Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05506/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2015
Relator:BÁRBARA TAVARES TELES
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA; EXCEPÇÃO DA FALTA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL; NÃO APRESENTAÇÃO TEMPESTIVA DA PROVA DO PREÇO; ART. 129º Nº 3 E 7 CIRC.
Sumário:1.A falta de pronúncia sobre as outras questões que foram suscitadas na Petição Inicial, por força da procedência de uma excepção, não constituem nulidade. Face a tal procedência, não pode o juiz conhecer das questões suscitadas na mesma, ainda que de conhecimento oficioso, na exacta medida em que a lide impugnatória não chega a ter inicio;

2.Tratando-se de uma questão nova torna-se obvio que também aqui não à omissão de pronúncia e ainda a Recorrente pretendesse a emissão de pronúncia sobre questão nova, a verdade é que o tema suscitado na conclusão apelatória em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, dela não se pode conhecer.

3. Da violação de lei; O art. 129.°, n.° 7, do CIRC prevê expressamente que a impugnação judicial da liquidação do imposto que resulte de correcções efectuados por aplicação do disposto no art. 58.°-A, n° 2, do C.IRC depende de prévia apresentação do pedido de prova do preço previsto no n.° 3
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
A …………….. Imobiliária, S.A., inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou improcedente a impugnação judicial intentada contra a demonstração de liquidação de IRC relativa ao ano 2004, no valor de €226.727,59, veio dela interpor o presente recurso jurisdicional:
A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES:
Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC n.º ………………, referente ao exercício de 2004.
No entender da Recorrente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, bem como, em omissão de pronúncia, na sentença ora recorrida, uma vez que:
a) Ao decidir pela procedência da excepção invocada pela Fazenda Pública, deixou de se pronunciar sobre questões que deveria ter apreciado com vista à boa decisão da causa;
b) Não conheceu do mérito do pedido;

