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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06676/13
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/28/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INSTITUTO DA RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA.
ARTº.652, Nº.3, DO C.P.CIVIL.
MODALIDADES DE DELIBERAÇÃO DA CONFERÊNCIA.
INSTITUTO DO JUSTO IMPEDIMENTO.
ARTº.140, DO C.P.CIVIL.
Sumário:1. O instituto da reclamação para a conferência, actualmente previsto no artº.652, nº.3, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (aplicável ao processo judicial tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), fundamenta a sua existência no carácter de Tribunal colectivo que revestem os Tribunais Superiores, nos quais a regra é a decisão judicial demandar a intervenção de três juízes, os quais constituem a conferência, e o mínimo de dois votos conformes (cfr.artºs.17 e 35, ambos do E.T.A.F.).

2. Sempre que a parte se sinta prejudicada por um despacho do relator, pode dele reclamar para a conferência. Os direitos da parte - reforçados pela decisão colegial em conferência - são assegurados pela possibilidade de reclamação para a conferência de quaisquer decisões do relator, excepcionadas as de mero expediente (cfr.artºs.630, do C.P.Civil). A reclamação é, pois, admissível de despacho proferido no exercício de poder discricionário, o qual tem a ver com matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador (cfr.artº.152, nº.4, do C.P.Civil).

3. A deliberação em conferência pode assumir uma de duas modalidades. Em primeiro lugar pode ser inserida no acórdão que virá a incidir sobre o recurso, seguindo, neste caso, a tramitação que for ajustada ao seu julgamento. Em segundo lugar, pode a mesma deliberação ser autonomizada num acórdão próprio, no caso de se impor uma decisão imediata devido à natureza da reclamação em causa ou se o acórdão sobre o recurso já tiver sido proferido. Em qualquer dos casos, é sobre o projecto elaborado pelo relator que o colectivo irá incidir a sua deliberação, com a consequente manutenção, revogação ou alteração do despacho reclamado.

4. O instituto do justo impedimento que, como transparece da sua própria designação, é reclamado por exigências evidentes de justiça, deve ser considerado de aplicação generalizada, não só por imperativo constitucional decorrente do princípio da justiça que decorre da ideia de Estado de Direito democrático consignada no artº.2, da C.R.P., mas também do próprio princípio do acesso aos Tribunais e à Justiça (cfr.artºs.20, nº.1, e 268, nº.4, da C.R.P.) que não pode deixar de exigir para sua concretização a concessão de uma possibilidade efectiva e não apenas teórica de utilização dos meios contenciosos de defesa de direitos e interesses legalmente protegidos. Aliás, deve entender-se que vigora no nosso direito uma regra básica de que não deve perder direitos pelo decurso do tempo quem esteve impossibilitado de exercê-los, regra essa que tem vários afloramentos, um dos quais é o instituto do justo impedimento.

