.º 7 estabelece que «os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na decisão».
Sobre os elementos novos trazidos pelo contribuinte no exercício do direito de audição refere ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, que « introduzem um novo momento da fundamentação - ou a obrigatoriedade de uma tripla fundamentação - do acto tributário ou em matéria tributária: a que se reporta ao projecto de decisão sobre que incidiu a audição, além da que se reporta aos novos elementos trazidos pelo contribuinte e da que se reporta à decisão final. Só assim se pode considerar integralmente cumprido o dever de fundamentação a que se refere o artigo 77° da presente lei.».
E, continua o Autor: «Não pode, pois, considerar-se cumprido o dever de fundamentação quando a decisão final se limita a afirmar, por exemplo, apenas que "ouvido o contribuinte este não trouxe elementos novos", devendo a decisão conter a justificação por que esses elementos nada trouxeram de novo relativamente ao projecto de decisão apresentada ao contribuinte ou interessado.» (Lei Geral Tributária - Anotada- Edição Rei dos Livros, pág.208).
Assim também entendem JOSÉ MARIA FERNANADES PIRES, GONÇALO BULÇÃO, JOSÉ RAMOS VITAL e MARIA JOÃO MENEZES: «A decisão a proferir no procedimento deve conter sempre a análise e a ponderação das alegações dos contribuintes no exercício do direito à audição. Mesmo nos casos em que não sejam trazidos elementos novos ao procedimento, deve a administração tributária fundamentar devidamente a decisão final, não se devendo limitar a invocar que não foram trazidos quaisquer elementos novos ao procedimento.» (Lei Geral Tributária-Comentada e Anotada, Almedina, 2015, pág.620).
O mesmo entendimento é perfilhado pela nossa jurisprudência, veja-se, a título exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.11.2008, proferido no processo n.º 597/08:« Não há dúvida que, de acordo com o n.º 7 do artigo 60.º da LGT citado, na decisão final do procedimento devem ser expressamente ponderados todos os elementos novos suscitados em sede de direito de audição, em termos tais que se possa dizer, como salienta a recorrente, que a decisão final é o resultado da ponderação quer dos elementos já tidos em conta para a emissão do projecto de decisão quer dos novos elementos suscitados pelos contribuintes em sede de audição prévia(disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Portanto, a doutrina e a jurisprudência são unívocas quanto ao dever da Administração Tributária de tomar posição expressa sobre as alegações do contribuinte em sede de exercício do direito de audiência prévia, conforme obriga o disposto no artigo 60.º, n.º 7 da LGT e a fundamentação constante da decisão final não tem de ser, e não deve ser, uma cópia fiel da do projecto de decisão, pois nela têm de ser discutidos os argumentos invocados pelo contribuinte em sede de exercício de audição prévia.
À luz do que vem de ser dito, vejamos, o caso concreto destes autos.
No exercício da faculdade a que alude o artigo 60.º da LGT e 60.º do RCPIT, a Impugnante fez constar no seu requerimento, além do mais, o seguinte:
« 3.1.1.1 Reintegrações e amortizações praticadas não aceites
Alínea a) Correcção no valor de 121.532.92$
Os Serviços consideram que o sujeito praticou amortizações excessivas relativamente determinados bens do activo imobilizado.
(…)
Apresenta-se, assim, a seguinte documentação relativa à amostragem efectuada:
. Quadro-resumo da justificação das diferenças apuradas pelos Serviços (Anexo1)
. Demonstração das taxas degressivas: 5 anos de vida útil com as taxas anuais de 40%, 24%, 14,4%, 10,8%, Nesta análise inclui-se a validação dos mapas de reintegração e amortização para os exercícios de 1998 e 1999 (Anexo 2)
Ficha de cada bem comprovativa da entrada em funcionamento dos seus componentes em meses diferentes (Anexo 3 a 31). A numeração dos anexos está indexada às linhas reanalisadas pela Empresa, relativamente ao mapa constante da pág. 23/24 do projecto de conclusões do relatório de inspecção.».