c) Não apreciou a invocada inconstitucionalidade material do regime previsto nos artigos 58.º A e 129.º do CIRC, cujo conhecimento mostrava-se prévio e condicionante da conclusão formulada e sentenciada;
d) Se demonstrou que, efectivamente, no dia 23 de Julho de 2007, a Recorrente apresentou três pedidos de prova do preço efectivamente praticado, relativamente às fracções “BA”, “BI”, “BK”, “CE”, “DB”, “FG”, “GL”,“GT,“BU” e “DO”, ao abrigo do disposto nos artigos 91.º e 92.º da LGT e 129.º do CIRC;
e) As correcções à matéria colectável de IRC impostas pela Administração Fiscal afectam a fiabilidade dos registos contabilísticos e o princípio estruturante da imagem verdadeira e apropriada que as contas devem transmitir da situação patrimonial e dos resultados das empresas;
f) Das vendas em causa não resultaram para a Recorrente quaisquer outros proveitos para além dos declarados e reflectidos nos referidos pedidos, mediante toda a documentação aí inclusa;
g) Qualquer correcção à matéria colectável de IRC sem ter-se em atenção os rendimentos reais e efectivos da Recorrente, oportunamente demonstrados, com base no mero argumento de que a prova efectiva do preço de venda daqueles imóveis fora feita extemporaneamente, viola alguns dos mais elementares princípios constitucionais consagrados e estruturantes do sistema fiscal português, como são o caso do princípio da tributação de acordo com o rendimento real, o princípio da justiça material e o princípio da proporcionalidade;
h) A Administração Pública, para além de sujeita à lei e outros actos normativos (princípio da legalidade), tem de pautar a sua actividade por critérios de justiça;
i) “O princípio da justiça não constitui mais que uma última ratio da subordinação da Administração ao Direito, permitindo apenas invalidar aqueles actos que, não cabendo em nenhuma das condicionantes jurídicas expressas da actividade administrativa, constituem, no entanto, uma afronta intolerável aos valores elementares da Ordem Jurídica, sobretudo os plasmados em normas respeitantes à integridade e dignidade das pessoas, à sua boa fé e à confiança no Direito.”;
j) Este princípio da justiça no Direito Fiscal implica a ponderação do princípio constitucional da tributação segundo o rendimento real, previsto no artigo 104° nº 2 da CRP, o que seria desvirtuado no caso de não se atender à prova efectiva do preço ainda que extemporânea;
k) As normas processuais não configuram mais que um caminho, ou um veículo, de realização do direito substantivo, com vista à boa descoberta da verdade material;
l) O respeito pelos princípios constitucionais vigentes no ordenamento jurídico português impunha que o disposto no n.º 2 do artigo 58.º A do CIRC cedesse perante o accionamento do mecanismo previsto no artigo 129.º do CIRC, porquanto através do mesmo, a Recorrente consegue, ainda que tardiamente, mas muito antes do inicio de qualquer inspecção tributária ou liquidação adicional de imposto, demonstrar os seus rendimentos reais e facultar à Administração Fiscal os elementos necessários para que a mesma tributasse o sujeito passivo de acordo com o seu lucro real e em consonância com os princípios a que está vinculada;
m) A justiça tributária alcança-se pela tributação dos rendimentos reais de cada um, de acordo com a sua capacidade contributiva;
n) Não estamos, no presente caso, perante uma situação sem inconstitucionalidade associada porquanto o referido dispositivo pré- contencioso previsto no artigo 129.º do CIRC foi efectivamente despoletado, ainda que tardiamente, perante o órgão competente para a sua sindicância e apreciação;
o) Face à iniciativa da Recorrente, cabia à Administração Fiscal, ao abrigo dos princípios e valores a que está vinculada, averiguar e conferir a verdade material dos factos e, em concreto, aceitar e apreciar os pedidos de prova do preço efectivo da venda das fracções objecto de correcções, aquando do início da acção inspectiva, cumprindo assim o dispositivo constitucional previsto no artigo 104.º da CRP;
p) O respeito pelos princípios e valores constitucionalmente consagrados teria inequivocamente que se sobrepor ao mero incumprimento do prazo de apresentação dos pedidos a que se refere o artigo 129.º do CIRC, sob pena da Administração Fiscal privilegiar o incumprimento de uma formalidade (prazo) em prol da substância e realidade das operações, tributando a Recorrente, de forma injusta, despropositada e desproporcionada com a realidade;
q) Admitir que a condição de procedibilidade da impugnação não se encontra preenchida no presente caso, seria aceitar que a Administração Fiscal tributasse a Recorrente em sede de IRC, em violação clara aos princípios consagrados constitucionalmente, tratando este caso como se a situação de pré-contencioso jamais tivesse sido despoletada em sede graciosa e a Recorrente jamais tivesse permitido que a Administração Fiscal, em data anterior à acção inspectiva e às correcções efectuadas, apreciasse a legalidade da actuação da Recorrente e os rendimentos efectivamente auferidos por esta no exercício de 2004;
r) A intenção do legislador foi apenas e só a de não permitir aos sujeitos passivos impugnar directamente qualquer liquidação de imposto resultante das correcções efectuadas ao abrigo do artigo 58.º A do CIRC quando tal situação de pré-contencioso, prevista no artigo 129.º do CIRC, não tenha sido despoletada, o que não acontece no presente caso;
s) O accionamento do dispositivo previsto no artigo 129.º do CIRC, ainda que tardio, jamais poderia ter tido como consequência a preclusão do direito da Recorrente vir impugnar a liquidação sub judice;
t) Foi feita uma apreciação e valoração inapropriada e incorrecta dos factos e do direito aqui aplicáveis, valoração essa que, no entender da Recorrente, deveria ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente, à conclusão de que, face aos factos e princípios constitucionais em vigor, estava verificada a legal, prévia e necessária condição de procedibilidade da impugnação judicial.
Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve a sentença ora recorrida ser revogada e, consequentemente, ser julgada procedente a impugnação judicial, com todas as consequências legais, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!”
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, defendendo que o recurso não merece provimento devendo, em consequência, a sentença recorrida ser mantida.
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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
As questões suscitadas pela Recorrente consistem em apreciar se o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia e erro de julgamento de facto e de direito quando decidiu pela procedência da excepção invocada pela Fazenda Pública da falta de pressuposto processual da impugnação judicial.
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II.FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. Da Matéria de Facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
Com interesse para a decisão da causa o tribunal deu como provados os seguintes factos:
A). A…….. – …………………..., SA (doravante apenas impugnante) foi constituída em 4 de Dezembro de 1998, tendo como actividade principal a urbanização de terrenos e aquisição de prédios rústicos e urbanos para revenda ou construção (fls 35 e 36, dos autos);
B). 27 de Julho de 2000, no Terceiro Cartório Notarial do Funchal foi celebrada a escritura de compra e venda de fls 82 a 84, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais, através da qual Manuel ………….. e Maria ………………….., como primeiros outorgantes venderam por quinhentos milhões de escudos o prédio rústico descrito a fls 83 à impugnante como segunda outorgante;
C). O contrato de compra e venda referido no ponto anterior foi antecedido do contrato promessa de fls 86 a 89, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, com data de celebração no mês de Julho de 2000;
D). Por escritura de compra e venda celebrada a 20 de Dezembro de 2001 no Terceiro Cartório Notarial do Funchal Manuel ………………. e Maria ………………….., como primeiros outorgantes venderam por setecentos milhões de escudos o prédio rústico descrito a fls 104 à impugnante como segunda outorgante (fls 103 a 109, dos autos, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais);
E). O contrato de compra e venda referido no ponto anterior foi antecedido do contrato promessa de fls 98 a 99, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, com data de celebração em 20 de Dezembro de 2001;
F). Em 28 de Outubro de 2004 no Segundo Cartório Notarial do Funchal foi celebrada a escritura pública de compra e venda através da qual a impugnante vendeu, pelo preço global de um milhão, dezanove mil setenta e três euros e trinta e dois cêntimos a Manuel …………..as fracções designadas pelas letras “R”, “Y”, “AB”, “AD”, “AE”, “AG”, “AH”, “BA”, “BI”, “BK”, “BU”, “CE”, “CZ”, “DB”, “DK”,“DL”, “FG”, “GL”, “GT”, localizadas no prédio urbano denominado “………………, ao sitio dos ………, Ajuda, freguesia ……………….. (fls 112 a 117, dos autos, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);
G). Em 13 de Maio de 2005 a impugnante submeteu declaração de rendimentos, modelo 22 de IRC, do exercício de 2004 (fls 38 a 41, dos autos);
H). Na sequência da apresentação da declaração modelo 22, referida no ponto anterior a administração fiscal notificou a impugnante da liquidação nº ………………………., de onde resultou um reembolso de €262.886,72 (fls 43, dos autos);
I). Em 23 de Julho de 2007 a impugnante submeteu o requerimento de fls 73 dos autos, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, referente às fracções identificadas pelas letras “BA”, “BI”, “BK”, “CE”, “DB”, “FG”, “GL” e “GT”, ao abrigo do disposto nos artºs 91º e 92º da LGT e 129º nº 1 do CIRC”;
J). Em 23 de Julho de 2007 a impugnante submeteu o requerimento de fls 73 dos autos, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, referente às fracções identificadas pelas letras “BU, ao abrigo do disposto nos artºs 91º e 92º da LGT e 129º nº 1 do CIRC”;
K). Na liquidação nº…………………… foi desconsiderado o valor de €19.517,29 referente a pagamentos especiais por conta (fls 43, dos autos);
L). Notificada da liquidação nº ……………….. a impugnante deduziu, em 28-05- 2008, reclamação graciosa por haverem desconsiderado o valor referido no ponto anterior (fls 45, dos autos);
M). Em 31-01-2008 a impugnante entregou declaração Modelo 22, do exercício de 2004, a corrigir o lucro tributável de €1.042.100,38 para €1.159.468,19 (fls 47 a 51, dos autos);
N). Na sequência da apresentação da declaração de substituição a impugnante foi notificada da liquidação nº …………………, com um reembolso de €219.167,43 (fls 53, dos autos);
O). A impugnante foi notificada para pagar a quantia de €43.719,29 (facto aceite);
P). Em 19-05-2008 a impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação nº ……………….. (fls 55. dos autos);
Q). Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI200800221, de 04-042008 foi realizada inspecção tributária à impugnante com fundamento em omissão e inexactidões praticadas na declaração anual de rendimentos Modelo 22 de IRC (fls 14, do processo apenso);
R). Por oficio nº 3935, datado de 29-04-2008 foi a impugnante notificada para exercer o direito de audição sobre o Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção (fls 57, dos autos);
S). No dia 12 de Maio de 2008 a impugnante exerceu o direito de acção (fls 59, dos autos);

