Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 06424/13 |
Secção: | CT.2º JUÍZO |
Data do Acordão: | 02/19/2015 |
Relator: | CATARINA ALMEIDA E SOUSA |
Descritores: | COMPETÊNCIA HIERÁRQUICA/ IMPOSTO AUTOLIQUIDADO EM EXCESSO/ REEMBOLSO |
Sumário: | I - A discordância com os juízos fáctico-conclusivos retirados pelo julgador da factualidade apurada leva a que se considere que o recurso não versa exclusivamente matéria de direito. Assim sendo, o TCA é hierarquicamente competente para o conhecimento do recurso jurisdicional. II - Resultando da acção inspectiva levada a cabo pela AT que o sujeito passivo, no exercício de 1998, deduziu à colecta um montante inferior ao devido, tendo, por isso, pago IRC em excesso, justifica-se o reembolso do imposto autoliquidado em excesso. III – A exigência de assegurar que cada sujeito passivo pague o imposto legalmente devido, demanda uma actuação de sentido contrário, precisamente quando, como no caso, se detecta, em acção de fiscalização, que foi autoliquidado e pago imposto em excesso. IV - Uma actuação em conformidade com a lei e com o princípio da capacidade contributiva (e, naturalmente, com o princípio da justiça), exige da parte da Administração esse reconhecimento, com as consequências daí resultantes, independentemente de tais consequências serem, como no caso, contrárias a interesses patrimoniais de arrecadação de receita fiscal. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
1 – RELATÓRIO
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por .......... – ....................., SA., contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa deduzida com vista a obter o reembolso de parte do IRC autoliquidado a mais no exercício de 1998, e contra o acto de autoliquidação desse imposto, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional. Formula, para tanto, as seguintes conclusões: “I) O impugnante, como resulta do probatório, procedeu à autoliquidação do IRC do exercício de 1998. II) Todavia, nessa autoliquidação considerou um valor referente a dedução à colecta a título de Crédito Fiscal por Investimento no valor de €63.875,17. III) Este valor declarado pela Impugnante é inferior ao apurado pela Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais entidade nomeada pelo despacho n.º 3398/98 (DR 2ª Série de 31/12/97). IV) A Impugnante tomou conhecimento da diferença entre os valores por si declarados e os apurados por aquela entidade em 2 de Agosto de 2000. V) Posteriormente, a Impugnante foi objecto de uma acção de inspecção por parte dos Serviços de inspecção da Direcção de Finanças de Lisboa, a qual teve origem numa comunicação da DSEPCIT relacionada com deduções à colecta de benefícios fiscais - CFI (crédito Fiscal Por investimento - criado pelo decreto- lei n.º 292/97, de 22/10), acompanhada de uma lista de empresas que inclui a Impugnante, no qual se faz a comparação entre o valor declarado e o calculado pela entidade nomeada pelo despacho n.º 3398/98 (DR 2ª Série de 31/12/97), solicitando que se proceda em conformidade. VI) Constatando-se que no âmbito do controlo e avaliação de resultados por parte daquela entidade foram calculados novos valores com direito a serem deduzidos, tendo-se apurado diferenças relativamente aos valores declarados. VII) Isto é, a mesma realidade, o apuramento de valores na sequência do controle efectuado pela Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais, foi comunicada à Impugnante e à Administração Fiscal. VIII) A Administração Fiscal refere, no relatório de inspecção, que no âmbito daquele controlo (que não foi efectuado pela Administração Fiscal) foram calculados novos valores, com direito a serem deduzidos, pelo que tendo em conta os declarados se apuraram diferenças. IX) Em face do exposto, e até tendo em atenção que o referido relatório de inspecção se refere apenas ao ano de 1999, verifica-se que a Administração Fiscal não procede a qualquer correcção aos valores declarados pelo contribuinte no ano de 1998. X) Assim, terá a presente Impugnação de se considerar improcedente, porquanto não foi praticado qualquer acto por parte da Administração Tributária relativamente ao ano de 1998. XI) Até porque, o prazo de caducidade do direito à liquidação referente ao ano de 1998 terminou em 01/01/2003, conforme artigo 5° n.º 5 do Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de Dezembro que aprova a LGT e artigo 45° da LGT. XII) E como dispõe o artigo 36° do RCPIT o procedimento de inspecção apenas se pode iniciar até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos. XIII) Não poderia, deste modo a Administração Tributária ter procedido a qualquer correcção referente ao ano de 1998, por a acção de inspecção ter sido iniciada em 04/07/2003. XIV) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.” * Foram apresentadas contra-alegações, nas quais se concluiu nos termos seguintes: “A. Salvo melhor entendimento, a matéria deste recurso foi já objecto do douto Acórdão do STA de 07.12.2011, proferido nos autos e transitado em julgado. B. Este Acórdão do STA decidiu doutamente que a reclamação graciosa subjacente à impugnação judicial era tempestiva, sendo que a sua intempestividade foi sempre o único argumento esgrimido pela Administração Tributária para negar o direito ao reembolso do IRC pago em excesso pela ora Recorrida. C. Sendo a reclamação graciosa tempestiva, bem andou o Tribunal a quo ao conceder provimento à impugnação judicial, uma vez que não se vislumbra qualquer argumento para decidir o contrário. D. A Administração Tributária vem agora argumentar que a impugnação judicial não pode proceder, pois entende que nunca foi praticado qualquer ato referente ao exercício de 1998, decorrendo implicitamente do exposto que a reclamação graciosa e a impugnação judicial não têm objeto. E. Esta conclusão está em radical contradição com o douto Acórdão do STA proferido nos autos, uma vez que sendo tempestiva a reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação do exercício de 1998, tal significa, necessariamente, que tem objeto. F. Na verdade, o Exmo. RFP pretende com o presente recurso contestar a decisão do STA proferida nos autos e transitada em julgado. G. Como resulta evidente, existe um ato tributário referente ao exercício de 1998, que é a autoliquidação de IRC, que conduziu ao pagamento de imposto em excesso, conforme foi concluído pela inspecção tributária realizada em 2003. H. Conforme foi também salientado pelo STA no Acórdão proferido nos autos, existe um "imperativo de justiça" que impõe que a ora Recorrida possa pedir o reembolso de um montante pago em excesso e que resulta de uma correção positiva, que é o reverso de uma correção negativa. I. O STA concluiu também que existiu, de facto, uma correção positiva, efetuada pela inspeção tributária ao exercício de 1998... correção positiva esta que permitiu a correção negativa ao exercício seguinte e que originou uma liquidação de IRC (prontamente paga e não discutida pela ora Recorrida). J. É que, por imperativo de justiça, nunca tal reembolso do imposto pago em excesso poderia ser negado, uma vez que, estando em causa uma inspeção finalizada em Agosto de 2003, a alegação de intempestividade impossibilitaria que o contribuinte possa vir a exigir que seja efetuada a devolução do IRC pago em excesso de 1998, quando essa devolução resulta de uma correção positiva efetuada pela inspeção, que é o reverso de uma correção negativa efetuada ao exercício seguinte. K. Tal interpretação padeceria de inconstitucionalidade por denegação de justiça e por violação do princípio da tributação pelo lucro real, bem como da violação do princípio da proporcionalidade a que a Administração Tributária está sujeita por força do artigo 46.º da LGT. L. Não se vislumbra, na argumentação da Recorrente, qualquer matéria de facto que seja objeto de recurso, pelo que, salvo melhor entendimento, o TCAS será incompetente para apreciar o presente recurso, por força do disposto no n.º 1 do artigo 280.º do CPPT. Nestes termos, deve ser negado provimento ao presente recurso.” * A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. * Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão. * Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. Assim sendo, a questão que constitui objecto do presente recurso consiste em saber (i) se a sentença recorrida errou ao considerar que, tendo a AT constatado, em 2003, em sede inspectiva, que a Recorrida, em 1998, havia procedido a dedução à colecta em montante inferior ao devido, pagando IRC em excesso, devia proceder ao reembolso do imposto correspondente. Antes, porém, importa que nos pronunciemos sobre a invocada (ii) incompetência hierárquica, tal como invocada pela Recorrida. * 2 - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto
É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:
Conforme quadro 19 - cálculo do imposto - das declarações de rendimentos mod. 22, destes três anos, os valores que foram deduzidos em cada um desses anos correspondem aos declarados. Pela análise do quadro acima, observa-se que os valores declarados foram corrigidos, sendo que no ano de 1999, essa correcção é negativa, ou seja, o valor objecto de dedução é menor em relação ao que o contribuinte deduziu. (...)" - Cfr. documento a fls. 38 a 40 do PAT; h) Em 13 de Novembro de 2003 a Impugnante deduziu Reclamação Graciosa solicitando o reembolso de € 17.425,94 de IRC do exercício de 1998, liquidado a mais - Cfr. carimbo aposto a fls. 2 do PAT (Reclamação Graciosa); i) Em 27 de Novembro de 2003 foi elaborada Informação, por técnica do Serviço de Finanças de Sintra 1, relativa à Reclamação Graciosa deduzida pela Impugnante, na qual se considerou aquela intempestiva - Cfr. Informação a fls. 19 e 20 do PAT (Reclamação Graciosa); j) Em 27 de Novembro de 2003 foi proferido despacho, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Sintra 1, por delegação do Director da Direcção de Finanças de Lisboa, indeferindo a Reclamação Graciosa a que se refere a alínea h), nos seguintes termos: "Concordo. Neste sentido indefiro o pedido nos termos e com os fundamentos expressos na informação e parecer que antecedem a fls. 20/21. Notifique-se."- Cfr. documento a fls. 21 do PAT (Reclamação Graciosa); k) Em 2 de Dezembro de 2003 foi a Impugnante notificada da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa - Cfr. documentos a fls. 22 e 23 do PAT (Reclamação Graciosa); L) Em 17 de Dezembro de 2003 deu entrada a presente Impugnação Judicial - Cfr. carimbo aposto no rosto da p.i. a fls. 1. * Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”2.2. De direito Como dissemos, impõe-se, em primeiro lugar, que nos detenhamos sobre a questão suscitada, em sede de contra-alegações, relativamente à alegada incompetência deste Tribunal em razão da hierarquia. Com efeito, entende a Recorrida que “não se vislumbra, na argumentação da Recorrente, qualquer matéria de facto que seja objeto de recurso, pelo que, salvo melhor entendimento, o TCAS será incompetente para apreciar o presente recurso”, termos em que seria competente para dele conhecer o Supremo Tribunal Administrativo (STA). Salvo o devido respeito, não acompanhamos tal posição. Efectivamente, nos termos do artigo 280º, nº1 do CPPT, “das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, (…) para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, (…), para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”. A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, nos termos do artigo16º, nº1 do CPPT, a incompetência absoluta do tribunal ao qual é indevidamente dirigido o recurso. Nos termos do artigo 26º, al. b), do ETAF, atribui-se competência à Secção de Contencioso Tributário do STA para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito. Por sua vez, o artigo 38º, al. a), do ETAF, atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artigo 26º, al. b), do mesmo diploma. Quer isto dizer que para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância é competente o STA quando o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e, pelo contrário, é competente a Secção de Contencioso Tributário de um dos TCA se o fundamento não for exclusivamente de direito. É certo que do teor das conclusões de recurso não ressalta a indicação de factos que devessem ter sido dados como provados e não foram ou de factos aí tidos como provados e que o não estão. Contudo, interpretando as conclusões da alegação de recurso, entendemos que nas conclusões IX e X se vislumbra, ainda, uma discordância com os juízos fáctico-conclusivos retirados pelo julgador da factualidade apurada, concretamente no que respeita à abrangência da acção inspectiva quanto ao exercício de 1998, o que justifica que consideremos que, in casu, o presente recurso não versa exclusivamente matéria de direito. Razão pela qual, não acompanhando o entendimento expresso pela Recorrida, consideramos competente este TCA para o conhecimento do presente recurso jurisdicional. Apreciada esta primeira questão, passemos, então, à análise da questão que nos vem colocada neste recurso. Vejamos, então. E aqui, para mais fácil compreensão daquilo que está em causa, entendemos conveniente salientar o que se segue. Nos presentes autos de impugnação judicial foi inicialmente proferida decisão que julgou procedente a excepção da caducidade do direito de deduzir impugnação, absolvendo a Fazenda Pública da instância. Tal decisão foi objecto de recurso jurisdicional para o STA, tendo este Tribunal Superior, em 7/12/11, no processo nº 299/11, vindo a concluir pela revogação da referida decisão “e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí prosseguirem os seus termos se a tal nada mais obstar”. É a este acórdão que a Recorrida se refere nas conclusões das contra-alegações. Ora, na sequência de tal aresto, o TAF de Sintra veio a proferir a sentença objecto do presente recurso jurisdicional, nos termos da qual, em síntese, julgou procedente a impugnação judicial deduzida, aí se entendendo que a Administração deve proceder ao reembolso do imposto pago em excesso pela impugnante relativamente ao exercício de 1998. Do assim decidido discorda a Fazenda Pública, nos termos e pelas razões enunciadas nas conclusões da alegação de recurso acima transcritas. Entende a Fazenda Pública, em resumo, que a diferença entre o valor declarado (€63.875,17) na autoliquidação do IRC de 1998 e o valor (superior) que efectivamente o sujeito passivo tinha direito a deduzir referente a dedução à colecta a título de Crédito Fiscal por Investimento, foi apurado pela Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais, sendo que de tal a Impugnante tomou conhecimento em 2 de Agosto de 2000. Ou seja, para a Fazenda Pública, não foi a Administração Fiscal que procedeu a qualquer correcção aos valores declarados pelo contribuinte no ano de 1998, não tendo sido praticado qualquer acto por parte da Administração relativamente ao ano de 1998. O que sucedeu, segundo a Recorrente, foi que os serviços inspectivos se limitaram, em acção de fiscalização, a actuar em conformidade com o apurado pela Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais, entidade nomeada pelo despacho n.º 3398/98 (DR 2ª Série de 31/12/97), concretamente perante uma lista de empresas que incluía a impugnante, na qual se faz a comparação entre o valor declarado e o calculado pela entidade nomeada pelo despacho n.º 3398/98. Temos, pois, agora, que apreciar e decidir se, tal como a sentença recorrida considerou, assiste razão à impugnante quando pretende obter o reembolso de parte do IRC que autoliquidou em excesso, no exercício de 1998, uma vez que na autoliquidação efectuada considerou e deduziu à colecta, a título de Crédito Fiscal por Investimento, o montante de € 63.875,17, sendo certo que se veio a apurar que teria direito a deduzir o valor de € 81.301,11, o que traduz, afinal, uma diferença de €17.425,94 O caso que aqui nos ocupa apresenta contornos singulares, pela especificidade da situação que lhe está subjacente, o que levou, de resto, a que a questão da (in)tempestividade da reclamação graciosa apresentada (que precedeu a presente impugnação judicial) reclamasse uma análise detalhada por parte do Supremo Tribunal, tal como resulta do acórdão a que acima nos referimos. Dir-se-á, até, como veremos, que a partir da análise da questão da (in)tempestividade da reclamação graciosa levada a cabo pelo STA, aí encontramos já um caminho seguro para a decisão do mérito da impugnação e, nessa medida, do presente recurso. Aliás, também este parece ser o entendimento da Recorrida quando, em sede de contra-alegações, refere que a Recorrente, com o presente recurso, pretende pôr em causa o acórdão do STA de em 7/12/11 – “…o Exmo. RFP pretende com o presente recurso contestar a decisão do STA proferida nos autos e transitada em julgado” – ou que, também, do citado acórdão se retira a razão da