Por seu turno, para o que aqui releva, transcreve-se a passagem que consta da decisão final do procedimento: «9. Direito de audição-Fundamentação (…) Não foram atendidas, as situações mencionadas em direito de audição e que se mantiveram no ponto 3 do presente relatório de inspecção.».
Ora, analisado a supra reprodução integral, constata-se que a posição e documentos, que se colocaram à consideração da Administração Tributária, não foram de todo ponderados.
Logo, sim, se possa dizer, face ao que ficou transcrito, como o faz a impugnante na sua petição inicial (artigos 35º a 37º) que a Administração Tributária não ponderou nem tomou posição, ainda que minimamente fundamentada, sobre a alegação corporizada no seu requerimento de audição e bem assim na documentação junta.
Daí que, é de concluir que se mostra verificado o vício de forma por falta de fundamentação previsto no n.º7 do artigo 60.º da LGT, determinado a anulação da decisão final do procedimento quanto a esta concreta correcção.
ii.) Senhas de gasolina
Está em causa o montante de € 24.952,36, relativo a despesas não documentadas incorridas com cheques autos, que a Administração Tributária sujeitou a tributação autónoma à taxa de 30% abrigo do disposto no n.1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90 de 9 de Junho.
Na perspectiva da Impugnante, ainda que se admita « (…) embora sem conceder, que o efectivo consumo dos combustíveis não se encontra documentada na contabilidade da Impugnante, nunca tal facto teria por virtualidade significar de per si, que tais documentos se encontravam sujeitos a tributação autónoma».
A questão colocada no presente recurso jurisdicional foi já submetida à apreciação do Supremo Tribunal Administrativo, e a actual jurisprudência daquele Tribunal que tem vindo a ser sufragada, de forma pacífica e reiterada, encontra-se espelhada no acórdão proferido em 28/1/2009 (Pleno), no recurso nº 575/08, à qual se adere (cfr. n.º3 do artigo 8º, do Código Civil), que aqui se acolhe na íntegra.
Vamos, por isso, com a devida vénia, reproduzir o discurso fundamentador constante no citado arresto: «Despesas confidenciais são despesas que, «como a sua própria designação indica, não são especificadas, ou identificadas, quanto à sua natureza, origem e finalidade» Neste sentido, podem ver-se os acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 23-3-94, proferido no recurso n.º 17812, publicado em Apêndice ao Diário da República de 28-11-96, página 1145, e de 5-7-2000, recurso n.º 24632, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 499, página 163, e em Apêndice ao Diário da República de 17-1-2003, página 2963. Trata-se de despesas que, pela sua própria natureza, não são documentadas Neste sentido, pode ver-se VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 602, nota (1).
Confirmando que todas as despesas referidas no Decreto-Lei n.º 375/74, tanto as denominadas como «confidenciais» como as denominadas «não documentadas», eram despesas não documentadas, podem ver-se os preâmbulos dos Decretos-Lei n.ºs 235-F/83, de 1 de Junho, e 167/86, de 27 de Junho, que se referem àquele primeiro diploma como o definidor do «regime das despesas não documentadas por parte das empresas».
No contexto destes diplomas, em face da referência cumulativa a despesas confidenciais e a despesas não documentadas, as primeiras serão aquelas relativamente às quais não é revelada a sua natureza, origem e finalidade, enquanto as segundas serão despesas relativamente às quais não existe prova documental, embora não haja ocultação da sua natureza, origem ou finalidade. Todas elas, no entanto, serão despesas não comprovadas documentalmente.
Na alínea h) do n.º 1 do art. 41.º do C.I.R.C. em vez da terminologia «despesas confidenciais ou não documentadas» utiliza-se a de «encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial».
As expressões «despesas confidenciais» e «despesas de carácter confidencial» têm um alcance claramente idêntico.
No que concerne às expressões «despesas não documentadas» e «encargos não devidamente documentados», embora em termos literais esta expressão seja de alcance mais vasto (pois abrangerá além das despesas relativamente às quais não existem documentos também aquelas referenciadas em documentos mas que não obedecem aos requisitos exigidos por lei), não haverá um alcance jurídico distinto uma vez que, para efeitos jurídicos, já se deveriam considerar como despesas não documentadas as que não estivessem devidamente documentadas. (...)
