Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1600/09.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:FALTA, INSUFICIÊNCIA OU IRREGULARIDADE DE PODERES DE MANDATO JUDICIAL
ARTIGO 48.º N.º 2 DO CPC
Sumário:I. A falta ou irregularidade do patrocínio judicial no processo, constitui uma situação diferente da falta ou irregularidade do poder de representação da impetrante que nos se apresente sem poderes de representação, quando o processo se encontra regularmente patrocinado ou o patrocinio não é obrigatório nos termos da lei, sendo também diferentes as consequências jurídicas que daí possam advir em termos processuais.
II. A falta ou irregularidade do patrocínio pode conduzir a absolvição da instância, enquanto a que a falta ou irregularidade de poderes de representação da impetrante num processo regularmente patrocinado ou naquele em que o patrocínio não é obrigatório apenas e só, tem como consequência a que se encontra prevista no n.º 2 do artigo 48.º do CPC, ou seja, a de fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado.
III. A falta ou irregularidade do mandato deve ser notificada à parte dado que só a própria pode suprir a insuficiência ou a irregularidade por se tratar de um ato que só a mesma deve praticar.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A..., melhor identificada nos autos, veio deduzir Impugnação Judicial contra a decisão de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa de acto tributário de liquidação de Imposto Municipal de Sisa n.º 3.../2008 do Serviço de Finanças de Lisboa 10.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 27 de setembro de 2019, absolveu a Fazenda Pública da instância

Inconformada, A..., veio recorrer da decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

« I – Da inexecução do despacho de 22-03-2019 pela Secretaria Judicial:

a. O tribunal ad quo, no seu despacho de 22-03-2019, ordenou que a parte fosse expressamente notificada para juntar procuração e ratificar o processado sob pena de ficar sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, in causa, o requerimento apresentado em 05-04-2018, pela Exma Sra Dra M..., ou seja, com a cominação legal prevista no n.º 2 do art.º 48.º do CPC.

b. Ordenou, assim, o Tribunal que fosse notificada a Impugnante, para apresentar a procuração forense, ou seja, deu uma ordem expressa à secretaria do tribunal para notificar a Impugnante para apresentar a procuração forense.

c. O tribunal decidiu, portanto, que a Impugnante fosse especialmente advertida para esse efeito.

d. Assim, a execução deste despacho consistiria em remeter pela secretaria uma carta ao mandatário, com a expressa advertência para este juntar procuração, o que não sucedeu nos termos ordenados.

e. Conclui-se, portanto, que a secretaria não chegou a executar o despacho que foi dado, sendo que nos termos do n.º 6 do artigo 161.º do CPC "os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes".

f. No mesmo sentido dispõe o n.º 1. e 4 do artigo 60.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que:
g. "(...)
h. 1 - O ato administrativo não é oponível ao interessado quando a notificação ou a publicação, quando exigível, não dêem a conhecer o sentido da decisão. (...)
i. 4 - Não são oponíveis ao interessado eventuais erros contidos na notificação ou na publicação, no que se refere à indicação do autor, da data, do sentido ou dos fundamentos da decisão, bem como eventual erro ou omissão quanto à existência de delegação ou subdelegação de poderes. "

j. Assim, deve considerar-se não cumprida a ordem dada à secretaria e, como tal, não cumprido o despacho que ordenou a notificação à Impugnante para juntar procuração forense e ratificar o processado, pelo que e em consequência deve revogar-se a decisão recorrida, também por este motivo.

II - Da necessidade/obrigação de notificar a parte para ratificar o processado:

k. O n.º 2 do artigo 40° impõe que, antes de anular todo o processado, seja notificada a parte, ou - pelo menos - também a parte para, num determinado prazo suprir a falta ou corrigir o vício e ratificar o processado.

l. Desde logo porque é a parte quem tem os poderes para ratificar o processado, ou seja, para sanar o vício.

m. De forma análoga, também nos casos de incapacidade judiciária e irregularidade de representação deve ser citado quem tem o poder de ratificar e não quem está em juízo irregularmente.

n. Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-03-2009, proc. 09ª0330, disponível em www.dgsi.pt, “seria até contraditório, parece-nos, defender-se ser de tomada por válida e eficaz uma notificação para a prática de actos em representação e por conta da parte a mandatário judicial sem mandato da mesma ou com mandato já declarado insuficiente ou irregular".