T). Em 19 de Maio de 2008 foi elaborado o relatório de inspecção e onde consta (fls 12 a 21 do processo instrutor):

“1 - 2. Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção:

Verificámos que o sujeito passivo Funchal …………………….. S,A. não efectuou as correcções descritas no artigo 58.°-A do CIRC. Tendo sido efectuado um cruzamento da informação constante das relações dos notários (modelo 11) com a existente na base de dados dos impostos sobre o património, foram apuradas todas as situações em que o sujeito passivo, de acordo com a informação disponível deveria ter efectuado a correcção a que se refere a alínea a) do n.° 3 do artigo 58-A do CIRC. Foi apurada uma diferença entre o valor da escritura e o Valor Patrimonial Tributário no exercício de 2004 de 1.109.790,63€. Como o sujeito passivo já tinha efectuado uma correcção de €117.367,81 o montante a corrigir é de €992.422,82.

O total das vendas declaradas pelo sujeito passivo não corresponde com as relações dos notários (modelo 11) sendo que o montante registado na contabilidade do sujeito passivo é inferior em €299.302,00€ em relação ao declarado pelos cartórios notariais.

Em 12-05-2008 o sujeito passivo exerceu o direito de audição, após análise dos factos expostos, alterámos as correcções apresentadas no projecto de correcções de 299.302,00 € (campo 255 do quadro 07) e 992.422,82€ (campo 257 do quadro 07) para 893.229,01€ (campo 257 do quadro 07). (…)

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE

ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III-1. Irregularidades detectadas em sede de IRC

Valores Patrimoniais Tributários (VPT) - Da análise às vendas realizadas pelo sujeito passivo, e às posteriores avaliações dos VPT’s verifica-se que o sujeito passivo Funchal ………………. S,A. deveria ter efectuado um acréscimo no campo 257 do Q07 no montante de 1.109.790,63€, conforme o disposto na alínea a) do n.° 3 do artigo 58-A do CIRC.

No entanto o Sujeito Passivo em 2008-01-31 entregou uma declaração de substituição onde foi efectuado um acréscimo de 117.367,81€. Esta correcção de acordo com os nossos elementos é inferior em 992.422,82€ (1.109.790,63€ - 117.367,81€).

Tendo por base os montantes declarados pelos cartórios notariais efectuámos um quadro resumo por fracção e comparámos com o extracto da conta 71 do sujeito passivo. Através da análise efectuada verificámos que as vendas declaradas pelo sujeito passivo no, exercício de 2004, são inferiores em 299.392,00€.

III-2. Elementos disponíveis no serviço

Através da consulta efectuada à base de dados da DGCI e análise às vendas declaradas pelos notários com os VPT’s, verificámos as seguintes diferenças:

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As diferenças identificadas entre as vendas registadas pelo sujeito passivo e as escrituras declaradas pelo mesmo resultam os seguintes montantes:

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III-3. Correcção aos valores declarados

Do exposto será efectuada uma correcção de 992.422,82 € ao campo 257 do Q07 da declaração Modelo 22 de IRC, alterando o valor do campo de 117.367,81 € para 1.109.790,63 €. Será também acrescido ao campo 225 do Q07 da declaração Modelo 22 de IRC o valor de 299.302,00€ referente às diferenças identificadas nas vendas das fracções 1 e F. Resumo das correcções:

«(Imagem)»

O sujeito passivo refere no ponto li do direito de audição que, “ (...) não pode admitir as correcções propostas pela Administração Fiscal relativamente às fracções “DO “, “BA “, “BK”, “BU”, “CE”, “CZ”, “DB”, “ GL”“GT” e “BI”, nos termos do disposto no artigo 58-A do Código do IRC, dado que considera ter afastado a presunção do n.° 2 do artigo 58-A do Código do IRC.” O contribuinte alega no ponto 12 o seguinte, “ (...) apresentou oportunamente, junto do Serviço de Finanças do Funchal-1, quatro requerimentos elaborados ao abrigo do artigo 129.0 do Código do JRC, com vista afazer prova plena dos preços de venda efectivamente praticados na transmissão das fracções supra identificadas.”