Assim, na referida alínea h) do n.º 1 do art. 41.º incluir-se-ão as despesas relativamente às quais não existem os documentos exigidos por lei, independentemente de ser revelada ou ocultada a sua natureza, origem e finalidade.
Em qualquer caso, porém, tratar-se-á de encargos ou despesas suportadas pelo sujeito passivo que em termos contabilísticos afectam o resultado líquido do exercício, diminuindo-o, sendo o objectivo daquela alínea h) o de estabelecer que essa diminuição não é relevante para efeitos de determinação do lucro tributável.
Porém, com o referido art. 4.º do DL n.º 192/90, para além de aquelas despesas confidenciais e não documentadas não serem consideradas como custos para efeitos de determinar o lucro tributável, passaram a ser tributadas autonomamente com as taxas nele indicadas.
A apreciação da existência ou não da devida documentação e da confidencialidade da despesa é feita tendo por objecto o acto através do qual o sujeito passivo suporta o encargo ou a despesa que é susceptível de afectar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC.
Isto é, o encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e a despesa será confidencial quando não for revelado quem recebeu a quantia em que se consubstancia a despesa.
No caso em apreço, sabe-se que foram despendidas quantias com a aquisição de cheques-auto, mas, como vem entendendo uniformemente este Supremo Tribunal Administrativo, tal aquisição não consubstancia despesa, pois trata-se apenas de mera troca de meios de pagamento.
Como se refere no acórdão fundamento, «os cheques auto são títulos de pagamento de combustível ou outros produtos disponibilizados pelos mesmos fornecedores, uma vez que, depois de adquiridos, tais cheques tanto podem ser utilizados na aquisição daqueles produtos, como podem ser trocados novamente, pelo menos em parte, por moeda».
Assim, desconhecendo-se o destino que foi dado aos referidos «cheques-auto», está-se perante despesas não identificadas quanto à sua natureza, origem e finalidade, o que justifica que sejam qualificadas como despesas confidenciais, para efeitos do art. 4.º, n.º 1, alínea h), do CIRC (redacção inicial) e art. 4.º do DL n.º 192/90.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
No caso, não dispondo a Impugnante de quaisquer documentos justificativos dos referidos valores que não sejam os recibos emitidos pelas instituições de crédito relativas à aquisição de cheques auto, e sendo desconhecido o destino dado a tais cheques, não pode deixar de concluir-se pela bondade da actuação da Administração Tributária ao considerar tais cheques como despesas confidenciais e/ou não documentadas e, consequentemente, ao tributá-las autonomamente.
iii.) Investimento não relevante para efeitos de Crédito Fiscal por Investimento (CFI)
Está em causa desconsideração fiscal para efeitos de Crédito Fiscal por Investimento (CFI) do montante de € 320.716,76, relativo ao investimento efectuado pela Impugnante no exercício de 1997, em sede de activo imobilizado contabilizado nas contas .................... e ...................., que não foi aceite como relevante, ao abrigo do item vi) da alínea a) do artigo 2.º do Decreto – Lei 121/95, de 31 de Maio, não é aceite como relevante, o investimento no activo imobilizado contabilizado nas contas .................... (equipamento administrativo - SW facturação) e .................... (equipamento administrativo - SW financeiro/salários).
Na perspectiva da Impugnante, conforme bem se extrai da matéria alegada nos artigos 116º a 130º da petição, a correcção que ora se aprecia, padece do vício de falta de fundamentação formal, uma vez que, não enuncia qualquer factualidade susceptível de sustentar tal conclusão.
No tocante ao direito à fundamentação dos actos tributários tem assento no artigo 268.º, nº3 da Constituição da República Portuguesa e encontra-se concretizado pelo legislador ordinário no artigo 77.º da LGT e artigo 125.º do CPA (redacção à data da elaboração do Relatório de Inspecção).