o. Por outro lado, a ratificação do processado é do interesse primeiro da própria parte, pelo que se deve assegurar que esta tem conhecimento da necessidade de ratificar o processado (cfr. v.g. Ac. STJ de 04-03-2007, proc. 96ª007, disponível em www.dgsi.pt).

p. A obrigação de notificar a parte, e não apenas o mandatário, para que se possa aplicar a sanção prevista no n.º 2 do artigo 40° do CPC é jurisprudência uniforme no Supremo Tribunal de Justiça.

q. É, em especial, jurisprudência uniforme do Tribunal Central Administrativo Sul e do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. v.g. Ac. TCA Sul de 30-09-2008, proc. n.º 00737/ 03, de 17-06-2008, de 17-06-2008, proc. 02271/08, do STA de 23-05-1.995, proc. 01.9522, todos disponíveis em www.dgsi.pt ).

r. Quando o advogado protesta juntar procuração, a jurisprudência tem entendido até que, ainda antes de ser notificada a parte, deve ser notificado o mandatário para juntar a procuração.

s. Só se o mandatário não juntar a procuração no prazo fixado é que se notifica a parte para o fazer e ratificar o processado.

t. Com efeito, os motivos que levam à obrigação de notificação da parte (interesse próprio da parte, ratificação na sua exclusiva disponibilidade, etc) não se alteram pelo facto de o advogado ter ou não protestado juntar a procuração.

u. Em qualquer caso (quer o mandatário tenha protestado juntar, quer não o tenha feito) nunca o tribunal poderia extinguir a instância sem antes notificar a parte.

v. Não só o tribunal teria sempre que notificar a parte antes de extinguir a instância, como - de acordo com a própria doutrina que cita - quando notifica o advogado que protestou juntar a procuração, não está sequer ainda a aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 40º do CPC.

w. Tem sido jurisprudência uniforme dos tribunais superiores que apresentado articulado subscrito por advogado que não junta procuração, deve este ser notificado para a apresentar acompanhada de ratificação do processado, se disso for caso.

x. Mas, porém, se o advogado não fizer, essa omissão não determina, de imediato, a aplicação do disposto na segunda parte do n.º 2 daquele artigo 40°, devendo notificar-se a parte para o mesmo efeito e só então, se se repetir a inércia, havendo lugar à aplicação da cominação ali prevista.

y. Esta é também a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, cfr. v.g. acórdãos de 03-06-2003, proc. 06338/ 02 e de 18-01-2000, proc. 1686/99.

z. Isto significa que os tribunais devem procurar, em primeiro lugar, a composição do conflito material subjacente, ou seja, procurar uma decisão de mérito.

aa. Nesse sentido vai o n.º 2 do artigo 265° do CPC e o n.º 3 do artigo 288° do CPC.

bb. Mas no CPTA, este princípio está expressamente consagrado no artigo 6°.

cc. Por outro lado, tanto no CPC como no CPTA estabelece-se os princípios da cooperação e da boa-fé processuais; no primeiro caso nos artigos 266º e 266°-A, no segundo, no artigo 8°.

dd. Em face do exposto, a interpretação formalista de normas processuais e comportamento contra o favor do processo, e designadamente contra o princípio in dúbio pro habilitate instantie, viola as referidas normas legais.

ee. Com efeito, atendendo a todas as circunstâncias do processo, fácil concluir que a sentença recorrida viola os referidos princípios do favorecimento do processo.

ff. Mas considerando ainda que: a) se trata de um processo que decorria há mais de 10 anos sem qualquer decisão de mérito, total ou parcial; b) que a primeira intervenção da Exma Sra Dra M... só ocorre em 05- 04-2018; e que existem mandatários constituídos nos presentes autos deste a entrada da petição inicial em juízo; c) que não consta dos autos que os mandatários identificados na procuração junta com a p.i. - Exmo Sr. Dr. J... e Exmo Sr. Dr. A... - tenham renunciado ao mandato; d) como também não consta dos autos que a Impugnante tenha revogado o mandato aos referidos Advogados; e) que o Despacho tenha sido cumprido pela Secretaria do Tribunal nos termos promovido pelo Ministério Publico e ordenados pelo Mm.º Juiz; e) que não foi notificada a parte para ratificar o processado; considerando tudo isto, a decisão de terminar abruptamente um processo como foi, de forma fulminante, deve considerar-se de tal modo desadequada e desproporcional face ao interesse em regularizar a instância que, para além de violar os princípios pro actione e de cooperação e boa-fé processuais, viola ainda o disposto no artigo 20º e 202º da Constituição da Republica Portuguesa, pelo que e em consequência deve revogar-se a decisão recorrida, também por este motivo.