impugnante, assente num “imperativo de justiça” – “… existe um "imperativo de justiça" que impõe que a ora Recorrida possa pedir o reembolso de um montante pago em excesso e que resulta de uma correção positiva, que é o reverso de uma correção negativa”. Torna-se, pois, necessário que aqui deixemos evidenciado o que ficou decidido pelo STA, no recurso nº 299/11, uma vez que aí vamos, efectivamente, encontrar trilhos seguros para a resolução da questão que, nesta fase, nos ocupa. Escreveu-se no referido aresto: “Para sustentar a sua tese, a Recorrente defende que a reclamação, apresentada em 13/11/2003, não se fundou em erro na autoliquidação do IRC relativo ao exercício de 1998, mas, sim, no teor do relatório lavrado pela inspecção tributária após acção inspectiva finalizada em Agosto de 2003 e nas correcções que nele consta no que toca às deduções à colecta efectuadas pela declarante/contribuinte, pois só perante essas correcções esta pôde tomar conhecimento da existência de uma dedução em excesso no exercício de 1999 e de uma dedução por defeito no exercício anterior. Teria sido por força dessa correcção que reclamou com vista a obter a restituição do imposto autoliquidado em excesso no exercício de 1998, reclamação que apresentou ao abrigo do disposto no artigo 102.º, n.º 1, alínea f), por remissão do n.º 1 do artigo 70.º, ambos do CPPT, dos quais decorre que o prazo para a apresentação da reclamação graciosa é de 90 dias a partir da data em que o sujeito passivo tomou “conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos”. Neste contexto, conclui que, por imperativo de justiça, nunca tal reembolso poderia ser negado por intempestividade do pedido, pois estando em causa uma inspecção finalizada em Agosto de 2003, a alegação de intempestividade impossibilitaria que ela pudesse vir exigir a devolução do IRC pago em excesso, quando essa devolução resultava de uma correcção positiva efectuada pela inspecção tributária e que é o reverso de uma correcção negativa efectuada ao exercício seguinte. No que lhe assiste razão. Efectivamente, resulta da materialidade fáctica apurada e fixada nos autos que apesar de a Impugnante, ora Recorrente, ter apresentado as declarações de IRC relativas aos exercícios de 1998 e 1999 e procedido ao pagamento, em autoliquidação, do respectivo imposto, a Administração Fiscal concluiu, após acção inspectiva realizada em 2003, que não era correcto o valor das declaradas deduções à colecta, tendo sido efectuado uma dedução excessiva no exercício de 1999 (no valor de € 4.129,22) e uma dedução por defeito no exercício seguinte (no valor de € 17.425,94). Nessa sequência, a Administração procedeu à liquidação adicional do imposto relativamente ao exercício de 1999, mas nada fez quanto ao exercício de 1998, isto é, não devolveu ao contribuinte o imposto que se mostrava autoliquidado em excesso. O que o levou a apresentar reclamação graciosa em 13/11/2003, solicitando o reembolso do IRC de 1998 liquidado a mais. Esta reclamação, apresentada nos 90 dias seguintes à elaboração do relatório final da acção inspectiva, fundou-se exclusivamente nessa correcção realizada pelos serviços da administração tributária e nos actos tributários que dele derivam, alicerçando-se expressamente no disposto no artigo 70.º do CPPT (na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30.12), segundo o qual o prazo para a apresentação de reclamação graciosa era, em regra, idêntico ao previsto no artigo 102.º do CPPT para a impugnação judicial, sendo, assim, de 90 dias contados do «termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte» ou da «notificação dos restantes actos tributários, mesmo que não dêem origem a qualquer liquidação» ou do «conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores» [artigo 102.º, n.º 1, alíneas a), b) e f)]. É, pois, manifesto que a Reclamante não assacou à autoliquidação qualquer erro de facto ou direito por si cometido. O que sustenta é que o acto tributário que integra as correcções levadas a cabo pela Administração Fiscal, e cuja legalidade não questiona, provoca a necessidade de anulação parcial da liquidação do IRC referente ao ano de 1998 e de reembolso do imposto autoliquidado em excesso. E, assim sendo, não se vê necessidade de impor o prévio recurso ao meio gracioso de reclamação previsto no artigo 131.º do CPPT, cujo prazo de instauração é de dois anos após a apresentação da declaração, pois como a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a salientar, a razão de ser da exigência dessa prévia reclamação relativamente à impugnação judicial do acto de autoliquidação prende-se com o facto de este não ser um acto tributário da Administração Tributária do qual se possa impugnar directamente, motivo por que a lei exija que o sujeito passivo provoque esse acto tributário a fim de dele deduzir impugnação judicial(…). Nesta óptica, e tendo em consideração que no presente caso já houve uma tomada de posição da Administração sobre o acto de autoliquidação de imposto – através do acto tributário de correcção dos valores declarados pelo contribuinte - não se está perante situação que exija nova intervenção da Administração antes da colocação do problema ao tribunal, isto é, não se está perante situação que exija prévia reclamação no prazo de dois anos contados da declaração (artigo 131.º do CPPT). Acresce que só esta interpretação logra assegurar uma adequada garantia jurisdicional no âmbito do contencioso tributário, cobrindo, sem lacunas, todas as ofensas dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes, pois que se assim não fosse estes ficariam impossibilitados de reagir (graciosa e contenciosamente) contra os actos tributários lesivos dos seus direitos e interesses legítimos sempre que a Administração procedesse a correcções de declarações que geraram autoliquidação de imposto nos dois anos posteriores à sua apresentação pelo contribuinte, o que constituiria uma afronta inadmissível ao princípio da tutela jurisdicional efectiva acolhido no nº 4 do artigo 268.º da Constituição da República. (…) Embora não se conheça a data em que a Impugnante foi notificada ou tomou conhecimento do relatório final da inspecção que procedeu às correcções, o certo é que essa data nunca poderia ser anterior àquela em que esse relatório foi lavrado - 12/08/2003 –, pelo que é incontestável que em 13/11/2003 não se encontrava ultrapassado o prazo de 90 dias para a apresentação de reclamação contra esse acto lesivo”. Lido o acórdão parcialmente transcrito, no confronto com a alegação de recurso, uma conclusão parece-nos evidente: são já absolutamente inconsequentes todas as considerações relativas a saber se o imposto pago em excesso em 1998 resulta de um erro na autoliquidação, se tal diferença foi apurada pela Comissão Certificadora para os Incentivos Fiscais, e comunicada à Impugnante em 2000, ou, até, a discussão em torno da afirmação que pretende evidenciar que “o referido relatório de inspecção se refere apenas ao ano de 1999”, pelo que a Administração Fiscal não teria procedido a “ qualquer correcção aos valores declarados pelo contribuinte no ano de 1998”, ou seja, “ não foi praticado qualquer acto por parte da Administração Tributária relativamente ao ano de 1998”. E dizemos que estas considerações são já inconsequentes porque, sem margem para dúvidas, o STA já afirmou “que apesar de a Impugnante, ora Recorrente, ter apresentado as declarações de IRC relativas aos exercícios de 1998 e 1999 e procedido ao pagamento, em autoliquidação, do respectivo imposto, a Administração Fiscal concluiu, após acção inspectiva realizada em 2003, que não era correcto o valor das declaradas deduções à colecta, tendo sido efectuado uma dedução excessiva no exercício de 1999 (no valor de € 4.129,22) e uma dedução por defeito no exercício seguinte (no valor de € 17.425,94). Nessa sequência, a Administração procedeu à liquidação adicional do imposto relativamente ao exercício de 1999, mas nada fez quanto ao exercício de 1998, isto é, não devolveu ao contribuinte o imposto que se mostrava autoliquidado em excesso” (negrito e sublinhado nosso): Resta-nos, pois, tão-somente, apreciar e decidir se, com respeito ao exercício de 1998, o acto que integra as correcções, ou seja, o relatório de inspecção, provoca a necessidade de anulação parcial da liquidação do IRC referente ao ano de 1998 e de reembolso do imposto autoliquidado em excesso. Ora, a esta questão o Tribunal a quo respondeu