O direito à fundamentação do acto tributário, ou em matéria tributária, constitui uma garantia específica dos contribuintes e, como tal, visa responder às necessidades do seu esclarecimento, procurando-se informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto por forma a permitir-lhe conhecer as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática e porque motivo se decidiu num sentido e não noutro. E tal como a jurisprudência vem repetindo, a fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo legal de acto administrativo e visa responder às necessidades de esclarecimento do administrado, procurando-se através dela informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto e permitir-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e os motivos por que se decidiu num sentido e não noutro (Neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do STA de 12.03.2014, proferido no processo n.º 01674/13, disponível no endereço www.dgsi.pt).
Como escreve JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE «a fundamentação visa esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime», já que, ainda segundo o mesmo Autor, o dever formal de fundamentação cumpre-se «pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo» (In: O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, páginas 231 e 239).
Mas, a fundamentação que a lei impõe como condição de validade do acto que se destine a suportar, reveste uma dimensão formal, consubstanciada na explanação dos motivos que se revelem, de forma coerente e clara, aptos a suportarem a decisão final, e não já uma dimensão substancial, em que tal motivação há-de ser a adequada à decisão do ponto de vista do mérito da mesma.
Daí que um acto só possa considerar-se fundamentado quando tanto o Tribunal como o administrado (colocado na posição de um destinatário normal) podem ficar esclarecidos acerca das razões que estiveram na base desse acto e que o motivaram.
Como se realça no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 02.02.2006, proferido no processo nº 1114/05, «[e]ste dever legal da fundamentação tem, a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do ato ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.» (disponível no endereço www.dgsi.pt)
No caso vertente, a declaração fundamentadora produzida pela Administração Tributária relativamente à correcção em causa é a que consta no consta do RIT, levada ponto 8) do probatório e que seguidamente se transcreve:
«Foi efectuada a correcção denominada investimento não considerado relevante para efeitos de CFL com a seguinte fundamentação "Com efeitos no beneficio fiscal respeitante ao Crédito Fiscal ao Investimento (CFI), disposto no Dec.-Lei n°121/95, de 31 de Maio, não é aceite como relevante, nos termos do item vi), da alínea a), do artigo 2°, do mesmo decreto, o investimento efectuado em 1997 no activo imobilizado contabilizado nas seguintes contas: conta .................... equipamento administrativo - SW facturação no valor de 1.270.958.778$00; conta .................... equipamento administrativo - SW financeiro/salários no valor de 15.000.000$00, no total de 1.285.958.778$00. Correcções propostas - quadro 19, Unha 4.4, campo 446: 1.285.958.778$00 = - 64.297.939$00 (fls. 96).».
Da leitura do transcrito, verifica-se que para além da fundamentação de direito e o tipo de investimentos realizados é manifesta a ausência de qualquer fundamentação de facto, no sentido de esclarecer, as razões pelas quais os bens adquiridos, caem no âmbito da norma do item vi), da alínea a), do artigo 2°,do Decreto – Lei n°121/95, de 31 de Maio [Quanto ao investimento, para efeitos de crédito fiscal, estabelece-se, o diploma em apreço, para o que aqui importa, o seguinte: o n.º 1 do artigo 1º:«Os sujeitos passivos de IRC, residentes em território português, que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRC, e até à concorrência de 15% do mesmo, uma importância correspondente a 5% do investimento adicional relevante efectuado no período de tributação que se inicie em 1995. (…). e item vi), da alínea a), do artigo 2°:1 - Para efeitos do disposto no artigo anterior, só é relevante: a) O investimento em activo imobilizado corpóreo afecto à exploração da empresa em território português e que tenha sido adquirido em estado de novo, com excepção de:(…) vi) Outros bens de investimento não directa e imprescindivelmente associados à actividade produtiva exercida pela empresa], isto é, não se encontram directa e imprescindivelmente, associados à actividade produtiva da impugnante.
Já se vê, pois, que, a ausência de qualquer elemento de facto não permite conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração Tributária para a determinação da correcção.