O sujeito passivo Funchal ………………… S.A. a quando da apresentação dos requerimentos, juntou em anexo apenas as cópias das escrituras. No entanto, em nosso entender as escrituras públicas não constituem prova suficiente do preço efectivamente praticado no negócio, para efeitos de afastamento da norma anti abuso do artigo 58-A.° e artigo 129.° do CIRC, pois a análise aos documentos apresentados permite-nos apenas verificar os valores titulados nas escrituras públicas.
Assim ao abrigo do artigo 129.° n.° 6 do CIRC, a requerente poderá afastar a aplicação obrigatória do procedimento do artigo 58-A.° do CIRC e respectiva correcção ao lucro tributável, não através de documentos escriturais (visto que os valores de transmissão são comunicados à Administração Fiscal pelos cartórios notariais), mas através de apresentação do documento de autorização à informação bancária, pelo qual a Administração Fiscal poderá aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, conforme prevê o n.° 6 do artigo 129.° do CIRC.
De referir que o documento de autorização à informação bancária, apenas deu entrada nos serviços no mesmo dia que foi exercido o direito de audição sobre os projectos de correcção da Inspecção Tributária.
De acordo com o descrito no ponto 13; “A requerente apresentaria um primeiro requerimento, em 15 de Fevereiro de 2007, fazendo, prova do preço efectivamente praticado relativamente à fracção “CZ” (...).“
O sujeito passivo efectuou o requerimento dentro do prazo previsto do n.° 3 do artigo 129.° do CIRC, o pedido de demonstração a que se refere o artigo 129.° do CIRC (prova efectiva na transmissão de imóveis). Neste caso o disposto no n.° 2 do artigo 58.°-A não é aplicável pelo que não será efectuada nesta inspecção o acréscimo de 99.193,97 € em relação à fracção CZ.
Segundo a Funchal ………. os restantes requerimentos foram apresentados em 23-07-2007, conforme o descrito no ponto 14, “ (...), em 23 de Julho de 2007, apresentaria outros três requerimentos, fazendo prova do preço efectivamente praticado relativamente as fracções “BA “BJ”, “CE “, “DB “, “FG “, “GL “, “B U, e
Nos termos do artigo 129.° n.° 3 do CIRC, o requerimento relativo às fracções “BA”, “BI”, “BK”, “CE”, “DB”. “FG”, “GL”, “GT”, “BU” e “DO” foram apresentadas extemporaneamente. Visto que o contribuinte Funchal ……………… S.A. foi notificado em 2007-05-10 e em 2007-05-15 e os requerimentos deram entrada nos serviços em 2007-07-23, ou seja 69 e 74 dias após a notificação da avaliação do valor patrimonial tributário.
Facto este que já era do conhecimento do sujeito passivo, visto que em 18-10-2007 foi enviado através do oficio n.° 9093 do Director Regional a informação n.° 55, que refere que o requerimento relativo às fracções “BA”, “BI”, “BK”, “CE”, “DB”, “FG”, “GL”, “GT”, “BU” e “DO” foi apresentado extemporaneamente, pelo que a requerente não poderia efectuar a prova do preço efectivo, previsto no artigo 129.° do CIRC.

O mesmo ofício conclui que, o contribuinte não afastou a presunção do artigo 58.°-A do CIRC, pelo que se mantém em pleno a obrigação de o sujeito passivo proceder às correcções fiscais exigidas nos termos do artigo 58.°-A do CIRC, pelo montante da diferença positiva entre o valor do VPT definitivo e o valor declarado da venda, no Q07 da declaração Modelo 22.

Ponto 16, “Já no que respeita à diferença apurada pela Administração Fiscal entre as vendas registadas pelo sujeito passivo e as escrituras declaradas pelo mesmo, que ascende a e 299.302,00, há que referir o seguinte:
Relativamente à correcção por nós identificada na fracção 1 o sujeito passivo expõe no ponto 17 que, “No que respeita à fracção “I” não pode a requerente admitir a existência de qualquer diferença dado que o valor de venda efectivamente escriturado foi de ê 267.840,00 e não é’ 277.840,00 como alega a Administração Fiscal.”
Os documentos de onde foi extraído o valor de venda não estavam conforme a escritura. Foi verificada a escritura da fracção I, pelo que se conclui que o montante registado na contabilidade - é concordante como o valor da escritura. Pelo que não será efectuada a correcção de 10.000,00 € sobre a fracção 1, como constava do projecto de correcções.
Por fim relativamente à fracção F o sujeito passivo refere no ponto 20 que, (...) ao contrário do que refere a Administração Fiscal no seu projecto de correcções, o proveito foi efectivamente lançado na conta 71, do exercício de 2004, conforme se comprova pelo documento de suporte aos valores globais constantes das vendas (...).
Através da análise dos elementos contabilísticos verificámos que o sujeito passivo registou por lapso a fracção F, como G, no entanto pela análise efectuada à conta de vendas verificámos que ambas estão contabilizadas, nos devidos exercícios. Não vamos efectuar o acréscimo ao Q07 do montante de 289.302,00 €.
X-1. Correcção aos valores declarados

Face ao exposto no direito de audição e às análises efectuadas às correcções apresentadas no projecto de correcções serão alterados para o montante de, 893.229,01 € conforme o seguinte quadro:

«(Imagem)»

Será efectuada uma correcção de 893229,01 f ao campo 257 do Q07 da declaração Modelo 22 de IRC, alterando o valor do campo 257 de 117.367,81 € para 1,010.596,82 € (117.367,81 € + 893.229,01 €).

X-2. Resumo das alterações efectuadas ao Projecto de Correcções

Após a análise do direito de audição exercido pelo sujeito passivo serão efectuadas as seguintes alterações ao projecto de correcções:

Não será efectuado o acréscimo ao campo 225 do Q07 da declaração Modelo 22 de IRC o valor de 299.302,00 € referente às diferenças identificadas nas vendas das fracções 1 e F;
Não iremos efectuar à data da análise a correcção do valor patrimonial tributário referente à fracção CZ.”
U). Em 2 Julho de 2008 a impugnante foi notificada da liquidação adicional de IRC nº …………….. e do qual resultou um reembolso de €9.270,36 (fls 63, dos autos);
V). Conforme acerto de contas a liquidação adicional de IRC nº …………….., deu origem de um montante a pagar de €209.897,07 (fls 65, dos autos);
X). Em 7 de Julho de 2008 a impugnante emitiu o cheque nº ………….., à ordem da DGTCP, no valor de €209.897,07 (fls 67, dos autos);
Y). Em 11 de Julho de 2008 foi efectuada nova liquidação de IRC nº ………………….. que deu origem a um valor a reembolsar de €29.684,70, em resultado do deferimento da reclamação graciosa apresentada em 28 de Maio de 2007 (fls 69, dos autos);
Z). Em 28 de Abril de 2008 a impugnante, para efeitos da demonstração e prova do preço efectivo praticado na transmissão de imóveis autorizou o levantamento do sigilo bancário (fls 79, dos autos);
AA). Em 17 de Setembro de 2008, deu entrada a presente impugnação (fls 1, dos autos).

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos juntos em cada ponto dos factos provados.

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Da impugnação da matéria de facto.
Importa, antes de mais, ao Tribunal saber se, como sustenta a Recorrente, a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto.
Vejamos, começando transcrever o que invoca, a este respeito, o Recorrente:
“No entender da Recorrente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, (…), uma vez que:
(…)
d) Se demonstrou que, efectivamente, no dia 23 de Julho de 2007, a Recorrente apresentou três pedidos de prova do preço efectivamente praticado, relativamente às fracções “BA”, “BI”, “BK”, “CE”, “DB”, “FG”, “GL”,“GT,“BU” e “DO”, ao abrigo do disposto nos artigos 91.º e 92.º da LGT e 129.º do CIRC;
e) As correcções à matéria colectável de IRC impostas pela Administração Fiscal afectam a fiabilidade dos registos contabilísticos e o princípio estruturante da imagem verdadeira e apropriada que as contas devem transmitir da situação patrimonial e dos resultados das empresas;
f) Das vendas em causa não resultaram para a Recorrente quaisquer outros proveitos para além dos declarados e reflectidos nos referidos pedidos, mediante toda a documentação aí inclusa;

Vejamos:
Nos termos previstos no artigo 640º nº1 do CPC, na redacção aqui aplicável dispõe o seguinte:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa -se o seguinte:
b)Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

Ora, lidas as alegações e conclusões de recurso, este Tribunal não pode deixar de concluir que, a este propósito, a Recorrente não especificou os factos concretos que pretende impugnar, nem especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo, documentos ou de eventual gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham tal decisão.
Assim sendo, será de rejeitar a Recurso na parte em que vem impugnado o julgamento da matéria de facto devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos factos em concreto vertidos no probatório que impugna e aos concretos meios probatórios constantes do processo que, em opinião do Recorrente, impunham decisão da matéria de facto diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Neste sentido, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto é de rejeitar.
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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para as questões que nos vêem colocadas.
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II.2. Do Direito
Como já deixámos expresso, importa analisar se a sentença em apreciação andou bem quando julgou procedente a excepção da falta de pressuposto processual que se consubstancia na não apresentação tempestiva do pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, nos termos do nº 7 e 3 do artigo 129º do CIRC.
Na sentença considerou-se como contexto processual relevante que:
- A Recorrente impugnou judicialmente a liquidação de IRC referente ao ano de 2004, resultante de correcções aos valores por si declarados referentes à venda de dois imóveis, no ano de 2004;
-A presente acção foi interposta um prévio pedido, regulado no art. 129.°, n.° 3, do CIRC, porém o mesmo foi extemporâneo (tal como vem reconhecido pela recorrente no seu articulado inicial e nas presentes alegações).
- A liquidação foi levada a cabo na decorrência de correcções à matéria colectável, com referência ao exercício de 2004, com base no disposto no art. 58.°A, do CIRC
- O montante corrigido, nos termos do artigo 58°-A do CIRC, respeita ao valor declarado de transmissão dos direitos reais sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “DO”, “BA” “BK”, “BU”, “CE”, “DB”, “FG”, “GL”, “GT” e “BI”, inscritas na matriz predial de São Martinho sob o artigo 5828, realizadas em 2004.