afirmativamente, alinhando o seguinte discurso argumentativo: “Resulta do probatório, sendo incontornável o facto de a AT com o mesmo concordar, que a Impugnante efectuou uma dedução relativa ao beneficio fiscal, por defeito no exercício de 1998, facto que foi detectado em sede de acção inspectiva e plasmado no Relatório de Inspecção referido na alínea g) do probatório. Tal dedução por defeito traduziu-se em imposto pago em excesso, cujo reembolso a Impugnante pretende lhe seja efectuado pela AF. E tem razão. Se é a própria AF a detectar que o sujeito passivo pagou imposto a mais, não se vislumbra razão para que se não proceda ao reembolso da quantia em causa, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da AF”. Sem hesitações, adiantamos que o assim decidido é correcto. Não restam dúvidas, tal como resulta da acção inspectiva levada a cabo pela Administração Tributária, que o sujeito passivo, no exercício de 1998, deduziu à colecta um montante inferior ao devido, tendo, por isso, pago IRC em excesso. Em concreto, tal como resulta do relatório de inspecção, a Recorrida deduziu a menos, em 1998, a quantia de € 17.425,94. Ora, a Administração Tributária, na prossecução das atribuições que lhe são legalmente impostas, deve assegurar que cada contribuinte pague os impostos que lhe são exigidos por lei, isto é, os impostos devidos. Para tal, a lei atribui-lhe as necessárias competências para liquidar adicionalmente imposto em falta. Mas esta exigência de assegurar que a cada um seja exigido o que é legalmente imposto, demanda uma actuação de sentido contrário, precisamente quando, como no caso, se detecta, em acção de fiscalização, que foi liquidado e pago imposto em excesso. Também aqui, uma actuação em conformidade com a lei e com o princípio da capacidade contributiva (e, naturalmente, com o princípio da justiça), exige da parte da Administração esse reconhecimento, com as consequências daí resultantes, independentemente de tais consequências serem, como no caso, contrárias a interesses patrimoniais de arrecadação de receita fiscal. No caso, essa actuação não pode deixar de se traduzir no reembolso do imposto autoliquidado em excesso, uma vez que a própria Administração detectou, e reconheceu em sede inspectiva, que foi efectuada uma dedução à colecta em valor inferior ao devido. E esta é uma conclusão que se nos afigura de uma evidência tal que nos dispensa de considerandos adicionais tendentes a justificar a razão da Impugnante, ora Recorrida. Como é evidente, não acompanhamos a Recorrente quando, em sede de recurso, invoca que “o prazo de caducidade do direito à liquidação referente ao ano de 1998 terminou em 01/01/2003, conforme artigo 5° n.º 5 do Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de Dezembro que aprova a LGT e artigo 45° da LGT”, e que “o procedimento de inspecção apenas se pode iniciar até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos”, pelo que “não poderia, deste modo a Administração Tributária ter procedido a qualquer correcção referente ao ano de 1998, por a acção de inspecção ter sido iniciada em 04/07/2003”. Com efeito, a questão colocada nos autos não se prende com o prazo de caducidade do direito a liquidar o imposto; a questão colocada nos autos não se prende sequer com a liquidação adicional de imposto. A única questão, como vimos, é a de decidir sobre o reembolso de imposto autoliquidado em excesso, na sequência de a Administração Tributária ter concluído, em acção inspectiva realizada em 2003, que não era correcto o valor das deduções à colecta considerado, em 1998, por ter sido considerada uma dedução, por defeito, naquele exercício, no valor de € 17.425,94. E a esta pretensão da Impugnante, ora Recorrida, já este Tribunal, como deixámos esclarecido, respondeu afirmativamente, na linha, aliás, do decidido em 1ª instância. Há, pois, que concluir pela improcedência total das conclusões em análise e, como tal, pelo não provimento do presente recurso jurisdicional. * 3 - DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. Lisboa, 19 de Fevereiro de 2015. __________________________ (Catarina Almeida e Sousa)
_________________________
(Bárbara Tavares Teles)
_________________________ (Anabela Russo) |