Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12154/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/25/2015
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; CRITÉRIO DA EVIDÊNCIA; PERICULUM IN MORA
Sumário:I - O critério vertido na al. a) do n.º 1 do artigo 102º do CPTA apenas tem aplicação nos casos em que resulta manifesta, irrefutável, sem margem para quaisquer dúvidas, a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.

II - A “evidência da procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal” terá que resultar de uma análise e prova sumária do direito ameaçado, pois só esta é compatível com a celeridade e a própria natureza das providências cautelares; assim, o juiz cautelar apenas tem de apreciar se os vícios invocados são ostensivos, evidentes.

III - O preenchimento do requisito do periculum in mora exige que o requerente da providência cautelar alegue factos concretos e perfeitamente individualizados que permitam criar no julgador a convicção de que, a não ser deferida a providência requerida, a sua esfera jurídica sofrerá um prejuízo de difícil reparação ou será criada uma situação de facto consumado.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


RELATÓRIO

A….. - ASSOCIAÇÃO ……………, A….. - SERVIÇOS ………, LDA, VITOR …….., FARMÁCIA NOVA …., LDA, P…… & G….. - ACTIVIDADES ……, LDA, MARIA ……………., PEDRO …….. - COMÉRCIO ……………., LDA, FARMÁCIA F………, LDA, FARMÁCIA B………, LDA, PEREIRA ……………, COMÉRCIO ………, ………., LDA e FARMÁCIA …….., UNIPESSOAL, LDA interpuseram recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 5/03/2015, que indeferiu a providência cautelar pelos mesmos instaurada contra o MINISTÉRIO DA SAÚDE, a ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DO SISTEMA DE SAÚDE, IP, o INFARMED - AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DA SAÚDE, IP e o MINISTÉRIO DA ECONOMIA com vista a obter (i) a suspensão da eficácia das normas constantes da Portaria 222/2014, de 4/11 e (ii) a intimação dos requeridos a efectuarem uma adequada interpretação e aplicação do quadro legal que se traduza na possibilidade de substituição de produtos para autovigilância e autocontrolo da diabetes mellitus.

