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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:151/19.8BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IMPUGNAÇÃO ARBITRAL
PRONÚNCIA INDEVIDA
CONTRADIÇÃO ENTRE FUNDAMENTOS E DECISÃO
Sumário:I. O tribunal arbitral pode conhecer todas as questões que sejam suscitadas pelas partes e as que sejam de conhecimento oficioso.

II. Nos termos do n.º 3 do art.º 5.º do CPC, o “juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.

III. O vício de nulidade de um ato é de conhecimento oficioso.

IV. O conceito de “pronúncia indevida”, constante do art.º 28.º, n.º 1, al. c), do RJAT, abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral.

V. Resultando da decisão arbitral que o tribunal arbitral, entendendo que as correções apreciadas continham vícios, julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, não existe contradição entre os fundamentos e a decisão, sendo ou um erro de julgamento ou um mero lapso de escrita a menção a anulabilidade e não a nulidade, na concretização feita do que resulta do deferimento da pretensão arbitral.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Impugnante ou AT) veio impugnar a decisão arbitral proferida a 22.11.2019, pelo tribunal arbitral coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º 632/2018-T, ao abrigo dos art.ºs 27.º e 28.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT).

Nesse seguimento, a Impugnante apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A) A decisão arbitral ora impugnada ao ter deliberado julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, ao:

“a) julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral

b) Anular a liquidação de IRC n° 20198310000826, e o documento de acerto de contras n° 2019 00001743541, na parte em que têm subjacentes as correcções nos valores de €383.977,55 e €1.081.511,81;

c) julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenara Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar a requerente a indemnização que vier a ser liquidada em execução do presente acórdão.

cometeu pronúncia indevida, uma vez que incorreu em excesso de pronúncia, assim como, excedeu a competência, em razão da matéria, do Tribunal Arbitral tendo, igualmente decidido em contradição com os fundamentos invocados.

Efectivamente, no que toca ao segmento decisório que deliberou anular a liquidação que tem subjacente a correcção no valor de €383.977,55, entendeu o Tribunal Arbitral, que o respeito pelo caso julgado referente à decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n° 72/2016- TCAAD, impedia que uma vez decidido que, com a transição do POC para as normas internacionais de contabilidade não ocorreram efeitos fiscais a que deva ser aplicado o regime dos artigos 5o e 5°-A do DL n° 159/2019, designadamente derivados do desreconhecimento contabilístico de passivo relativo às obrigações de reinvestimentos pudesse, posteriormente, em diferente processo, com diferente liquidação relativa a outro exercício, o Tribunal entender que desse mesmo único facto resultaram efeitos fiscais a que fosse aplicado aquele regime.

B) Antes de mais, há que referir que esta questão, da violação do caso julgado ou da autoridade do caso julgado, não foi uma excepção levantada pela requerida e ora impugnada, bem como, não foi uma questão equacionada pela requerente quer na p.i quer na nova fundamentação apresentada pela mesma requerente após a revogação parcial do acto de liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral.

C) De facto, tendo em conta o requerimento apresentado pela requerente em 7/03/19 sob a designação de “Nova fundamentação de facto e de direito” a requerente começa por referir que a AT no âmbito do seu direito de arrependimento até anulou a correcção no valor de €6.143.637,57, contudo, continuou a considerar que, no período de tributação de 2014, o valor da variação patrimonial positiva a tributar em cumprimento do disposto pelo n° 1 do art. 5°-A do DL 159/2009, corresponde a 1/16 de €6.143.637,57.

D) E continua a referir que essa interpretação foi julgada ilegal pelo Tribunal Arbitral, art. 104° do requerimento, bem como, que existe erro nos pressupostos de direito na aplicação do disposto no n° 1 do art. 5o e n° 1 do art. 5°-A do DL 159/09, cfr. art. 116° do mesmo requerimento.

E) Deste modo, há que concluir que foi o próprio Tribunal Arbitral que, ao arrepio do pretendido pela requerente, colocou a hipótese de violação do caso julgado, formal ou material.

F) E daí pretendendo justificar que iria conhecer tendo, inclusivamente, notificado as partes, cfr. despacho de 05/09/19, para se pronunciarem sobre a questão da relevância da decisão arbitral n° 72/2016- T, para a decisão do presente processo, inclusive a título de caso julgado formal ou caso julgado material.

G) Ora, sendo certo que estamos a falar de caso julgado enquanto excepção dilatória, cfr. al. i) do art 577° do CPC, a mesma deveria ser invocada pela requerida e ora impugnante e isto tendo em conta o seu efeito negativo que é o de obstar a que o Tribunal decida de causa que corresponda à repetição de outra quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir, levando à absolvição do R. da instância, cfr. também o n° 2 do art. 576° do CPC.

H) E só esta, note-se, corresponderá à excepção dilatória que permite o seu conhecimento oficioso pelo Tribunal, cfr. art. 578° do CPC.

I) Donde só a questão, da autoridade material do caso julgado, podia estar em causa no presente processo, desde que a mesma tivesse sido levantada pela requerente.

L) Não o tendo sido, como aliás se comprova pelos despachos do Tribunal arbitral de 12/7/19 e de 05/09/19, cometeu o tribunal arbitral excesso de pronúncia.

M) Deste modo, o Tribunal Arbitral cometeu excesso de pronúncia tendo conhecido de uma questão que não foi colocada pelas partes e que, não correspondendo a qualquer excepção dilatória, também não era de conhecimento oficioso.

Por outro lado:

N) A competência dos tribunais arbitrais é, pois, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.° 1 do artigo 2.° do RJAT, conjugada com o disposto na Portaria n.° 112-A/2011, de 22 de Março, ex vi artigo 4.° do RJAT.

O) Para além da competência para a apreciação directa da legalidade de actos de liquidação, poderão os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar actos de segundo ou de terceiro grau que tenham por objecto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, como actos que decidam reclamações graciosas e recursos hierárquicos, como resulta das referências da alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° do RJAT ao n.° 2 do artigo 102 ° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que se reporta à impugnação judicial de reclamações graciosas, e à "decisão do recurso hierárquico".

P) Inexistindo, contudo, qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT, ainda que constituíssem consequência, a nível de execução, da declaração de ilegalidade de actos de liquidação.

Q) Ora, no presente caso e, ainda quanto ao segmento decisório que tem por base a declaração de nulidade por ofensa de caso julgado da liquidação que tem subjacente a correcção no valor de €383.977,35, o Tribunal Arbitral excedeu a sua competência ao não apreciar a (i)legalidade de qualquer acto de liquidação, mas antes, ao analisar apenas e exclusivamente um acto de revogação da AT, face aos efeitos de anterior decisão prolatada por outro Tribunal Arbitral.

R) Efectivamente, o que o Tribunal Arbitral fez foi declarar que os efeitos do caso julgado no âmbito do processo 72/2016 impediam que a AT tivesse praticado a revogação de um acto de liquidação e praticado nova liquidação como a que foi praticada e que foi posta à sua consideração e análise.

S) Ora, sendo certo que não estava em causa uma eventual absolvição da requerida e ora impugnante da instância, mas sim, uma necessária apreciação do mérito da causa, nos termos das competências do Tribunal Arbitral taxativamente enumeradas no n.° 1 do artigo 2.° do RJAT, bem como da Portaria n.° 112-A/2011, de 22 de Março, ex Wartigo4.°do RJAT, não está incluída a apreciação de pretensões relativas à declaração de nulidade de actos administrativos, designadamente por ofensa ou violação de caso julgado, que foi o que o Tribunal Arbitral fez ao considerar que o acto administrativo de revogação era nulo nos termos do art. 161° n° 2, al. i) do CPA.

T) Na verdade, deve considerar-se que o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e controlar uma eventual nulidade de actos que sejam proferidos pela AT em violação do caso julgado e por aquela não ter acatado os efeitos de uma decisão transitada em julgado, mas apenas, e no presente caso foi apenas isto e só isto que foi pedido pela então requerente ao Tribunal Arbitral que analise uma liquidação de imposto e que determine da sua (in) validade por existência, ou não, de erro nos pressupostos de direito.

U) Donde, o Tribunal Arbitral não só cometeu excesso de pronúncia, uma vez que a então requerente não pediu ao Tribunal Arbitral essa declaração de invalidade do acto administrativo, mas também cometeu pronúncia indevida, quanto à declaração de invalidade do acto administrativo declarando que o mesmo, pretensamente, teria sido praticado em ofensa do caso julgado.

V) Efectivamente, os termos em que está redigido o n.° 1 do artigo 4.° do RJAT impõem a conclusão de que a vinculação da AT está continuamente dependente e delimitada pela vontade expressa na Portaria n.° 112-A/2011.

X) E, atenta a natureza voluntária e convencional da tutela arbitral, aqui entendida no seu sentido lato, uma vez que a competência material dos tribunais da arbitragem resulta de regulamentação de natureza pública efectuada no RJAT, o intérprete não pode ampliar o objecto fixado pelo legislador no que concerne à vinculação da AT àquela jurisdição.

Z) Isto porque, ao fixar-se nos termos do disposto no artigo 4.°, n.° 1 do RJAT e no artigo 2.°, alínea a) da Portaria n.° 112-A/2011 a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, o legislador está a dispor sobre interesses gerais, delimitando previamente a defesa do interesse público na vertente da indisponibilidade dos créditos tributários.

AA) Estamos, pois, perante, um contencioso de legalidade de liquidação de tributos.

BB) Donde resulta que a arbitrabilidade terá que ser referente ao acto de liquidação e não à (i)legalidade do acto administrativo que permite o acto de liquidação.

CC) Resulta assim de forma clara e pacífica que a AT não se encontra vinculada à jurisdição arbitral que não contenda à apreciação da legalidade do acto de liquidação.

DD) Considerando, pelo exposto, que dúvidas não restam, de que a decisão arbitral ora impugnada recaiu não quanto à apreciação da legalidade do acto de liquidação, mas antes quanto à apreciação da legalidade de ato administrativo, sem apreciar a legalidade do ato de liquidação.

Ainda que assim não se entenda, sem conceder:

EE) A presente decisão arbitral está em oposição com os fundamentos no que toca à parte do dispositivo que anula a liquidação de IRC na parte em que tem subjacente a correcção no valor de €383.977,55.

FF) Efectivamente, como já se referiu anteriormente o Tribunal Arbitral considerou que a AT, pretensamente ofendeu o caso julgado ao determinar esta correcção, mais declarando inclusivamente a sua nulidade nos termos da al.i) do n° 2 do art. 161° do CPA.

GG) No entanto, na parte do dispositivo, o Tribunal Arbitral declara a anulação da liquidação, com isso pretendendo declarar que a mesma enferma de vício de violação de lei.

HH) Ora, tal decisão é contraditória com o que o Tribunal arbitral anteriormente tinha invocado como fundamento para a declaração de invalidade do acto de liquidação , não se descortinando, pois, qual foi o real fundamento que levou à anulação da liquidação na parte em que tem subjacente a correcção no valor de €383.977,55.

V) Do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça:

Finalmente, tendo em conta que o valor do recurso é superior a 275.000,00€ vem a ora impugnante requerer que seja emitida pronúncia e que seja deferida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n° 7 do art. 6o do RCP, uma vez que estamos em sede de impugnação de decisão arbitral, não há lugar à produção de prova testemunhal e se pede que o Tribunal analise e decida sobre questão que não se afigura revestir grande complexidade, não se justificando, pois, que a impugnante seja onerada com o pagamento de um remanescente tão elevado, cfr. art. 6o n° 7 do RCP.

Termos pelos quais e, como o douto suprimento de V. Ex.as, incorrendo a decisão arbitral ora impugnada no vício de excesso de pronúncia, bem como, de pronúncia indevida e ainda importando contradição da decisão com os fundamentos, deve a mesma ser anulada, na parte em que anulou a liquidação decorrente da correcção no valor de €383.977,55, com todas as legais consequências”.

Foi ordenada a notificação de T. – T. A., SA (doravante Impugnada) para alegar, nos termos consignados no art.º 144.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 27.º, n.º 2, do RJAT, tendo sido apresentadas contra-alegações, nas quais foram formuladas as seguintes conclusões:

“1.ª Na sequência de uma inspeção externa promovida junto da Impugnada, referente ao ano de 2014, a administração tributária emitiu a liquidação n.º 2018 8310003673, de 02.08.2018, bem como a correspondente demonstração de liquidação de juros com o n.º 2018 00000221985, e a respetiva demonstração de acerto de contas identificada pela compensação n.º 2018 00017528999 de 06.08.2018, no valor de € 1.822.740,09, que consubstanciam o ato tributário de IRC de 2014, que constituiu o objeto inicial do processo arbitral que está na origem da presente impugnação.

2.ª A ora Impugnada deduziu contra o mesmo, pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea b), 10.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, circunscrito à discussão da legalidade de 2 das correções (reversão da amortização do “Acréscimo de custos” não aceite para efeitos fiscais após a transição para o SNC e consequente consideração como variação patrimonial positiva, no montante de € 6.143.637,57 e correção da amortização do exercício do ativo intangível, no montante de € 546.887,18).

3.ª Na sequência da apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral em 12.12.2018, e nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, a administração tributária “revogou parcialmente” o ato tributário inicialmente praticado no montante de € 1.822.740,09, mediante despacho de 28.01.2019, proferido pela Senhora Subdiretora-Geral, tendo praticado um novo ato tributário de IRC, referente ao ano de 2014, consubstanciado na liquidação de IRC n.º 2019 8310000826, de 04.02.2019, correspondente demonstração de liquidação de juros compensatórios com o n.º 2019 00000038041, e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2019 00001743541 de 06.02.2019, no valor de € 131.253,10

4.ª No âmbito da reapreciação do primeiro ato tributário, a Administração tributária alterou a sua posição no que se refere à variação patrimonial positiva no montante de € 6.143.637,57, considerando que apenas se deveria considerar o valor respeitante a 1/16 de € 6.143.637,57, em virtude da aplicação do regime previsto no artigo 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, ou seja, que devia ser relevada como como variação patrimonial positiva no exercício de 2014 o montante de € 383.977,35.

5.ª Não obstante a administração tributária acolher os argumentos da ora Impugnada, em relação ao primeiro ato tributário, e se verificar uma redução significativa do montante de imposto a pagar, a Impugnada não se conformou com o novo ato praticado pela administração tributária, em virtude de o mesmo o repristinar uma correção manifestamente ilegal, como já havia sido julgado no processo arbitral 72/2016 –T, e requereu o prosseguimento dos autos contra o novo ato de liquidação.

6.ª O Tribunal Arbitral tomando boa nota que a ora Impugnada, então Requerente, na nova fundamentação que apresentou na sequência da emissão do novo ato de liquidação “invocou a decisão arbitral proferida no processo 72/2016-T e a violação do princípio da segurança jurídica, porque, em suma, a administração tributária, efetua agora uma correção no montante de € 383.977,55, a qual já foi anulada por si em cumprimento e conformidade com a decisão arbitral proferida no processo n.º 72/20016-T, referente ao IRC de 2011 da Requerente”, notificou as Partes para informar sobre o trânsito em julgado da identificada decisão, concedendo ainda nova oportunidade para as partes se pronunciarem sobre a questão da relevância da decisão proferida no processo 72/2016-T, para a presente decisão, inclusivamente a título de caso julgado formal ou caso julgado material, tendo apenas a Impugnada aceite o convite do Tribunal.

7.ª O Tribunal entendeu que “ (…) as razões de segurança jurídica invocadas pela Requerente, que estão subjacentes ao princípio do respeito pelo caso julgado, impedem que, uma vez decidido por decisão transitada em julgado que com a transição do POC para as normas internacionais do de contabilidade não ocorreram efeitos fiscais a que deva ser aplicado o regime daqueles artigos 5.º e 5.º-A do DL n.º 159/2009, designadamente derivados do desreconhecimento contabilístico de passivo relativo às obrigações de investimentos (isto é, não ocorreu com essa transição um facto tributário a que seja aplicável este regime), possa posteriormente, em diferente processo, que tenha por objecto liquidação relativa a qualquer outro exercício, entender-se que desse mesmo e único facto resultaram efeitos fiscais que a seja aplicável esse regime. (…) No caso em apreço, com o trânsito em julgado da decisão arbitral proferida no processo n.º 72/2016-T sobre a relação material controvertida, ficou definido que não existem efeitos fiscais do referido desreconhecimento contabilístico de passivo relativo às obrigações de investimentos a que seja aplicável o regime dos artigo 5.º e 5.º-A do DL n.º 159/2009, pelo que o decidido sobre essa matéria impõe-se na determinação do lucro tributável de qualquer dos exercícios posteriores em que aquele hipotético facto tributário poderia ter efeitos, se lhe fosse aplicável esse regime (…)” pelo que, “ (…) quanto à parte que tem subjacente a correcção no valor de € 383.977,35, a nova liquidação, emitida na sequência da revogação da inicial, enferma de vício de violação de lei, por ofensa de caso julgado, o que implica sua nulidade, nos termos do artigo 161.º, n.º 2, alínea i) do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

8.ª o Tribunal Arbitral julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, procedendo à anulação parcial da liquidação de IRC n.º 2019 8310000826, datada de 04-02-2019, e o documento de acerto de contas n.º 2019 00001743541, datado de 06-02-2019, na parte em que têm subjacentes as correções nos valores de € 383.977,55 e € 1.081.511,81, mais julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida.

9.ª A Impugnante invoca como fundamento da presente impugnação as seguintes nulidades: a) pronúncia indevida, i) por excesso de pronúncia – em virtude da violação do caso julgado ou autoridade do caso julgado não ter sido uma exceção levantada pela requerida, nem equacionada pela requerente na p.i. ou na nova fundamentação do pedido arbitral, na sequência da revogação do primeiro ato e ii) incompetência – na medida em que alegadamente o Tribunal Arbitral não apreciou a (i)legalidade de qualquer ato de liquidação, tendo analisado apenas e exclusivamente um ato de revogação da AT, face aos efeitos de anterior decisão prolatada por outro Tribunal Arbitral; e b) contradição entre a decisão arbitral e os seus fundamentos resultante de o Tribunal ter considerado que a AT pretensamente ofendeu o caso julgado ao determinar esta correção, mais declarando inclusivamente a sua nulidade nos termos da al. i) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, no entanto na parte do dispositivo, declarar a anulação da liquidação, fundamentação que não permite apreender o real fundamento que levou à anulação da liquidação na parte em que tem subjacente a correção no valor de €383.977,55.

10.ª Ocorre excesso de pronúncia quando o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou fundamenta o segmento decisório num pedido não formulado pela Impugnante.

11.ª Como resulta evidenciado da tramitação do processo arbitral e da factualidade elencada, desde o primeiro momento que a administração tributária repristinou o tratamento jurídico fiscal que havia promovido em 2011 e que já havia sido objeto de sindicância arbitral que concluiu pela sua ilegalidade, a Impugnante suscitou esta mesma questão e elegeu-a como razão essencial da manutenção do seu interesse na lide, pelo que a questão das consequências da decisão arbitral proferida no processo 72/2016-T para a decisão que viesse a ser tomada neste novo processo arbitral, não configura uma questão nova, tendo sido desde o primeiro momento suscitada pela Impugnada.

12.ª A decisão arbitral não foi além do conhecimento que lhe foi pedido pela então Requerente, ora Impugnada, não convocou a apreciação de qualquer causa ou facto jurídico diverso daquele que a Impugnada elegeu como causa de pedir e configurou como objeto do seu pedido arbitral “renovado”, limitando-se a conhecer e decidir com base na invocada questão de repetição de uma correção já julgada ilegal por decisão arbitral anterior.

13.ª Acresce que “(…) não ocorre omissão ou excesso de pronúncia se o juiz decide a questão colocada pelas partes por apelo a princípios ou regras diferentes daquelas que as partes indicaram como sendo as mais adequadas. (…)"– Cfr. Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0160/17, de 11.10.2017 pelo que incumbe “(…) ao juiz, perante os factos trazidos aos autos pelas partes, enquadrar juridicamente a questão, escolhendo as normas legais adequadas à análise do pedido formulado, e apresentar uma solução -decisão- para a acção; essa sua actividade não está condicionada pelas partes, não tem que respeitar as alegações das partes, trata-se de uma actividade livre e apenas delimitada pela própria Lei, cfr. artigo 203º da CRP (…)" - idem.

14.ª Não se verifica o alegado excesso de pronúncia, pelo que deverá a decisão impugnada ser mantida, não padecendo da alegada nulidade invocada pela Impugnante.

15.ª Sustenta ainda a Impugnante que o Tribunal Arbitral excedeu a sua competência porquanto não apreciou a ilegalidade de qualquer ato de liquidação, mas antes, analisou apenas e exclusivamente um ato de revogação praticado pela administração tributária, em especial no que toca aos efeitos que sobre o mesmo se projetam decorrentes de uma anterior decisão prolatada por outro Tribunal Arbitral.

16.ª . O ato de revogação em causa, permanentemente eleito pela Impugnante como objeto primordial dos autos arbitrais foi totalmente favorável às pretensões da Impugnada, tendo anulado as correções contestadas, não sendo ao ato de revogação que a Impugnada imputa os vícios e ilegalidades, e que requer que seja anulado.

17.ª Na verdade, o que motivou a decisão da Impugnante continuar com a instância arbitral e a apresentar a reformulação do pedido arbitral em face do novo ato tributário praticado pela administração tributária, foi a circunstância de a par com a revogação do ato de liquidação inicial, a administração tributária ter promovido por 2 novas correções que a Impugnada imputou de ilegais, as quais se materializaram num novo ato de liquidação, que passou a constituir o objeto da arbitragem.

18.ª Existe no presente caso um novo ato de liquidação, facto que não foi posto em causa pela Impugnada, que materializa a apreciação que a administração tributária fez da situação jurídico-tributária da Impugnante, mais concretamente em sede de IRC, em relação ao ano de 2014, pelo que as correções que estiveram na origem deste novo ato de liquidação, podem – e devem - ser impugnadas à final, e perante o Tribunal Arbitral, em respeito pelo principio da impugnação unitária e nos termos expressamente previstos no RJAT, sendo que a presente situação, não obstante a sua originalidade, não transmuta a natureza das correções que foram efetuadas, nem a consequência das mesmas que é um ato de liquidação, e nessa medida não pode ficar afastado o conhecimento das ilegalidades da liquidação pelo Tribunal Arbitral, o que aliás contrariaria o que esta expressamente determinado a este respeito em sede de RJAT.

19.ª O que está pois em causa, e é aliás o fundamento típico de pedidos de apreciação arbitral de liquidações, são correções promovidas pela administração tributária – os tais atos preparatórios da liquidação – que o contribuinte reputa de ilegais, e que nessa medida pretende ver apreciados pelo Tribunal, visando a anulação, total ou parcial, das liquidações.

20.ª A Impugnada formulou o seu pedido, no âmbito do requerimento de nova fundamentação de facto e de direito do novo ato tributário, nos seguintes termos: No que concerne especificamente ao pedido de pronúncia arbitral, requer-se a V. Exa. a declaração da ilegalidade do ato tributário ora contestado e em consequência a determinação da sua anulação, com o consequente reembolso do montante indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios e ainda o pagamento da consequente indemnização por garantia indevida prestada relativamente ao 1.º ato tributário, inicialmente contestado, e demais consequências legais, sendo que “a competência dos tribunais enquanto pressuposto processual, afere-se pelo pedido e pela causa de pedir, isto é, pela pretensão do autor e pelos factos com relevância jurídica, tal como são expostos pelo autor, ou seja, face ao quid disputatum e não em função do quid decisum”, pelo que estando-se perante um, “ (…) um ato de liquidação de quantificação da obrigação tributária, (…) é este o ato de liquidação que corresponde ao objeto do pedido e que se enquadra no processo de impugnação de atos de liquidação, da competência da jurisdição arbitral.” (…) – nosso sublinhado.

21.ª Mesmo nas situações em que que o pedido comporte a apreciação de outros atos administrativos, (o que manifestamente não é o caso dos autos pois não está em causa única e exclusivamente um ato de revogação, como sustenta a impugnante) -, cumpre realçar que só nos casos em que tal ocorra sem que haja discussão da legalidade dos atos previstos no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT é que se verifica incompetência material do Tribunal Arbitral (cf. Jorge Lopes de Sousa, “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, in Guia da Arbitragem Tributária”, Coord: Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, p. 105).

22.ª Assim, tendo em conta que se encontra em discussão a legalidade da liquidação, que se encontra plasmados no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não se verifica qualquer situação de incompetência do Tribunal Arbitral, designadamente de pronúncia indevida relativamente à questão sub judice.

23.ª Nos termos do preceituado no artigo 615.º, nº.1, al. c), do CPC, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, sendo comumente sustentado que a causa de nulidade referida constitui um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artigo154.º, nº.1, do CPC.

24.ª Tal vício que tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, verifica-se apenas quando os fundamentos da sentença conduzam, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi efetivamente adotada.

25.ª A Impugnante ao longo das suas alegações de recurso demonstra cabalmente que apreendeu a fundamentação da decisão arbitral, debruçando-se sobre o fundamento que leva a anulação parcial da liquidação – a verificação da autoridade do caso julgado – inclusive procedendo à sua distinção da figura do caso julgado, enquanto exceção dilatória, acompanhando o iter cogniscitivo e o processo de formação da decisão.

26.ª Confrontando os fundamentos da decisão arbitral com seu dispositivo constata-se que a mesma não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e o segmento decisório, na medida em que, tendo decidido pela procedência da pronúncia arbitral deduzida, a fundamentação jurídica foi sempre no mesmo sentido.

27.ª Nas suas alegações de impugnação, a Impugnante refere que “(…) o Tribunal considerou que a AT, pretensamente ofendeu o caso julgado ao determinar esta correção, mais declarando inclusivamente a sua nulidade nos termos da al. i) do n.º 2 do art.º 161.º do CPA” acrescentando que “(…) no entanto na parte do dispositivo o Tribunal Arbitral declara a anulação da liquidação, com isso pretendendo declarar que a mesma enferma de vício de violação de lei”, parecendo ser neste ponto que alicerça a inexistente nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão”.

28.ª A Impugnante, materializa não uma incompatibilidade lógica entre os fundamentos e a decisão – que, por tudo o exposto é por demais evidente que não existe –, mas um eventual erro de julgamento (que de todo o modo igualmente não se verifica), ressaltando da alegação, como a própria aliás assume, que discorda do juízo formulado pelo Tribunal Arbitral, pelo que é forçoso concluir que esta situação não se enquadra nos casos que servem de fundamentação à impugnação das decisões arbitrais, não cabendo a esta instância de recurso sindicar eventuais erros de julgamento da decisão arbitral, ainda que os mesmos existissem, o que não é o caso.

29.ª Face a todo o exposto, resulta evidente que a Impugnante não poderia ter utilizado a impugnação da decisão arbitral para obter a anulação da decisão impugnada nesta parte porquanto se verifica que inexiste fundamento para tal nos termos do artigo 28.º do RJAT;

30.ª Caso assim não se entenda e este douto Tribunal considere que algumas das questões apontadas pela Impugnante configura causa de impugnação e conceda provimento à mesma, o que não se concede e por mera cautela de patrocínio se admite, deve a decisão arbitral ser anulada apenas quanto a tal segmento, pois somente tal parte da decisão que se encontre viciada;

31.ª Por último, entende o Impugnado que se verificam os pressupostos previstos no artigo 6.º, n.º 7 do RCP para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça – questão que apenas se justifica suscitar no processo em juízo por não se colocar em sede de processo arbitral – porquanto, com o devido respeito, se tratam de questões formais, não se verificando particular especificidade técnica e jurídica para além daquela que resulta inerente às mesmas, estando em discussão questões que se discutem de modo generalizado no âmbito do presente processo. (cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 604/2013, de 24.09.2014).

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve a presente impugnação ser julgada improcedente, por não provada, e, nessa medida, manter-se a decisão impugnada assim se cumprindo com o

DIREITO e a JUSTIÇA!”.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP) foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146.º, n.º 1, do CPTA.

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há nulidade por excesso de pronúncia, por ter sido conhecida questão nunca suscitada pelas partes e que não é do conhecimento oficioso?

b) Verifica-se a ocorrência de pronúncia indevida, em virtude de ter sido conhecida questão para a qual os tribunais tributários arbitrais não são materialmente competentes?

c) Há nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. Para a apreciação da presente Impugnação estão provados os seguintes factos:

1) A 12.12.2018, a ora Impugnada apresentou junto do CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral (cfr. fls. 1 a 685 da certidão do processo em formato PDF, constante de CD apenso, a que correspondem futuras referências sem menção de origem, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

2) Na sequência do referido em 1), foi constituído tribunal arbitral coletivo, tendo dado origem ao processo n.º 632/2018-T (cfr. fls. 947).

3) No âmbito do processo mencionado em 2), foi apresentado requerimento pela AT, no qual, designadamente, se informava da revogação parcial do ato tributário (cfr. fls. 695 e 696, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

4) Na sequência do referido em 3), foi apresentado requerimento, pela ora Impugnada, do qual consta designadamente o seguinte:

“…

Imagem: original nos autos

(…)

(…)

(…)

(…)

Imagens: originais nos autos

(…)

…” (cfr. fls. 750 a 805, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

5) À ora Impugnante, nos autos referidos em 2), foi remetida comunicação pelo CAAD, no sentido de a mesma apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e juntar o processo administrativo (cfr. fls. 954 e 957).

6) Na sequência do referido em 5), foi apresentada resposta pela ora Impugnante (cfr. fls. 958 a 1004, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

7) No âmbito do processo referido em 2), foi proferido despacho, a 12.07.2019, com o seguinte teor:

“O Sujeito Passivo invoca no «requerimento nova fundamentação», apresentado na sequência da revogação do acto inicialmente impugnado, como fundamentos de anulação do novo acto praticado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no período previsto no artigo 13.0, n.° 1, do RJAT, os seguintes:

- «a nova correção promovida pela administração tributária foi anteriormente anulada em sede de arbitragem tributária» (artigo 79.°);

- «a interpretação ora efetuada pela administração tributária na informação que sustenta 0 despacho de revogação parcial do 1.0 ato tributário (...) é semelhante à interpretação efetuada nos relatórios de inspeção tributária referentes ao IRC de 2011, de 2012 e de 2013 da Requerente, que, relembre-se, foi julgada ilegal pelo tribunal arbitral no processo n.° 72/2016-T, referente ao ano de 2011 (cf. doc. n.° 6)» (artigo 8o.°);

- «as sucessivas intervenções da autoridade tributária junto da Requerente, promovendo inspeções que invariavelmente resultam em correções que acabam por ser, direta ou indiretamente, objeto de anulação, o que comporta desde logo uma flagrante insegurança jurídica» (artigo 84.0);

- «as sucessivas intervenções da autoridade tributária junto da Requerente, promovendo inspeções que invariavelmente resultam em correções que acabam por ser, direta ou indiretamente, objeto de anulação, o que comporta desde logo uma flagrante insegurança jurídica», «que é precisamente o que se volta a verificar na presente situação, sendo que neste caso é ainda de forma mais flagrante porque se verifica no âmbito de um procedimento de constituição do Tribunal Arbitral» (artigos 84.°e85.°);

- «a administração tributária se encontra a repristinar o tratamento contabilístico-fiscal que já havia dado no âmbito da inspeção realizada ao ano de 2011, correção que foi anulada em sede de arbitragem tributária» (artigo 87.0);

«a administração tributária, efetua agora uma correção no montante de € 383.977,55, a qual já anulada por si em cumprimento e conformidade com a decisão arbitral proferida no processo n.° 72/2016-T, referente ao IRC de 2011 da Requerente»;

- «a quantia de € 383.977,35 corresponde a 1/16 de € 6.143.637,57, montante este inscrito no ano fiscal de 2010 e que teve origem no saldo de conta de acréscimos de custos relativos à obrigação contratual de investimento» e «como já amplamente referido tal correção foi, em relação a outros anos, anulada tanto pelo CAAD como pela própria administração tributária».

Para apurar do eventual relevo para a decisão do presente processo do que foi decidido no acórdão de 01-03-2017 proferido no processo arbitral n.° 72/2016-T (junto pelo Sujeito Passivo como documento n.° 6), inclusivamente a título de caso julgado formal ou caso julgado material, importa apurar se aquele acórdão transitou em julgado.

Segundo informou o CAAD, não dispõe de meios de saber se foi ou não deduzida impugnação ou interposto recurso da decisão proferida naquela processo arbitral, apenas podendo informar que não lhe foi dado conhecimento de que tivesse sido apresentada impugnação ou interposto recurso.

Nestes termos, notifiquem-se as Partes para, no prazo de 10 dias, informarem se têm conhecimento de ter sido apresentada impugnação ou interposto recurso da decisão arbitral referida e, em caso afirmativo, juntarem ao processo documento comprovativo, sob a cominação de, em caso de não apresentação, se poder vir a entender que o referido acórdão transitou em julgado” (cfr. fls. 1688 e 1689).

8) No âmbito do processo referido em 2), foi proferido despacho, a 05.09.2019, com o seguinte teor:

“Em face da informação do Sujeito Passivo, que não foi contrariada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, é de concluir que a decisão arbitral de 01-03-2017, proferida no processo n.° 72/2016-T terá transitado em julgado, junta pelo Sujeito Passivo como documento n.° 6.

Assim, pelo que se referiu no despacho de 12-07-2019, pode vir a colocar-se a questão da relevância dessa decisão para a decisão do presente processo, inclusivamente a título de caso julgado formal ou caso julgado material.

Notifiquem-se as Partes para se pronunciarem sobre esta questão, querendo, no prazo de 10 dias” (cfr. fls. 1704).

9) No âmbito do processo referido em 2), foi proferida decisão arbitral, a 22.11.2019, da qual consta designadamente o seguinte:

“… Tendo a T., na nova fundamentação que apresentou, invocad0 a decisão arbitral proferida no processo n.º 72/2016-T e a violação do princípio da segurança jurídica, porque, em suma, «a administração tributária, efetua agora uma correção no montante de € 383.977,55, a qual já anulada por si em cumprimento e conformidade com a decisão arbitral proferida no processo n.º 72/2016-T, referente ao IRC de 2011 da Requerente», por despacho de 12-07-019, foram notificadas as Partes para informarem se têm conhecimento de ter sido apresentada impugnação ou interposto recurso da decisão arbitral referida e, em caso afirmativo, juntarem ao processo documento comprovativo, sob a cominação de, em caso de não apresentação, se poder vir a entender que o referido acórdão transitou em julgado.

(…)

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

A) a Requerente foi constituída em 14-09-1998 e tem como objeto social a exploração e gestão dos serviços públicos municipais de drenagem, depuração e destino final de águas residuais do Sistema Integrado de Despoluição do Vale do Ave (SIDVA);

B) Em 29-10-1998, a A. M.V. A.(“AMAVE”) e a T. celebraram, por escritura pública, o contrato de concessão para a exploração e gestão, em regime de exclusividade, do SIDVA que à data servia os municípios de Guimarães, Santo Tirso e Vila Nova de Famalicão (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C) Este contrato foi celebrado pelo prazo de 25 anos a contar da data de consignação definitiva das infraestruturas existentes do sistema (n.º 1 do artigo 65.º do Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

D) A consignação definitiva das infraestruturas que integravam o SIDVA ocorreu a 01-08-2000 (Documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

E) O objeto da concessão integrava, na área de intervenção, a “exploração e gestão, em regime de exclusividade, do serviço público de drenagem, depuração e destino final das águas materializado pelo SIDVA a reabilitação de infra-estruturas existentes que dela careçam e a execução de novas infra-estruturas de acordo com o Plano Previsional de Execução Física de Infra-estruturas relativo à Hipótese B prevista no Programa de concurso (…)” (art. 4.º, do Documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

F) O contrato de concessão define ainda que o objeto da concessão “apenas inclui o financiamento, nos termos do disposto no artigo 68.º deste contrato, a concepção, a execução e a exploração de uma solução definitiva para o destino final de lamas e as segundas fases das Estações de Tratamento das Águas Residuais de Serzedelo, Rabada e Agra, conforme Programas 2 e 3 definidos no Plano Previsional de Execução das Infra-estruturas relativas ao Tratamento, ao Destino Final das Lamas e à Reutilização dos Efluentes Líquidos (…)”(n.º 2 do artigo 4.º do Documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral);

G) De acordo com o n.º 1 do artigo 48.º do contrato de concessão, “Na prestação do Serviço Público cujo exclusivo é concedido pelo Contrato, a Concessionária obriga-se a cumprir o Plano Director de Infra-estruturas e seus futuros eventuais ajustamentos, em conformidade com o artigo 68.º” (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

H) De acordo com o n.º 1 do artigo 68.º do contrato de concessão (Documento n.º 3, junto pela Requerente), “A Concessionária executará o esquema financeiro constante do estudo económico constante da sua proposta, relativa à Hipótese B e tal como definida no número 2 do artigo 4.º, nos aspectos correspondentes à exploração do serviço concedido, o qual faz parte integrante deste Contrato;

I) Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo do contrato de concessão (Documento n.º 3, junto pela Requerente), “O esquema referido nos números anteriores está organizado tendo em conta as seguintes fontes de financiamento: a) O capital da Concessionária e outros capitais próprios, designadamente suprimentos ou prestações suplementares de capital; b) As comparticipações financeiras e os subsídios concedidos à Concessionária; c) As receitas provenientes das tarifas ou valores garantidos cobrados pela Concessionária; d) Outras fontes de financiamento, designadamente capitais alheios veiculados em regime de “project finance”, dívida subordinada, sénior ou papel comercial.

J) O artigo 68.º do contrato de concessão (Documento n.º 3, junto pela Requerente) prevê ainda, no seu n.º 5 que “Se à Concessionária não forem disponibilizadas oportunamente as verbas oriundas das fontes de financiamento referidas na alínea b) do número anterior ou outras, obriga-se ela a financiar integralmente os custos das infra-estruturas de tratamento de lamas, tal como definidas no Plano Director de Infra-estruturas”;

K) Mais se refere, no n.º 7 do mesmo artigo 68.º do contrato de concessão que “No caso de, tal como previsto no n.º 5 deste artigo, serem disponibilizados fundos para subsidiar as infraestruturas de tratamento de lamas, a Concessionária obriga-se a comparticipar no financiamento das restantes obras, num montante global equivalente ao dos fundos disponibilizados”;

L) No artigo 69.º, n.º 1, do mesmo contrato, que regula os princípios gerais e critérios para a fixação das tarifas e taxas, refere-se que “O serviço prestado pela Concessionaria será pago por quem o utilizar, em conformidade com as Tarifas e Taxas aprovadas pela Concedente”;

M) No n.º 2 o mesmo artigo 69.º refere-se que “Às tarifas correspondem os preços de cada metro cúbico de água residual afluente aos coletores, medida nos termos do artigo 15.º”;

N) No n.º 4 do mesmo artigo 69.º refere-se que “As tarifas serão fixadas por forma a segurar a protecção dos interesses dos utilizadores, a gestão eficiente do sistema, o equilíbrio económico-financeiro nos termos do modelo financeiro da sua proposta e as condições necessárias para a qualidade do serviço durante e após o termo da concessão”;

O) No n.º 5 do artigo 69.º do contrato refere-se o seguinte:

“A fixação das tarifas deverá: a) Assegurar, dentro do período de Concessão, a amortização do investimento a cargo da Concessionaria; b) Assegurar a manutenção, a reparação e a renovação de todas as infra-estruturas e outros bens afectos à Concessão; c) Assegurar a amortização, tecnicamente exigida, de eventuais novos investimentos de expansão ou modernização do Sistema, especificamente incluídos nos planos de investimento amortizados; d) Atender ao nível de custos necessários para uma gestão eficiente do Sistema e à existência de receitas não provenientes da Tarifa; e) Assegurar uma adequada remuneração dos capitais próprios da Concessionária”;

P) Nos termos do artigo 70.º, n.º 1, do contrato, “As Tarifas e Taxas a vigorar no início do Contrato, são as que se apresentam no Anexo L do presente contrato”;

Q) O artigo 74.º do contrato de concessão prevê a “alteração extraordinária das Tarifas e Taxas”, “Com o objetivo de manter as condições económico-financeiras do Contrato”, desde que se verifique alguma das ocorrências previstas”;

R) Por ofício n.º 748/2002, de 04-03-2002, a Concedente notificou a Requerente da interpretação que fazia do artigo 68.º do Contrato de Concessão, esclarecendo que o investimento previsto se destinava preferencialmente ao tratamento de lamas, (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

S) De acordo com o estudo económico, que constitui parte integrante do contrato de concessão do SIDVA, a obrigação de financiamento das infraestruturas de tratamento de lamas ascendia a € 17.907.842,00 (somatório dos valores anuais relativos ao activo composto pelas infraestruturas de tratamento de lamas constante do Documento n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

T) Por aditamento ao contrato de concessão de 20-04-1999, as partes afectaram um valor correspondente a € 2.493.989,00 relativos à obrigação de investimento à realização de qualquer obra a integrar no SIDVA e, bem assim, em virtude da não aplicação da fórmula de atualização tarifária, diminuíram o valor de investimento a realizar em € 997.596,00, ficando a obrigação de investimento global nos € 16.910.246,00.

U) Ao abrigo desta obrigação a Requerente realizou investimentos em infraestruturas no montante global de € 1.724.500,00, ficando € 15.185.746,00 de investimento por realizar ao abrigo da obrigação de financiamento das infraestruturas de tratamento de lamas prevista no contrato de concessão;

V) Em Maio de 2002 foi criado o Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Vale do Ave (“Sistema Multimunicipal do Vale do Ave”), cuja concessão foi adjudicada à Á. A., S.A (“Á. A.”), através do Decreto-Lei n.º 135/2002, de 14 de Maio;

W) O respetivo contrato de concessão foi celebrado em 21-10-2003;

X) Este sistema multimunicipal, quer no que respeita ao seu âmbito geográfico, quer ao respectivo objeto de exploração, veio sobrepor-se ao SIDVA;

Y) Com vista a salvaguardar a posição da Requerente enquanto concessionária do SIDVA foi estabelecido um protocolo de entendimento (em 24-03-2004) entre a T., a AMAVE a Á. A. no âmbito do qual, entre outras, foi acordado prever uma alteração e definição de novos pressupostos sobre a obrigação de realização do investimento (documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

Z) Posteriormente, foi celebrado um contrato de cessão da posição contratual de concedente no contrato de concessão de que a T. é concessionária da AMAVE a favor da Á. A.;

AA) Em 04-06-2010, verificou-se a fusão-extinção, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 41/2010, de 29 de Abril, mediante a transferência global do património das sociedades Á. C., S.A., Á. M. L., S.A., e Á. A., S.A, para constituição da sociedade Á. N., S.A (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

BB) A Á. N., S.A. é a entidade responsável, em regime exclusivo, pela concessão da exploração e gestão do Sistema Multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Noroeste (“Sistema Multimunicipal do Noroeste”);

CC) Este sistema multimunicipal veio substituir os sistemas multimunicipais de (i) captação, tratamento e abastecimento de águas do norte da área do Grande Porto, (ii) de abastecimento de água e saneamento do Minho-Lima e (iii) de abastecimento de água e saneamento do Vale do Ave;

DD) Em consequência, a Á. N., S.A. assumiu a posição de concedente no contrato de concessão do SIDVA;

EE) Ficou definido, por intervenção da accionista da Á. N. (a Á. P., SA), que deveria proceder-se com a celeridade possível à execução do Protocolo, designadamente, à adequação do contrato de concessão às condições de exploração, conforme comunicação ADM/094.2004 de 07 de Julho de 2010 (documentos n.ºs 9 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

FF) A Á. N. instruiu a T. no sentido de: i. A obrigação de financiamento da Concessionaria remanescente, inicialmente alocada aos investimentos do Plano Diretor de Infraestruturas deverá ser integralmente transferida para uma revisão do tarifário vigente; ii. Atendendo ao referido em i), vimos, nos termos e para os efeitos do artigo 74.º, n.º 1, a), do Contrato de Concessão do SIDVA proceder a uma Alteração Extraordinária das Tarifas e Taxas, fixando a tarifa média prevista no Artigo 74.º, n.º 1 a) do Contrato de Concessão do SIDVA em 0,37€ /m3, a preços de 2015 com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2014 e em termos a regular em Acordo a celebrar entre as partes; iii. A redução do tarifário referida em ii) produzirá efeitos até que se mostre esgotada a obrigação de financiamento designada em i)” (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

GG) Por força deste acordo entre a Requerente e a Concedente, foi definido o momento a partir do qual deveria ser efetuado o pagamento da obrigação de financiamento assumida como contrapartida pelo direito da Concessionária de utilização exclusiva do SIDVA, que enformou o modelo económico da respetiva concessão (Documento n.º 11, junto pela Requerente).

HH) A alteração das condições contratuais iniciais só veio a ocorrer em 2015, com efeitos retroactivos a 01-01-2014 (Documento n.º 11);

II) Na sequência do acordado em 2015 sobre a redução da tarifa a cobrar pela Requerente à concedente, com efeitos retroactivos a 01-01-2014, a Requerente emitiu em 29-06-2015, a favor da concedente, a nota de crédito que consta do anexo X ao RIT (página 479 do processo administrativo digitalizado), cujo teor se dá como reproduzido, no valor de € 1.081.511,81, que resulta do volume de caudal facturado no ano de 2014 pela diferença de tarifa (€ 0,035/m3, resultantes da redução de € 0,4050/m3 para € 0,037/m3);

JJ) A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente relativa ao exercício de 2011;

KK) Nessa inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que “No âmbito do contrato de concessão o Sujeito Passivo tem a obrigação de financiar a Concedente até ao limite de 16.910.246,00 EUR, para a realização das infraestruturas e obras a integrar o SIDVA»; «Este valor foi reconhecido como uma provisão, dado o seu carácter incerto quanto à tempestividade, por contrapartida do “ativo intangível – obrigação de investimento” do Sujeito passivo, traduzindo o direito da concessionária de cobrar aos utilizadores um serviço público»; «Do investimento previsto, a concessionária realizou obras no valor de 1.724.500,10 EUR.»; «Nos termos do mesmo contrato de concessão, o Sujeito Passivo procedeu à constituição de uma provisão para substituição, que se destina a acorrer à realização de despesas futuras em renovação das infraestruturas da concessão, desde que se preveja serem de realização certa nos anos que restam do período de concessão»; «Assim o Sujeito Passivo reconheceu uma “provisão” no valor de 1.868.648,24 EUR, referente à responsabilidade de manter as infraestruturas num bom estado de funcionamento, por contrapartida do “ativo intangível”, uma vez que a tarifa cobrada aos utilizadores do serviço público remunera também esta obrigação.» [facto ff) referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 72/2016-T, junta como documento n.º 6 com a «Nova fundamentação» apresentada pela Requerente, cujo teor se dá como reproduzido];

LL) Nessa inspecção relativa ao exercício de 2011, os serviços de inspeção procederam às seguintes correções oficiosas em sede de IRC:

1 - Anulação do ajustamento de transição associado ao desreconhecimento de ativos fixos tangíveis: €44.824,64;

2 - Consideração da variação patrimonial negativa associada ao desreconhecimento de ativos fixos tangíveis: -€3.687,58

3 - Obrigação de investimento – reversão da amortização do “Acréscimo de custos” não aceite para efeitos fiscais após a transição para o SNC: €383.977,35

4 - Correção da atualização da provisão para investimento de infraestruturas de substituição: €49.736,50

5 - Obrigação de investimento – correção da amortização do exercício do ativo intangível: €546.887,19

6 - Coimas e demais encargos pela prática de infracções: €275,50 [facto gg) referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 72/2016-T, junta como documento n.º 6 com a «Nova fundamentação» apresentada pela Requerente];

MM) Nessa inspecção relativa ao exercício de 2011, a metodologia seguida pelos serviços de inspeção da AT foi, pela ordem descrita: a) Validar o ajustamento de transição associado ao desreconhecimento de activos fixos tangíveis, b) Apurar em seguida as variações patrimoniais – regime transitório – artigo 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do Decreto-lei n.º 159/2009, de 13 de julho, c) Validar o acréscimo ao lucro tributável inscrito no campo 721 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22; d) Validar as amortizações do ativo intangível; e) Proceder a outros ajustamentos ao lucro tributável (coimas e demais encargos pela prática de infrações e donativo) [facto hh) referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 72/2016-T, junta como documento n.º 6 com a «Nova fundamentação» apresentada pela Requerente];

NN) Por decisão proferida no referido processo arbitral n.º 72/2016-T, que consta do documento n.º 6 com a «Nova fundamentação», cujo teor se dá como reproduzido, foi decidido «julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à ilegalidade da liquidação de IRC relativo ao ano de 2011, no que se refere à correção relativa ao desreconhecimento de passivo (obrigação de investimento) no montante de € 383.977,35 [alínea a) do Quadro 1], anulando-se, em consequência, na parte correspondente, o ato de liquidação de IRC e juros compensatórios objeto de impugnação na presente ação»;

OO) Na decisão arbitral proferida no processo n.º 72/2016-R entendeu-se, além do mais, o seguinte:

No que respeita à reversão dos acréscimos reconhecidos em POC e relativos à obrigação de investimento contratual estes deviam ser desreconhecidos, mas apenas para efeitos contabilísticos e não fiscais.

Para efeitos fiscais importaria ter reconhecido o total da obrigação de investimento ainda por realizar e não “amortizada” até ao ano da transição, proporcionalmente repartida pelo número de anos do contrato que ainda faltavam ocorrer (2010-2025).

Fiscalmente foi aceite até 31.12.2009, que a obrigação de investimento mesmo que não realizada fosse amortizada para efeitos fiscais, conforme Despacho n.º 699/2004-XV, de 17 de março, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Para as obrigações de investimento ainda não consideradas do ponto de vista fiscal, o legislador decidiu atribuir-lhe relevância ao abrigo do art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009. O montante da obrigação de investimento que ainda faltava “amortizar” do ponto de vista fiscal à data da transição (2010), devia ser repartido para efeitos fiscais durante o período remanescente do contrato.

A opção de relevância fiscal da obrigação de investimento por realizar, estava condicionada pela verificação que essa obrigação tivesse tido relevância fiscal nos períodos anteriores à transição do POC para o SNC (até 2009). Pressuposto que se verifica no caso em apreço, como resulta dos relatórios e contas da A… e é reconhecido na p. 15 do Relatório de Inspeção (ver, ainda, o ponto 11 dos factos dados como provados).

Como ficou amplamente demonstrado, este tratamento fiscal atribuído às obrigações de investimento ainda por realizar (antes de 2010 e após essa data) é um tratamento fiscal excecional que pode ser explicado pelas especificidades associadas ao tarifário das entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos.

Para a definição dessa tarifa, conforme disposto no contrato de concessão, concorrem, entre muitos outros fatores, as referidas obrigações de investimento que cabem à concessionária, e, por conseguinte, esse valor releva na definição do rendimento fiscal (tarifa a considerar).

Também, o facto de se assumir que essas obrigações têm necessariamente de ser cumpridas antes do término do prazo da concessão, não importando, portanto, o momento concreto da efetiva realização do investimento, tem como justificação a forma de definir a tarifa e logo o tratamento especial que o legislador fiscal sempre lhe resolveu atribuir (antes e após a transição dos normativos contabilísticos).

Se, eventualmente, não existisse uma disposição contabilística (antes de 2010) e fiscal (antes e após 2010) que admitisse que esses custos/gastos concorressem ao longo de todo o período da concessão, as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos, podiam ter que alterar abruptamente as tarifas de um período para outro, na medida em que as mesmas tivessem associadas à efetiva realização do investimento, ou mais concretamente à depreciação/amortização dos investimentos efetivamente realizados.

É, assim, compreensível que, em nome do necessário balanceamento de custos/gastos e proveitos/rendimentos fiscais, o legislador fiscal tenha vindo a aceitar que as obrigações de investimento, ainda que não realizadas - mas de realização obrigatória - possam contribuir, do início ao termo do contrato de concessão, para a definição da tarifa, e, por essa via, para o rendimento da entidade, logo também decidiu considerar gastos relativos à obrigação de investimento, ainda que esta não estivesse efetivamente realizada. A solução adotada visava adequar, balanceando, proporcionalmente os rendimentos/proveitos fiscais e os gastos/custos fiscais, ao longo de todo o período do contrato.

Conforme tivemos oportunidade de referir supra, este regime especial de “amortização” das obrigações de investimento, previsto no referido art. 5.º- A, só poderá ser aplicado a partir da data da transição para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos que beneficiaram do regime da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até à entrada em vigor do presente decreto-lei [DL n.º 159/2009, de 13 de Julho].

Deste modo o preceito não se aplicará às entidades que estabeleçam contratos de concessão depois de 2010. E também não poderá ser aplicado a entidades que antes da transição não tivessem vindo a beneficiar do regime da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até 31.12.2009.

No caso em apreço, a AT assumiu (ponto VI do Relatório de Inspeção, p. 7) que a obrigação de investimento já amortizada do ponto de vista fiscal não concorria para efeitos fiscais ao abrigo do disposto no art. 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009 (ponto V do relatório de inspeção, p. 7). Por esse facto corrigiu a base tributável do contribuinte em resultado do desreconhecimento das “amortizações” fiscais da obrigação de investimento, reconhecidas como custos fiscais entre 1998 e 2009 [(alínea a))].

A AT incorreu em erro nos pressupostos de facto e de direito, ao desreconhecer o passivo (acréscimo de custos) relativo às obrigações de investimentos, reconhecido anteriormente como acréscimo de custos/gastos e que tinha tido efeitos fiscais nos períodos anteriores, como temos vindo a salientar, atento o disposto no artigo 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009. Assim, estes custos tinham tido anteriormente relevância fiscal e, mesmo após a transição, devem continuar a tê-la.

Por se tratar de uma questão de direito (aplicação da lei fiscal correta) entende-se que não assiste razão à AT na correção efetuada no valor de € 383.977,35 [alínea a) do Quadro 1].

Termos em que procede o pedido da Requerente, quanto à ilegalidade da liquidação impugnada, na parte correspondente à referida correção.»;

PP) Relativamente aos exercícios de 2012 e 2013, a Autoridade Tributária e Aduaneira decidiu nos termos que constam do documento n.º 7 junto com a «Nova Fundamentação», cujo teor se dá como reproduzido;

QQ) A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente relativa ao exercício de 2014, iniciada em 21-03-2018 e em que foram sancionadas em 09-07-2018 as conclusões do Relatório da Inspecção Tributária (RIT) nela elaborado;

RR) Nesse RIT relativo ao exercício de 2014, que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III - 1.4.2 CONTABILIZAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE FINANCIAMENTO DE INFRAESTRUTURAS A INTEGRAR NO SIDVA ATÉ AO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2009, INCLUSIVE

Até 2009-12-31, o Sujeito Passivo repartiu os custos (gastos) para a realização das infraestruturas e obras a integrar no SIDVA (obrigação de financiamento de infraestruturas a integrar no SIDVA) pelo número total de anos da concessão, sendo as respetivas quotas-partes consideradas como custos de cada exercício, na conta de Fornecimentos e Serviços Externos, e acumuladas no passivo, na rubrica Acréscimos de Custos, conforme está descrito na subalínea iii) da alínea d) da nota 3 do Anexo as Conta do período de 2009 (cfr. Anexo 5: folha 13 - Relatório e Cantas 2009 - Página 46).

Os investimentos entretanto efetuados, ao abrigo da referida obrigação contratual, foram registados na respetiva conta do Imobilizado Corpóreo e amortizados de acordo com a vida útil dos bens ou pelo prazo da concessão, se inferior à vida útil. A correspondente amortização (custo) foi sendo registada na conta Amortizações do Exercício. O mesmo montante foi creditado na conta Fornecimentos e Serviços Externos - Obrigações Contratuais (evitando-se assim uma duplicação de custos) por contrapartida de Acréscimo de Custos - Obrigações Contratuais, conforme está descrito na subalínea iii) da alínea d) da nota 3 do Anexo às Conta do período de 2009 (cfr. Anexo 5: folha 13 - Relatório e Contas 2009 - Página 46).

Assim, em 2009-12-31, o saldo da conta Acréscimo de Custos - Obrigações Contratuais, que expressa os montantes dos custos/gastos imputados a períodos até 2009, referente à obrigação de financiamento de infraestruturas a integrar no SIDVA, ascendia ao montante de 6.143.637,57 EUR, conforme nota 50 do Anexo ao Relatório e Contas de 2009 (cfr. Anexo 5: folha 15 - Relatório e Contas 2009 - Página 54) (o montante inscrito no Relatório e Contas de 2009 encontra-se arredondado).

Significa isto que, desde o início da concessão e até 2009, o Sujeito Passivo relevou em gastos dos períodos o montante total de 6.143.637,57 EUR, no pressuposto de que iria realizar investimentos nas infraestruturas do SIDVA em períodos posteriores (até ao fim da concessão), investimentos que não ocorreram e que se verifica agora (reportados a 2014) que não irão ocorrer por força da alteração contratual.

Atendendo ao clausulado contratual em vigor à data, o procedimento contabilístico adotado pelo Sujeito Passivo, até ao período de 2009, descrito nos parágrafos anteriores, foi conforme as instruções emanadas pela Comissão de Normalização Contabilística na Diretriz Contabilística n.º 4/91 e esse procedimento era fiscalmente aceite, de acordo com o Despacho n.º 699/2004-XV, de 17 de março de 2004, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

III - 1.4.3 CONTABILIZAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE FINANCIAMENTO DE INFRAESTRUTURAS A INTEGRAR NO SIDVA NO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2010 E SEGUINTES

Com a publicação do Decreto-Lei n.º 158/2009 de 13 de julho, foram revogados o Plano Oficial de Contabilidade (POC) e as Diretrizes Contabilísticas, com efeitos a partir de 2010-01-01. Assim, no período de tributação de 2010, o Sujeito Passivo passou a fazer o relato contabilístico das suas contas de acordo com as Normas de Contabilidade e Relato Financeiro (NCRF), que fazem parte integrante do Sistema de Normalização Contabilística (SNC). Por omissão do novo normativo português relativamente aos serviços concessionados, o Sujeito Passivo aplicou supletivamente a International Financial Reporting Interpretations Committee n.º 12 (IFRIC 12) e a interpretação do Standing Interpretation Committee n.º 29 (SIC 29), vertidas do normativo internacional (Regulamento (CE) n.º 1606/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho, Regulamento (CE) n,º 1126/2008 da Comissão, de 3 de novembro, e Regulamento (CE) n.º 254/2009 da Comissão, de 25 de março).

A IFRIC 12 define as regras a observar na contabilização dos contratos de concessão, atendendo aos serviços que presta e ao poder de controlo sobre os ativos da concessão.

No seguimento do imposto pela IFRIC 12, o Sujeito Passivo contabilizou um ativo intangível referente ao direito de concessão, que inclui o valor a pagar relativo à obrigação contratual de financiamento de obras a integrar no SIDVA. Este ativo foi mensurado ao custo líquido das amortizações e imparidades acumuladas, sendo a amortização calculada numa base duodecimal, peio método linear, durante o período de concessão.

O gasto do período com as amortizações desse ativo intangível foi reconhecido na demonstração de resultados na rubrica Gastos/Reversões de Depreciação e Amortização.

O balancete analítico em 2014-12-31 reflete o montante desse ativo (custo líquido) que, nessa data, ascende a 6.669.569,09 EUR (saldo devedor de 16.910.246,00 EUR refletido na conta SNC «44600010 Ativos intangíveis - Outros» deduzido do saldo credor 10.240.676,91 EUR refletido na conta SNC «44860010 Amortiz. Acumuladas - Retribuição Concedente») (cfr. Anexo 9: Balancete 2014 - Página 2). No quadro seguinte, sintetiza-se a evolução do saldo destas contas desde o período de 2010:

(…)

Com a publicação do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, foi revogado o Plano Oficial de Contabilidade (POC) e as Diretrizes Contabilísticas, com efeitos a partir de 2010-01-01. Assim, deixou de ser aplicável fiscalmente o disposto na Diretriz Contabilista n.º 4/91. Este facto subordina o Sujeito Passivo ao disposto nos artigos 5.º e 5.Ú-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, com as consequências fiscais referidas nessa norma,

Os n.ºs 1, 5 e 6 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, estabelecem que, os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez, dos novos normativos contabilísticos (SNC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, ou normas Internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho) (NCRF/SNC ou Normas Internacionais), que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento, ou do não reconhecimento, de ativos ou passivos, ou de alterações na respetiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aqueles normativos e dos quatro períodos de tributação seguintes, ou seja, do período de tributação de 2010 até ao período de tributação de 2014, inclusive.

Através do artigo 255.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2013), foi aditado ao Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, o artigo 5.º-A com a epígrafe "Regime transitório nos contratos de concessão de sistemas multimunicipais". O n.º 1 desse artigo determina que "...para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos que beneficiaram da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até à entrada em vigor do presente decreto-lei, o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo anterior corresponde aos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada exercício". O n.º 2 desse artigo refere que essa norma tem natureza interpretativa. Com este aditamento, o prazo de cinco períodos de tributação (períodos de 2010 até 2014), previstos para realizar os ajustamentos decorrentes da adoção, pela primeira vez: dos novos normativos contabilísticos, passa a ser o corresponde aos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada período. A norma em causa tem natureza interpretativa, por isso, a sua aplicação retroage à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho (tudo se passa como se essa norma tivesse sido publicada na data de pui lei que interpreta).

Não esquecendo a Decisão Arbitral proferida em momento posterior, os procedimentos inspetivos que visaram os períodos de 2010 a 2013, determinaram que estes ajustamentos de transição associados à alteração das regras de contabilização da obrigação de financiamento de infraestruturas a integrar do SIDVA, enquadravam-se no disposto no artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, pelo que, procederam a correções fiscais, pela determinação de uma variação patrimonial positiva, correspondente a 1/16 do valor do saldo da conta de acréscimo de custos relativo à obrigação contratual de investimento (6.143.637,57 EUR), que corresponde ao montante de 383.977,35 EUR em cada período. Contudo, tendo presente as circunstâncias vigentes até 2013, por Decisão Arbitral, a AT anulou estas correções fiscais.

Não obstante, tal como já foi amplamente referido, em 2014, assiste-se a uma adequação (alteração) do clausulado contratual. Na sequência das reuniões havidas entre a T. e a concedente (Á. N.), a concedente, através de uma missiva datada de 2015-02-02, instruiu o Sujeito Passivo da adequação do contrato de concessão, transferindo a obrigação de financiamento da concessionária (T.) para uma redução extraordinária das tarifas a pagar pela concedente à T.. Ou seja, o Sujeito Passivo, deixou de ter a obrigação de financiamento dos investimentos inicialmente alceados ao Plano Diretor de Infraestruturas, substituindo esta obrigação por uma redução no preço a cobrar à concedente.

Na prática, para compensar essa obrigação de investimento no sistema, em 2014, a tarifa a cobrar pela T. diminuiu de 0,4050 EUR/m3 para 0,37 EUR/m3, ou seja, uma redução de 0,035 EUR/m3. Como esta redução de tarifa se reporta a Janeiro de 2014, mas como a T. esteve durante este ano a debitar à Concedente à tarifa anterior (0,4050 EUR), em Junho de 2015, emitiu uma nota de crédito de 1.081.511,81 EUR, valor que resulta do volume de caudal faturado no ano de 2014 pela diferença de tarifa (0,035 EUR) (cfr Anexo 10, folhas 2 e 3).

Desde 2010 e até 2014, o Sujeito Passivo mantinha numa rubrica de provisões (conta «29880000 Provisões -Outros»), o valor correspondente ao montante remanescente da obrigação de financiamento de infraestruturas a integrar no SIDVA, ou seja, investimentos/obras que faltavam realizar. Com esta alteração, o Sujeito Passivo transfere o saldo da provisão para uma rubrica do passivo, Outros Devedores e Credores (conta «27814046 ODC-Á. N. -Direito Concessão») cfr. Anexo 12-folha 3:

(…)

O saldo transferido reflete o valor da provisão criada pela obrigação de financiara concedente (16.910.246,00 €), deduzido do investimento já realizado (1.724.500,10 €), do débito da diferença da redução de tarifa, relativo ao caudal facturado em 2014 (1.081.511,80 €) e do valor das obras realizadas na infraestrutura pela T., que eram obrigação da concedente realizar, mas que esta terá autorizado a T. realizar e a abater o montante ao valor da obrigação contratual (211,315,00 €), cfr. se sintetiza no quadro seguinte:

(…)

Com esta modificação qualitativa da informação contabilística, o Sujeito Passivo traduziu a alteração do clausulado contratual, contudo, manteve na rubrica do Ativo Intangível o valor fixado ab initio, relativo à obrigação contratual de financiamento de obras a integrar no SIDVA (16.910.246,00 EUR). Refira-se aqui que o Sujeito Passivo, desde 2010, relevava na contabilidade e nos resultados contabilísticos e fiscais, o valor da amortização deste Ativo Intangível, tendo sido alvo de correção fiscal, no âmbito dos procedimentos inspetivos realizados aos períodos anteriores.

III - 1.4.4 VARIAÇÃO PATRIMONIAL POSITIVA DECORRENTE DO FIM DA OBRIGAÇÃO DE FINANCIAMENTO DE INFRAESTRUTURAS A INTEGRAR NO SIDVA

Em 2009-12-31, o saldo da conta de acréscimo de custos relativo à obrigação contratual de investimento ascendia a 6.143.637,57 EUR. Esse saldo corresponde ao montante acumulado das quotas-partes consideradas como custos, em cada exercício (na rubrica Fornecimentos e Serviços Externos), deduzidos das amortizações acumuladas do investimento realizado ao abrigo da obrigação contratual, sendo que as amortizações foram feitas de acordo com a vida útil dos bens ou pelo prazo da concessão, quando inferior à vida útil.

O Sujeito Passivo procedeu ao desreconhecimento do passivo referida no parágrafo acima (passivo registado na rubrica de Acréscimo de Custos no montante de 6.143.637,57 EUR), conforme se demonstrou no capítulo III-1.2 (ver quadro das variações patrimoniais consideradas pelo Sujeito Passivo) e resulta do exposto no quadro da alínea b) do ponto 2.4 do Anexo ao Relatório e Contas do período de 2010 (ver linha com a designação "Reversão dos acréscimos POC relativos à Obrigação de investimento contratual) (cfr. Anexo 5; folha 15 - Relatório e Contas 2009 - Página 54).

Assim, o capital próprio, mais concretamente a rubrica de Resultados Transitados, sofreu um incremento (variação patrimonial positiva) no montante de 6.143,637,57 EUR.

Neste sentido, os gastos referentes a esta obrigação, desde o início da concessão, estavam alicerçados no facto de que o Sujeito Passivo, ab initio, tinha uma obrigação de investimento nas infraestruturas, até ao valor limite de 16.910.246,00 EUR, usufruindo, em contrapartida, de uma tarifa (mais elevada) a cobrar à concedente.

Contudo, com a alteração contratual, assiste-se ao fim da obrigação do sujeito passivo realizar os investimentos inicialmente programados, colocando agora em causa a variação patrimonial (não tributada) que decorre da transferência para capital (na transição do POC para o SNC) do saldo da conta de acréscimo de custos relativo à obrigação contratual de investimento, no valor 6.143.637,57 EUR.

O procedimento contabilístico adotado pelo Sujeito Passivo, até ao período de 2009, descrito nos parágrafos anteriores, foi conforme as instruções emanadas pela Comissão de Normalização Contabilística na Diretriz Contabilística n.º 4/91 e esse procedimento era fiscalmente aceite, de acordo com o Despacho n.º 699/2004-XV, de 17 de março de 2004, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Este entendimento que era acolhido fiscalmente, resultava da alínea b) do n.º 4 da referida DC nº4/91, segundo o qual:

"4-Os investimentos que revertam para terceiros no termo da concessão devem ser objeto dos seguintes procedimentos:

a) Quanto aos acabados no início e no primeiro ano da concessão, devem ser contabilizados como imobilizações a amortizar durante o número total de anos de concessão;

b) Quanto aos que forem de realização certa nos anos seguintes devem ser estimados os respetivos custos, os quais serão de repartir pelo número total de anos de concessão, sendo as respetivas quotas-partes de considerar como custos, em cada exercício, e acumuladas no passivo como acréscimo de custos; quando o investimento estiver concluído, passará de imobilizado em curso para imobilizado corpóreo, transferindo-se então o saldo daquela conta de acréscimo de custos para a correspondente conta de amortizações acumuladas e amortizando-se a parte restante até ao termo da concessão. "

Ou seja, visando existir um balanceamento entre os gastos e os rendimentos ao longo do período da concessão, era aceite fiscalmente que a obrigação de investimento nas infraestruturas fosse repartida ao longo dos anos, factos levados em prática até 2009 pelo Sujeito Passivo.

Portanto, a fixação da tarifa inicialmente contratada, serviria para a concessionária (neste caso a T.) recuperar a obrigação de financiamento e outros gastos correlacionados com o exercício da atividade do Sujeito Passivo. Com o novo acordo a vigorar a partir de 2014-01-01, a tarifa inicialmente contratada é reduzida, visando eliminar esta obrigação de investimento no SIDVA por parte da T.. Para uma melhor perceção dos factos e fazendo urna abordagem meramente teórica, se fosse possível refazer o contrato desde o início da concessão, admitindo agora este novo acordo, concluíamos que o Sujeito Passivo, não deveria ter registado o custo aqui em causa, uma vez que não existiria a obrigação de financiamento de investimentos nas infraestruturas (pelo menos no valor total inicialmente definido).

Neste sentido, existindo estes factos novos em 2014, deixa de ser enquadrável a aplicação do regime transitório previsto no art.º 5.º e 5.º-A do DL 159/2009, de 13 de julho, uma vez que este regime aplicar-se-ia para os casos em que exista, antes e depois de 2010, a obrigação de investimento contratual não realizado. Deste modo, no período de 2014, estando o Sujeito Passivo na posse desta informação, deveria acolher as implicações fiscais que resultam da variação patrimonial não refletida nos resultados (e não tributada fiscalmente em períodos anteriores) e que se encontra refletida nas suas demonstrações financeiras, na rubrica de capitais próprios (Resultados Transitados), no valor de 6.143.637,57 EUR.

Em termos fiscais, o regime aplicado às variações patrimoniais não refletidas no resultado líquido do período encontra-se previsto nos art.ºs 21.º e 24.º do CIRC. Legislou-se por exceção, isto é, contemplaram-se as situações não suscetíveis de influenciar o resultado fiscal.

Assim, as variações patrimoniais positivas aqui em causa (Reversão dos acréscimos POC relativos à Obrigação de investimento contratual não realizado), não se encontram em nenhuma das exceções do art. 21º do CIRC, pelo que concorrem para a formação do lucro tributável.

Por outro lado, nos termos do art.º 18.º, os rendimentos e os gastos devem ser imputados ao período a que respeitam, independentemente do seu recebimento ou pagamento, regra que encontra acolhimento no pressuposto contabilístico previsto no parágrafo 22 da Estrutura Conceptual do SNC - regime do acréscimo ou da periodização económica.

Este princípio, traduz-se justamente em que devem ser considerados como custos de determinado período os encargos que economicamente lhe sejam imputáveis, sendo, em consequência, irrelevante o exercício em que se efetua o seu pagamento. Portanto, para o caso aqui em análise e para efeitos de tributação, o que será relevante, é determinar o período em que deverá ser imputável esta variação patrimonial positiva e não o facto do Sujeito Passivo realizar o "desconto" no preço ao longo dos períodos subsequentes.

Neste âmbito, o disposto no n.º 2 do art.º 18.º do CIRC, permite que alguns rendimentos e gastos respeitantes a um período possam ser imputados a períodos posteriores, desde que, na data do encerramento das contas do período a que respeitam, forem imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.

Ora, centrando-nos no nosso caso aqui em análise, como o novo acordo contratual retroage a 2014-01-01 e atendendo ao facto de:

i) Nos períodos anteriores ser manifestamente desconhecida ou imprevisível a alteração desta obrigação contratual; ii) Ser no período de 2014 que o Sujeito passivo "adquire" o conhecimento destes factos, relevando-os nas suas demonstrações financeiras;

Assim, seria no período de 2014 que o Sujeito Passivo deveria ter imputado a variação patrimonial positiva aqui em causa, na determinação do resultado fiscal de 2014.

Esta variação patrimonial positiva não está refletida nos resultados contabilísticos e fiscais de 2014 (e não foi tributada fiscalmente em períodos anteriores), encontrando-se relevado nas suas demonstrações financeiras, na rubrica de capitais próprios (Resultados Transitados), no valor de 6.143.637,57 EUR, correspondente aos gastos registados em períodos anteriores a 2010, referente à repartição anual do valor da obrigação investimento inicialmente contratado e não realizado.

Nestes termos, será aqui corrigido o Lucro Tributável do período de 2014, no valor de 6.143.637,57 EUR.

SS) Na sequência desta acção inspectiva, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC com o n.º 2018 8310003673, de 02-08-2018, correspondente demonstração de liquidação de juros com o n.º 2018 00000221985, e respetiva demonstração de acerto de contas identificada pela compensação n.º 2018 00017528999 de 06.08.2018, no valor de € 1.822.740,09;

TT) A Requerente prestou garantia bancária para suspender processo de execução fiscal n.º …543, instaurado para cobrança coerciva da quantia liquidada (documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

UU) A Requerente apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral tendo por objecto a referida liquidação de IRC;

VV) No período previsto no artigo 13.º do RJAT, a Autoridade Tributária e Aduaneira revogou parcialmente a liquidação referida e, com a data de 04-02-2019, emitiu a liquidação de IRC n.º 2019 8310000826, no valor de € 131.253,10, bem com a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2019 831 0000826 (documento n.º junto com a “Nova fundamentação”, cujo teor se dá como reproduzido);

WW) A decisão de revogação da liquidação n.º 2018 8310003673 e emissão da nova liquidação baseia-se nos fundamentos que constam do documento n.º 2 junto com a “Nova fundamentação”, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Assim, a requerente tem vindo, na prática, a desfrutar de todos os direitos e deveres previstos no contrato de concessão, incluindo a cobrança do preço pelo serviço que prestava aos utilizadores desde a data da celebração do contrato de concessão (1998-09-259), com exceção para a obrigação de Investimento em infraestruturas no valor de €16.910,246,00, da qual apenas concretizou o montante de €1.724.500,00.

A tarifa cobrada aos utilizadores do Sistema Multimunicipal do SIDVA (pela Concedente, no caso dos Utilizadores municipais, e pela Requerente, no caso dos Utilizadores industriais), foi fixada em 0,5571/m3 e mantem-se antes e após 01-01-2014.

Ou seja, até 31 de dezembro de 2013, da tarifa cobrada aos utilizadores (0,5571 €/m3) a requerente auferia, em termos líquidos, de 0,4050 €/m3, sendo o remanescente (0,1521 €/m3) para a concedente. Até 31-12-2013, a requerente não tinha cumprido a obrigação de investimento a concretizar através da construção de infraestruturas para o tratamento de lamas de acordo com os termos do contrato de concessão.

A partir de 01.01.2014, esta obrigação foi alterada para o pagamento de uma prestação pecuniária pela requerente/concessionária à concedente no mesmo montante tendo a forma de pagamento ficado definida em função dos metros cubitos faturados aos utilizadores do Sistema Multimunicipal do SIDVA (fracionadamente). Assim, e partir de 01.01.2014 e até à integral compensação da concedente, a requerente passou a receber, em termos líquidos, a verba de 0,37 €/m3 (quando antes auferia 0,4050 €/m3), ficando o remanescente (0,1871 €/m3) para a concedente. A diferença (€ 0,4050 -€ 0,37 = € 0,035 por metro cúbico) fica alocada ao cumprimento da obrigação de pagamento à concedente de igual montante do investimento não realizado. A partir do momento em que essa obrigação pecuniária esteja cumprida, o valor líquido a receber pela requerente em relação à tarifa volta a ser de 0,4050/m3.

B.ll - Enquadramento contabilístico e fiscal aplicável ao contrato de concessão antes e depois de 2010

Contabilisticamente, e voltamos a sublinhar, apenas relativamente ao investimento em infraestruturas a realizar no montante de €15.185.746,00 em causa nos presentes autos, a requerente, até 31 de dezembro de 2009 e na vigência do Plano Oficial de Contabilidade (POC), vinha seguindo as regras definidas na Diretriz Contabilística (OC) n.º 4/91 nomeadamente, no que ao caso interessa, os pontos 2 e 4, alínea b).

Esta Diretriz estabelecia que:

1. As despesas capitalizáveis já realizadas pelas empresas concessionárias e as que forem efectuadas no primeiro ano da concessão devem ser contabilizadas como custos diferidos, os quais serão repartidos pelo número total dos anos da concessão,

2. As despesas capitalizáveis a efectuar nos anos seguintes, certas ou estimadas, devem ser repartidas pelo número total de anos de concessão, sendo as respectivas quotas-partes de considerar como custos em cada exercício e acumuladas no passivo como acréscimo de custos. Logo que seja efectuado o dispêndio, anula-se este passivo e regista-se o remanescente como custo diferido a repartir pelos restantes anos da concessão.

3. As outras obrigações contratuais, com a aquisição ou produção de bens que revertam imediatamente para terceiros, deverão ter tratamento idêntico ao referido nos n.ºs 1 e 2.

4. Os investimentos que revertam para terceiros no termo da concessão, devem ser objecto dos seguintes procedimentos:

a) Quanto aos acabados no início e no primeiro ano da concessão, devem ser contabilizados como imobilizações, a amortizar durante o número total de anos da concessão.

b) Quanto aos que forem de realização certa nos anos seguinte, devem ser estimados os respectivos custos, os quais serão de repartir pelo número total de anos da concessão, sendo as respectivas quotas-partes de considerar como custos, em cada exercício, e acumuladas no passivo como acréscimo de custos: quando o investimento estiver concluído passará de imobilizado em curso para imobilizado corpóreo, transferindo-se então o saldo daquela conta do acréscimo de custos para a correspondente conta de amortizações acumuladas e amortizando-se a parte restante até ao termo da concessão. ..."

Para efeitos fiscais, às empresas concessionárias, aplicou-se o despacho n.º 699/2004-XV, de 17 de Março, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o qual sancionou o seguinte entendimento:

1. O procedimento contabilístico que, em obediência às instruções emanadas pela Comissão de Normalização Contabilística na Diretriz Contabilística n.º 4/91, vem sendo adoptado pelas concessionárias participadas de V. Exas., deverá ser fiscalmente acerte, urna vez que visa garantir o principio de especialização dos exercícios e o balanceamento, durante o prazo de vigência dos contratos de concessão com o Estado, dos proveitos (tarifas) e dos custos (incorridos e a Incorrer) que constituem a sua base de cálculo.

2. Porém, relativamente à parcela dos custos certos mas de valor estimado imputada a cada um dos exercícios será indispensável que cada uma das empresas concessionárias apresente, se solicitados pela Administração Fiscal, os planos e orçamentos previsionais, devidamente aprovados, pelo que os mesmos deverão fazer parte integrante do processo de documentação fiscal a que SB refere o art.º 121.º do Código do IRC".

Ou seja, em cada período de tributação, a requerente considerava como gastos (contabilisticamente e fiscalmente) a quota-parte dos custos estitnados.de investimentos a realizar tendo em conta o número total de anos da concessão e acumulava aqueles montantes no passivo como acréscimo de custos.

Assim, a 31 de dezembro de 2009, o valor acumulado das quotas-partes considerado como gastos (contabilístico e fiscal) nestes termos ascendia a €6.143.637,57, Ao longo de diversos períodos de tributação desde o início da concessão e até 31 de dezembro de 2009, aquele montante havia sido considerado faseadamente como gasto para efeitos de apuramento do resultado líquido e fiscal, por contrapartida da conta de "Acréscimo de Custos - Obrigações contratuais".

Com a entrada em vigor do novo referencial contabilístico (SNC), aprovado pelo Decreto-Lei n.0 158/2009, foi revogada aquela DC 4/91 (n.º 2 do art.º 15º deste diploma).

Como o SNC não responde aos aspetos particulares dos contratos de concessão em matéria de contabilização ou de relato financeiro, as entidades terão de recorrer, supletivamente, à International Financial Reporting Interpretations Committee (IFRIC 12) que, por sua vez, remete para as normas internacionais de contabilidade (IAS) ou normas internacionais de relato financeiro (IFRS). Aliás, o recurso às normas internacionais e respetivas interpretações já estava previsto na Diretriz Contabilística n.º 18 publicada em 1997-08-05 e revista em 2005-09-23.

As empresas concessionárias tiveram de aplicar de forma supletiva, para efeitos contabilísticos, a IFRIC 12, sem prejuízo de, para efeitos fiscais, terem de observar as disposições do código do IRC que como veremos adiante não prevê o tratamento fiscal de acordo com a IFRIC 12.

Esta norma descreve as características típicas de uma concessão no âmbito da IFRIC 12, que envolvem os seguintes aspetos (IFRIC 12, § 3) e que se verificam no caso em apreço:

• Utilização de uma infraestrutura concessionada para prestar serviços públicos, sendo que a infraestrutura pode estar relacionada com transportes (por exemplo, concessão de transportes públicos, estradas, pontes), um tipo de edifício (hospital, tribunal, prisão) ou serviços básicos (eletricidade, gás, águas, tratamento de águas residuais e industriais).

De acordo com o Balanço do período de 2009, no caso em apreço, o valor bruto das infraestruturas disponibilizadas pela concedente, ascendia a €82.741.284,00;

• Um contrato estabelecido entre o concedente e o concessionário especificando, pelo menos, as condições de remuneração do concessionário, o serviço a prestar e a duração do mesmo.

De acordo com o contrato de concessão em causa, a requerente tem os direitos de exploração do sistema de drenagem e tratamento de águas residuais dos municípios de Guimarães, Santo Tirso, Famalicão, Trofa e Vizela tendo o contrato a duração de 25 anos, a contar da data da consignação definitiva das infraestruturas, que ocorreu em 2000-08-01. Assim, a data do termo da concessão é 2025-07-31.

• Fornecimento de serviços por parte do concessionário que podem incluir serviços de construção de determinada infraestrutura (ou melhoria da mesma) e a sua manutenção.

No âmbito do contrato de concessão o Sujeito Passivo tem a obrigação de financiar a Concedente até ao limite de €16.910,246,00, para a realização das infraestruturas e obras a integrar no SIDVA, além da responsabilidade de manter as infraestruturas concessionadas num bom estado de funcionamento.

• O pagamento ao concessionário, pelos serviços prestados, é efetuado ao longo do período da concessão. Em muitos casos, o concessionário não receberá nenhum valor no início da concessão, sendo a sua remuneração efetuada diretamente ou pelo concedente ou pelos utilizadores dos serviços concessionados.

O Sujeito Passivo explora, em conjunto, as águas residuais domésticas e industriais, pelo que os seus clientes são, para além dos municípios indicados, as empresas situadas no Vale do Ave, na sua grande maioria do setor têxtil.

Nos clientes com contrato de recolha de efluentes celebrado diretamente com a concessionária (clientes industriais), esta emite fatura diretamente ao cliente, aplicando a tarifa 0,5571 €/m3, sendo que a concedente emite, mensalmente, fatura pelo valor da diferença entre a tarifa da concedente (0,5571 €/m3) e a tarifa do concessionário (0,4050 €/m3), ou seja 0,1521 €/m3 (0,5571 €-0,4050 €).

Nos clientes / utilizadores que dispõem de contrato de recolha de efluentes celebrado diretamente com a concedente, a concessionária apresentará à concedente a fatura com a tarifa 0,405 €/m3, relativamente aos caudais tratados.

• Devolução da infraestrutura ao concedente no fim da concessão.

No termo da concessão todas as infraestruturas e outros bens afetos à concessão revertem gratuitamente para a concedente conforme contrato de concessão.

Ora, no caso em apreço a ora requerente T. celebrou, em 1998, com a AMAVE um contrato de concessão para a exploração e gestão, em regime de exclusividade, e pelo prazo de 25 anos a contar da data de consignação definitiva das infraestruturas, dos serviços públicos Intermunicipais de drenagem, depuração e destino final de águas residuais designado por SIDVA que serve diversos municípios e empresas. Esta concessão obrigava a concessionária a financiar, além da manutenção das infraestruturas existentes, a conceção, execução e exploração de novas infraestruturas devidamente definidas no contrato de concessão no montante total de €16.910.246,00 conforme está expressamente referido no Relatório e Contas do período de 2010, mais concretamente no ponto 1.3 do Anexo às Contas, estando, a 31 de dezembro de 2009, esta obrigação parcialmente cumprida (€1.724.500,10), Ou seja, concluímos pela inexistência de qualquer dúvida de que o referido contrato de concessão se enquadra no âmbito da IFRIC 12 cuja aplicação de forma supletiva é obrigatória desde o período de tributação de 2010, para efeitos contabilísticos, sem prejuízo de, para efeitos fiscais, terem de observar-se as disposições do CIRC e legislação complementar, cujo enquadramento, voltamos a sublinhar, diverge do tratamento preconizado contabilisticamente.

Temos ainda que, as condições presentes no contrato de concessão estabelecido entre a T. e o concedente AMAVE implicam o reconhecimento de um ativo intangível, dado que o concessionário (ora requerente) possui o direito de cobrar serviços aos utentes do serviço público em função da utilização das infraestruturas concessionas e construídas no âmbito do contrato da concessão (IFRIC 12, §1713) que reverterão a final do período de concessão para a concedente,

Um contrato de concessão dentro do âmbito da IFRIC 12, de acordo com o parágrafo 26, deve ser classificado como um ative intangível (IAS 38 - Activos Intangíveis) adquirido em troca de um ativo ou ativos não monetários ou de uma combinação de ativos monetários e não monetários.

Ora, no contrato de concessão, a troca de ativos está implícita, na medida em que a entidade concedente detém o direito de propriedade das infra-estruturas, concedendo o direito do operador/concessionária as utilizar por forma a prestar o serviço público que se encontre definido no contrato celebrado entre as entidades. De acordo com a IAS 38, para um ativo adquirido numa troca de ativos, a norma preconiza outro critério valorimétrico, desta feita, deve ser utilizado o justo valor, caso este não possa ser estimado, então o seu custo é mensurado pela quantia escriturada do bem cedido.

Verificamos ainda que neste contrato de concessão está especificada a obrigação do concessionário suportar a construção de determinadas infraestruturas a integrar no SIDVA e determinado que o valor a receber pela concessionária correspondente tão somente às tarifas e taxas, previamente aprovadas pela concedente, a cobrar aos utentes dessas infraestruturas durante o período da concessão.

Nos termos da IFRIC 12, as obrigações contratuais de manter ou restabelecer as condições das infraestruturas, com exceção de qualquer elemento de valorização, devem ser reconhecidas e mensuradas de acordo com a Norma Internacional de Contabilidade 37 - Provisões, passivos contingentes e ativos contingentes, ou seja, de acordo com a melhor estimativa do dispêndio necessário para liquidar a obrigação presente na data do balanço.

Caso ocorram serviços de construção ou de valorização de infraestruturas, o concessionário deve contabilizar os réditos e os custos relativos a esses serviços de acordo com a Norma Internacional de Contabilidade 11 - Contratos de construção, sendo que a retribuição pode corresponder a direitos sobre um ativo financeiro ou sobre um ativo intangível (IFRIC 12, §14 e 15).

A concessionária providencia serviços de construção e valorização das infra-estruturas ao concedente e este retribui concedendo um ativo intangível em troca. Assim, as obrigações, incluídas no contrato, para a construção de novas infra-estruturas ou colocar os ativos em melhores condições que as iniciais devem ser incluídas na "retribuição" dada para o intangível, e portanto, no seu custo.

A IAS 11, em termos de reconhecimento do rédito e dos gastos, relata dois métodos de contabilização, conforme o desfecho do contrato possa ou não ser fiavelmente estimado, sendo que quando o desfecho do contrato puder ser fiavelmente estimado, o rédito do contrato14 e os gastos do contrato associados ao contrato de construção devem ser reconhecidos com referência à fase de acabamento.

Um contrato de concessão contabilizado através do modelo do ativo intangível deve na mensuração subsequente, adotar o modelo do custo, pois, inexistindo um mercado ativo para contratos de concessão, não é possível determinar o justo valor com referência a um mercado ativo para efeitos de aplicação do modelo de revalorização.

Este modelo do custo compreende a amortização do ativo em função da vida útil, sendo que o parágrafo 94 da IAS 38, dispõe que a vida útil de um ativo intangível que resulte de direitos contratuais não deve exceder o período dos direitos contratuais, mas pode ser mais curta dependendo do período durante o qual a entidade espera usar o ativo. Um contrato de concessão, no âmbito da IFRIC 12, é sem dúvida, um ativo intangível com vida útil finita, uma vez que existe um limite previsível para o período o qual se espera que o ativo gere influxos de caixa líquidos para a entidade.

B.lll - Dos ajustamentos de transição aplicáveis ao caso e consequências fiscais

Do exposto no ponto anterior, concluímos que, forçosamente, face à alteração de política contabilística operada pela IFRIC 12, as empresas concessionárias tiveram de proceder a diversos ajustamentos de transição (contabilizados retrospetivamente).

Salientamos mais uma vez que, nos presentes autos, não estão em questão os registos contabilísticos relativos às infraestruturas disponibilizadas pela concedente e que a concessionária e ora requerente terá contabilizado conforme os princípios contabilísticos vigentes mas tão somente o tratamento contabilístico e fiscal do ativo intangível - obrigação de investimento ainda não realizado.

Assim, e no que respeita ao montante das obrigações de investimento ainda não realizado registadas, até 31-12-2009 na conta 273 Acréscimos de custos (no caso em apreço totalizava €6.143.637,00), e que vinham sendo aceites contabilística e fiscalmente como gastos anualmente, este passivo teve de ser desreconhecido (débito conta de Acréscimos de Custos) por contrapartida de Resultados Transitados (crédito), traduzindo uma variação patrimonial positiva nos capitais próprios da recorrente daquele montante.

Conforme informação constante da IES 2010, relativamente a esta obrigação de investimento a realizar, a requerente reconheceu em resultado da revogação do POC e das Diretrizes Contabilísticas, com efeitos a partir de 2010-01-01, contabilisticamente e dando cumprimento à IFRIC 12, um ativo intangível- obrigação de investimento pelo montante de €16.910.246,00.

Uma das matérias em apreço nos presentes autos prende-se com a questão de determinar se a esta variação patrimonial positiva nos capitais próprios da recorrente apurada na sequência da adoção pela primeira vez das normas internacionais de contabilidade é aplicável o disposto pelo n.º 1 do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009 e quais os efeitos decorrentes da sua aplicação.

O Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, adaptou o CIRC às Normas Internacionais de Contabilidade adotadas pela União Europeia e ao Sistema de Normalização Contabilística. O art.º 5.º deste diploma instituiu um regime transitório o qual estabeleceu, nos termos do n.º 1, que os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que selam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de ativos ou passivos, ou de alterações na respetiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.

Mais tarde, o artigo 255.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, aditou o artigo 5.º- A ao Decreto-Lei n.º 159/2009, com a seguinte redação:

"1 - Para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de égua, saneamento ou resíduos urbanos que beneficiaram da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até à entrada em vigor do presente decreto-lei, o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo anterior corresponde aos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada exercício.

2 - O disposto no número anterior tem natureza interpretativa."

Ou seja, a natureza interpretativa dada ao n.º 1 do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009 determina a sua aplicação desde o período de tributação de 2010, início do novo referencial contabilístico do SNC e da adaptação fiscal do código do IRC a este referencial.

Desde logo, a simples leitura da norma, não levanta dúvidas quanto à sua aplicação à variação patrimonial positiva ocasionada pelo desreconhecimento (ou não reconhecimento), através de resultados transitados, do saldo da conta de acréscimos de custos que fora sendo constituído em resultado do reconhecimento contabilístico e fiscal como custos/gastos do período da quota-parte dos encargos estimados com os investimentos de realização certa nos anos seguintes.

Esta norma, criada especificamente para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos que beneficiaram até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 159/2009 da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado (como é o caso da recorrente que considerou como custo ao longo dos anos o valor total de €6.143.637,57) estabelece, que os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de ativos ou passivos, ou de alterações na respetiva mensuração, concorrem, em partes Iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada exercício.

Fiscalmente, uma das divergências do tratamento fiscal em relação ao tratamento preconizado contabilisticamente decorre do estabelecido no Código do IRC, nos seus artigos 39.º e 40.º, que define quais as provisões que concorrem para a formação do lucro tributável. Assim, o gasto anual associado àquela provisão - referente a encargos certos e estimados a suportar no futuro - não é fiscalmente dedutível.

Em termos fiscais, no âmbito da concessionária, apenas serão dedutíveis as amortizações dos elementos/infraestruturas revertíveis nos termos do contrato de concessão quando efetivamente concluídos (produzidos ou adquiridos) por esta em cumprimento de obrigação contratual inserta no contrato de concessão pelo período de tempo de concessão que ainda reste até à sua reversão.

Concretamente, o regime fiscal das depreciações e amortizações, regulado no Decreto Regulamentar n.º 25/2009, prevê um tratamento fiscal próprio para os ativos revertíveis no âmbito dos contratos de concessão.

De acordo com o n.º 1 do artigo 12.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, "os elementos depreciáveis ou amortizáveis adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias e que, nos termos das cláusulas do contrato de concessão, sejam revertíveis no final desta, podem ser depreciados ou amortizados em função do número de anos que restem do período de concessão, quando aquele for inferior ao seu período mínimo de vida útil".

Este artigo foi alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 4/2015 adaptando-o de forma mais taxativa à normalização contabilística aplicável aos acordos de concessão de serviços (IFRIC 12), embora tal já se inferisse da redação anterior pois mencionava "os elementos depreciáveis ou amortizáveis", passando a prever que «Os elementos depreciáveis ou amortizáveis adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias que, nos termos das regras de normalização contabilística aplicáveis, sejam reconhecidos como elementos do seu ativo fixo tangível ou intangível e que, nos termos das cláusulas do contrato de concessão, sejam revertíveis no final desta, podem ser depreciados ou amortizados em função do número de anos que restem do período de concessão, quando aquele for inferior ao seu período mínimo de vida útil»

Assim, e para efeitos fiscais, e apenas referindo-nos às infraestruturas a ser construídas pela concessionária nos termos do contrato de concessão aqui em questão, no período de tributação em que o investimento esteja concluído passando a entrar em funcionamento e a ser utilizado pela concessionária no âmbito do contrato de concessão, esse investimento revertível reconhecido contabilisticamente como ativo intangível (direito à concessão e exploração em exclusividade dessa infraestrutura) reúne as condições para ser um elemento fiscalmente amortizável (art.º 1º, n.º 2 alínea b)21, do DR 25/2009), sendo a taxa de amortização calculada com base no número de anos que restam do contrato de concessão (ou seja até à data de reversão do ativo associado) nos termos do art.º 12,º do DR 25/2009.

Ou seja, com a alteração do regime contabilístico dos contratos de concessão (POC para SNC), o necessário desreconhecimento do passivo (saldo da conta de acréscimos de custos) é fiscalmente relevante pelo facto de a Diretriz Contabilística n.º 4/91 aplicável também fiscalmente até 31-12-2009 ter deixado de ser aplicável, sendo, consequentemente, de aplicar o disposto pelo art.º 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho.

Os efeitos nos capitais próprios só são considerados fiscalmente relevantes se os gastos, os rendimentos e as variações patrimoniais que venham a ser reconhecidas após aquela transição, forem também relevantes fiscalmente, ou seja, concorreram para a formação do lucro tributável. Tal condição verifica-se com a aceitação para efeitos fiscais da amortização do total do ativo revertível relativo às infraestruturas adquiridas ou produzidas pela requerente/concessionária associado ao ativo intangível (direito à concessão), a partir do período de tributação em que entrem em funcionamento/sejam utilizadas e até à sua reversão, nos termos do art.º 12.º do DR 25/2009.

A variação patrimonial positiva originada pelo imperioso desreconhecimento (através de resultados transitados) do saldo da conta de acréscimos de custos que fora constituído em resultado do reconhecimento contabilístico e fiscal como custos da quota-parte dos encargos estimados com os investimentos de realização certa nos anos seguintes, é fiscalmente relevante nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, sendo a sua tributação efetuada nos termos e prazos prescritos pelo n.º1 do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009.

Sob pena de serem considerados gastos em duplicado para efeitos de apuramento do resultado tributável ao longo do prazo da concessão referentes ao mesmo investimento: a título de gastos correspondentes à quota-parte dos encargos estimados com os investimentos a realizar considerados desde 1998 e até 31-12-2009 e, cumulativamente, amortizações do total do ativo revertível relativo às infraestruturas adquiridas ou produzidas pela requerente/concessionária associado ao ativo intangível (direito à concessão), a partir do período de tributação em que entrem em funcionamento/sejam utilizadas e até à sua reversão, nos termos do art.º 12.º do DR 25/2009.

Voltamos a reiterar que, também fiscalmente foi alterado o regime fiscal aplicável às obrigações de financiamento de investimento a realizar pelas concessionárias (no caso obrigação contratual de financiamento de obras a integrar o SIDVA). Assim, o consequente efeito positivo nos capitais próprios da requerente resultante do desreconhecimento da conta de acréscimos de custos no montante de €6.143.637,57, sendo fiscalmente relevante nos termos da legislação fiscal, o legislador veio conceder que a sua tributação fosse realizada de forma faseada, em partes iguais distribuída pelos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de 2009. No caso in juízo, o período remanescente é de 16 anos (2025-2009).

Ou seja, em estrito cumprimento do disposto pelo n.º 1 do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, em cada período de tributação posterior a 2009 (2010 a 2025) deverá ser acrescido ao resultado líquido para efeitos de apuramento do resultado tributável, o valor correspondente a 1/16 de €6.143.637,57, ou seja, €383.977,35.

De facto, não podemos concordar com a defendida "continuidade de um regime fiscal especial para as entidades concessionárias e gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos, relativamente às obrigações de investimento, propugnada pelo CAAD em decisão favorável à ora requerente que tinha por objeto uma liquidação adicional de IRC do período de tributação de 201126 e em igual entendimento seguido na decisão de reclamação graciosa interposta pela requerente contra as liquidações adicionais de IRC, referentes aos períodos de tributação de 2012 e 2013, todas emitidas na sequência de ações inspetivas aos exercícios de 2011, 2012 e 2013 e em que os serviços de inspeção tributária, corretamente e em estrito cumprimento da lei conforme fundamentação supra, "(...) procederam a correções fiscais, pela determinação de uma variação patrimonial positiva, correspondente a 1/16 do valor do saldo da conta de acréscimo de custos relativo à obrigação contratual de investimento (6.143.637,57), que corresponde ao montante de € 383.977,35. "

Decorre do exposto que também não merece provimento a pretensão de requerente em considerar para efeitos de apuramento do resultado tributável de 2014, de uma dedução adicional ao resultado líquido (pois tal valor não foi considerado na autoliquidação de IRC) no montante de €565.131,81, correspondente a 1/16 de €9.042.109,00 que corresponde ao valor da obrigação de investimento a realizar remanescente a 31-12-2009 (diferença entre o montante total da obrigação de investimento por realizar 615.185.746,00 e a quota parte desse valor já reconhecido como gasto contabilístico e fiscal nos períodos de 1998 a 2009, €6.143.637,00),

Contrariamente ao defendido pela requerente, as consequências fiscais da alteração da referida política contabilística teria consequências fiscais mais gravosas caso não fosse criado, entretanto, um regime transitório especial para estas entidades, o art.º 6.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009 aditado pelo artº 255.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, pois, por um lado, o efeito do desreconhecimento, por via do crédito de resultados transitados, da conta de acréscimos de custos teria de ser tributado em partes iguais, entre 2010 e 2014, por lhe ser aplicável o regime transitório previsto no art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, e, por outro lado, os gastos associados à constituição e reforço da provisão para fazer face às obrigações de investimentos futuros passariam a não ser dedutíveis.

B.IV - Da alteração da obrigação contratual de financiamento de infraestruturas do SIDVA ainda não construídas no montante de €15.185.746,00 para a obrigação de pagamento de prestação pecuniária à concedente no mesmo montante

Até ao dia 02 de fevereiro de 2015 (data do acordo formalizado entre as partes do contrato de concessão) embora a concedente reconhecesse que em virtude da sobreposição do Contrato de Concessão do Sistema Multimunicipal e do Contrato de Concessão do SIDVA, o investimento especificadamente definido no contrato de concessão do SIDVA a cargo da concessionária T. e ainda não realizado por esta se tornou dispensável, mantinha-se para a concessionária a obrigação contratual ao abrigo do contrato de concessão em causa.

Até aquela data, e de acordo com o previsto no Contrato de Concessão para a Exploração e Gestão do Sistema Integrado de Despoluição do Vale do Ave, competia à Concessionária e ora requerente, a exploração das infra-estruturas a construir para fazer face ao aumento de capacidade de tratamento e transporte de águas residuais do SIDVA, ou seja, mantinha-se a obrigação contratual de financiamento de uma infraestrutura do SIDVA a realizar pela concessionária, a que estava associado o correspondente direito de concessão e exploração em exclusividade - ativo intangível.

Apenas em 2015 foram conhecidos os exatos termos da solução para a substituição da obrigação da concessionária, incluída no contrato de concessão do SIDVA, de prestar serviços de construção das infraestruturas e ainda não realizadas, no montante de €15.185.746,00, nos seguintes termos:

"A obrigação de financiamento da Concessionária remanescente, inicialmente alocada aos investimentos do Plano Diretor de Infraestruturas deverá ser integralmente transferida para uma revisão do tarifário vigente;

ii. Atendendo ao referido em i), vimos, nos termos e para os efeitos do artigo 74º, n.º 1 a), do Contrato de Concessão do SIDVA, proceder a uma Alteração Extraordinária das Tarifas e Taxas, fixando a tarifa média prevista no Artigo 74.º, n.º 1 a) do Contrato de Concessão do SIDVA em 0,37€ /m3, a preços de 2015 com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2014 e em termos a regular em Acordo a celebrar entre as partes;

iii. A redução do tarifário referida em ii) produzirá efeitos até que se mostre esgotada a obrigação de financiamento designada em i)"

Nos termos daquele acordo, a obrigação contratual de financiamento de infraestruturas do SIDVA não construídas pela requerente no montante de €15.185.746,00, foi alterada para o pagamento de prestação pecuniária pela requerente/concessionária à concedente no mesmo montante tendo a forma e prazo de pagamento ficado definido em função dos metros cúbicos faturados aos utilizadores do Sistema Multimunicipal do SIDVA (fracionadamente) a partir de 01-01-2014.

Ou seja, a partir daquela data a requerente passa a reconhecer no seu Balanço uma obrigação (dívida) para com a concedente no exato montante da anterior obrigação de financiar o investimento em infraestruturas (ainda não realizado), tendo ficado acordado que o pagamento dessa dívida seria realizado em função dos metros cúbicos (€0,035 por metro cúbico) faturados aos utilizadores do Sistema Multimunicipal do SIDVA, conjuntamente com a retribuição a pagar à concedente pela concessão (€0,1521) até perfazer igual montante ao do investimento não realizado.

B.V - Da consideração, para efeitos de apuramento do resultado tributável de uma variação patrimonial positiva no montante de €6.143.637,57

Ora, os SIT consideraram que, com o fim da obrigação de investimento a realizar em novas infraestruturas a integrar no SIDVA, o montante de €6.143.637,57 correspondente à quota-parte da obrigação de investimento a realizar em novas infraestruturas a integrar no SIDVA e que afetou negativamente os resultados contabilísticos e fiscais dos período de tributação até 31-12-2009 corresponde a uma variação patrimonial positiva a relevar para efeitos de apuramento do resultado tributável referente ao período de tributação de 2014, nos termos do art.º 21.º do CIRC.

Ora, conforme demonstrámos anteriormente, o montante de €6.143.637,57 corresponde ao valor acumulado das quotas-partes da obrigação de investimento a realizar em novas infraestruturas a integrar no SIDVA considerado como gastos (contabilístico e fiscal) ao longo de diversos períodos de tributação desde o início da concessão e até 31 de dezembro de 2009, por contrapartida da conta de "Acréscimo de Custos - Obrigações contratuais".

Com a alteração do regime contabilístico dos contratos de concessão (POC para SNC), a variação patrimonial positiva no montante de €6.143.637,57 originada pelo imperioso desreconhecimento (através de resultados transitados) do saldo da conta de acréscimos de custos, é fiscalmente relevante nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, sendo a sua tributação dilatada e suavizada no tempo nos termos e prazos fixados no regime transitório criado especialmente pelo legislador para os contratos de concessão de sistemas multimunicipais, n.º 1 do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, ou seja, em cada período de tributação posterior a 2009 (2010 a 2025) deveria ser acrescido ao resultado líquido para efeitos de apuramento do resultado tributável, o valor correspondente a 1/16 de €6.143.637,57.

Assim, no período de tributação de 2014, o valor da variação patrimonial positiva a tributar em cumprimento do disposto pelo n.º 1 do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, correspondente a 1/16 de €6.143.637,57, ou seja, €383.977,35 e não ao montante de €6.143.637,57, pelo que será de revogar parcialmente a correção efetuada pelos SIT, no montante de €5.759.660,22.

B.VI - Dos efeitos da alteração da obrigação contratual de investimento a realizar para obrigação de pagamento à concedente: amortização do correspondente ativo intangível (direito à concessão) e redução dos valores recebidos para compensação da dívida

Conforme referimos, no âmbito do acordo celebrado em 2015, resultou a transferência da obrigação contratual remanescente de investimento em infraestruturas do SIDVA a realizar pela requerente (no montante de €15.186.746,00) para uma obrigação contratual de prestação pecuniária a favor da concedente no mesmo montante.

De notar que, na determinação da tarifa, que traduz o rendimento da concessionária resultante da exploração do serviço público, está incluída uma parcela relativa a essa obrigação de investimento nas infraestruturas em causa e que ela deveria ter construído no âmbito do contrato de concessão mas que tendo sido construídas por outrem se transfere agora para uma obrigação pecuniária.

Acresce ainda que, a partir daquela data, o direito de concessão ("exploração e gestão, em regime de exclusividade, do serviço público de drenagem, depuração e destino final das águas materializado pelo SIDVA") - ativo intangível - passa a estar associado a infraestruturas concessionadas mas construídas por outrem e que a concessionária terá de pagará concedente (obrigação pecuniária a favor da concedente) e não ao financiamento da construção de infraestruturas ainda por realizar, no montante de €15.185.746,00.

Ou seja, mantem-se o direito associado de gestão e exploração pela concessionária, em regime de exclusividade, de todas as infraestruturas do SIDVA (incluindo das infraestruturas em causa que ela deveria ter construído no âmbito do contrato de concessão, mas que terão sido construídas por outrem e serão entregues no final da concessão), pelo que, o correspondente direito à concessão e exploração em exclusividade - o ativo intangível - não deve ser desreconhecido, apenas alterado. De direito à concessão associado à exploração de infraestruturas a Integraria concessão mas a construir pela concessionária para o direito à concessão mas associado à exploração de infraestruturas da concedente construídas por outrem.

Assim, e se atendermos à data de início do pagamento faseado daquela obrigação, determinada pela concedente para efeitos de cumprimento da obrigação contratual de financiamento pela concessionária, pagamento iniciado a 01-01-2014 e que neste ano totalizou o montante de €1.081.511,80, será nesta data que o ativo intangível (direito à concessão) associado àquele ativo revertível reúne as condições para ser um elemento fiscalmente amortizável (art.º 12º do DR 25/2009).

Ainda em relação à transferência da obrigação contratual de financiamento de infraestruturas não realizado no montante de €15.185.746,00 para uma obrigação de pagamento fracionado à concedente no mesmo montante (pois alegadamente as infraestruturas em causa tinham sido objeto de outro contrato de concessão, mas não o direito associado de gestão e exploração pela concessionária, em regime de exclusividade, daqueles infraestruturas do SIDVA) é importante notar que, apesar da tarifa cobrada aos utilizadores do Sistema Multimunicipal do SIDVA se manter em 0,5571/m3, a partir de 01.01.2014 e até à integral compensação da concedente, a requerente passou a receber, em termos líquidos, a verba de 0,37 €/m3 (quando antes auferia 0,4050 €/m3), ficando o remanescente (0,1871 €/m3) para a concedente. Conforme termos do acordo, a diferença (€ 0,4050 - € 0,37 = € 0,035 por metro cúbico) fica alocada ao cumprimento da obrigação de pagamento à concedente de igual montante ao do investimento não realizado, vai amortizando a dívida à concedente em função dos metros cúbicos faturados. A partir do momento em que essa obrigação (pecuniária) esteja cumprida, o valor líquido a receber pela requerente em relação à tarifa volta a ser de 0,4050/m3.

Assim, na sequência desta alteração da obrigação da concessionária, tal como a requerente vem requerendo e havia considerado contabilisticamente quando relevou numa conta de rendimentos e consequentemente nos resultados de 2014, o valor de €1.081.511,80 referente aos efeitos decorrentes da diferença de tarifa (0,37 para 0,4050) e reduziu a dívida à concedente no mesmo montante, não deve ser considerada qualquer redução dos rendimentos associados à exploração da concessão, mas apenas uma redução da dívida à concedente naquele montante.

Relembramos que, o valor global da obrigação de investimento de novas infraestruturas a integrar o SIDVA ascendia a €16.910.246,00 sendo que a ora requerente apenas tinha concluído investimentos em infraestruturas afetas ao SIDVA no montante global de € 1.724.500,00 restando €15.185.746,00 de investimento por realizar. Assim, tem vindo a ser aceite fiscalmente amortizações praticadas sobre o ativo intangível na parte referente à obrigação de investimento já realizado (€1.724.500,10) nos termos legais.

Relativamente ao ativo intangível - direito à concessão, associado à exploração de Infraestruturas construídas por outrem e que a requerente assumiu agora a obrigação de pagar à concedente nos termos do acordo celebrado em 2015 com efeitos a 2014, mensurado em €15.185.746,00, como contabilisticamente foram reconhecidas amortizações nos anos anteriores, as quais não foram aceites fiscalmente pois então não reuniam os pressupostos legalmente exigidos pelo n.º 1 do artigo 12.º do DR 25/2009, de 14 de Setembro, parece-nos que deve ser aceite fiscalmente em cada ano, a partir de 2014 e até ao fim do contrato de concessão nos termos do art.º 12.º do DR 25/2009, a amortização contabilizada no período de tributação (€546.887,20) e, nos termos do n.º 3 do art. 1º do DR 25/2009, a diferença entre a quota máxima aceite fiscalmente (8,33% no caso) e a que foi contabilizada, a qual deve ser deduzida no quadro 07 da declaração modelo 22 do IRC.

Face ao exposto, concluímos que deverá ser anulada a correção efetuada pelos SIT relativa à redução de rendimentos do período porquanto aquele valor refere-se a urna redução da obrigação pecuniária assumida pela concessionária perante a concedente (diminuição de dívida à concedente), referente ao direito de concessão e exploração (Ativo intangível) de infraestruturas que deveriam ter sido financiadas e construídas pela concessionária mas que não o foram, devendo ser aceite fiscalmente as amortizações desse ativo intangível (€546.887,20).

(…)

XX) A liquidação IRC n.º 2019 8310000826, no valor de € 131.253,10, bem com a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2019 00001743541 foram notificadas à Requerente em 08-02-2019 (parte inicial do requerimento apresentado pela Requerente em 21-02-2019);

YY) Em 06-11-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo e em 07-03-2019 apresentou um requerimento com «Nova fundamentação de facto e de direito».

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

3. Matéria de direito

Na sequência da notificação da instauração do presente processo arbitral, a Autoridade Tributária e Aduaneira revogou a liquidação inicialmente impugnada e emitiu uma nova liquidação, com nova fundamentação.

Esta nova liquidação passou a ser o objecto do presente processo arbitral.

Quanto a esta nova liquidação, a Requerente questiona a sua legalidade quanto a dois pontos;

– a correcção no valor de € 383.977,35, que considerou constitui variação patrimonial positiva no exercício de 2014, com base na aplicação doa regime dos artigos 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, na redacção resultante da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro;

– o tratamento contabilístico da redução dos valores recebidos para compensação da Dívida, no montante de € 1.081.511,80.

3.1. Questão correção referente à variação patrimonial positiva mitigada pelos 16 anos de vigência restante do contrato de concessão nos termos do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, no montante € 383.977,35

O Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, adaptou «as regras de determinação do lucro tributável às normas internacionais de contabilidade tal como adoptadas pela União Europeia, bem como aos normativos contabilísticos nacionais que visam adaptar a contabilidade a essas normas».

No seu artigo 5.º, prevê-se um regime transitório em que se estabelece, além do mais, o seguinte:


Artigo 5.º

Regime transitório


1 - Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.

A Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, aditou ao Decreto-Lei n.º 159/2009 um artigo 5.º-A com o seguinte teor:


Artigo 5.º-A

Regime transitório nos contratos de concessão de sistemas multimunicipais


1 – Para as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água, saneamento ou resíduos urbanos que beneficiaram da dedutibilidade fiscal das amortizações do investimento contratual não realizado até à entrada em vigor do presente decreto-Lei, o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo anterior corresponde aos períodos de tributação remanescentes do contrato de concessão em vigor no final de cada exercício.

2 – O disposto no número anterior tem natureza interpretativa.

Na inspecção relativa ao exercício de 2011, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que havia ajustamentos de transição associados à alteração das regras de contabilização da obrigação de financiamento de infraestruturas a integrar do SIDVA que se enquadravam nestas normas, pelo que procedeu a correcção fiscal, pela determinação de uma variação patrimonial positiva, correspondente a 1/16 do valor do saldo da conta de acréscimo de custos relativo à obrigação contratual de investimento (€ 6.143.637,57), que corresponde ao montante de € 383.977,35 em cada um dos períodos entre 2010 e 2025, ano este que terminará o contrato de concessão.

No processo arbitral n.º 72/2016-T foi anulada esta correcção no valor de € 383.977,35, relativa ao exercício de 2011, por se entender, em suma, que os «acréscimos reconhecidos em POC e relativos à obrigação de investimento contratual (...) deviam ser desreconhecidos, mas apenas para efeitos contabilísticos e não fiscais» e que «a AT incorreu em erro nos pressupostos de facto e de direito, ao desreconhecer o passivo (acréscimo de custos) relativo às obrigações de investimentos, reconhecido anteriormente como acréscimo de custos/gastos e que tinha tido efeitos fiscais nos períodos anteriores, como temos vindo a salientar, atento o disposto no artigo 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009. Assim, estes custos tinham tido anteriormente relevância fiscal e, mesmo após a transição, devem continuar a tê-la».

Tendo a referida decisão arbitral transitado em julgado, ficou, assim, assente, que com a transição do POC para as normas internacionais de contabilidade não ocorreu uma variação patrimonial positiva relevante para efeitos fiscais e susceptível de ser abrangida pelas regras daqueles artigos 5.º e 5.º-A, decorrente de desreconhecimento de passivo relativo às obrigações de investimentos.

Embora, em regra, a autonomia das liquidações anuais em sede de IRC, baseadas em factos tributários autónomos ocorridos em cada um dos exercícios, obste a que o decidido quanto a um exercício seja vinculativo para os exercícios subsequentes, mesmo que nestes se verifiquem idênticos pressupostos de facto e de direito, tal não pode suceder quanto ao âmbito de aplicação dos referidos artigos 5.º e 5.º-A do DL n.º 159/2009, uma vez que a pluralidade de efeitos neles previstos em cada um dos exercícios a que se referem, provém de um único facto tributário, ocorrido com a transição do POC para as normas internacionais de contabilidade, cujos efeitos, em vez de se produzirem integralmente no exercício em que ocorrem, como é regra (artigo 18.º do CIRC), são excepcionalmente repartidos por vários exercícios.

Na verdade, as razões de segurança jurídica invocadas pela Requerente, que estão subjacentes ao princípio do respeito pelo caso julgado, impedem que, uma vez decidido por decisão transitada em julgado que com a transição do POC para as normas internacionais do de contabilidade não ocorreram efeitos fiscais a que deva ser aplicado o regime daqueles artigos 5.º e 5.º-A do DL n.º 159/2009, designadamente derivados do desreconhecimento contabilístico de passivo relativo às obrigações de investimentos (isto é, não ocorreu com essa transição um facto tributário a que seja aplicável este regime) , possa posteriormente, em diferente processo, que tenha por objecto liquidação relativa a qualquer outro exercício, dar-se entender-se que desse mesmo e único facto resultaram efeitos fiscais que a seja aplicável esse regime.

Com efeito, o caso julgado, que é corolário da regra constitucional de que «as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades» (artigo 204.º, n.º 2, da CRP), está previsto no artigo 619.º, n.º 1, do CPC como obrigatoriedade da decisão sobre a relação material controvertida dentro do processo e fora dele.

Como ensina Manuel de Andrade, o caso julgado material “consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão”.

O caso julgado pode impor-se como excepção de caso julgado ou como autoridade de caso julgado.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-02-2019, proferido no processo n.º 4043/10.8TBVLG.P1.S1, na esteira de jurisprudência uniforme, que nele se cita:

A excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado são duas vertentes, a primeira negativa e a segunda positiva, dessa mesma realidade – o caso julgado.

A excepção implica sempre a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cfr. art. 581º, nºs 1 a 4, do CPC). A autoridade do caso julgado não: exigir essa tríplice identidade equivaleria, como já se afirmou, a "matar" esta figura; "a autoridade existe onde a excepção não chega, exactamente nos casos em que não há identidade objectiva" .

A excepção de caso julgado tem um efeito negativo de inadmissibilidade da segunda acção, impedindo qualquer decisão futura de mérito; na segunda acção, o juiz deve abster-se de conhecer do mérito da causa, absolvendo o réu da instância (art. 576º nº 2 do CPC).

A autoridade de caso julgado "tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida."

Afirma Teixeira de Sousa que "o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente.

Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada; a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente ("proibição de contradição/permissão de repetição") (…); a excepção de caso julgado é a proibição de acção ou comando de omissão atinente ao impedimento subjectivo à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente" ("proibição de contradição/proibição de repetição") .

Esta distinção tem justamente por pressuposto que, na autoridade de caso julgado, existe uma diversidade entre os objectos dos dois processos e na excepção uma identidade entre esses objectos. Naquele caso, o objecto processual decidido na primeira acção surge como condição para apreciação do objecto processual da segunda acção; neste caso, o objecto processual da primeira acção é repetido na segunda.

Na excepção, a repetição deve ser impedida, uma vez que só iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a.

Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objecto da segunda acção e o objecto definido na primeira acção, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda acção acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível.

Por outro lado, importa notar que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga – art. 621º do CPC –, entendendo-se que a aferição dos limites e eficácia do caso julgado postula a interpretação do conteúdo da sentença, com relevo para os fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à decisão que, como esta, devem considerar-se abrangidos por aquele.

A este propósito, refere Teixeira de Sousa que "como a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão".

O caso julgado material obsta que essa mesma relação material venha a ser definida com alcance diferente por outro Tribunal ou pela Autoridade Tributária e Aduaneira, mesmo que em novo processo não sejam coincidentes o pedido e a causa de pedir, bastando que exista uma relação prejudicialidade entre o decidido na anterior acção e o que tem de ser decidido na nova acção.

No caso em apreço, com o trânsito em julgado da decisão arbitral proferida no processo n.º 72/2016-T sobre a relação material controvertida, ficou definido que não existem efeitos fiscais do referido desreconhecimento contabilístico de passivo relativo às obrigações de investimentos a que seja aplicável o regime dos artigo 5.º e 5.º-A do DL n.º 159/2009, pelo que o decidido sobre essa matéria impõe-se na determinação do lucro tributável de qualquer dos exercícios posteriores em que aquele hipotético facto tributário poderia ter efeitos, se lhe fosse aplicável esse regime.

Assim, se é certo que a alteração das condições contratuais iniciais que veio a ocorrer em 2015, com efeitos retroativos a 01-01-2014, poderá constituir um novo facto tributário, que poderá ter efeitos próprios (como foi decidido pela Autoridade Tributária e Aduaneira na liquidação inicial que foi objecto do presente processo e é questão que não importa apreciar aqui, por a liquidação ter sido revogada), o caso julgado impede que essa alteração possa constituir um fundamento para reavaliar a relevância fiscal dos factos que ocorreram com a transição do POC para as normas internacionais de contabilidade, que são os únicos a que seria potencialmente aplicável o regime previsto nos citados artigos 5.º e 5.º-A do Decreto-Lei n.º 159/2009.

Pelo exposto, tem de concluir-se que, quanto à parte que tem subjacente a correcção no valor de € 383.977,35, a nova liquidação, emitida na sequência da revogação da inicial, enferma de vício de violação de lei, por ofensa de caso julgado, o que implica sua nulidade, nos termos do artigo 161.º, n.º 2, alínea i) do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

(…)

5. Decisão

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) Anular a liquidação de IRC n.º 2019 8310000826, datada de 04-02-2019, e o documento de acerto de contas n.º 2019 00001743541, datado de 06-02-2019, na parte em que têm subjacentes as correcções nos valores de € 383.977,55 e € 1.081.511,81, referidas nos pontos 3.1 e 3.2 deste acórdão;

c) Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que vier a ser liquidada em execução do presente acórdão.

(…)

Lisboa, 22-11-2019

Os Árbitros

(Jorge Lopes de Sousa)

(José Luís Ferreira)

(Henrique Fiúza)

Vencido nos termos da declaração de voto anexa…” (cfr. fls. 1730 a 1789, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade por excesso de pronúncia

Considera, em primeiro lugar, a Impugnante que a decisão impugnada padece de excesso de pronúncia, porquanto foi conhecida questão que nunca foi suscitada pelas partes e que não é de conhecimento oficioso.

Vejamos.

Nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT, a decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, sendo que a impugnação pode ser apresentada considerando um dos fundamentos taxativamente elencados no n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma.

Assim, nos termos desta última disposição legal, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em:

“a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b) oposição dos fundamentos com a decisão;

c) pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º”.

Atento o disposto no art.º 29.º, n.º 1, do RJAT, é de considerar a disciplina subsidiariamente aplicável, de onde se destacam as normas constantes do CPPT, do CPTA e do CPC [cfr. art.º 29.º, n.º 1, als. a), c) e e), do RJAT].

In casu, como já referido, está em causa o excesso de pronúncia, enquadrável no conceito de pronúncia indevida, por parte do tribunal arbitral.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há excesso de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja pronúncia sobre questões de que o juiz não deva conhecer [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, a Impugnada apresentou pedido de pronúncia arbitral, atinente à liquidação n.º 2018 8310003673 e à dos respetivos juros compensatórios.

Entretanto, a AT informou que o ato de liquidação em causa fora objeto de revogação parcial, tendo dado origem a um novo ato, a liquidação n.º 2019 8310000826 (e a dos respetivos juros compensatórios).

Nessa sequência, a Impugnada apresentou novo articulado [cfr. facto 4)], no qual apresenta novos fundamentos, face ao explanado.

Quer no pedido de pronúncia arbitral mencionado em 1) quer no articulado referido em 4), a Impugnada foi sempre alegando a circunstância de ter sido proferida decisão arbitral no âmbito do processo 72/2016-T e os termos em que a mesma fora proferida.

Na sequência de tal alegação, foram proferidos despachos, a 12.07.2019 e a 05.09.2019 [cfr. factos 7) e 8)], o primeiro visando aferir do trânsito em julgado da decisão arbitral proferida no âmbito do processo 72/2016-T e o segundo visando ouvir as partes, para se pronunciarem sobre a sua relevância para a decisão do processo em apreciação, “inclusivamente a título de caso julgado formal ou caso julgado material”.

Na decisão arbitral proferida, quanto à correção no valor de 383.977,35 Eur. [cfr. ponto 3.1. da decisão arbitral], depois de se explanar o alcance da autoridade do caso julgado, considerou-se que a liquidação objeto de apreciação enferma de vício de violação de lei, por ofensa de caso julgado, atento o disposto no art.º 161.º, n.º 2, al. i), do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

Como referimos, a Impugnante insurge-se contra o decidido, considerando que se verifica excesso de pronúncia.

Desde já adiantemos que não se acolhe tal entendimento, por duas ordens de razão.

Cumpre, antes de mais, enquadrar sucintamente o conceito de caso julgado.

Nos termos do art.º 619.º, n.º 1, do CPC:

“1 - Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”.
Respeita a norma contida nesta disposição legal ao caso julgado material, que ocorre quando a decisão transitada recai sobre o mérito da causa.(1) Assim, a definição dada à relação material controvertida tem força dentro e fora do processo. (2)
As exigências de segurança jurídica têm sido apontadas como fundamento primordial do caso julgado material, (3) sendo um garante da tendencial imutabilidade das decisões transitadas em julgado, fundamental até em termos de manutenção da paz social.

O caso julgado material pode refletir uma dupla função, negativa ou positiva.(4) Assim, a função negativa do caso julgado material está inerente à exceção de caso julgado, consubstanciando-se no impedimento de a mesma causa ser apreciada pelo Tribunal numa nova ação. Já a função positiva respeita à chamada autoridade do caso julgado, através da qual se obsta a que a situação jurídica material definida por sentença ou acórdão transitados em julgado possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença ou acórdão. (5)
Ou seja, a autoridade do caso julgado impõe à segunda decisão de mérito o decidido na primeira como sendo seu pressuposto indiscutível, subjacente a uma relação de prejudicialidade entre o objeto de ambas as decisões. (6)
Distinto do caso julgado material é o caso julgado formal, que encontra acolhimento no art.º 620.º do CPC, nos termos de cujo n.º 1 “[a]s sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”. Assim, quando a decisão proferida recaia apenas sobre a relação processual, forma-se caso julgado formal, cuja força obrigatória é apenas circunscrita ao processo – valor intraprocessual do caso julgado formal. (7)
Daí que a estabilidade inerente à figura do caso julgado seja menos intensa em situações de caso julgado formal. (8)

In casu, não há dúvidas de que a exceção de caso julgado não foi suscitada (ainda que a matéria de exceção seja de conhecimento oficioso).

No entanto, do que aqui se trata é da função positiva do caso julgado, da autoridade de caso julgado, com as caraterísticas que referimos supra.

Ora, como adiantamos anteriormente, não se acompanha o entendimento defendido pela Impugnante, por duas ordens de razão.

A primeira prende-se com a circunstância de a Impugnante considerar que tal nunca fora invocado.

Não subscrevemos esse entendimento.

Com efeito, analisando o articulado mencionado em 4) do probatório, é ali sublinhado pela Impugnada quer o decidido no âmbito do processo 72/2016-T, quer o decidido pela AT nesse seguimento, no que respeita aos exercícios de 2012 e 2013, sublinhando a insegurança jurídica subjacente. Se é certo que a Impugnada não faz o enquadramento, em termos jurídicos, como violação do caso julgado, mas sim enquanto erro nos pressupostos, veja-se que, nos termos do n.º 3 do art.º 5.º do CPC, o “juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.

Logo, por esta via, considera-se que a violação do caso julgado se extrai do alegado pela Impugnada.

Por outro lado, sublinhe-se que, tal como já referimos supra, a decisão arbitral considerou que a liquidação impugnada, na parte sob apreciação, padecia de nulidade, por violação do caso julgado, atento o disposto na al. i) do n° 2 do art.º 161.° do CPA.

Um determinado ato tributário, enquanto ato administrativo que é, pode padecer de vícios que refletem a respetiva ilegalidade. Tais vícios podem ser orgânicos, formais ou materiais (cfr. a este respeito Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 382 a 403).

Em termos de formas de invalidade dos atos tributários, as mesmas podem revestir a nulidade e a anulabilidade.

Começando pela nulidade, considerando o disposto no art.º 162.º do CPA:

“1 - O ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.

2 - Salvo disposição legal em contrário, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode, também a todo o tempo, ser conhecida por qualquer autoridade e declarada pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação” (sublinhado nosso).

Portanto, retém-se deste regime que a nulidade é a forma mais grave da invalidade, motivo pelo qual pode ser invocável ou declarada a todo o tempo.

A nulidade tem, no entanto, caráter excecional. Daí que sejam circunscritas as situações de um vício ser cominado com esta forma de invalidade.

Assim, nos termos do art.º 161.º do CPA:

“1 - São nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.

2 - São, designadamente, nulos:

a) Os atos viciados de usurpação de poder;

b) Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre;

c) Os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime;

d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;

e) Os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado;

f) Os atos praticados sob coação física ou sob coação moral;

g) Os atos que careçam em absoluto de forma legal;

h) As deliberações de órgãos colegiais tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quorum ou da maioria legalmente exigidos;

i) Os atos que ofendam os casos julgados;

j) Os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes;

k) Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei;

l) Os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido” (sublinhado nosso).

Ora, considerando este enquadramento, conclui-se que a nulidade pode ser declarada a todo o tempo, designadamente, pelos tribunais, sendo, assim, passível de conhecimento oficioso.

Atentando que, como referimos, a decisão arbitral considerou que a liquidação naquela parte era nula, por ofensa ao caso julgado, tal sempre podia ser conhecido, mesmo que se considerasse (e não se considera) que a Impugnada não tinha suscitado tal questão.

Face ao exposto, improcede nesta parte o alegado pela Impugnante.

III.B. Da pronúncia indevida

Considera, por outro lado, a Impugnante verificar-se uma situação de pronúncia indevida, em virtude de ter sido excedida a competência dos tribunais arbitrais, atenta a circunstância de não se apreciar a (i)legalidade de qualquer ato de liquidação, mas antes analisar-se apenas e exclusivamente um ato de revogação da AT, face aos efeitos de anterior decisão prolatada por outro Tribunal Arbitral.

Vejamos.

Tal como referido supra, um dos fundamentos que podem sustentar uma impugnação de decisão arbitral é a existência de pronúncia indevida.

No âmbito do contencioso impugnatório de decisões arbitrais o conceito de pronúncia indevida é mais amplo do que o de excesso de pronúncia, nele se incluindo designadamente as situações em que é suscitada a incompetência material dos tribunais arbitrais.

A este propósito, chama-se à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016, de 29.03.2016, no qual foi julgada inconstitucional a alínea c) do n.º 1 do art.º 28.º do RJAT, na interpretação normativa de que o conceito de “pronúncia indevida” não abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral. Sublinhou-se neste aresto que “as decisões de um tribunal arbitral tributário sobre a própria competência não podem deixar de estar submetidas a reapreciação por um tribunal do Estado, sob pena de serem as próprias atribuições deste em matéria tributária a ficar em risco”.

Assim, a nulidade suscitada é passível de apreciação por este Tribunal Central, por se enquadrar no âmbito do art.º 28.º, n.º 1, al. c), do RJAT.

Feito este introito, cumpre apreciar.

In casu, como se referiu, entende a Impugnante que o tribunal arbitral decidiu sobre matéria para a qual não é materialmente competente.

Cumpre, antes de mais, atentar na competência e nos poderes dos tribunais arbitrais tributários.

Nos termos do art.º 2.º do RJAT:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

Por seu turno, nos termos do art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (Portaria de vinculação):

“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição anti abuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.

Como referido no Acórdão do Plenário do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.03.2012 (Processo: 0189/11): “A competência (ou jurisdição) de um tribunal afere-se pelo quid decidendum, ou seja, pelos objectivos prosseguidos pelo autor, que são, no recurso de acto administrativo, anular este, ou declarar a sua nulidade, com fundamento nos vícios que se lhe apontem”.

Tendo este pressuposto como ponto de partida de análise, resulta que, in casu, como desde logo decorre do pedido de pronúncia arbitral, a Impugnada veio reagir contra atos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios emitidos pela AT (com a alteração de objeto, decorrente da revogação e emissão de nova liquidação com novos fundamentos).

Ora, ao contrário do referido pela Impugnante, da decisão arbitral proferida não resulta qualquer juízo sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de revogação. O que é apreciado é o novo ato tributário e respetiva fundamentação e é sempre nessa perspetiva que toda a análise e decisão são feitas. Aliás, o segmento decisório é claro nisso, não decorrendo dali qualquer decisão que abranja o ato de revogação.

Como tal, o alegado carece de materialidade, motivo pelo qual improcede também nesta parte o invocado pela Impugnante.

III.C. Da nulidade da decisão impugnada por oposição dos fundamentos com a decisão

Entende a Impugnante que a decisão impugnada padece de nulidade, por oposição entre os fundamentos e a decisão, porquanto o tribunal considerou que a AT ofendeu o caso julgado ao determinar uma correção, declarando a sua nulidade nos termos da al. i) do n.º 2 do art.º 161.º do CPA, tendo, no entanto, na parte do dispositivo, declarado a anulação da liquidação, com isso pretendendo declarar que a mesma enferma de vício de violação de lei.

Apreciando.

Nos termos do art.º 28.º, n.º 1, al. b), do RJAT, a decisão arbitral é impugnável com base em oposição entre os fundamentos e a decisão.

Atentando no art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a oposição dos fundamentos com a decisão [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC].
Esta nulidade consubstancia-se na contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença,(9) ou seja, na circunstância de o iter constante da sentença, na sua motivação, estar em contradição com a decisão a final proferida.(10)

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.11.2014 (Processo: 0308/14), “… esta nulidade ocorre quando a construção da sentença é viciosa, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto. Isto é, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta à que logicamente deveria ter extraído: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, atentando no discurso argumentativo constante da decisão impugnada, conclui-se que não existe qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.

Com efeito, da mencionada decisão resulta que o tribunal arbitral, entendendo que as correções apreciadas continham vícios, em sede decisória julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral.

Tal permite, pois, concluir desde logo que não há qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão. Todo o discurso argumentativo vai no sentido de as correções padecerem de ilegalidade e a decisão final proferida foi nesse sentido.

É certo que, tal como a Impugnante refere, na concretização da consequência resultante do deferimento da pretensão arbitral, o Tribunal arbitral anula a liquidação, quando, no discurso argumentativo precedente, considerou que a invalidade que a liquidação continha em parte era cominada com a nulidade.

No entanto, consideramos, tal como a Impugnada, aliás, refere, que esta circunstância não espelha uma contradição entre os fundamentos e a decisão, mas sim um erro de julgamento refletido no segmento decisório (ou mesmo, diga-se, um mero lapso de escrita), situação que está fora do alcance de apreciação por este TCAS.

Logo, não assiste razão à Impugnante.

Atento o valor dos autos, e, aliás, em consonância com o requerido pela Impugnante, cumpre considerar o disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP, aplicável na presente sede.

Assim, nos termos desta disposição legal, “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

No caso, considerando quer a conduta das partes, quer a simplicidade das questões apreciadas, entende-se dever haver lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Julgar improcedente a presente impugnação;

b) Custas pela Impugnante, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.





Lisboa, 18 de maio de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)

















1) Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. V, p. 156.
2) A este respeito, v. Manuel de Andrade, Noções Elementares de processo Civil, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1956, p. 285.
3) A este respeito, v. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. III, p. 94, Manuel de Andrade, Noções Elementares de processo Civil, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1956, pp. 286 e 287, e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, 1985, Coimbra Editora, Coimbra, p. 705.
4) V. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. III, p. 93. Distinguindo as situações consoante a relação entre o objeto da decisão transitada e o do processo posterior e, nesse seguinte, discernindo entre situações com relação de identidade, situações com relações de prejudicialidade e situações com relações de concurso, v. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lex. Lisboa, 1997, pp. 574 a 577.
5) Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.11.2018 (Processo: 4263/16.1T8VCT.G1.S1), 27.02.2018 (Processo: 2472/05.8 TBSTR.E1)
6) V. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2019 (Processo: 4043/10.8TBVLG.P1.S1), de 13.11.2018 (Processo: 4263/16.1T8VCT.G1.S1), e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.02.2019 (Processo: 2143/05.5BELSB).
7) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lex. Lisboa, 1997, pp. 569 e 570.
8) Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. V, p. 157.
9) Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, 6.ª Edição, Vol. II, Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 361 e 362; José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 333.
10) V., exemplificativamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.04.2013 (Processo: 0969/12) e de 15.09.2010 (Processo: 01149/09) e o Acórdão deste TCAS, de 18.06.2013 (Processo: 06121/12).