Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1791/15.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/27/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores: DEDUÇÃO DE IVA RELATIVA A BENS DE UTILIZAÇÃO MISTA: LOCAÇÃO FINANCEIRA AUTOMÓVEL.
Sumário:1.Por Acórdão de 10.07.2014 proferido no processo C-183/13, o TJUE considerou que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao tribunal nacional verificar.

2.Em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos.
Votação:MAIORIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

O N........, SA., recorre da sentença do TT de Lisboa que julgou improcedente a impugnação da liquidação relativa ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa que versou sobre a autoliquidação de IVA relativa a 2009, mantendo os actos impugnados.

O Recorrente juntou alegações, que termina com as seguintes conclusões:

«1.ª O presente recurso vem deduzido contra a sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o despacho de indeferimento proferido pelo Subdiretor Geral da Direção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), datado de 26.03.2015, no âmbito do pedido de revisão oficiosa n.º ……….. (RO………..) relativo ao ato de autoliquidação de IVA do ano de 2009;

2 .ª O Tribunal considerou que, à luz do conteúdo do acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 01075/13, datado de 29.10.2014 e do acórdão do TJUE proferido no âmbito do processo C-183/13, em 10.07.2014, não assiste razão ao Recorrente no que diz respeito à inclusão do montante do capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD no valor das operações para efeitos de cálculo do pro rata de dedução em sede de IVA;
3.ª Adicionalmente, para o Tribunal recorrido não ocorreu qualquer violação do artigo 23.º, n.º 3, do Código do IVA;
4.ª Sendo estes os fundamentos em que se estribou a sentença recorrida para julgar a impugnação judicial improcedente, não pode o Recorrente deixar de discordar da mesma;
5.ª Primeiramente, no passado dia 06.04.2107 o Recorrente interpôs o presente recurso dirigido à Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, ao invés de à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo;
6.ª Atendendo ao objeto do recurso, este não encerra qualquer discordância relativamente à matéria de facto, apenas se mantendo em discussão o direito, sendo competente o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 280.º do CPPT;
7.ª Requer-se que seja reconhecido o lapso na indicação da instância de recurso e remetido o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, com as demais consequências legais;
8.ª Embora, à luz dos princípios basilares da ordem jurídica europeia da interpretação conforme e da uniformidade de aplicação, em consagração do princípio da efetividade, os tribunais nacionais devam obediência às decisões do TJUE, o que resulta dos acórdãos do TJUE são orientações interpretativas sobre uma determinada norma, cabendo ao juiz nacional a aplicação da norma comunitária ao caso concreto;
9 .ª No caso sub judice, o Tribunal a quo considerou que é legalmente inadmissível a inclusão do montante do capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD no valor das operações para efeitos de cálculo do pro rata de dedução em sede de IVA, embora não seja possível extrair esta conclusão do aludido acórdão;

10 .ª Com efeito, há que ter presente que do acórdão do TJUE – e, por conseguinte, do mencionado acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 01075/13, datado de 29.10.2014 –, não é possível extrair a conclusão de que o artigo 23.º do Código do IVA e a correspondente norma da Diretiva do IVA (antigo artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva do IVA e atual artigo 174.º da Diretiva 2006/112/CE) devem ser interpretados no sentido de se encontrar excluída do cálculo do pro rata de dedução a componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD;
11.ª A questão sobre a qual aqueles acórdãos se debruçam – bem diferente - trata de saber se o artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva do IVA se opõe a que a administração tributária obrigue um determinado sujeito passivo a excluir essa componente do cálculo do pro rata de dedução, o que não é a mesma coisa que afirmar que uma determinada norma obriga à exclusão de um determinado componente;
12.ª Assim, dúvidas não restam de que o alcance da decisão do TJUE – e, por conseguinte, do acórdão do STA – se circunscreve à aferição da possibilidade de, à luz do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, a administração tributária poder obrigar um sujeito passivo à exclusão da componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD para efeitos de cálculo do pro rata de dedução;
13 .ª No que concerne à questão de saber se os Estados-Membros podem excluir do cálculo do pro rata de dedução a componente de capital das rendas pagas no âmbito dos contratos de locação financeira, é entendimento do TJUE que os Estados-Membros poderão afastar o método do pro rata geral de dedução e determinar a aplicação da afetação real dos bens e serviços a montante às operações a jusante, prevista no aludido artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva do IVA, com recurso a critérios objetivos com vista a determinar o grau de utilização dos inputs;

14 .ª Acrescenta, no entanto, o Tribunal que “(…) há que observar que, embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o setor automóvel, como as que estão em causa no processo principal, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de eletricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efetivamente esse o caso no processo principal (cf. considerandos 33 e 34, sublinhado nosso);
15.ª Em face do conteúdo do acórdão do TJUE, facilmente se constata que a situação subjacente ao caso sub judice é bem diferente e, por conseguinte, crê-se evidenciado o erro de julgamento em matéria de facto e em matéria de direito em que incorreu a sentença recorrida;
16.ª Com efeito, sendo certo que o TJUE julgou admissível a exclusão da componente de capital das rendas dos contratos de locação financeira do pro rata de dedução, não é menos certo que fez depender essa exclusão da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira, e não à atividade de disponibilização dos veículos, o que caberia ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, recaindo essa obrigação sobre qualquer órgão jurisdicional que pretenda aplicar o entendimento daquele acórdão do TJUE;
17.ª Efetivamente, ao longo do acórdão do TJUE, são várias as referências nesse sentido (cf. considerandos 33 e 34);
18.ª Assim, e em face de todo o exposto, resulta evidente que sobre o Tribunal recaía a obrigação de pronúncia sobre a verificação da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira, como, aliás, parece de resto ter entendido o STA no processo n.º 1075/13, em que decidiu baixar os autos ao tribunal de 1.ª instância para a pronúncia sobre as questões que ficaram prejudicadas pela decisão;
19.ª No caso sub judice, a verificação da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento ou à gestão dos contratos de locação financeira não é concretamente aferida pelo Tribunal recorrido;
20.ª Com efeito, e tanto quanto o Recorrente consegue depreender, o Tribunal partiu do pressuposto de que, atento o facto de estarem em causa contratos de natureza primacialmente financeira, deve ter-se por imediatamente evidenciada a ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento ou gestão dos contratos;
21.ª Um entendimento de tal ordem não pode proceder, porque a natureza primacialmente financeira dos contratos de locação financeira não é suficiente para concluir por aquela ligação;
22.ª Com efeito, se o TJUE julgou por necessária aquela verificação, é porque a mesma não decorre da natureza dos contratos, mas das circunstâncias concretas de cada caso;
23.ª De facto, se não fosse necessária essa verificação em concreto, bastaria ao TJUE afirmar como princípio que a componente de capital nunca poderia estar incluída para efeitos de cálculo do pro rata de dedução, pelo que, não o tendo feito, foi porque se impunha sempre a verificação em concreto da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento ou à gestão dos contratos de locação financeira;
24.ª Deste modo, deve concluir-se que a interpretação que o Tribunal realiza das normas nacionais e comunitárias aplicáveis neste âmbito enferma de ilegalidade;
25.ª De facto, outra interpretação que não esta incorre em inconstitucionalidade por violação dos princípios consignados na CRP, já que a interpretação do artigo 174.º, n.º 1, da Diretiva 2006/112/CE (Diretiva do IVA), no sentido de que não se impõe a verificação da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira atenta a natureza primacialmente financeira dos contratos, viola quer o princípio da tutela jurisdicional efetiva plasmado no artigo 20.º, n.º 5, da CRP, quer os princípios e normas conformadores da construção comunitária constitucionalmente aceites por força do artigo 7.º, n.º 6, da CRP, designadamente os princípios da atribuição, da subsidiariedade e da proporcionalidade e da cooperação leal entre a União Europeia e os Estados;
26.ª Em face do exposto, e atenta a errónea interpretação da sentença recorrida, deve determinar-se de imediato a sua anulação, por manifesto erro de julgamento;
27.ª Sendo anulada a sentença recorrida, como espera o Impugnante, ora Recorrente, deve julgar-se procedente a impugnação judicial e determinar-se a anulação do ato tributário impugnado;
28.ª Com efeito, inexistem quaisquer elementos nos autos que permitam ao Tribunal a conclusão de que essa ligação existe, pelo que, estando em causa um contencioso de mera anulação, tal só pode conduzir, no caso sub judice e à luz dos elementos de prova constantes dos autos, à declaração de ilegalidade do ato tributário sub judice por falta de prova da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira;
29.ª Sem prejuízo do exposto, e ainda que se entenda, que se impõe a produção da prova da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira nos presentes autos, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, sempre se impunha ao Tribunal, ao invés do decidido na sentença recorrida, à luz do princípio do inquisitório, que promovesse pela realização das diligências necessárias e disponíveis para obter essa prova, designadamente notificando a parte para a junção dos elementos que reputasse necessários;
30.ª Com efeito, sendo certo que sobre as partes recai o ónus da prova quanto aos factos necessários para fazer valer a sua pretensão, é igualmente certo que o Tribunal detém um papel ativo na descoberta da verdade material, sendo-lhe imputável a não realização de diligências necessárias e disponíveis para alcançar esse objetivo;
31.ª Deste modo, estando na disponibilidade do juiz do processo a requisição de documentos, só lhe é lícito concluir pela falta de prova de um determinado facto se da aludida requisição dos documentos não decorrer a prova desse facto;
32.ª A esta conclusão não obsta as regras do ónus da prova estatuídas no artigo 74.º da LGT, na medida em que o princípio do inquisitório funciona a montante das regras do ónus da prova;
33.ª Assim, em face de todo o exposto, também com fundamento neste princípio se imporia a anulação da sentença recorrida;
34.ª Acresce que, admitindo-se que de acordo com o entendimento desse Ilustre Tribunal não constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão proferida e que permitam a esse Ilustre Tribunal a prolação de decisão sobre esta questão, sempre se impõe no caso sub judice que os autos baixem à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto, face aos já mencionado artigo 662.º do CPC (anterior artigo 712.º do CPC), aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT;
35.ª Assim, em face de todo o exposto, resultando evidente o erro de julgamento em que o Tribunal a quo incorreu, deve revogar-se a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial;
36.ª Também no que concerne à violação do artigo 23.º, n.º 3, do Código do IVA, a sentença recorrida incorreu, com o devido respeito, em erro de julgamento;
37.ª É que, na verdade, não estão verificados os requisitos legais de que depende a aplicação do método da afetação real;
38.ª Com efeito, sendo certo que o já referido acórdão do TJUE autoriza os Estados-Membros a aplicar o método de afetação real em casos como o presente, esta aplicação deve verificar-se nos termos das disposições normativas que os Estados aprovarem para esse efeito (cf. considerandos 29 e 30 do acórdão do TJUE);