III - Do Mandato "originariamente" conferido na procuração junta com a PI:

gg. o mandato conferido aos Exmos Senhores Dr. J... e Dr. A..., mantém-se válido.

hh. No limite, existe excesso de mandato.

ii. A parte, também não foi notificada para esse efeito.

jj. Assim, e porque a revogação e a renúncia do mandato têm que ser requeridas no próprio processo e notificadas, tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária, o mesmo continua válido nos termos do disposto no art.º 47.º do CPC.º, pelo que e em consequência deve revogar-se a decisão recorrida, também por este motivo.

IV - Da restrição injustificada ao direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva:

kk. Por outro lado, uma decisão que, face a todo este histórico, extingue - sem mais - a instância, restringe de forma injustificada o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva.

Termos em que, e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado, revogando a decisão proferida e propalando em consequência Acórdão que revogue a sentença recorrida e determine a baixa dos autos ao Tribunal Tributário de Lisboa para prosseguimento dos mesmos.

DecidindIo desta forma se fará a costumada JUSTIÇA!»


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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Com dispesa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

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2 – OBJECTO DO RECURSO

Antes de mais, importa referir que, independentemente das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito de intervenção do tribunal (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de junho).

Assim e constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Termos em que a questão sob recurso que importa aqui decidir é a de saber se a sentença padece de erro de julgamento ao decidir absolver da instância a Fazenda Publica face à falta da junção de procuração, protestada juntar, por um dos intervenientes processuais, sendo que os autos havia outros mandatários constituídos com procurações validas.


3 - FUNDAMENTAÇÃO
De facto

Pese embora o texto decisório não tenha destacado factos provados e não provados, dá-se como provado a seguinte factualidade, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, com relevo para a decisão do recurso:

1. A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi apresentada no Tribunal Tributário de Lisboa em 27/08/2009 pelo mandatáio da Impugnante, J... – cfr. fls. 2 a 20 dos autos

2. Junto com a petição foi apresentada cópia certificada da procuração em que a impugnante, A..., constitui seu bastante procurador a Sociedade de Advogados V..., M..., A... & Associados, nas pessoas do Sr. Dr. J... e Sr. Dr. A... a quem confere todos os poderes gerais para a representar em qualquer tribunal e em qualquer processo em que seja Autora, Ré ou por qualquer outra forma interessada e ainda os de estabelecer uma e mais vezes - cfr. fls. 21 e 22 dos autos

3. Em 09/03/2018 foi proferido despacho nos autos a solicitar à impugnante a indicação da matéria de facto controvertida sobre a qual pretende produzir prova testemunhal – cfr. fls. 135 do SITAF,

4. Este despacho foi dado a conhecer ao Sr. Dr. J..., por carta registada e datada de 13/03/2018 – cfr. fls. 137 do SITAF

5. Em 04/04/2018 vem a impugnante, A..., responder ao solicitado no despacho referido em 3., em requerimento, enviado via Fax e registado com data de 05/04/2018 no SITAF – cfr. fls. 138 do SITAF

6. O requerimento supra vem redigido em papel com o timbre da Sociedade de Advogados V..., M..., A... & Associados e assinado por, M..., Advogada, com a menção de que “Protesta Juntar: Procuração” – cfr. fls. 138 do SITAF

7. Em 22/10/2018 foi proferido despacho onde se determina que seja notificada a “… Iltre Sra.Advogada subscritora do requerimento que antecede para juntar aos autos a procuração forense protestada juntar.cfr. fls. 141 do SITAF

8. O teor deste despacho foi dado a conhecer à Dra. M..., por carta registada e datada de 23/10/2018 – cfr. fls. 142 do SITAF

9. Por despacho de 12/03/2019 os autos foram com vista ao Magistrado do Ministério Público que se pronunciou, em suma, nos seguintes termos:

“(…)

A falta de apresentação da procuração forense com ratificação do processado, depois da parte ter sido expressamente notificada para o efeito, sob pena de ficar sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, consubstancia uma falta de suprimento de uma excepção dilatória e determina a absolvição da instância da Fazenda Pública.