Ora, prescreve o artigo 58º -A do CIRC que:
“Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre imóveis
1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável, nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente para determinação do lucro tributável. "

E o art. 129.°, n.° 7, do CIRC prevê expressamente que a impugnação judicial da liquidação do imposto que resulte de correcções efectuados por aplicação do disposto no art. 58.°-A, n° 2, do C.IRC depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.° 3, senão vejamos:
“Artigo 129º
Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis
1 - O disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.
3 - A prova referida no n.º 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
4 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor do ajustamento previsto no n.º 2 do artigo 58.º-A, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, será da competência da Direcção-Geral dos Impostos.
5 - O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei.
6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.
7 - A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa.
8 - A impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo.”

Face àquele circunstancialismo, e tendo em conta este regime legal, a Mª Juíza conheceu da excepcionalidade suscitada pela Fazenda Pública na sua resposta tendo feito o seguinte raciocínio:
“A impugnante deduziu a presente impugnação judicial contra a liquidação nº 20088500033845, que resultou da correcção, porém, não pode a mesmo impugnar judicialmente, de forma directa, essa mesma liquidação dado que a quantificação se tornou caso resolvido ou decidido. Fica, por isso prejudicada a possibilidade de impugnar judicialmente, com tal base de fundamentação, a liquidação de imposto, por via da falta da condição legal, prévia e necessária de procedibilidade da impugnação judicial, conforme resulta do n° 7 do art. 129° do CIRC (…) . Ocorre, assim, uma excepção decorrente da falta de uma condição de procedibilidade/impugnabilidade que determina a absolvição da instância. Decorrente desta absolvição da instância não poder o tribunal pronunciar-se sobre o mérito da causa pois a isso conduziria à apreciação do pedido da impugnante, conhecendo das questões invocadas na PI.”

Perante tal decisão veio a Recorrente invocar, nas suas alegações condensadas nas respectivas conclusões, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, bem como, em omissão de pronúncia, na sentença ora recorrida, uma vez que ao decidir pela procedência da excepção invocada pela Fazenda Pública, deixou de se pronunciar sobre questões que deveria ter apreciado com vista à boa decisão da causa; Não conheceu do mérito do pedido; Não apreciou a invocada inconstitucionalidade material do regime previsto nos artigos 58.º A e 129.º do CIRC, cujo conhecimento mostrava-se prévio e condicionante da conclusão formulada e sentenciada; O accionamento do dispositivo previsto no artigo 129.º do CIRC, ainda que tardio, jamais poderia ter tido como consequência a preclusão do direito da Recorrente vir impugnar a liquidação sub judice;
Vejamos.
Comecemos por apreciar a invocada nulidade da decisão por omissão de pronúncia.
É certo que o juiz deve conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido ao seu veredicto e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, bem como que só pode conhecer das questões que lhe tenham sido colocadas, com excepção das que sejam do conhecimento oficioso, sob pena de, num como noutro caso, a sentença ficar ferida de nulidade (cfr., para além do art. 125.º do CPPT, os arts. 660.º, n.º 2, e 668, n.º 1, alínea d), do CPC). No entanto, a omissão de pronúncia, verifica-se apenas em relação a questões e não em relação a argumentos ou razões invocadas: - as “questões” não se confundem com os “argumentos” ou “razões” pois o tribunal, devendo embora «resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação» e não podendo «ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras» (art. 608.º, n.º 2, do CPC), não está vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes, do mesmo modo que não está impedido de, na decisão, usar considerandos por elas não produzidos.

Assim sendo, uma vez que a decisão recorrida deu por verificada uma excepção decorrente da falta de uma condição de procedibilidade/impugnabilidade que determinou a absolvição da instância, não teria de se pronunciar quanto ao mérito da causa pois a isso conduziria o pretendido pela Recorrente, ou quanto a quaisquer outras questões suscitadas na petição inicial.

A censura que é dirigida pela Recorrente à sentença recorrida deve-se ao facto de não se ter pronunciado sobres as outras questões que foram suscitadas na Petição Inicial, por força da procedência da excepção. Ora, face a tal procedência, não pode o juiz conhecer das questões suscitadas na mesma, ainda que de conhecimento oficioso, na exacta medida em que a lide impugnatória não chega a ter inicio.
Efectivamente, a consequência processual adequada da falta de pressuposto processual ou condição de procedibilidade referidos na sentença recorrida é a absolvição da instância, uma vez que se trata de uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa – art. 278º nº1 alínea e) e 576º ambos do CPC.
Com efeito, concluindo a decisão recorrida pela não verificação da supra citada condição de procedibilidade. Nada mais haveria para apreciar, não cabendo na lógica da sentença o conhecimento sobre qualquer questão de mérito que tivesse sido suscitada na petição.
Isso mesmo resulta do comando do artigo 680º nº 1 do CPC, que dispõe quanto à ordem de julgamento das questões a resolver, nos termos do qual a sentença deve conhecer, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instancia, segundo a ordem imposta pela procedência lógica.

Quanto à omissão de pronuncia relativamente a uma questão que a Recorrente alega ser prévia e condicionante da conclusão formulada e sentenciada da “invocada inconstitucionalidade material do regime previsto nos artigos 58.º A e 129.º do CIRC”, a verdade é que esta questão tal como vem agora formulada nas alegações e conclusões de recurso é uma questão nova que não consta do articulado inicial apresentado pela Recorrente, senão vejamos:
Da leitura da P.I resulta que as questões de inconstitucionalidade constam dos artigos 34º e 35º e 55º a 61º, onde se pode ler o seguinte:
“34º
Com efeito, no dia 23 de julho de 2007, a Impugnante apresentou três pedidos de prova do preço efectivamente praticado (…)
35º
Ainda que os referidos pedidos tenham sido apresentados extemporaneamente, 13 e 8 dias após o prazo fixado no nº 3 do artigo 129º do Código do IRC, a Impugnante considera afastado a presunção do nº 2 do artigo 58º -a daquela Código, ao ter feito prova cabal do preço efectivamente praticado naquelas transmissões.
(…)
55º
Face ao exposto, não aceitar que tenha sido feita prova efectiva do preço de venda daqueles imóveis, ainda que extemporânea, será pura e simplesmente aceitar que se violem os mais elementares princípios gerais de Direito, como é o caso do principio da justiça material, o principio da substancia sobre a forma e o principio da proporcionalidade.
56º
Como defende a doutrina e a jurisprudência dominantes, a administração pública, para além de sujeita à lei e outros actos normativos (principio da legalidade), tem de pautar a sua actividade por critérios de justiça, conforme, aliás, resulta do disposto no nº 2 do artigo 266º da Constituição da Republica Portuguesa.
57º
Assim sendo, o resultado da correcção à matéria tributável da Impugnante, ainda que possa ser legal, não pode contudo violar um direito fundamental ou os princípios da igualdade ou da proporcionalidade.(…)
60º
Este principio da justiça no Direito fiscal tem, por sua vez, de ser concretizado em dois níveis, os quais podem estar numa relação de conflito: a situação individual do contribuinte, que implica a ponderação do principio constitucional da tributação segundo o rendimento real, previsto no artigo 104º nº 2 da CRP, o que seria desvirtuado no caso de não se atender à prova efectiva do preço ainda que extemporânea.”

Ora, desta transcrição resulta claro que a Recorrente nunca coloca em causa a constitucionalidade das normas citadas. Sendo certo que se verifica inconstitucionalidade material quando, o conteúdo de uma espécie normativa, afronta totalmente ou parcialmente, outro dispositivo constitucional, com mesmo tema, não se vislumbra nunca na argumentação da Recorrente o ataque ao conteúdo dos artigos 58º-A e 129º do CIRC por afronta a qualquer dispositivo constitucional.
Antes vem atacada a conduta da AT, que ao considerar extemporâneos os três pedidos de prova do preço efectivamente praticado, não aceitou que tenha sido feita prova efectiva do preço de venda daqueles imóveis.
Tratando-se de uma questão nova torna-se obvio que também aqui não à omissão de pronúncia e ainda a Recorrente pretendesse a emissão de pronúncia sobre questão nova, a verdade é que o tema suscitado na conclusão apelatória em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, dela não se pode conhecer.
Em suma, face ao que vem dito, não se vê que a decisão recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, improcedendo este fundamento do recurso.

Relativamente ao erro de julgamento quanto à procedência da excepção da falta de pressuposto processual que se consubstancia na não apresentação tempestiva do pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, que acima explicamos, facilmente se conclui da leitura do artigo 129º do C.IRC que o procedimento aí previsto é determinante para que o sujeito passivo possa, posteriormente, aceder á via judicial para impugnar a liquidação de IRC efectuada com base no disposto no artigo 58°-A, ou para impugnar a determinação do rendimento tributável (vide n.° 7 e n.° 3 do artigo 129°).
Se o contribuinte pretender impugnar a liquidação de IRC tem que utilizar previamente esta “reclamação” que assume a condição de acesso à via judicial e, nessa impugnação, pode invocar qualquer ilegalidade ou erro praticado no âmbito da liquidação ou no âmbito da reclamação.
No entanto a aqui Recorrente apresentou pedido de abertura do procedimento previsto no artigo 129.° do CIRC (a 23/07/2007), no que concerne ao valor de alienação dos imóveis, mas fê-lo claramente fora de prazo (artigo 129.° n.° 3 do CIRC). Facto, aliás, que não se afigura controvertido na impugnação judicial ou no presente recurso. A Recorrente tinha um prazo de 30 dias após a fixação do VPT definitivo (que ocorre 30 dias após a notificação da avaliação) para apresentar o pedido a que se refere o n,° 3 do artigo 129º do CIRC mas, conforme resulta dos factos provados, os pedidos de demonstração do preço efectivo, relativo à transmissão das fracções supra identificadas, foram indeferidos por extemporaneidade, nos termos do artigo 129.° n.° 3 do CIRC, por despacho do Director Regional dos Assuntos Fiscais, datado de 15/10/2007, e notificado ao sujeito passivo através do oficio n.° 9040 de 18/10/2007.

Nos termos do artigo 129º do CIRC, a demonstração do preço efectivo na transmissão de imóveis é efectuado com a abertura de procedimento próprio, instaurado mediante requerimento dirigido (no caso da Região Autónoma da Madeira) ao Director Regional dos Assuntos Fiscais e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontrar definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
Para abertura do procedimento previsto no artigo 129.° do CIRC são condições essenciais que: seja apresentado pelo sujeito passivo um requerimento dirigido ao Director Regional dos Assuntos Fiscais; dentro do prazo previsto no nº 3 do referido artigo devendo ser ao mesmo anexado documento de autorização de levantamento do sigilo bancário, para que a Administração Fiscal possa acederá informação bancária caso julgue necessário.
A apresentação de um pedido que não preencha os requisitos legais exigidos pelo artigo 129° do CIRC, nos casos em que se discute matéria directamente relacionada com as correcções efectuadas nos termos do artigo 58.°A do CIRC, não confere o direito a impugnar judicialmente o acto tributário resultante dessas mesmas correcções.
De outro modo, que sentido faria a norma legal prevista no nº 7 no artigo 129.° do CIRC, fazendo depender a impugnação judicial da liquidação de tributo que resulte das correcções, determinadas pelo artigo 58°-A do CIRC, da apresentação prévia de um pedido que não fosse atendível, que não reunisse condições legais para abertura de procedimento no qual a prova é efectuada.
Porque sujeitaria, o legislador, o direito de impugnação judicial do tributo à prévia apresentação de um pedido que não preenchesse os requisitos legais para abertura do correspondente procedimento.
A finalidade da apresentação do pedido a que se refere o artigo 129.° é a efectiva produção da prova do preço real dos imóveis, o que só sucede quando o pedido (efectuado nos termos do n.° 3 daquele artigo) dá lugar ao correspondente procedimento a fim de, no caso concreto, ser afastada a aplicabilidade da disposição legal prevista no artigo 58°-A n.° 2 do CIRC.
A correcção que originou a liquidação de IRC aqui em causa, resultou da acção de uma inspecção, e foi efectuada, nos termos do artigo 58.°- A do CIRC, ao valor declarado de transmissão dos direitos reais sobre as fracções autónomas designadas pelas letras valor declarado de transmissão dos direitos reais sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “DO”, “BA”, “BK”, “BU”, “CE”, “DB”, “FG”, “GL”, “GT” “BI”, inscritas na matriz predial de …………. sob o artigo ………….., e realizada pela impugnante no exercício de 2004.

Como resulta da prova concluiu a inspecção tributária que quanto à transmissão daquele imóvel, consignado nas respectivas escrituras públicas de compra e venda, e à posterior fixação do valor patrimonial tributário (VPT) definitivo, foi constatado que o valor constante nas mesmas eram inferior aos VPT definitivos, e foi verificado que, no exercício de 2004, a diferença positiva entre o valor da escritura pública de compra e venda e o valor patrimonial tributário (VPT) dos imóveis era no montante de €1.109.790,63.

Como vimos supra, nos termos do artigo 58°-A e 129º do CIRC constituía obrigação legal da Recorrente proceder a uma correcção na declaração de rendimentos (de substituição) no exercício entre o valor patrimonial tributário definitivo dos de 2005, imóveis e o correspondente à diferença positiva e o valor constante do contrato de compra e venda ou afastar a aplicabilidade do referido no artigo 58º-A através a abertura do procedimento de prova de preço efectivo.

Não tendo a Recorrente procedido à correcção a que estava obrigado pela alínea a) do n.° 3 do artigo 58.°-A do CIRC, nem tendo logrado abrir o procedimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, previsto no artigo 129.° do CIRC, a AT procedeu, à correcção do valor de transmissão de direitos reais sobre os bens imóveis acima identificados, o que originou a liquidação de IRC n.° ………………….., ora impugnada.

Não obstante a extemporaneidade do pedido e o facto de não ter existido o procedimento da prova do preço efectivo de venda, considera a Recorrente que afastou a presunção legal do n.° 2 do artigo 58.°-A do CIRC mediante a (mera) apresentação do pedido de prova do preço efectivo das transmissões de imóveis, ainda que intempestivos.
No entanto, para a produção e apreciação de prova do preço efectivo de transmissão dos imóveis era necessário, como vimos, a abertura do procedimento do artigo 129.° do CIRC, que não ocorreu, pelas razões de facto e de direito já expostos. A norma é clara:

“1 - O disposto no n.° 2 do artigo 58°-A do CIRC é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.

2- A prova referida no n.° 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos”.

O procedimento previsto no artigo 129.° do CIRC é pois o meio próprio de reagir contra as correcções efectuadas ao valor de transmissão de direitos reais sobre imóveis nos termos do artigo 58°-A do CIRC, trata-se de um procedimento legal para demonstrar que o preço praticado foi inferior ao referido valor patrimonial e determina, então, o procedimento para que o sujeito passivo possa afastar a regra da prevalência do valor patrimonial, demonstrando que o valor da transacção foi de facto inferior àquele valor. O que configura condição sine quan on para que aceda, posteriormente, à via judicial, impugnando as correcções efectuadas nos termos do artigo 58.°-A do CIRC.

Face a tudo que vem dito, resta concluir que andou a sentença Recorrida quando julgou verificada a excepção da falta de pressuposto processual que se consubstancia na não apresentação tempestiva do pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, devendo mantar-se integralmente.


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III. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 10 de Julho de 2015.
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(Barbara Tavares Teles)

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(Joaquim Condesso)
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(Catarina Almeida de Sousa)