39.ª Ora, nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do IVA, para que a administração tributária possa obrigar o sujeito passivo à aplicação do método da afetação real, é necessário que se esteja perante o exercício de atividades distintas, o que não se verifica no caso sub judice;
40.ª Com efeito, o Recorrente só exerce a atividade financeira, não se estando perante atividades económicas distintas;
41.ª Para além disso, não surgem evidenciadas nos autos as efetivas distorções significativas de tributação;
42 .ª Note-se que o facto de a percentagem apurada no cálculo do pro rata ser incrementada pela inclusão nas rendas de locação financeira da parcela de amortização do capital em nada colide com a exigência de ausência de distorções significativas de tributação, uma vez que é uma decorrência natural que deriva da aplicação do método supletivo de dedução parcial, não merecendo qualquer crítica;
43.ª Se houvesse de facto uma distorção significativa de tributação decorrente da inclusão da componente de amortização de capital no cálculo da percentagem de dedução, tal componente seria unanimemente excluída em todas as jurisdições europeias, o que não sucede;
44.ª Sem prejuízo do acima exposto, e ainda que fosse admissível, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, desconsiderar a componente de amortização de capital no âmbito do apuramento do imposto dedutível relativo à atividade de leasing, com base no entendimento de que a consideração daquela componente conduziria a distorções significativas na tributação, certo é que tal argumento não tem qualquer cabimento quanto à atividade de ALD;
45.ª Com efeito, se o que levou quer o Tribunal recorrido, quer o TJUE, a aceitar a exclusão da componente de capital das rendas dos contratos de locação financeira, foi a eventual influência alegadamente pouco rigorosa daquela componente no cálculo do pro rata atenta a natureza dos contratos em causa, é evidente que tal não se verifica no caso dos contratos de ALD;
46.ª Efetivamente, as viaturas usadas no exercício da atividade de ALD são parte integrante do ativo imobilizado da locadora, devendo ser contabilizadas pelo seu valor de aquisição e, durante o período em que a locadora detém a viatura, refletidas as respetivas reintegrações;
47.ª Deste modo, no que se refere à componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de ALD, é ilegítima a exclusão da componente de capital;
48.ª Nem se invoque a impossibilidade de proceder a esta diferenciação como argumento para manter a correção, pois que, estando perante um contencioso de mera anulação, havendo dúvida sobre o facto tributário (cf. artigo 100.º do CPPT), assente no facto de se reconhecer que há uma parcela que não deveria ter sido excluída do pro rata, é quanto basta para concluir que se impõe a anulação dos atos tributários impugnados;
49.ª Resulta assim evidente o erro em que incorreu o Tribunal recorrido quando julgou que a contabilização dos contratos de ALD era irrelevante e que aquela falta de diferenciação não era imputável aos serviços da administração tributária;
50.ª Deste modo, não pode deixar de se impor a anulação dos atos tributários por ilegalidade, devendo determinar-se a revogação da sentença recorrida, com a consequente anulação dos atos tributários impugnados com fundamento em vício de violação de lei consubstanciado na violação do artigo 23.º, n.º 3, do Código do IVA;
51.ª Por último, e sem prejuízo do exposto, incorre ainda o Tribunal em erro de julgamento no que toca à aplicabilidade do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30.01.2009;
52.ª Com efeito, o referido Ofício-Circulado não constitui fonte de direito fiscal, configurando direito circulatório administrativo, sendo que a validade de tal imposição encontra-se sujeita às mesmas regras de validade dos atos administrativos (artigo 268.º da CRP, artigo 77.º, n.º 1 da LGT e artigo 36.º do CPPT), dependendo de uma válida notificação aos interessados, o que no caso em apreço não sucedeu;
53.ª Acresce que, para que operasse uma válida imposição do método da afetação real (artigo 23.º, alínea b) do Código do IVA), impunha-se à administração tributária a demonstração no referido ato das alegadas distorções significativas na tributação – as quais configuram uma condição sine qua non para a imposição do método da afetação real –, só assim se considerando fundamentado;
54.ª Deste modo, nos termos e pelos fundamentos supra expostos, deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e, bem assim, ser corrigido o ato tributário impugnado, com as demais consequências legais;
55.ª Caso não proceda o acima exposto, no que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se equaciona, sempre a sentença recorrida padece de erro de interpretação do princípio geral de direito comunitário da igualdade de tratamento entre sujeitos passivos de diferentes Estados-Membros.
56.ª Nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, uma violação do princípio geral de direito comunitário da igualdade de tratamento consiste na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou da mesma regra a situações diferentes;
57.ª O princípio da neutralidade fiscal constitui o equivalente, em matéria de IVA, do princípio da igualdade de tratamento;
58.ª Nenhuma razão objetiva ou de direito impõe ou permite uma diferenciação na aplicação do método de cálculo da percentagem da dedução que implique a manutenção de critérios distintos entre a base de incidência do imposto e a base de cálculo daquela percentagem por referência à atividade exercida pelo contribuinte;
59.ª Não se impõe aos demais operadores europeus que desenvolvem a atividade de locação financeira a exclusão de valores que compõem a base de incidência do imposto da componente das operações tributáveis que relavam para efeitos do cálculo da respetiva percentagem de dedução;
60.ª Razão pela qual, a interpretação dos artigos 23.º do Código do IVA e 173.º e 174.º da Diretiva 2006/112/CE, nos termos preconizados pelo Tribunal a quo, incorre em violação do princípio geral da igualdade de tratamento, porquanto gera diferenciações de tributação entre as instituições de crédito nacionais que praticam atividades de locação financeira e aquelas que exerçam a mesma atividade noutros Estados-Membros, assim como diferencia o tratamento das primeiras face a outros operadores económicos nacionais que pratiquem atividades que conferem direito à dedução e atividades que não conferem esse direito;
61.ª Em face do exposto deve o imposto respeitante aos inputs comuns ser deduzido na proporção das receitas geradas que conferem o direito à dedução, em concreto as geradas pelo exercício de atividades de locação financeira, devendo revogar-se a sentença recorrida e anular-se o ato ora colocado em crise, com as demais consequências legais;
62.ª Caso assim não se entenda e estando em causa uma questão de interpretação de Direito da União Europeia que suscita dúvidas e assume relevância para a questão decidenda, deverá submeter-se a respetiva interpretação ao Tribunal de Justiça da União Europeia competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.° do TFUE, sendo esse reenvio obrigatório quando o órgão jurisdicional nacional decide em última instância (cf. artigo 267.º do TFUE), sendo a questão a interpretar pelo Tribunal de Justiça da União Europeia a seguinte: “Tendo em conta que, pelo menos 13 Estados-Membros incluem o valor total das rendas de locação no cômputo do pro rata geral aplicável à dedução dos gastos comuns, não desagregando a componente de capital e a componente de juro, não incorre a interpretação do artigo 23.º do Código do IVA, que transpõe para o ordenamento jurídico português, no que ora releva, os artigos 173.º e 174.º da Diretiva 2006/112/CE, no sentido de que apenas a componente de juro concorre para o cálculo do pro rata geral, em violação do princípio da igualdade de tratamento entre os Bancos nacionais e os dos Estados-Membros onde a totalidade das rendas se inclua no apuramento do pro rata, assim como entre os Bancos e os outros operadores económicos nacionais que praticam atividades que conferem direito à dedução e, em simultâneo, atividades que não conferem esse direito?”;
63.ª Por fim, entende o Recorrente que se verificam os pressupostos para a dispensa integral do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, tendo em conta a conduta processual das partes e a tramitação processual, razão pela qual se requer, também quanto a este aspeto, a revogação da sentença recorrida.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, a anulação das decisões administrativas e a anulação dos atos em crise nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA! (…).»