5. A figura do justo impedimento está reservada para as situações em que um evento não imputável à parte, ou ao seu mandatário, tenha obstado à prática atempada de um acto. Face à redacção do artº.146, nº.1, do C. P. Civil, anterior à reforma de 1995, o actual conceito de justo impedimento foi alargado quanto aos parâmetros do seu funcionamento, visto que da actual redacção do preceito se pode concluir que a figura jurídica em causa passou a abranger não só os eventos normalmente imprevisíveis, estranhos à vontade da parte, mas antes todo o acontecimento obstaculizante da prática atempada do acto em causa, desde que não imputável à parte, nem aos seus representantes ou mandatários, assim se apelando para uma ideia de culpa (cfr.artº.487, nº.2, do C.Civil). Por outras palavras, só se verifica uma situação de justo impedimento, nos termos do artº.146, nº.1, do C.P.Civil (cfr.actual artº.140, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), quando a pessoa que devia praticar o acto foi colocada na impossibilidade absoluta de o fazer, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto independente da sua vontade e que um cuidado e diligências normais não fariam prever.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“V………. E……………, S.A.”, com os demais sinais dos autos, notificada do despacho, exarado a fls.191 e 192 dos autos, que não admitiu recurso de revista dirigido ao S.T.A., dado que manifestamente fora de prazo, mais tendo indeferido liminarmente a alegação de justo impedimento no caso concreto, veio deduzir a presente reclamação para a conferência, ao abrigo do artº.652, nº.3, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário (cfr.fls.198 e seg. dos autos), alegando, em síntese:
1-Que a qualificação dos factos invocados pela parte como justo impedimento não constitui acto arbitrário do julgador;
2-Que a lei, no artº.140, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, define e determina com precisão os critérios de que depende tal decisão;
3-Que a situação de justo impedimento do mandatário por razões de saúde se encontra extensamente relatada e documentada nos autos, não sendo determinada pelo julgador, devido a manifesto desconhecimento técnico;
4-Que o despacho reclamado deixa transparecer que os documentos emitidos pelos médicos competentes não foram lidos, nem interpretados pelo Sr. Juiz Relator;
5-Que o estado de doença grave e internamento hospitalar, bem como o respectivo período de convalescença com impedimento de exercer a sua actividade de Advogado, por período que decorreu entre 2/6/2013 e 28/7/2013, não é imputável ao mandatário ou à parte, mais sendo facto notório nos termos do artº.140, nº.3, do C.P.Civil;
6-Sendo a conclusão que se retira dos documentos juntos com o requerimento de interposição do recurso;
7-Pelo que se requer que sobre a matéria em causa deva recair um acórdão.
X
Notificados para se pronunciar sobre a reclamação deduzida (cfr.fls.201, 203 e 204 dos autos), os reclamados nada disseram.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da rejeição da presente reclamação, mais se devendo manter o despacho reclamado (cfr.fls.207 e 208 dos autos).
X
Com dispensa de vistos, atenta a simplicidade das questões a decidir, vêm os autos à conferência para deliberação (cfr.artº.652, nº.3, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
O instituto da reclamação para a conferência, actualmente previsto no artº.652, nº.3, do C.P.Civil (aplicável ao processo judicial tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), fundamenta a sua existência no carácter de Tribunal colectivo que revestem os Tribunais Superiores, nos quais a regra é a decisão judicial demandar a intervenção de três juízes, os quais constituem a conferência, e o mínimo de dois votos conformes (cfr.artºs.17 e 35, ambos do E.T.A.F.).
Sempre que a parte se sinta prejudicada por um despacho do relator, pode dele reclamar para a conferência. Os direitos da parte - reforçados pela decisão colegial em conferência - são assegurados pela possibilidade de reclamação para a conferência de quaisquer decisões do relator, excepcionadas as de mero expediente (cfr.artºs.630, nº.1, do C.P.Civil).
A reclamação é, pois, também admissível de despacho proferido no exercício de poder discricionário, o qual tem a ver com matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador (cfr.artº.152, nº.4, do C.P.Civil).
A deliberação em conferência pode assumir uma de duas modalidades. Em primeiro lugar pode ser inserida no acórdão que virá a incidir sobre o recurso, seguindo, neste caso, a tramitação que for ajustada ao seu julgamento. Em segundo lugar, pode a mesma deliberação ser autonomizada num acórdão próprio, no caso de se impor uma decisão imediata devido à natureza da reclamação em causa ou se o acórdão sobre o recurso já tiver sido proferido. Em qualquer dos casos, é sobre o projecto elaborado pelo relator que o colectivo irá incidir a sua deliberação, com a consequente manutenção, revogação ou alteração do despacho reclamado (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6739/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.106 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.106 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.244 e seg.; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil Anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.421).
X
“In casu”, o despacho reclamado, o qual não admitiu recurso de revista dirigido ao S.T.A., dado que manifestamente fora de prazo, mais tendo indeferido liminarmente a alegação de justo impedimento no caso concreto, encontra-se exarado a fls.191 e 192 dos presentes autos e tem o seguinte conteúdo que integralmente se reproduz:

“…Requerimento de interposição de recurso de revista junto a fls.178 e seg. dos presentes autos: não se admite o recurso dado que está, manifestamente, fora de prazo.
Encontramo-nos perante processo de natureza urgente.
Nos processos urgentes os recursos que seguem o regime do C.P.T.A. são interpostos no prazo de quinze dias (cfr.artº.147, nº.1, do C.P.T.A.).
O douto mandatário da recorrente “V……. E………, S.A.” considera-se notificado do acórdão exarado a fls.139 e seg. no pretérito dia 11/6/2013, uma terça-feira (cfr.notificação constante de fls.148 dos autos; artº.254, nº.3, do C.P.Civil).
O citado prazo de quinze dias para interposição do recurso teve o seu termo final em 26/6/2013, uma quarta-feira.
O recurso somente foi enviado para este Tribunal, através de fax, em 27/8/2013 (cfr.fls.159 e 160 dos autos).
Apesar disso, o douto mandatário da recorrente, no requerimento junto a fls.168 e 169 alega a existência de uma situação de justo impedimento, para tanto juntando cópias de declarações emitidas pelo “SAMS-Serviços de Assistência Médico-Social” e por médico, visando comprovar o internamento hospitalar e posterior recuperação, estado que se manteve, alegadamente, até ao pretérito dia 27/7/2013 (cfr.documentos juntos a fls.170 a 175 dos autos).
As alegações em causa não configuram, manifestamente, uma situação de justo impedimento prevista no artº.146, do C.P.Civil (cfr.actual artº.140, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Assim é, porquanto, a figura do justo impedimento está reservada para as situações em que um evento não imputável à parte, ou ao seu mandatário, tenha obstado à prática atempada de um acto.
Face à redacção do artº.146, nº.1, do C. P. Civil, anterior à reforma de 1995, o actual conceito de justo impedimento foi alargado quanto aos parâmetros do seu funcionamento, visto que da actual redacção do preceito se pode concluir que a figura jurídica em causa passou a abranger não só os eventos normalmente imprevisíveis, estranhos à vontade da parte, mas antes todo o acontecimento obstaculizante da prática atempada do acto em causa, desde que não imputável à parte, nem aos seus representantes ou mandatários, assim se apelando para uma ideia de culpa (cfr.artº.487, nº.2, do C.Civil). Por outras palavras, só se verifica uma situação de justo impedimento, nos termos do artº.146, nº.1, do C.P.Civil, quando a pessoa que devia praticar o acto foi colocada na impossibilidade absoluta de o fazer, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto independente da sua vontade e que um cuidado e diligências normais não fariam prever (cfr.ac.S.T.A.-1ª.Secção, 15/5/2003, rec.354/03; ac.S.T.A.-1ª.Secção, 26/9/2006, rec.119/06; ac.S.T.A.-1ª.Secção, 11/9/2008, rec.347/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.3287/09; Abílio Neto, C.P.Civil anotado, 17ª. edição, 2003, pág.236; Carlos Lopes do Rego, Comentários ao C.P.Civil, I, Almedina, 2004, pág.154 e seg.).
Concluindo, indefere-se liminarmente a alegação de justo impedimento no caso concreto e através do requerimento junto a fls.168 e seg. dos autos…”.
X
Não existem razões para alterar o despacho objecto da presente reclamação, o qual supra se expõe.
O instituto do justo impedimento que, como transparece da sua própria designação, é reclamado por exigências evidentes de justiça, deve ser considerado de aplicação generalizada, não só por imperativo constitucional decorrente do princípio da justiça que decorre da ideia de Estado de Direito democrático consignada no artº.2, da C.R.P., mas também do próprio princípio do acesso aos Tribunais e à Justiça (cfr.artºs.20, nº.1, e 268, nº.4, da C.R.P.) que não pode deixar de exigir para sua concretização a concessão de uma possibilidade efectiva e não apenas teórica de utilização dos meios contenciosos de defesa de direitos e interesses legalmente protegidos. Aliás, deve entender-se que vigora no nosso direito uma regra básica de que não deve perder direitos pelo decurso do tempo quem esteve impossibilitado de exercê-los, regra essa que tem vários afloramentos, um dos quais é o instituto do justo impedimento. O C.P.T.A. veio confirmar a aplicabilidade generalizada deste instituto do justo impedimento, ao admitir expressamente, no artº.58, nº.4, al.c), a sua invocação para impugnação de actos anuláveis para além do prazo legal. Por isso, a figura do justo impedimento deverá ser aplicada generalizadamente, tanto relativamente a processos que correm pelos Tribunais como aos processos administrativos (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, I Volume, 2011, pág.275 e seg.).
Para o Cons. Rodrigues Bastos (cfr.Notas ao CPC, Vol. I, 3ª. Ed., pág.216), o que será necessário para enquadrar uma situação de justo impedimento é que o juiz, em cada caso concreto, averigue se o motivo invocado reúne os requisitos legais previstos no artº.146, nº.1, do C.P.Civil: se é imprevisível, se não é imputável à parte ou aos seus representantes, e, finalmente, se obsta, de modo absoluto, à prática, em tempo, do acto judicial de que se trata.
No sentido da não inconstitucionalidade do regime do justo impedimento, mesmo na redacção anterior à reforma de 1995, podem citar-se os acórdãos do T. Constitucional nºs.380/96, de 6/3/1996, e 1169/96, de 20/11/1996, nos quais se examina, nomeadamente, a alegada violação do direito de acesso aos Tribunais ou do princípio do Estado de direito democrático, consagrados, respectivamente, no artº.20, nº.1, e no artº.2, da C.R.P. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.3287/09).
Voltando ao caso concreto, conforme se decide no despacho reclamado, só existe situação de justo impedimento quando ocorre um facto imprevisível, o qual não é imputável à parte ou aos seus representantes e que obsta, de modo absoluto, à prática, em tempo, do acto judicial de que se trata. Ora, tal não é o caso nos presentes autos. Incumbia, necessariamente, tanto ao mandatário, não impossibilitado sobre o ponto de vista volitivo, como à parte/recorrente o poder de providenciar pela substituição do mandatário, o que não se verificou.
Atento o acabado de relatar é o despacho reclamado confirmado pela Conferência, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA, mais confirmando o despacho reclamado exarado a fls.191 e 192 dos autos.
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Condena-se o reclamante em custas pelo presente incidente, fixando-se a taxa de justiça em três (3) U.C. (cfr.artº.7 e Tabela II, do R.C.Processuais).
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 28 de Novembro de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)


(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)


(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)