Sucede que no caso dos autos a parte não foi expressamente notificada nos termos acima referidos.

Pelo exposto pronunciamo-nos no sentido de ser efectuada tal notificação.”

Cfr. fls. 148 e 149 do SITAF

10. Em 21/03/2019, foi proferido, pela Mma. Juiza do processo, o seguinte despacho:

Como doutamente se promove

Cfr. fls. 152 do SITAF

11. A referida promoção do Ministério Publico, foi dada a conhecer à Dra. M... por carta registada e datada de 22/03/2019 a qual seguiu com cópia da promoção do Ministério publico em anexo – cfr. fls. 153 do SITAF

12. Em 27/09/2019 foi proferida a sentença aqui recorrida – cfr. fls. 153 do SITAF

Factos não provados:

Dos autos não resulta provado que:

1. A procuração que foi junta aos autos junto com a petição inicial conferindo poderes forenses aos mandatários, Drs. J... A... tenha sido revogada ou a ela, estes, tenham renunciado em momento anterior ao da prolação da sentença recorrida.

2. A promoção do Magistrado do Ministério Público referida no ponto 9. do probatório tenha sido dada a conhecer à impugnante.

Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão que aqui importe referir como não provados.

Motivação

A factualidade descrita foi apurada em face dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório com a respetiva remissão para os autos em suporte físico e virtual.


»«

De direito

Em sede de aplicação do direito, o Tribunal Tributário de Lisboa determinou a a absolvição da Fazenda Pública da instância, considerando prejudicada a questão de mérito.

Inconformada a recorrente vem, em suma, dizer que a sentença recorrida viola os princípios do favorecimento do processo e sintetiza os seus argumentos da seguinte forma:

“… considerando ainda que: a) se trata de um processo que decorria há mais de 10 anos sem qualquer decisão de mérito, total ou parcial; b) que a primeira intervenção da Exma Sra Dra M... só ocorre em 05- 04-2018; e que existem mandatários constituídos nos presentes autos deste a entrada da petição inicial em juízo; c) que não consta dos autos que os mandatários identificados na procuração junta com a p.i. - Exmo Sr. Dr. J... e Exmo Sr. Dr. A... - tenham renunciado ao mandato; d) como também não consta dos autos que a Impugnante tenha revogado o mandato aos referidos Advogados; e) que o Despacho tenha sido cumprido pela Secretaria do Tribunal nos termos promovido pelo Ministério Publico e ordenados pelo Mm.º Juiz; e) que não foi notificada a parte para ratificar o processado; considerando tudo isto, a decisão de terminar abruptamente um processo como foi, de forma fulminante, deve considerar-se de tal modo desadequada e desproporcional face ao interesse em regularizar a instância que, para além de violar os princípios pro actione e de cooperação e boa-fé processuais, viola ainda o disposto no artigo 20º e 202º da Constituição da Republica Portuguesa, pelo que e em consequência deve revogar-se a decisão recorrida, …

Conclui dizendo que, “…uma decisão que, face a todo este histórico, extingue - sem mais - a instância, restringe de forma injustificada o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva.”

E, diga-se, desde já com razão.

Ora, as questões que se nos colocam, em recurso prendem-se, todas elas, com a mesma realidade, qual seja, a do patrocínio judiciário no âmbito do processo judicial tributário, que, se encontra formalmente patrocinado.

Na verdade, conforme resulta do probatório (pontos 1. e 2. E 1., dos factos não provados), com a petição inicial a impugnante, A..., constitui seu bastante procurador a Sociedade de Advogados V..., M..., A... & Associados, nas pessoas do Sr. Dr. J... e Sr. Dr. A... a quem conferiu todos os poderes gerais para a representar em juízo, e não consta que, até à data da prolação da decisão aqui em conflito a procuração tenha sido revogada, no todo ou em parte, assim como também não consta que os mandatários constituído a ela tenham, até essa data, renunciado.