A recorrida Fazenda Pública contra-alegou, tendo concluído nos seguintes termos:

«I. Constitui objeto do presente Recurso a Douta Sentença proferida nos autos acima melhor identificados, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa n.º ........, apresentada contra a autoliquidação de IVA de 2009.
II. Na base do presente processo de impugnação judicial está uma divergência entre o entendimento seguido pela AT e o entendimento advogado pela Recorrente que consiste, grosso modo, em saber se, no que se refere às rendas auferidas no âmbito dos contratos de locação financeira e de ALD, e no que respeita ao método de dedução de IVA relativo aos bens e serviços de utilização mista a aplicar por sujeitos passivos mistos que realizem também tais operações, aquelas devem ou não ser incluídas, na sua totalidade, no cálculo da percentagem de dedução apurada nos termos previstos nos n.ºs 1 e 4, do artigo 23.º, do CIVA (pro rata geral), ou se, ao invés, deve ser apenas considerado no cálculo da percentagem de dedução o valor dos juros contido nas rendas (excluindo a componente relativa à amortização do capital), aplicando-se, assim, o método da afetação real coadjuvado de um coeficiente de imputação específico, tendo em vista a atenuação, ou até, a eliminação das distorções na tributação que resultam, em tais casos, da aplicação do pro rata geral baseado no volume de negócios.
III.De acordo com a posição advogada pela AT e vertida no Ofício-Circulado n.º 30.108/2009, bem como noutras informações e pareceres, elaborada a requerimento da Recorrente, no cálculo da percentagem de dedução não deve ser incluída a componente da amortização de capital das rendas auferidas nos contratos de leasing e ALD, mas tão-só a componente relativa aos juros, posição esta com a qual a Recorrente não concorda pelos motivos expostos na petição inicial e nas alegações de recurso.
IV. O Tribunal a quo delimitou a questão a decidir (questão substantiva controvertida) nos presentes autos do seguinte modo: “(…) consiste em saber se os atos impugnados padecem de ilegalidade, em virtude de a totalidade do valor das rendas da atividade de locação financeira dever ser considerada no cálculo do pro rata de dedução relativo aos custos comuns às atividades isenta e tributada levadas a efeito pelo B....... em 2009 e em virtude de tal poder ser sindicado em sede de pedido de revisão oficiosa do ato de autoliquidação de IVA.”.
V. Considerou a Meritíssima Juiz, na Douta Sentença objeto de Recurso, ser improcedente a presente impugnação judicial por não se verificarem os vícios que a Impugnante apontou à decisão de indeferimento exarada no procedimento de revisão oficiosa, devendo os atos tributários em causa manter-se na ordem jurídica.
VI. Quanto ao invocado pela Recorrente relativamente ao alegado erro de julgamento no alcance e âmbito de aplicação do acórdão do TJUE proferido no processo C-183/13, no sentido de não ser possível retirar do mesmo e do Acórdão do STA proferido a 29/10/2014, no âmbito do processo n.º 01075/13, a conclusão de que o artigo 23.º, do CIVA e a correspondente norma da Diretiva do IVA devam ser interpretados no sentido de se encontrar excluída do cálculo do pro rata de dedução a componente da amortização do capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD,
VII. e de estar em causa nos autos uma situação bem diferente da ali tratada, porquanto considera que o alcance da decisão do TJUE se circunscreve à aferição da possibilidade de, à luz do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, a administração tributária poder obrigar um sujeito passivo à exclusão da componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD para efeitos de cálculo do pro rata de dedução, somos desde já a concluir não lhe caber razão pelos seguintes motivos.
VIII. Desde logo se sublinhe que a posição advogada pela AT, vertida naquele Ofício-Circulado, e que levou, também, ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa aqui em causa foi já confirmada pelo Acórdão do TJUE proferido no processo C-183/13, tendo vindo a ser seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente no Acórdão proferido a 29/10/2014 no processo n.º 01075/13.
IX. Ora, resulta do decidido em tais arestos versarem os mesmos sobre a possibilidade da Administração Tributária impor aos sujeitos passivos, em tais situações, a aplicação do método de afetação real coadjuvado daquele coeficiente de imputação específico ao abrigo da alínea c), do terceiro parágrafo, do n.º 5, do artigo 17.º, da Sexta Diretiva a que corresponde, no ordenamento interno, a parte final do n.º 2, do artigo 23.º, do CIVA, tendo em vista uma aferição do IVA dedutível o mais precisa possível, evitando a ocorrência das denominadas “distorções significativas na tributação” (alínea b), do n.º 3, do artigo 23.º, do CIVA), não querendo, porém, tal conclusão significar, a nosso ver, que a factualidade subjacente a tais decisões judiciais seja “bem diferente” da factualidade que aqui nos ocupa, no sentido advogado pela Recorrente.
X. É que, a única diferença que vislumbramos prende-se com o facto de ali estarmos perante uma liquidação adicional, emitida na sequência de correções efetuadas num procedimento inspetivo, e de, aqui, estamos perante uma autoliquidação em que o Contribuinte alega ter seguido o entendimento da AT, pretendendo, posteriormente, a revisão de tal ato, tendo procedido ao pedido de revisão oficiosa do mesmo, que foi indeferido.
XI. No caso vertente, para além de tal imposição estar já vertida no Ofício-Circulado n.º 30.108/2009, como se refere na Sentença recorrida, o indeferimento do pedido de revisão oficiosa concretizou a “imposição”, por parte da AT, do entendimento segundo o qual, nestes casos, deverá ser aplicado o método de afetação real coadjuvado daquele coeficiente específico em cujo cálculo se inclui apenas o montante das rendas auferidas com os contratos de leasing relativo aos juros, ao invés do pro rata genérico, apurado com base no volume de negócios.
XII.Na verdade, no caso sub judice, e ab initio, não foi sequer necessário o exercício de tal imposição, uma vez que o Contribuinte afirma ter seguido o método advogado pela AT, pelo que, tendo, posteriormente, apresentado pedido de revisão oficiosa de tal autoliquidação, só através do indeferimento do mesmo podia a AT impor o método que, de acordo com as orientações genéricas emanadas, com as normas do CIVA e da Diretiva IVA, bem como com os princípios subjacentes ao Sistema Comum do IVA, se afigura como sendo o mais preciso e mais capaz de observar o princípio da neutralidade.
XIII.Embora na base do litígio estivessem, naquelas situações subjacentes aos mencionados arestos, procedimentos inspetivos no âmbito dos quais a Administração Fiscal procedeu à imposição do método segundo o qual na aferição da percentagem de dedução deveria ser apenas considerado o montante das rendas relativo aos juros, ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 23.º, do CIVA, em detrimento da aplicação do método do pro rata geral previsto no n.º 4 daquele normativo legal, não se nos afigura admissível aceitar que, por estarmos aqui face a uma autoliquidação de IVA, não será de considerar que tais decisões se aplicam ao caso dos autos.
XIV.Outrossim, não podemos aceitar que a decisão proferida pelo TJUE se circunscreva à legitimidade, ou não, da imposição daquele método por força do n.º 2 e da alínea b), do n.º 3, do artigo 23.º, do CIVA, impondo-se, ao invés, a interpretação articulada das normas em apreço, não podendo a mesma ser dissociada, pelo que, ao alegar de tal modo incorre a Recorrente, na nossa visão das coisas, em erro de facto e de direito.
XV. Se, por um lado, o método advogado pela AT e que a Recorrente afirma ter aplicado aquando da elaboração da declaração periódica que consubstancia a autoliquidação de IVA relativa ao exercício de 2009, não pode ser considerado como sendo o método do pro rata genérico previsto no n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, baseado no volume de negócios, mas sim aqueloutro método em que se determina o IVA dedutível através de uma percentagem específica, considerando-se apenas em tal percentagem de dedução a parte das rendas relativa aos juros e não a parte relativa ao capital (seguindo de perto o entendimento advogado pela AT), por outro lado, o que aqui está em causa é a interpretação do artigo 23.º como um todo e a concernente dilucidação do melhor método a aplicar, enquanto método capaz de se afigurar como o mais preciso tendo em vista a observância do princípio da neutralidade.
XVI. Ademais, sublinhe-se, e ao contrário do alegado pela Recorrente, a Administração Fiscal impôs o mencionado método através da decisão de indeferimento exarada no âmbito do procedimento de Revisão Oficiosa apresentado, de acordo com a qual a pretensão da aí Requerente no sentido de não ser aplicável o entendimento vertido no Ofício-Circulado n.º 30.108/2009 não tinha sequer viabilidade jurídica, não se procedendo à revisão do ato de autoliquidação nos termos peticionados.
XVII. Posto isto, refira-se que, tal como decidido na sentença recorrida, o entendimento vertido no Ofício-Circulado n.º 30.108/2009 e propugnado pelo TJUE não poderá ter-se por ilegal, porquanto, e na realidade, admitindo-se que, ao aferir-se com aquele método do pro rata geral de dedução uma medida ou grau aproximado da utilização dos inputs mistos, será preferível, nestes casos em que a inclusão da parte de amortização de capital contida nas rendas desvirtua ainda mais essa percentagem, excluir tal componente do cálculo da percentagem de dedução de forma a apurar de um modo mais preciso o IVA dedutível.

XVIII. É que, no que se refere aos contratos de leasing, procedendo-se à imputação direta do IVA incorrido nas aquisições de veículos objeto de locação financeira a tal atividade (como resulta do probatório) e, mais precisamente, à disponibilização dos veículos (parte das rendas relativa à amortização de capital), só não se afigura possível determinar diretamente a afetação precisa daqueles outros bens de utilização mista utilizados, por isso, sobretudo, naquela atividade de financiamento, cuja remuneração são os juros e outros encargos cobrados ao longo dos respetivos contratos (cfr. Considerando 33, do Acórdão do TJUE proferido no processo C-183/13).
XIX. Assim, sendo possível imputar diretamente aquelas aquisições de veículos à atividade de locação financeira, sendo o respetivo imposto, à partida, liquidado e deduzido na totalidade, não fará sentido que o montante cobrado nas rendas a título de amortização de capital seja novamente considerado no cálculo da percentagem de dedução, sob pena de se incorrer numa dupla dedução de IVA, consequência esta que, repita-se, só pode ter-se por inevitável e inaceitável.
XX. De facto, as distorções significativas na tributação resultantes da aplicação do método previsto no n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, por entidades que celebrem, inclusivamente, contratos de leasing e ALD são uma consequência necessária.
XXI. Evidenciada, assim, a ocorrência daquelas distorções, e estando em causa uma autoliquidação, caberá ao Contribuinte, que invoca o direito a ser restituído do imposto alegadamente pago em excesso, o ónus da prova de que tal situação se não verifica, ou seja, de que não se verificam aquelas distorções na tributação. Ora, no caso em apreço, tal não sucedeu!
XXII. Refira-se, ainda, que o que ocorre com a adoção daquele método não é a alteração de uma componente do método do pro rata geral, previsto no n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, mas sim a adoção do método da afetação real coadjuvado do coeficiente de imputação específico no qual apenas será de considerar, no cálculo da percentagem de dedução, o montante das rendas relativo aos juros, excluindo-se de tal cálculo o montante relativo à amortização de capital.
XXIII.Ora, não poderá proceder o alegado pela Recorrente no sentido de estar em causa, nos presentes autos, situação bem diferente daquelas subjacentes às decisões exaradas pelo STA e pelo TJUE, em que também se fundou a sentença recorrida.
XXIV. Efetivamente, já no âmbito daquele processo n.º 01075/13 (Acórdãos datados de 29/10/2014 e de 25/02/2015, in www.dgsi.pt), foi questionada a (in)aplicabilidade do Acórdão do TJUE ao caso de tais autos por ter a Recorrida alegado que a questão aí em discussão versava sobre norma diferente da que ali estava em causa, tendo o STA decidido ser precisamente a mesma a questão decidenda.
XXV. Também no Acórdão do STA proferido no âmbito do processo n.º 0970/13, (Acórdãos de 03/06/2015 e de 23/09/2015, in www.dgsi.pt), no qual estava em causa um processo de impugnação judicial deduzido contra uma autoliquidação de IVA, tendo por base a matéria também aqui objeto de dissídio, se decidiu ser de aplicar ao caso dos autos a jurisprudência exarada pelo TJUE no processo C-183/13.
XXVI. Ou seja, no encalço da posição vertida nos citados Acórdãos do STA, e embora no Acórdão do TJUE se venha permitir que, ao abrigo da alínea c), do terceiro parágrafo, do n.º 5, do artigo 17.º, da Sexta Diretiva as Administrações Fiscais possam impor aos sujeitos passivos a aplicação daquele método, certo é que tal conclusão terá direta influência na aplicação, ou não, aos casos em análise, do pro rata geral previsto no n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, como doutamente se esclarece naquele Acórdão do STA (de 29/10/2014) quando se refere que “[p] ortanto, a interpretação que deve ser feita do artigo 23º do CIVA, no entender do TJUE, deve englobar necessariamente todos os seus números (…)”.
XXVII. Ademais, se assiste à AT o poder de obrigar o Sujeito Passivo a adotar o método da afetação real, alterando o método por si adotado, quando da aplicação do pro rata de dedução resultem distorções na tributação, ao abrigo do disposto no n.º 2 e na alínea b), do n.º 3, do artigo 23.º, do CIVA, podia e devia a AT indeferir o pedido de revisão oficiosa daquela autoliquidação, assim se concretizando, ao que julgamos, aquela “imposição”.
XXVIII. Acresce só poder concluir-se do que fica dito que, ao contrário do alegado pela Recorrente, estavam, afinal, em causa, nos presentes autos, as mesmas disposições e princípios subjacentes às decisões exaradas pelo STA e pelo TJUE a que a Meritíssima Juiz alude na Sentença objeto de recurso, demonstrando-se, também por esta via, a sua aplicabilidade, não padecendo a Douta Sentença recorrida, ao aplicar ao caso vertente aquela do erro de julgamento em matéria de facto e matéria de direito invocado pela Recorrente, por se referirem a situações em tudo idênticas à que ora nos ocupa.
XXIX. Por outro lado, invoca a Recorrente que o TJUE faz depender a possibilidade de exclusão da componente de capital das rendas dos contratos de locação financeira do pro rata de dedução da verificação da ligação dos bens e serviços de utilização mis ta ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira, e não à atividade de disponibilização de veículos, o que caberia ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
XXX. Neste seguimento, afirma a Recorrente que tal exigência vem coadjuvar o entendimento segundo o qual a lei não legitima a exclusão de uma componente que integra o cálculo efetuado ao abrigo de determinado método, afirmando, ainda, ser “manifestamente distorcedor” o entendimento advogado pela sentença recorrida, por entender não ser admissível ficcionar a separação da renda cobrada nos contratos de leasing em juros e capital, considerando apenas os juros no cálculo da percentagem de dedução, quando o respetivo IVA é liquidado sobre a renda integralmente considerada.
XXXI. Ora, quanto ao assim aduzido pela Recorrente, reafirmando-se que o método advogado pela AT e que encontrou guarida junto do TJUE não é o método constante do n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, mas sim o método da afetação real coadjuvado de um coeficiente específico em cujo cálculo não deve ser considerado o montante relativo a amortização de capital constante das rendas faturadas no âmbito dos contratos de locação financeira, diga-se que não está em causa uma qualquer legitimação da exclusão de uma componente do método previsto naquela norma.
XXXII. Assente que fica esta premissa, não vem a Recorrente concretizar em que medida a não inclusão daquela componente de capital no cálculo da percentagem de dedução a aplicar aos inputs promíscuos é “manifestamente distorcedor[a] do sistema do direito à dedução”…
XXXIII. É que, se bem vemos, e de acordo com as conclusões a que chegou o TJUE, a admissibilidade do método advogado pela Administração Fiscal, bem como da imposição do mesmo nos casos em análise está, precisamente, justificada, por, deste modo, se apurar da forma mais precisa possível o IVA dedutível, em clara observância do princípio da neutralidade fiscal, como, aliás, bem entendeu a Douta Sentença recorrida.
XXXIV. De facto, se com a aplicação daquele método se consegue a aferição de uma percentagem de dedução o mais precisa possível, obviando-se a distorções na tributação que resultariam da aplicação do pro rata geral, não conseguimos vislumbrar como possa tal método ser distorcedor do sistema de dedução.
XXXV. Com efeito, sendo que, para efeitos de liquidação do IVA, ao abrigo do disposto na alínea h), do n.º 2, do artigo 16.º, do CIVA, o valor tributável é a renda recebida ou a receber, tal facto não é capaz de invalidar a aplicação do método de dedução advogado pela AT, porquanto aquela previsão tem subjacente a consecução do princípio da neutralidade, não podendo ser outra a opção senão a preconizada na lei a este respeito, sob pena de se fazer perigar a própria dinâmica do IVA, enquanto imposto que se pauta pela neutralidade tendente a não onerar os operadores intermédios (sujeitos passivos de IVA), no decurso de um determinado circuito económico.
XXXVI. Na verdade, se assim não fosse, não poderia o Estado “reaver” para si o valor deduzido a montante pelo sujeito passivo (locador) aquando da aquisição do bem destinado à locação, não se verificando o normal funcionamento do mecanismo do IVA.
XXXVII. No entanto, não poderá ser despiciendo o facto de, afinal, estarmos perante campos de aplicação diversos, sendo que, não obstante aquela previsão relativa à “incidência” do IVA, na dedução do IVA correspondente, relativo à amortização de capital, e uma vez que o mesmo já foi diretamente deduzido (nos termos do n.º 1, do artigo 20.º, do CIVA), não pode o mesmo IVA ser novamente contabilizado para determinação da percentagem de operações passíveis de dedução, uma vez que tal atuação provocaria um enviesamento, uma distorção na percentagem de dedução definitiva, atendendo a que essa mesma percentagem seria significativa e positivamente influenciada, por via de uma mera restituição de um financiamento, cujo bem subjacente foi já objeto de liquidação e dedução de IVA no momento da respetiva aquisição.
XXXVIII. Na verdade, e ao que julgamos, com a aplicação daquele método não se está a criar uma qualquer distorção do sistema de dedução do IVA, uma vez que o montante incorrido com a aquisição dos veículos objeto dos contratos de leasing foi já efetivamente (liquidado e) deduzido, aquando da respetiva aquisição, havendo, por sua vez, lugar à dedução proporcional do montante de IVA incorrido com os inputs mistos relacionados com o desenvolvimento da atividade de financiamento e gestão dos contratos de leasing.
XXXIX. Como é consabido, o contrato de leasing é equivalente a uma concessão de crédito (mas sujeita e não isenta), pelo que, se se viesse a considerar, no cálculo daquela percentagem de dedução, a parte da renda relativa à amortização de capital, não se considerando apenas o valor dos juros, tal qual ao que sucede nos outros casos de concessão de crédito, verificar-se-ia a falta de coerência nas variáveis em presença no mencionado cálculo, dando assim origem a um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, o que levaria a um direito à dedução ilegítimo.
XL. Pelo que, também nesta parte se deverá considerar, ao contrário do advogado pela Recorrente, que bem decidiu o Tribunal a quo ao considerar que tal argumentação carece de relevância e que o método advogado pela AT, que parte de tal segregação, é um método que se revela mais próximo da realidade, devendo ser, por isso, admitido.
XLI. No que concerne à, alegadamente, necessária e concreta verificação da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento ou gestão dos contratos de locação financeira, refira- se, por um lado, que, apesar do Tribunal a quo ter fundamentado a sua decisão na jurisprudência do TJUE, esta não constituiu seu fundamento único e que, por outro lado, nada foi alegado e comprovado pela impugnante relativamente à necessidade de verificação daquela ligação no sentido de um eventual afastamento do método advogado pela AT (cfr. página 55, da Sentença).
XLII. Com efeito, cremos que o Tribunal recorrido bem andou ao considerar que a ocorrência daquelas distorções na tributação e, por conseguinte, a definição pela AT, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 3, do artigo 23.º, do CIVA, de “(…) método que se revele mais adequado à realidade subjacente às operações em causa”, decorrem da própria natureza da atividade de locação financeira.
XLIII. Na verdade, e se bem vemos, o Tribunal a quo fundamentou, sobretudo, a sua decisão, no facto de a aplicação do método do pro rata geral, previsto no n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, conduzir, nos casos em apreço, a distorções significativas na tributação, violadoras do princípio da neutralidade fiscal.
XLIV. Com efeito, ao assumir-se que o valor do IVA suportado relativo à aquisição das viaturas, ou seja, relativo ao capital, ínsito nas rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing, já foi deduzido logo aquando da aquisição, por se tratar, nesta parte, de uma atividade que confere direito à dedução e em que é possível proceder à imputação direta dos custos inerentes, está-se, também, a assumir que a utilização de bens e serviços comuns (por exemplo, eletricidade ou outros serviços transversais) não será, à partida, na sua maioria, dirigida à disponibilização dos veículos, mas sim ao financiamento e gestão daqueles contratos de locação financeira.

XLV. Aliás, tal demonstração da ocorrência das mencionadas distorções significativas na tributação resultantes da aplicação, no caso vertente, do pro rata geral, capazes de motivar a imposição daqueloutro método de afetação real coadjuvado daquele coeficiente de imputação específico, nos termos do n.º 2 e da alínea b), do n.º 3, do artigo 23.º, do CIVA, resulta bem patente da informação exarada no âmbito do procedimento de Revisão Oficiosa cuja decisão de indeferimento constitui objeto da presente impugnação, resultando, outrossim, da fundamentação de direito constante da Sentença recorrida.
XLVI. A propósito da interpretação da Recorrente no sentido de a interpretação do Tribunal a quo do artigo 174.º, n.º 1, da Diretiva 2006/112/CE (Diretiva do IVA), no sentido de que não se impõe a verificação da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira atenta a natureza primacialmente financeira dos contratos de locação financeira, violar o princípio da tutela jurisdicional efetiva (20.º, n.º 5, da CRP), e os princípios da atribuição, da subsidiariedade e da proporcionalidade e da cooperação leal entre a União Europeia e os Estados, constitucionalmente aceites por força do artigo 7.º, n.º 6., refira-se não lhe assistir também aqui, ao que julgamos, razão.
XLVII. De facto e a acrescer ao que vem sendo dito, está o facto de ser, efetivamente, de primordial importância a natureza financeira dos contratos de leasing, visando-se, primordialmente, com os mesmos, a concessão de crédito.
XLVIII. Não estamos perante uma atividade de compra e venda de automóveis, em que a disponibilização dos veículos constitui o cerne da atividade desenvolvida, mas sim perante contratos cujo objetivo fulcral reside na concessão de crédito para aquisição de veículos, serviço este (de financiamento) cuja remuneração consiste não na parte das rendas cobradas relativa à amortização de capital, mas sim na parte das rendas cobradas relativa aos juros e outros encargos financeiros, daqui resultando também que, na maior parte dos casos, a utilização dos inputs mistos é sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos referidos contratos.
XLIX. Aliás, e no sentido que vem sendo alegado, decidiu o Tribunal Central Administrativo do Norte, no acórdão proferido no processo n.º 02487/15.8BEPRT, a 24/01/2017 (in www.dgsi.pt), o qual foi parcialmente transcrito nas presentes contra-alegações, e cujo teor consideramos ser da máxima relevância para a análise do caso vertente.
L. Com efeito, e não obstante tudo o que antes foi sendo dito, não poderá deixar de se realçar, como no mencionado acórdão se fez e como doutamente concluiu a sentença recorrida, que a Recorrente nunca veio, não obstante conhecer já, à data da propositura da presente impugnação judicial, o acórdão do TJUE proferido no processo C-183/13, alegar e comprovar alguma circunstância capaz de, eventualmente, afastar a aplicação do método explanado no ofício-circulado n.º 30.108/2009, designadamente que a utilização de bens e serviços de utilização mista foi determinada pela disponibilização dos bens objeto de locação (cfr. página 55 da Sentença).
LI. Na verdade, nunca nada foi alegado e comprovado pela Recorrente a esse respeito, não fazendo a aferição daquela ligação, sequer, parte da causa de pedir formulada, aqui residindo, ao que julgamos, o motivo pelo qual não será de aplicar ao caso dos autos a jurisprudência do STA proferida no processo n.º 0331/14, a 27/01/2016, no sentido da baixa dos autos à primeira instância para verificação daquela ligação, porquanto aí, bem como noutros acórdãos proferidos pelo STA que caminharam no mesmo sentido, não tiveram as partes conhecimento do mencionado acórdão do TJUE aquando da propositura das correspondentes ações, não podendo contar com a interpretação aí veiculada (no mesmo sentido do aduzido no Acórdão do TCA Norte, proferido no processo n.º 02487/15.8BEPRT, a 24/01/2017, disponível in www.dgsi.pt).

LII. Assim sendo, cremos inexistir qualquer violação ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, bem como aos princípios da atribuição, da subsidiariedade e da proporcionalidade e cooperação leal entre os Estados-Membros, ao que acresce o facto de, e como afirma a Recorrente, aquela jurisprudência do TJUE deve ser entendida como veiculando orientações interpretativas sobre determinada norma, cabendo, depois, ao juiz nacional a aplicação da norma comunitária ao caso concreto.
LIII. Neste seguimento, afirma a Recorrente que a decisão recorrida deve ser anulada, devendo a presente impugnação judicial ser julgada procedente, determinando-se a anulação dos atos tributários impugnados, por considerar inexistirem elementos nos autos que permitam ao Tribunal a conclusão de que aquela ligação existe, invocando, para tanto, que, estando em causa um contencioso de mera anulação e, no caso controvertido, uma liquidação adicional (?), o ónus da prova caberia à Administração Fiscal, nos termos do artigo 74.º da LGT, o que conduziria (alegadamente) à declaração de ilegalidade dos atos tributários sub judice por falta de prova da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos cont ratos de locação financeira (Página 16 das Alegações de Recurso).
LIV. Ora, entendemos não poder proceder a argumentação assim aduzida pela Recorrente, desde logo porque, refira-se, para além de tudo o que vem sendo aduzido, não estamos perante uma liquidação adicional, mas perante uma autoliquidação, pelo que, e salvo melhor opinião em contrário, o ónus da prova do direito invocado caberá à Recorrente, nos termos do preceituado no artigo 74.º da LGT e 342.º do C.C., estando, por seu lado, devidamente comprovados os pressupostos da atuação da Administração Fiscal no sentido do indeferimento do pedido de revisão oficiosa formulado.
LV. No caso sem apreço, a Recorrente nunca veio provar um qualquer facto capaz de abalar o entendimento da AT, nomeadamente no sentido da por si alegada não verificação das distorções na tributação resultantes da aplicação do método previsto no n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, que, como concluiu a Douta Sentença proferida, se verificam nos casos como o que aqui nos ocupa.
LVI. De facto, só poderá concluir-se que a adoção daquele método advogado pela Recorrente, no caso vertente, levaria inevitavelmente a distorções na tributação, o que, à luz do decidido no Acórdão do TJUE C-183/13, resulta na imposição da adoção do método advogado pela AT, por ser capaz de apurar de forma mais precisa o IVA dedutível, melhor observando o princípio da neutralidade, como admite o TJUE.
LVII. Com efeito, resulta do facto de estarmos perante o desenvolvimento de uma atividade de concessão de crédito, cuja remuneração são os juros e outros encargos financeiros e não a amortização do capital (parte da atividade relativa à disponibilização do veículo) e do facto de, por força da aplicação do pro rata constante do n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, o IVA dedutível concernente à parte de amortização de capital contida nas rendas estar a ser considerado duas vezes, aquando da aquisição através da imputação direta e depois, no cálculo do pro rata geral de dedução baseado no volume de negócios, a conclusão pela ocorrência daquelas distorções na tributação que a Recorrente não veio comprovadamente refutar.
LVIII. No que concerne ao aduzido pela Recorrente quanto à alegada inobservância do princípio do inquisitório pelo Tribunal a quo, julgamos não lhe caber razão, não sendo a decisão recorrida de anular, pois que embora o princípio do inquisitório deva ser observado no âmbito do Processo Tributário, certo é que não podem ser desconsideradas as normas relativas à repartição do ónus da prova, sob pena de as mesmas deixarem de ter qualquer efeito útil no âmbito deste Processo (neste sentido vide o Acórdão do TCA Sul, de 30/10/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07231/13, e Acórdão do TCA Norte, datado de 29/01/2015, proferido no processo n.º 02419/08.0BEPRT, acima parcialmente transcritos e disponíveis in www.dgsi.pt).
LIX. Na realidade, não tendo a Recorrente, nos presentes autos, alegado ou apresentado qualquer prova no sentido da eventualmente contradizer a ocorrência de distorções na tributação, não alegando, nomeadamente, a inexistência daquela ligação dos bens e serviços de utilização mista sobretudo à parte da atividade relativa ao financiamento e gestão dos contratos e não à disponibilização dos veículos, sibi imputet.
LX. Por tudo o que vem sendo dito, e com base na fundamentação da Douta Sentença, entendeu o Tribunal a quo, corretamente, a nosso ver, não serem necessárias quaisquer outras diligências de prova porquanto as referidas distorções na tributação são uma decorrência necessária da aplicação, neste setor de atividade, do método de percentagem de dedução apurado com base no volume de negócios, constante do n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, atendendo, nomeadamente, ao facto de apenas os juros e os outros encargos financeiros constituírem contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos, a que acresceu o facto de a Recorrente não ter vindo alegar e provar nada capaz de infirmar a decisão proferida em sede de revisão oficiosa.
LXI. Desta feita, e pelo que vem sendo dito, nomeadamente no que concerne ao conhecimento pela Recorrente da jurisprudência do TJUE (C-183/13) logo aquando da propositura da presente impugnação, aliado ao facto de nada ter sido alegado acerca da verificação, ou não, daquela ligação, a que acresce o facto de aquelas distorções na tributação decorrerem, nos termos expostos, da aplicação neste tipo de atividade do pro rata geral, consideramos não ser de determinar a requerida baixa dos autos ao Tribunal de primeira instância, nos termos do artigo 662.º do CPC, devendo manter-se a Sentença proferida.
LXII. Consequentemente, deverá considerar-se que o Tribunal a quo bem decidiu, em face do exposto, pela improcedência das pretensões da Impugnante e pela manutenção dos atos impugnados, sendo, por isso, de manter a Sentença recorrida, por não ter incorrido numa errónea interpretação da lei ou da jurisprudência do TJUE, motivo pelo qual somos a advogar a inexistência do alegado erro de julgamento, devendo, a nosso ver e salvo melhor opinião em contrário, aquela decisão manter-se na ordem jurídica.

LXIII. Invoca, ainda, a Recorrente, padecer a Sentença recorrida de erro de julgamento na interpretação e aplicação do artigo 23.º, n.º 3, do Código do IVA, ao entender que não se verifica no caso sub judice qualquer violação daquele normativo legal, estando a administração tributária legalmente autorizada a impor a aplicação do método da afetação real e a exclusão da componente de capital das rendas dos contratos de locação financeira e ALD.
LXIV. Ora, ao contrário do alegado pela Recorrente, consideramos que se encontram preenchidos os pressupostos legalmente previstos necessários à imposição do método em apreço, nos termos dos n.ºs 2 e 3, do artigo 23.º, do CIVA, porquanto, e logo à partida, os requisitos constantes do artigo 23.º, n.º 3, alíneas a) e b), do CIVA não são de verificação cumulativa, sendo, antes, alternativos, o que resulta da inexistência, no texto da norma, da conjunção copulativa “e”.
LXV. No que concerne ao alegado pela Recorrente no sentido de nem a AT nem o Tribunal a quo terem concretizado as referidas distorções na tributação, somos a reiterar o que vem sendo dito a esse propósito, tendo sido a ocorrência de tais distorções nestes casos devidamente evidenciada na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, na contestação apresentada, bem como na Sentença recorrida, ao concluir que o método constante do Ofício-Circulado n.º 30.108/2009 se revela conforme o art.º 173.º, n.º 2, da Diretiva IVA, revelando-se também mais próximo de garantir o respeito pelo princípio da neutralidade.
LXVI. No que concerne ao alegado pela Recorrente no sentido de o entendimento advogado pela AT não se poder justificar para os casos de ALD, entendemos que, também nesta parte, não lhe assiste razão, e isto porque, desde logo, tal não foi sequer aduzido ou peticionado em sede de petição inicial, pelo que, e ao que julgamos, não pode agora a Recorrente pretender ser tal questão objeto de discussão autónoma.
LXVII. Contudo, e não obstante o que se disse, certo é que, nos termos do Ofício-Circulado n.º 30.108/2009, o tratamento a conferir nesta sede em relação aos contratos de locação financeira deverá ser o mesmo tratamento a conferir aos contratos de ALD, por se afigurarem perfeitamente válidas e aplicáveis, também para este tipo de contratos, as motivações que subjazem à aplicação daquele método aos contratos de locação financeira, nomeadamente no que se prende ao tipo de atividade realizada, de concessão de crédito, só podendo falecer a argumentação da Recorrente em tal sentido.
LXVIII. Aliás, se como parece vir (só) agora afirmar a Recorrente, estão incluídas nos cálculos por si efetuados ambas as realidades, quer significar que a mesma as sujeitou ao mesmo tratamento fiscal, entendendo que em relação a ambas seria de aplicar o método advogado pela AT, não tendo a Recorrente, no seu pedido, procedido a qualquer discriminação, sendo certo que, repita-se, o entendimento advogado pela AT nesta sede se deve aplicar a ambas as realidades, por identidade de razões.
LXIX. Assim, e pelo que fica dito, entendemos não ter o Tribunal recorrido incorrido no alegado erro na interpretação e aplicação do artigo 23.º do CIVA, não devendo, por conseguinte, ser revogada a sentença recorrida nem anulados os atos tributários impugnados por não padecerem do alegado vício de violação de lei consubstanciado na violação do n.º 3, do artigo 23.º, do CIVA.
LXX. Vem, ainda, a Recorrente invocar um alegado erro de julgamento na aplicação do Ofício- Circulado n.º 30.108/2009, por considerar que o mesmo não é fonte de direito fiscal, configurando direito circulatório administrativo, pelo que, pretendendo a Administração Fiscal impor um comportamento a um conjunto de determinados sujeitos passivos, tal orientação não cumpre os requisitos necessários à valida imposição de tal método.
LXXI. Ora, quanto ao aduzido a tal respeito, só poderá, ao que julgamos, ser de acompanhar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, porquanto sempre a AT estava legitimada a indeferir um pedido de revisão oficiosa de uma autoliquidação ao abrigo de instruções genéricas por si exaradas, constando a imposição daquele método do ofício-circulado n.º 30.108/2009, a que os serviços da AT se encontram vinculados por força do preceituado no artigo 68-A, da LGT.
LXXII. Na verdade, e logo à partida, nem na lei, mais precisamente no n.º 2, do artigo 23.º, do CIVA, se prevê qual o modo pelo qual se deve operar aquela imposição, sendo certo que, face àquela vinculação, só poderia considerar-se estarem estes serviços em condições de, com base em tal orientação administrativa (que contém em si aquela imposição, como decidiu o Tribunal a quo), “impor” ao Sujeito Passivo a aplicação da mesma através da prolação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa devidamente notificada à Recorrente.
LXXIII. Não poderá olvidar-se a possibilidade “genérica” que é dada aos Estados-Membros, nos termos da alínea c), do n.º 2, do artigo 173.º, da Diretiva IVA, e dos n.ºs 2 e 3, do artigo 23.º, do CIVA, no sentido de poderem impor aos sujeitos passivos outros métodos mais precisos de determinação do IVA dedutível, obstando à ocorrência de distorções significativas na tributação.
LXXIV. Assim, e como resulta da decisão do Tribunal recorrido, à AT assiste um poder genérico de imposição de determinados métodos de dedução quando dos mesmos resulte uma aferição mais precisa do IVA dedutível, ao abrigo do disposto nos n.ºs 2 e 3, do artigo 23.º, mas também do artigo 87.º, todos do CIVA, ao que acresce o facto de estar aqui em causa um entendimento que encontra guarida nas respetivas normas do CIVA e da Diretiva IVA vigentes à data dos factos.
LXXV. Contudo, não deverá ser despiciendo que a invocação daquele vício de falta de notificação apenas faria sentido no caso de se entender que tal ofício-circulado era um ato administrativo, com efeitos vinculativos sobre os Contribuintes, o que não se verifica, por serem os Ofícios-Circulados instruções emanadas pelos serviços no sentido de uniformizar a interpretação e a aplicação das normas tributárias, não configurando atos administrativos como se encontram definidos no artigo 148.º, do CPA.

LXXVI. Não obstante, na situação sub judice, o entendimento da AT foi reafirmado e devidamente fundamentado na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado e notificada ao Sujeito Passivo para a concreta situação controvertida, de acordo com o disposto nos artigos 268.º da CRP, 77.º, n.º 1, da LGT e 36.º do CPPT.
LXXVII. No que se refere à demonstração, pela Administração Tributária, das distorções significativas na tributação resultantes da aplicação do método previsto no n.º 4, do artigo 23.º, do CIVA, somos a reafirmar que as mesmas se encontram devidamente demonstradas naquele Ofício-Circulado, bem como na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa proferida, por configurarem uma decorrência necessária da aplicação daquele método por sujeitos passivos mistos neste setor de atividade, sendo de improceder, também aqui, a argumentação da Recorrente, encontrando-se cumprida a condição prevista na alínea b), do n.º 3, do artigo 23.º, do CIVA.
LXXVIII. Concludentemente, julgamos, mais uma vez, ser de improceder a argumentação da Recorrente aduzida a este respeito, devendo manter-se na ordem jurídica a decisão judicial recorrida.
LXXIX. No que concerne à alegada violação do princípio da igualdade de tratamento invocada pela Recorrente e à questão a este propósito formulada para reenvio prejudicial para o TJUE, somos a acompanhar na íntegra a posição assumida a este respeito na Sentença recorrida, devendo considerar-se, face ao aí aduzido e à concreta densificação que deve ser conferida a tal princípio no âmbito de funcionamento do sistema comum do IVA, que a aplicação do entendimento advogado pela AT a este respeito e vertido no Ofício-Circulado n.º 30.108/2009, não viola aquele princípio da igualdade, antes tutelando mais o princípio da neutralidade, pelo que se deve considerar não se justificar face a tudo o que vem sendo dito, o reenvio da questão naqueles moldes formulada pela Recorrente, o que se deve concluir também do facto de a questão de mérito aqui controvertida ter sido já decidida pelo TJUE.
LXXX. Pelo que se vem dizendo, julgamos não assistir razão à Recorrente, não tendo a Douta Sentença recorrida incorrido em erro de julgamento em matéria de facto e em matéria de direito, não devendo ser revogada por ter procedido a uma correta aplicação do direito aos factos.
LXXXI. No que se refere ao segmento decisório da Douta Sentença em que não foi dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça acima dos 600.000,00€, somos a acompanhar a posição da Recorrente, no sentido de que, atendendo à conduta processual das partes e à tramitação processual verificada no caso vertente, se poderá concluir, salvo o devido respeito por opinião em sentido contrário, estarem verificados os pressupostos de que a lei faz depender a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça acima dos 275.000,00€.
LXXXII. Não obstante tudo o que fica dito, e nos termos do preceituado no artigo 636.º, do CPC, aplicável por força da alínea e), do artigo 2.º do CPPT, somos, apenas a título subsidiário, prevenindo a hipótese de o Tribunal conceder provimento ao presente recurso, ou seja, apenas no caso de ser proferida decisão judicial no presente Recurso no sentido de ser revogada a Sentença recorrida e ser determinada a procedência da impugnação judicial apresentada e consequente anulação dos atos impugnados nos termos peticionados, o que sem conceder, apenas por mero raciocínio académico se admite, a impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto quando refere que “não existem factos não provados, em face de possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa”.
LXXXIII. Assim, consideramos, que deveriam ter constado do probatório os seguintes factos que podem ser relevantes para a decisão da causa e que não foram dados como provados:
a) Na informação n.º 1295, de 23/03/2015, da DSIVA, que esteve na base da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, foi referido, para além do mais, no respetivo ponto 62.º, que “Acresce que, se não se verificassem os impedimentos referidos, a metodologia, pressupostos e cálculos utilizados pelo Requerente ainda teriam de ser confirmados pela Inspeção Tributária, não se tendo procedido a qualquer diligência instrutória.” (facto evidenciado na informação n.º 1295, de 23/03/2015, da DSIVA, constante do procedimento de revisão oficiosa apenso ao PAT).
b) De acordo com a informação sobre a matéria de facto efetuada pela DSIVA, foi salvaguardado que “[a] este respeito, é de informar que, como referido no ponto 62 da informação fundamentadora do despacho impugnado, tendo sido decidido que, tal como alegadas, as pretensões do Requerente não tinham viabilidade jurídica, não se procedeu a qualquer diligência instrutória tendente ao apuramento dos factos que suportavam o pedido, designadamente no que concerne à metodologia de apuramento dos valores que pretende regularizar. Acresce que na PI não são alegados factos novos. (…) Desta forma, não se tem conhecimento se estão corretos os factos e valores considerados no recálculo da dedução do imposto, não tendo havido instrução no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, atenta a existência de questões que obstavam ao conhecimento do pedido. Acresce que a procedência da pretensão aduzida na revisão oficiosa dependeria de comprovação dos factos alegados no articulado, o que só seria possível mediante solicitação, para o efeito, aos Serviços de Inspeção Tributária.” (facto evidenciado na informação sobre a matéria de facto n.º 2104, de 26/10/2015, da DSIVA, junta ao PAT)
LXXXIV. Na verdade, tendo sido dados como factos provados que os valores encontrados pela Recorrente derivaram dos cálculos por si efetuados e evidenciados nos quadros juntos com o pedido de revisão oficiosa, não poderá deixar de considerar-se, em caso de eventual procedência do presente Recurso, o que apenas por mero exercício académico se admite, sem conceder, que os mesmos não foram verificados pelos competentes serviços da AT derivado do facto de, no entendimento dos serviços, e à partida, as pretensões da ora Recorrente não terem viabilidade jurídica, não se tendo procedido à revisão oficiosa daquele ato de autoliquidação.
LXXXV. Assim, não se deu como facto provado que tais cálculos e tais valores peticionados não foram, face à inviabilidade jurídica da pretensão da Recorrente que determinou o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, objeto de qualquer confirmação, pelo que os factos acima indicados se podem tornar da maior relevância.
LXXXVI. Assim, e porque não se procedeu à revisão oficiosa do ato de autoliquidação em causa, nunca poderia determinar-se o reembolso, sem mais, do montante peticionado, atendendo, desde logo, ao princípio da verdade material que deve enformar o contencioso tributário.
LXXXVII. Mais se diga que, por força da decisão proferida no sentido da improcedência da presente impugnação judicial, a análise da questão relativa ao prazo de caducidade e inadmissibilidade do pedido de revisão oficiosa que levou, outrossim, ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa aqui em causa, ficou prejudicada, pelo que, em caso de procedência do presente recurso, o que sem conceder, apenas por mero exercício académico se admite, deve a mesma ser apreciada, e caso entenda o Tribunal ad quem julgar em substituição, ser observado o previsto no artigo 665.º do CPC, ex vi alínea e), do artigo 2.º, do CPPT.
LXXXVIII. Em conclusão, e por tudo o quanto ficou dito, deverá o presente Recurso Jurisdicional ser julgado improcedente, mantendo-se a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, para todos os devidos efeitos legais, salvo no que respeita ao segmento decisório relativo à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos expostos .

Termos em que, atento o exposto, deverá o presente Recurso Jurisdicional ser julgado improcedente, por não provado, devendo, em consequência, a Douta Sentença do Tribunal a quo manter-se, para todos os devidos efeitos legais. Pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!»

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto neste TCA Sul emitiu douta pronúncia no sentido da procedência do recurso e revogação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central que importa resolver consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao considerar que a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode impor a uma instituição de crédito que seja sujeito passivo misto em sede de IVA (ou seja, que exerce actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas) que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância, deixou-se consignado em sede factual:
«
1) Foi emitida, pela área de gestão tributária do IVA – gabinete do subdiretor-geral dos impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n.º 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte:

“1. O ofício circulado nº 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.
2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou prorata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do prorata conduza a distorções significativas na tributação (nº 3 artº 23º).
3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.
4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.
5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.
6. Face à anterior redacção do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.
No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do nº 4 do artigo 23º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um prorata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.
7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não sejapossível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.
Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA” (cfr. documento que antecede a presente sentença).
2) O B......., no exercício da sua atividade, realizou, designadamente em 2009, operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação financeira (facto não controvertido, que se extrai dos art.ºs 8.º e 9.º, da petição inicial).



3) No âmbito das operações de locação financeira referidas em 2), eram pagas ao B......., pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira (componente capital) e outra parte relativa a juros e outros encargos (facto não controvertido, que se extrai dos art.ºs 15.º a 17.º, da petição inicial).
4) Durante o ano de 2009 o B....... apurou um valor de capital associado a operações de locação financeira (facto não controvertido, evidenciado nos mapas constantes de fls. 22 a 41 e 122 a 202, do processo administrativo – vol. 2).
5) Durante o ano de 2009, o B....... suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 2), respeitavam (facto não controvertido, que se extrai do art.º 10.º, da petição inicial).
6) Em 2009, o B....... utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:
a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;
b) Pro rata, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 5) (facto não controvertido, que se extrai do art.º 12.º, da petição inicial).
7) A impugnante calculou, para o ano de 2009, um pro rata definitivo de 8%, correspondente à relação entre o numerador no valor de 206.557.114,95 Eur. e o denominador no valor de 2.860.822.600,46 Eur. (facto não controvertido, evidenciado no mapa constante de fls. 22 e 23, do processo administrativo – vol. 2).
8) No cálculo mencionado em 7), não foi considerado o valor das rendas referidas em 3) relativo a amortização financeira (facto não controvertido, evidenciado nos mapas constantes de fls. 22 a 41, do processo administrativo – vol. 2).
9) A impugnante submeteu, em 10.02.2010, a declaração periódica de IVA, considerando os métodos mencionados em 6) e 7), relativa a dezembro de 2009, na qual declarou o seguinte:
a) Campo 91 (imposto a favor do sujeito passivo): 13.316.760,32 Eur.;
b) Campo 92 (imposto a favor do Estado): 16.446.735,33 Eur. (cfr. fls. 211 e 212, do processo administrativo – vol. 2).
10) Em data não concretamente apurada mas anterior a 10.02.2014, impugnante calculou, para o ano de 2009, um pro rata de 20%, correspondente à relação entre o numerador no valor de 681.765.700,43 Eur. e o denominador no valor de 3.524.524.372,70 Eur. (facto não controvertido, evidenciado no mapa constante a fls. 122 e 123, do processo administrativo – vol. 2).
11) No cálculo mencionado em 10), foi considerado o valor das rendas referidas em 3) relativo a amortização financeira (facto não controvertido, evidenciado nos mapas constantes de fls. 122 a 202, do processo administrativo – vol. 2).
12) Na sequência do referido em 10) e 11) e através de documento escrito, remetido aos serviços da AT, via correio postal registado, a 10.02.2014, a impugnante apresentou pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IVA relativa a dezembro de 2009 (cfr. fls. 2 a 216, do processo administrativo – vol. 2).
13) Na sequência do referido em 12), foi autuado o procedimento de pedido de revisão oficiosa n.º ........ (cfr. fls. de capa, do processo administrativo – vol. 2).

14) No âmbito do procedimento mencionado em 13), foi elaborada informação, datada de 05.03.2015, no sentido do indeferimento do pedido de revisão oficiosa referido em 12), constando da mesma designadamente o seguinte:
“…

S. R.
Tribunal Central Administrativo Sul








53



«imagem no original»




…” (cfr. fls. 28 a 33 verso, dos autos, e fls. 233 a 244, do processo administrativo – vol. 2).
15) Sobre a informação mencionada em 14) e após parecer de concordância foi proferido, a 26.03.2015, despacho de indeferimento do pedido de revisão referido em 12) (cfr. fls. 28 a 33 verso, dos autos, e fls. 233 a 244, do processo administrativo – vol. 2).
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.

*
MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos e na posição assumida pelas partes, conforme indicado em cada um desses factos.
*

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


Antes de mais e sobre o pretenso lapso do recorrente ao dirigir o recurso ao TCA quando o queria dirigir ao STA, a verdade é que por despacho do relator proferido naquele alto tribunal (para onde os autos subiram no seguimento do provimento concedido à reclamação do despacho de não admissão do recurso), foi ordenada a baixa dos autos a este tribunal, que aqui se julga ser o hierarquicamente competente, porquanto, como decorre nomeadamente do ponto 15.º das doutas conclusões vem expressamente impugnada a decisão com fundamento em “erro de julgamento em matéria de facto”, que o recorrente faz assentar em ausência de base factual que permita ao tribunal aferir da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento ou à gestão dos contratos de locação financeira.

Como constitui jurisprudência uniforme do STA, vertida em inúmeros acórdãos, imputando o recorrente erro de julgamento da matéria de facto, por deficit instrutório o recurso não versa exclusivamente sobre matéria de direito, pelo que a competência para o seu conhecimento pertence ao Tribunal Central Administrativo (artigos 38.º, alínea a) e 26.º, alínea b) do ETAF).

Prosseguindo,

Conforme já se deixou anteriormente referido, a questão central do presente recurso consiste em saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao considerar que a Autoridade Tributária e Aduaneira pode impor a uma instituição de crédito que seja sujeito passivo misto em sede de IVA (ou seja, que exerce actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas) que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros e outros encargos, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e ALD, no entendimento de que a inclusão da globalidade da renda implica distorções significativas na tributação.

Como em síntese conclusiva se remata na sentença recorrida, «considerando a jurisprudência Banco Mais, em regra o método proposto pela AT é aquele que assegura maior respeito pelo princípio da neutralidade, dado que o mesmo permite evitar distorções significativas na tributação, evidenciadas, desde logo, pela circunstância de uma parcela das rendas (a relativa à amortização financeira), que não consubstancia proveito do locador, aumentar exponencialmente o pro rata de dedução. Como tal, caberia, in casu, à impugnante alegar e provar factualidade que lograsse demonstrar que os custos comuns foram igualmente determinados pela disponibilização dos bens objecto de locação, o que não sucedeu».

A questão em causa nos presentes autos já se colocou por diversas ao Supremo Tribunal Administrativo, que tem respondido de forma uniforme nos diversos Acórdãos proferidos a seu respeito – veja-se, a título de exemplo, os Acórdãos proferidos pela Secção do CT do STA a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, a 3 de Junho de 2015 no Processo n.º 0970/13, a 17 de Junho de 2015 no Processo n.º 01874/13, a 27 de Janeiro de 2016 no Processo n.º 0331/14 e a 15 de Novembro de 2017 no Processo n.º 0485/17 (Acórdão Fundamento).

Seguiremos a mesma orientação jurisprudencial, não só por ser aquela que se encontra actualmente consolidada mas também visando obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, como preconizado no art.º 8.º, n.º 3 do Código Civil.

Tal como aconteceu nos arestos acima referidos, também nos presentes autos se verifica que a questão a decidir é em tudo idêntica à que foi objecto de pronúncia pelo TJUE a 10 de Julho de 2014 no processo n.º C-183/13 (Acórdão Banco Mais), na sequência de pedido de reenvio suscitado por este STA no âmbito do processo n.º 1017/12.

A questão formulada pelo STA ao TJUE foi a seguinte: “Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?”.

E o TJUE emitiu pronúncia nos termos seguintes: “O artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar”.

Conforme se explicitou no Acórdão proferido pelo STA a 17 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 01874/13, aquilo que o TJUE concluiu é “que a norma comunitária não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista (edifícios, consumos de electricidade, serviços transversais, etc., que sejam utilizados indistintamente para a realização de operações que confiram e não confiram direito à dedução do IVA suportado), apenas a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos”.

E isto porque “na apreciação do TJUE, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios (que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos), leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel”.

Esta jurisprudência do TJUE é transponível para o caso dos autos. Com efeito, o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA dispõe que: “Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação” (sublinhado nosso).

Porém, importa considerar que esta possibilidade concedida aos Estados-Membros apenas se revela possível na medida em que o método seguido garanta uma determinação mais precisa do pro rata de dedução que resulta do critério baseado no volume de negócios (vide, assim, o cit. Acórdão Banco Mais).

Por outras palavras, e como já se consignou no Acórdão do STA proferido a 4 de Março de 2015, no Processo n.º 081/13, “a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação comunitária. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratosaqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta –”. Aquilo que importa, portanto, é que “sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos” (sublinhados nossos).

Sucede que, tal como alega o recorrente, compulsado o probatório fixado na sentença recorrida, não é possível descortinar se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte do recorrente foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos.

Com efeito, não se prestam a uma base factual segura meros juízos conclusivos de que “a actividade principal da locadora não consiste na compra e venda de bens, não obtendo lucros por essa via, mas tão-só na concessão de crédito para aquisição de bens”, ou imprecisos como o de que “a situação em apreço se enquadra na maioria dos casos a que se refere o T.J.U.E.”.

Também julgamos que a questão de saber se utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte do recorrente foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos, não se reconduz à do ónus de prova, como foi entendido na sentença recorrida.

Se bem interpretamos a leitura que o STA vem fazendo do citado acórdão do TJUE no caso “Banco Mais” essa indagação incumbe oficiosamente ao tribunal nacional enquanto pressuposto prévio da decisão de validação (ou não) do método de cálculo do direito à dedução aplicado pela Administração Tributária e Aduaneira, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, posto que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel.


Devem, pois, os autos, baixar ao tribunal recorrido para indagar se, em concreto, se constata, como sublinha o TJUE, que embora a realização, por um banco, de operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa, possa implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou certos serviços transversais, na maioria dos casos esta utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos.

Assim, com a presente fundamentação, haverá que conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para ampliação da base factual nos termos indicados, ao que se proverá na parte dispositiva do acórdão.

Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões recursivas.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

i. Conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos acima preconizados e prolação de nova decisão conforme.

ii. Custas pela Recorrida, que contra-alegou, com dispensa total do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, atendendo ao carácter parcialmente remissivo da presente decisão, o que a torna de “complexidade inferior à comum”.

Lisboa, 27 de Maio de 2021

O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, tem voto de conformidade com o presente Acórdão a Juíza Desembargadora Luísa Soares, votando vencido o Juiz Desembargador MÁRIO REBELO].

Vital Lopes

DECLARAÇÃO DE VOTO
Voto vencido, com os fundamentos constantes do ac. do TCAN n.º 02487/15.8BEPRT, de 24-01-2017, de que fui relator.
Mário Rebelo