Ora, sendo certo que a fundamentação do acto tributário é contemporânea deste, também por esta razão as (parcas) explicitações [a AT veio dizer que « constatamos que os bens adquiridos não se encontram directa e imprescindivelmente , associados à actividade produtiva da empresa. De facto, os bens em causa não consubstanciam uma correlação imprescindível com a actividade produtiva exercida pela Reclamante, porquanto, a aplicação informática em apreço, não se encontra directa e imprescindivelmente associada, com a produção do serviço de telecomunicações. (…) APLICAÇÃO DE SALÁRIOS No que respeita ao item Supra referido, e ressalvados as razões supra invocadas, considera-se que o investimento em caus não se encontra directa e imprescindivelmente associado à actividade produtiva da empresa.».] constantes na decisão de indeferimento expresso proferida em sede de reclamação graciosa não podem considerar-se como explicitação da fundamentação da correcção e, consequentemente, da liquidação aqui em causa, dado que são explicitações posteriores.
É que «O sentido jurídico-constitucional do dever de fundamentação aponta inequivocamente para a contextualização da fundamentação; ela deve ser parte da decisão administrativa (e não elaborada a posteriori) e deve ser notificada juntamente com ela, independentemente de pedido do interessado» (Acórdão do Tribunal Constitucional de 10.12.2008, n.º594/2008, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Ou, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, a « [f]undamentação a posteriori não pode ser relevada quando estamos a sindicar a legalidade da liquidação sob a óptica do cumprimento do dever legal de fundamentação(Acórdão de 4.10.2017, proferido no processo n.º 406/13, disponível em texto integral em wwww.dgsi.pt).
E, assim sendo, é de julgar procedente a impugnação nesta parte com fundamento na ocorrência de vício de forma resultante da falta de fundamentação do acto tributário.
Dos Juros indemnizatórios
De acordo com o estabelecido no nº 1 do artigo 43.° da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Nos presentes autos foi reconhecida a falta de fundamentação por parte da Administração Tributária quando às correcções indicadas em: i.) e iii.), pelo que a liquidação de IRC decorrentes das mesmas deve ser anulada.
Conforme refere, no seu sumário, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.10.2008, proferido no processo n.º 622/08: «O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal. II - A anulação de um acto de liquidação baseada apenas em vício de forma por falta de fundamentação não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do art. 43.º da LGT.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Acompanhamos, esta fundamentação e a sua conclusão, por não ocorrer justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos e visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. n.º3 do artigo 8.º do Código Cívil), sem hesitação pode afirmar-se que in casu não assiste à Impugnante o direito aos peticionados juros indemnizatórios.
De todo o modo, sempre a impugnante poderá efectuar pedido de indemnização a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado, não só pela Constituição da República (artigo 22.º), como pela lei ordinária (Lei 67/2007, de 31.12 - Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado), mas em processo próprio.
Conclui-se, assim, pela improcedência do pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios.
IV.CONCLUSÕES
I. O artigo 268º da Constituição da República Portuguesa estabelece os direitos e garantias dos administrados, ou seja, os direitos fundamentais do cidadão enquanto administrado, entre os quais, o direito à fundamentação dos actos que afectem direitos ou interesses protegidos.
II. O sentido jurídico-constitucional do dever de fundamentação determina contextualização da fundamentação, isto é, ela deve ser parte da decisão (e não elaborada a posteriori).
V.DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, em:
a) Dando provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogar a sentença recorrida, quanto à decidida caducidade do direito à liquidação impugnada;
b) Conhecendo da ampliação do recurso julgar parcialmente procedente a impuganção, nos seguintes termos:
b.1.) quanto à 1.ª e 3ª das correcções identificadas em i.) e iii.) anular a liquidação adicional impugnada, tudo exclusivamente na parte que se lhe referem;
b.2) no mais, julgar improcedente.

Custas a cargo da Impugnante na parte em que decaiu, sendo que a Fazenda Pública delas se encontra isenta nos processos tributários instaurados até 1.01.2004.

Lisboa, 25 de Outubro de 2018.


[Ana Pinhol]

[Anabela Russo]

[Cristina Flora]