O que, per si, nos parece bastante para conduzir a ação a solução diferente daquela a que chegou a decisão recorrida, contudo vejamos, antes de mais o regime jurídico aplicável à exigibilidade do patrocinio judicial no processo Tributário.

Decorre do n.º 1 do artigo 6.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na versão em vogor à data dos factos que “[É] é obrigatória a constituição de advogado nas causas judiciais cujo valor exceda o décuplo da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância, bem como nos processos da competência do Tribunal Central Administrativo e do Supremo Tribunal Administrativo.”.

Damos conta que o valor atribuído à ação na petição inicial, foi de € 37 701,74, logo encontra-se verificada, nos autos a exigibilidade da constituição de mandatário.

Decorre do artigo 41.º do Código de Processo Civil (CPC) aqui aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT que “[S]se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determina a sua notificação para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa.”

A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal (artigo 48.º n.º 1 do CPC);

O juiz deve fixar o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado findo o referido prazo sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respetivas e, se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa (artigo 48.º, n.º 2 do CPC).

Ora, no caso concreto, repete-se, a petição inicial foi subscrita por Advogado e com a mesma, foi apresentado o título que lhe confere poderes de representação, ou seja a procuração, sendo certo que em parte alguma dos autos foi invocada a insuficiência ou irregularidade deste instrumento.

No caso vertente não está em causa qualquer situação relativa à falta de constituição de advogado, o que está em causa é a presença, em juízo de alguém que se apresenta como um novo mandatário, que protesta juntar procuração, mas que não o logra fazer.

Ou seja, está em causa um requerimento que tendo sido apresentado por Advogada, que se diz com poderes de representação e que até se apresenta com o nome da Sociedade de Advogados constituida procuradora (ponto 2 e 6 dos autos), não provou que, ela própria detinha poderes de representação, situação que lhe competia.

Por conseguinte a questão que se coloca não é a de falta ou irregularidade do patrocinio judicial no processo, mas antes a falta ou irregularidade do poder de representação da impetrante no requerimento enunciado no ponto 6., do probatório (M..., Advogada), sendo que a consequência jurídica que se retira não é a que foi extraída no texto decisório mas apenas e só, a que se encontra prevista no n.º 2 do artigo 48.º do CPC, ou seja, a de que fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário com falta ou insuficiência de mandato.

Acresce referir que “in casu”, não obstante tenha sido dado conhecimento à Dra. M..., impetrante do requerimento de fls. 138 do SITAF (pontos 5 e 6 do probatório) do teor da promoção do Ministério Publico (ponto 9 e 10 do probatório), a verdade é que dos autos não consta que essa situação tivesse também sido levada ao conhecimento da impugnante (ponto 2., dos factos não provados), diligência que se impunha, dado que só a própria parte pode suprir a insuficiência ou a irregularidade do mandato por se tratar de um ato que só a mesma deve praticar pessoalmente e para isso tem que ser assegurado que os factos chegam ao seu conhecimento (1), situação que, per si, também seris capaz de conduzir à procedência do pedido.

Dito isto, damos conta que aos autos foi entretanto junta a procuração atribuído poderes de representação à Advogada que estando em juízo, os não tinha, por conseguinte encontra-se, nos autos, regularizada a posição da mesma.

Termos em que, sem necessidade de mais considerações, cumpre conceder provimento ao recurso revogar a sentença recorrida e determinar a baixa do processo ao TT de Lisboa, tendo em vista o seu prosseguimento nessa instância para apreciação do mérito da acção, se a isso nada mais obstar.

4 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam, os juízes da 1.ª Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida e, determinar a baixa do processo ao TT de Lisboa, com vista o seu prosseguimento para apreciação de mérito.

Custas a cargo da parte vencida a final

Lisboa, 14 de janeiro de 2021


Hélia Gameiro Silva – Relatora

Ana Cristina Carvalho – 1.ª Adjunta

Ana Pinhol – 2.ª Adjunta


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(1) Vide neste sentido o ac. proferido pela Relação de Lisboa em 08/11/2012 no processo n.º 1346/05.7TCSNT.L1-6, diz-se ali: