Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3404/15.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:03/24/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:INFRACÇÃO TRIBUTÁRIA.
DISPENSA E ATENUAÇÃO DE COIMA.
Sumário:A falta de entrega do imposto autoliquidado no prazo legal implica prejuízo efectivo para o erário público. Em obediência ao princípio da proporcionalidade das coimas, a atenuação especial da coima deve ser aplicada atendendo à comprovação em concreto dos factores previstos no artigo 18.º do Regime Geral das Contraordenações
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
I- Relatório
K………… Portugal–………., S.A., interpôs junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra recurso da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Sintra-2 (……..) que, no âmbito do processo de contraordenação n.º ……….., lhe aplicou uma coima única no montante de €10.275,05, acrescida das custas do processo no valor de €76,70, pela prática da contraordenação prevista nos artigos 27.º, n.º 1 e 41, n.º 1, al. a) do CIVA (pagamento do imposto fora de prazo) e punível nos artigos 114, nº 2 e nº 5, alínea a) e 26º, nº4, ambos do RGIT. Por sentença proferida a fls. 41 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), datada de 21 de Novembro de 2017, o Tribunal referido julgou o recurso improcedente mantendo a decisão sindicada. A sociedade arguida interpôs recurso contra a sentença dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo, em cujas alegações, recorrente formula as conclusões seguintes:
«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que rejeitou quer a aplicação do regime da dispensa da coima previsto no artigo 32.º, n.º1 do RGIT, quer a atenuação especial da coima prevista no n.º 2 do citado normativo.
2. O tribunal recorrido considerou, desde logo, estar em falta o requisito de que "a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária ”, entendimento com o qual a Recorrente não se conforma, uma vez que a entrega de imposto foi efectuada espontaneamente, pagando ainda juros de mora sancionatórios do atraso verificado, salientando-se que a lei, no seu sentido literal, exige a ausência de um prejuízo efectivo, ou seja, concreto e determinado, para a consideração do requisito de dispensa da coima.
3.Por outro lado, a ‘‘ratio legis” da dispensa de coima consiste em incentivar o sujeito faltoso a regularizar o pagamento do imposto, tendo sido exactamente esta a actuação da Recorrente, ou seja, a falta cometida encontra-se regularizada, tendo sido pago a totalidade do imposto devido.
4. Por fim, quanto ao seu grau de culpa, a Recorrente cumpriu os deveres de cuidado e de zelo que lhe eram exigíveis, efectuando a obrigação formal de entrega da declaração periódica de imposto e actuando no sentido da obtenção do montante de IVA para entregar ao Estado (não obstante a falta de pagamento dos clientes, isto é, adiantando ao Estado IVA não recebido).
5.Tratou-se de uma situação extemporânea, inédita e fora da situação habitual de negócio.
6. Pelo que devia o douto Tribunal recorrido aplicar o regime previsto no n.º1 do artigo 32.º do RGIT, dispensando a aplicação de coima à Recorrente.
7.Ainda que assim não se entenda, mal andou igualmente o douto Tribunal a quo ao não aplicar a atenuação especial da coima, nos termos do artigo 32.º, nº 2 do RGIT, uma vez que tem a sua situação tributária regularizada e reconheceu a sua responsabilidade.
8. De facto, e contrariamente ao considerado pelo Tribunal recorrido, a Recorrente nunca rejeitou não ter cometido qualquer infracção, pelo contrário, embora não o tenha afirmado expressamente, reconheceu a sua responsabilidade por via da argumentação utilizada no âmbito da impugnação judicial deduzida
9. Os próprios factos invocados pela Recorrente, assim como os fundamentos de direito apresentados no sentido da dispensa da coima não contrariam a prática da infracção, mas apenas procuram que sejam considerados como atenuantes o pagamento espontâneo do imposto.
10. A Arguida considera-se justamente sancionada pelo pagamento dos juros de mora, considerando que se trata, da sanção pela não pontualidade na entrega ao Estado do IVA, verificado o curto espaço de tempo decorrido e a ausência de interposição de qualquer procedimento tributário pela Administração para a obtenção deste montante, tendo sido livremente entregue.
11. Este comportamento consubstancia-se no reconhecimento da sua responsabilidade, visto que caso assim não fosse não teria entregue espontaneamente o imposto num curto espaço de tempo (ainda antes da instauração de qualquer processo de contra-ordenação ou execução fiscal).
12. Assim, considerando a culpa diminuta da arguida e o seu reconhecimento da mesma, o curto prazo (cerca de dois meses) que mediou entre o momento da falta e o da sua regularização justifica-se, pelo menos, salvo melhor opinião, o uso da faculdade da atenuação especial da pena prevista no n.º2 do artigo 32º do RGIT, devendo a coima ser fixada entre € 4.836,03 (15% do valor do imposto) e €16.120,09 (metade do valor do imposto), entendendo-se como justa a fixação da coima pelo respectivo limite mínimo.
Nestes termos e nos demais de direito que V.Exas doutamente suprirão, deve a douta Sentença ser revogada e substituída por outra que aplique à Arguida a dispensa de coima, nos termos do artigo 32º, nº1, do RGIT; ou se assim não se entender uma coima especialmente atenuada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º2, e 114.º, n.º2, ambos do RGIT e 18.º, nº3, do RGCO».
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão proferido a fls.76 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), datado de 04 de Março de 2020, julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, declarando competente para esse efeito este Tribunal Central Administrativo, ao qual o processo foi remetido, a pedido da sociedade recorrente.
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Aqui chegados os autos foram com vista ao Digno Procurador-Geral Adjunto que emitiu douto parecer no sentido de ser dado provimento parcial ao presente recurso.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II- Fundamentação
1.De Facto. A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
«A). A 08.04.2015 foi pela Recorrente pago o montante de €34.240,18, referente a IVA devido no período de 2014/12 [cf. fls. 5 dos autos].
B). A 22.07.2015, foi levantado à Recorrente o auto de notícia pela prática de infracção ao disposto no artigo 40º, nº1, alínea a) e nº1 do artigo 26º, ambos do Código do IVA, por pagamento de imposto fora do prazo, em 08.04.2015, no montante de €32.240,18, relativo ao período 2014/12, cujo prazo terminou em 10.02.2015, punível nos termos dos artigos 114º, n.º2 e nº 5, alínea f) e 26º, nº 4, ambos do RGIT [cf. fls. 5 dos autos].
C). Com base no auto de notícia indicado no ponto anterior, foi instaurado contra a Recorrente, a 22.07.2015, processo de contra-ordenação n.º ……………., a correr termos no Serviço de Finanças de Sintra 2 [cf. fls. 4 dos autos].
D). Por despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Sintra 2, de 12.08.2015, foi aplicada à Recorrente a coima de €10.272,05 (acto recorrido) [cf. fls. 9 dos autos].
E). O presente recurso foi apresentado a 07.09.2015 [cf. carimbo dos CTT aposto a fls. 17 dos autos].
*
Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir. //Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.»
X
Ao abrigo do disposto no artigo 431.º, n.º 1, do CPP, adita-se a seguinte matéria de facto:

F) Do ofício de notificação da decisão de aplicação de coima consta o seguinte:
« Texto no original»

X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida ao excluir quer a aplicação do regime de dispensa de coima, previsto no artigo 32.º/1, do RGIT, quer o regime da atenuação especial da coima previsto no n.º 2 do preceito citado.
2.2.2. A sentença julgou improcedente o presente recurso judicial de decisão de aplicação de coima. Estruturou, para tanto, a seguinte fundamentação:
«Ressalta do exposto que a falta de entrega da prestação tributária no prazo legal, ocasiona sempre, prejuízo efectivo à receita tributária ainda que a falta venha a ser regularizada nos termos do previsto no n.º 3 do artigo 30.º do RGIT. // Assim, constata-se que falece o primeiro requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 32.º do RGIT, para que possa ser aplicado o regime de dispensa da coima pela infracção imputada à arguida. // E falecendo um dos requisitos cumulativamente exigidos, fica prejudicado o conhecimento dos demais pressupostos, sendo inútil aferir do cumprimento dos demais requisitos».
2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Invoca que tem aplicação ao caso o regime da dispensa de coima previsto no artigo 32º/1, do RGIT.
Apreciação. «Para além dos casos especialmente previstos na lei, pode não ser aplicada coima, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias: // a) A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária; // b) Estar regularizada a falta cometida; // c) A falta revelar um diminuto grau de culpa» (1). Suscita-se a questão de saber se se verifica no caso o preenchimento do pressuposto relativo à falta de ocorrência de prejuízo efectivo para o erário público, com vista à aplicação da dispensa de coima. Está em causa a infracção tributária prevista no artigo 114.º/2 e 5/a), do RGIT (2) [falta de entrega da prestação tributária no tempo próprio].
A este propósito, constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte:
i) «A exigência cumulativa de que esteja regularizada a falta cometida e que a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária conduz à conclusão de que, para ocorrer dispensa, não basta a regularização da falta, sendo necessário que se esteja perante uma situação em que não chegou a produzir-se prejuízo, antes de ocorrer a regularização».(3)
ii) «A dispensa da pena tem como pressuposto, desde logo, que a prática da infracção não cause prejuízo efectivo à receita tributária, o que não acontece no caso de falta de envio do correspondente meio de pagamento do imposto auto-liquidado conjuntamente com a respectiva declaração periódica, em que tal falta causa sempre prejuízo na execução das receitas orçamentadas» (4).
No caso em apreço, é manifesto que o prejuízo efectivo para o Fisco ocorreu, dado que a prestação tributária não foi entregue no prazo legal, o que acarreta prejuízo para o credor tributário. Motivo porque ao julgar no sentido referido, a sentença não incorreu em erro de julgamento, devendo ser confirmada, nesta parte.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.4. Outra questão consiste em saber se o regime da atenuação especial de coima, previsto no artigo 32.º/2 (5), do RGIT, tem aplicação ao caso. Esta atenuação «exige a verificação cumulativa dos pressupostos atinentes ao reconhecimento, por parte do infractor, da sua responsabilidade e da regularização da situação tributária, até à decisão do processo» (6). A recorrida foi condenada pela pratica, a título negligente, da infracção prevista e punida. no artigo 114.º, n.º2 e n.º5 alínea a) e 26.º, n.º4 do RGIT (7) - falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo -; o termo do prazo para cumprimento da obrigação de imposto terminava em 10/02/2015 e a sociedade arguida efectuou o pagamento da totalidade do imposto de IVA, no valor de € 34.240,18 em 08/04/2015, isto é, dois meses depois da ocorrência da infracção (8).
«A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação. // (…) // Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade» (artigo 18.º do RGCO ex vi artigo 3.º/b), do RGIT). Na determinação da medida da coima a lei manda atender, entre outros factores, à gravidade da contra-ordenação, sendo que esta depende do bem ou interesse que a contra-ordenação tutela e do beneficio retirado e resultado ou prejuízo causado pelo agente. // Como sanção que é a coima só é explicável enquanto resposta a um facto censurável, violador da ordem jurídica, cuja imputação se dirige à responsabilidade social do seu autor por não haver respeitado o dever que decorre das imposições legais, justificando-se a partir da necessidade de protecção dos bens jurídicos e de conservação e reforço da norma violada, pelo que a determinação da medida da coima deve ser feita, fundamentalmente, em função de considerações de natureza preventiva geral, sendo que a culpa constituirá o limite inultrapassável da sua medida» (9).
No caso em apreço, atendendo à pronta regularização da dívida, ao facto da infracção ter sido praticada com negligência e ao valor relativamente baixo da dívida incumprida, bem como à inexistência de benefício económico para a arguida, justifica-se a atenuação especial de coima para o mínimo legal previsto no artigo 114.º/2, do RGIT, ao abrigo do disposto nos artigos 32.º/2, do RGIT e 18.º/3, do RGCO, ou seja, metade de 15% do imposto em falta. O princípio da proporcionalidade das coimas assim o impõe.
A sentença recorrida, ao julgar diversamente, incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue procedente a presente asserção.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e substituir a decisão de aplicação de coima impugnada por coima correspondente a metade de 15% do imposto não entregue no prazo legal.
«Mantendo-se a imputação da infracção feita pela Administração fiscal, há que condenar em custas a recorrida na medida em que decaiu, e bem assim nas devidas na fase administrativa do processo de contra-ordenação, ex vi do disposto no artigo 513.º do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente por força dos artigos 2.º, alínea b) do RGIT e 41.º n.º 1 do RGCO» (10).
Custas pela recorrida, na medida do seu decaimento.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta - Hélia Gameiro Silva)

(2.ª Adjunta – Ana Cristina Carvalho)



(1)Artigo 32.º/1, do RGIT.
(2) «Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária: // a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais».
(3) Acórdão do STA, de 01.10.2014, P. 01665/13. No mesmo sentido, V. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, RGIT, anotado, 2010, p. 320; V. tb. Acórdão do TCAS, de 04-06-2015, P. 08503/15.
(4) Acórdão do TCAS, de 28-10-2009, P. 03144/09.
(5) «Independentemente do disposto no n.º 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo».
(6) Acórdão do STA, de 11-07-2019; p. 02905/15.5BELRS 0697/18.
(7) Artigo 114.º do RGIT // «1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido». // «2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido».
(8) Alíneas a) e b).
(9) Acórdão do TRCoimbra, 24-03-2004, P. 504/04.
(10) Acórdão do STA, de 13-10-2010, P. 0670/10.