Concluíram, assim, as suas alegações:
“A) A decisão trazida em recurso jurisdicional perante o presente Tribunal é a Sentença proferida, em 5 de Março de 2015, pelo Tribunal Administrativo de Lisboa (proc. n.º 2669/14.0BELSB), que julgou improcedentes os pedidos cautelares oportunamente apresentados em juízo, por alegada falta de preenchimento quer do critério de decisão legalmente previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, quer dos critérios consagrados nas alíneas b) e c) do mesmo preceito legal, pela (suposta) não verificação dos pressupostos previstos legalmente para o efeito.
B) Sucede que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada selecção da matéria relevante para a decisão da causa e, bem assim, por errada aplicação do direito aos factos. Impõe-se, pois, uma correcção, rectius, uma revogação, da supracitada Sentença pelo presente Tribunal ad quem.
C) No que concerne ao primeiro vício apontado, importa referir que os Recorrentes alegaram e demonstraram, cabal e adequadamente, que as normas suspendendas (as constantes da Portaria 222/14, de 4 de Novembro) encontram-se eivadas de diversos vícios, decorrentes, designadamente, da violação de princípios constitucionais (liberdade de iniciativa económica privada, proporcionalidade e segurança jurídica e protecção da confiança, bem como, pela flagrante violação das regras previstas no art. 4.º, n.º 3 do TUE, conjugado com o art. 3.º, n.º 3 do TUE, Protocolo Adicional aos Tratados e art.º 119.º, n.º 1 do TFUE E, que impedem os Estados Membros de adoptarem medidas que ponham em causa a livre concorrência de mercado.
D) Faça-se notar que a Meritíssima Juiz a quo entendeu (e bem) proceder à inquirição das testemunhas arroladas pelas Recorrentes com vista, supõe-se, a verificar (e esclarecer) se os factos relevantes para a decisão da causa alegados no Requerimento Inicial (designadamente aqueles que se reconduzem à verificação dos pressupostos relativos à concessão da providência cautelar) correspondiam à verdade e dispunham de sustento objectivo.
E) No entanto, o certo é que, apesar dos depoimentos credíveis e manifestamente esclarecedores de três testemunhas com efectivo e profundo conhecimento do tema em apreço nos presentes autos, o Tribunal a quo entendeu, de todo em todo, não os considerar com vista à selecção da matéria de facto relevante, de onde resultou, consequentemente, a sua não consideração para a análise e verificação, in casu, dos pressupostos previstos legalmente com vista à concessão de providências cautelares.
F) Como é facilmente verificável pela leitura das transcrições de tais depoimentos, as testemunhas inquiridas revelaram unanimidade na narração e esclarecimentos de matérias que, se devidamente enquadradas, seriam seleccionadas como matéria de facto relevante e, certamente, teriam contribuído para uma correcta aferição do pressuposto previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA.
G) De facto, no que concerne, em primeiro lugar, ao pressuposto da manifesta ilegalidade, os três depoimentos foram unânimes nos esclarecimentos prestados em matérias relevantíssimas para a sua aferição. A título exemplificativo: i) ausência de margens de comercialização para as farmácias; ii) oligopólio manifesto (e sustentado pelas normas em crise) de 5 empresas na indústria farmacêutica que esmaga em absoluto tais margens; iii) situação calamitosa em que um vasto conjunto de farmácias hoje em dia se encontra (e que a execução das normas em apreço vem agravar de modo inelutável).
H) Do mesmo modo, e no que se refere à segunda providência cautelar peticionada, a matéria relativa à ilegalidade da proibição de intersubstituição de produtos (decorrente, tão-somente de uma interpretação dos Recorridos, constante de uma circular do lnfarmed) foi amplamente discutida (e esclarecida) pelas testemunhas arroladas, tendo transcorrido dos respectivos depoimentos que tal entendimento é manifestamente ilegal por não existirem razões técnicas, jurídicas ou financeiras que o possam sustentar.
I) Finalmente, paradigma desta total desconsideração pelo Tribunal a quo dos depoimentos prestados é a ausência, na selecção da matéria de facto relevante, de qualquer facto alegado (e provado) relativamente aos prejuízos de muito difícil ou impossível reparação [para efeitos de concessão da providência ao abrigo do disposto no art. 120.º, n.º 1, alínea b) do CPTA];
J) Na verdade, analisada a matéria de facto seleccionada, constata-se que o Tribunal a quo, pura e simplesmente, não seleccionou nenhum dos prejuízos alegados e provados pelos Recorrentes, limitando-se, de forma manifestamente escassa e em termos genéricos a referir-se à Ausência de prova dos prejuízos para as farmácias no caso de a providência cautelar não ser concedida.
K) No entanto - e uma vez mais - tal como resulta do seu libelo inicial e dos testemunhos entretanto prestados, resultaram provados prejuízos que incidem não só na situação económico-financeira das farmácias mas, também, sobre os próprios doentes diabéticos e, consequentemente, sobre os próprios interesse e saúde públicos.
L) Tais prejuízos - demonstrados em sede testemunhal - reconduzem-se, no essencial, a um profundo (e mais do que certo) agravamento da situação económica das farmácias com consequências imediatas (por ausência de qualquer margem de comercialização e, bem assim, de remuneração pelos serviços prestados no que à matéria da diabetes concerne, circunstâncias que levarão nalguns casos, ao encerramento de um número indeterminável destes estabelecimentos), bem como, por outro lado, o facto de as farmácias interromperem a comercialização dos produtos de auto-controle da diabetes, resultar num vasto conjunto de utentes que ficam sem poder aceder aos mesmos.
M) Ora, uma vez que a matéria em apreço revela-se essencial na verificação dos requisitos previstos legalmente para a concessão de providências cautelares, a omissão do Tribunal a quo é inadmissível e deve ser corrigida na presente sede.
N) Tal como supra se aludiu, a Sentença a quo incorreu igualmente em erro de julgamento por errada aplicação do direito aos factos.
O) Desde logo, no que se refere ao alegado não preenchimento do critério do art.º 120.º, n.º 1, alínea a) do CPTA, a fundamentação do Tribunal a quo quanto a esta matéria é manifestamente tabular, sem qualquer referência ao caso concreto e sem explicar ou explicitar quais as indagações que ainda pretende levar a cabo para aferir da ilegalidade das normas em crise.
P) É que, como se deixou demonstrado, a ilegalidade das normas em apreço é, no que aos alegados vícios respeita, manifesta, pelo que se impunha a imediata concessão da providência cautelar de suspensão de eficácia de normas.
Q) Naturalmente, não se quer com este juízo de evidente procedência querer significar uma certeza absoluta na procedência da acção principal, mas apenas que num juízo de probabilidade e convicção próprio das providências cautelares, se afigura evidente a procedência da mesma. Ou seja, que face aos factos indiciariamente provados e à simples análise da legislação aplicável, a mesma pareça apresentar-se como manifestamente procedente.
R) O que, obviamente, não significa que em sede de acção principal se tenham em consideração outros factos ou mesmo uma interpretação mais exigente da lei, com apelo, por exemplo, a princípios jurídicos que imponham uma outra decisão.
S) Tal possibilidade em nada prejudica que se tenha considerado, numa primeira análise perfunctória, que era evidente ou manifesta a procedência da acção, pelo que, ao indeferir a concessão da tutela cautelar requerida, fez o Tribunal a quo errada aplicação do direito aos factos, designadamente, errada interpretação do artigo 120.º, n.º 1, a) do CPTA, o que desde já se argui.
T) Noutra ordem de considerações, e ainda que o Tribunal considerasse que o critério que ora se analisou não se encontrava preenchido - o que não se concede e só por mera hipótese de raciocínio se admite - sempre se revelaria imperioso decretar a providência cautelar de suspensão de eficácia das normas da Portaria 222/2014 ao abrigo do disposto no art.º 120.º, n.º 1, alínea b) do CPTA por se encontrarem verificados todos os pressupostos de que a lei faz depender o seu decretamento.
U) O Tribunal a quo conclui as suas considerações vagas e genéricas sobre o tema do seguinte modo: (...) incumbia às requerentes concretizar e especificar os prejuízos irreparáveis advindos do não decretamento da suspensão de eficácia das normas, e por outro lado alegar factos concretos e objectivos de molde a convencer o Tribunal que os danos serão de difícil reparação por não ser possível a sua avaliação pecuniária, ou por não ser possível o seu cálculo com exactidão, ou ainda do carácter irreversível dos danos.
V) No entanto, o decidido pelo Tribunal a quo é puramente formal, sem qualquer aderência com a realidade em que os Homens concretos vivem, refugiando-se em considerações vagas e genéricas, sem atender à realidade em causa nos presentes autos e, pior, sem atender aos factos alegados e provados pelos Recorrentes.
W) Quanto aos prejuízos que as farmácias vão sofrer como consequência da publicação (e execução) da Portaria em apreço, os mesmos não podem ser contabilizados ao pormenor nem, como é óbvio, se poderia avançar quais farmácias em concreto que iriam encerrar e se, a acontecer, no próximo mês ou daqui a três meses e meio.
X) Note-se, aliás, que se, na grande maioria dos casos pedidos de concessão de providências cautelares, é exigível (porque possível) a demonstração de prejuízos reais e concretos (mesmo financeiros e contabilísticos), há situações - como a presente - em que essa contabilização é impossível, o que não quer dizer, obviamente, que o julgador não possa ficar com a clara convicção (face à prova produzida) que, caso não conceda a providência cautelar que é submetida à sua apreciação, os prejuízos alegados serão de muito difícil ou impossível reparação.
Y) Resultou provado, face aos depoimentos das testemunhas - todas elas com profundo conhecimento factual sobre a matéria - que a situação financeira de um conjunto de farmácias - já de si profundamente débil - resultará irremediavelmente pior caso a execução destas normas se mantenha. E resultou, também, provado que, em muitos casos, tal circunstância será a machadada final na sua sobrevivência.
Z) Por outro lado, o Tribunal fez tábua rasa dos prejuízos, alegados e provados que os próprios doentes diabéticos irão sofrer como consequência da mais que certa não comercialização dos produtos em causa por um conjunto de farmácias pelos facto de as mesmas se verem perante situações de, literalmente, terem que praticar dumping - i.e., venderem os produtos em causa a preço abaixo do seu custo real.
AA) Tal resulta, com grande dose de probabilidade, em situações verdadeiramente calamitosas para os utilizadores deste produto, o que, no entender dos Recorrentes, representa, sem dúvida prejuízos de muito difícil ou impossível reparação...
BB) É, pois, evidente, que, num juízo de prognose - que o presente Tribunal é chamado a promover face à apresentação em juízo do presente requerimento inicial - resulta manifesto que a imediata execução das normas em apreço provocaria uma situação de facto consumado, com o que apenas a suspensão de eficácia das mesmas permitirá evitar a produção de tais prejuízos, motivo pelo qual deveria o Tribunal a quo ter concluído pela verificação do requisito do periculum in mora.
CC) Do mesmo modo, e face a tudo que antecede, o Tribunal a quo não fez uma adequada ponderação dos interesses em jogo.
DD) A Sentença recorrida encontra-se, assim, eivada de erro de julgamento, por errada aplicação do direito aos factos, pelo que a mesma deve ser anulada.
EE) Finalmente, e no que concerne à providência de natureza antecipatória requerida, ficou provado, documental e testemunhalmente, que não existem razões técnicas, financeiras ou jurídicas que sustentem a impossibilidade de intersubstituição dos produtos de auto­controle de diabetes mellitus, pelo que a interpretação realizada pelo Recorrido INFARMED é manifestamente ilegal.
FF) Deviam, por esse motivo, os Recorridos ter sido intimados a adaptar um comportamento expresso na aceitação da dispensa de medicamento de marca comercial diferente, desde que se trate do mesmo tipo de produto prescrito, pelo que, ao assim não ter decidido, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação do direito aos factos.”

O recorrido INFARMED apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
“1.ª Nos termos do artigo 143.º/2 do CPTA, os recursos de providências cautelares têm sempre efeito devolutivo, conforme jurisprudência unânime do Supremo Tribunal Administrativo.
2ª.bA decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto assente não padece de qualquer erro, na medida em que o Tribunal a quo considerou provados os únicos factos que pela prova apresentada pelas partes era possível considerar provados.
3ª. Sendo que, contrariamente ao referido pelos Recorrentes, os depoimentos das testemunhas que os mesmos arrolaram não eram capazes de alterar os factos dados como provados, porquanto: i) o depoimento das testemunhas foi contraditório e, em certas questões, incongruente; ii) o depoimento das testemunhas consiste maioritariamente sobre opiniões das próprias testemunhas e não sobre factos concretos e mensuráveis; e iii) o depoimento das testemunhas incidiu em parte significativa sobre questões jurídicas.
4.ª A providência de suspensão das normas da Portaria 222/2012 não poderia, em qualquer caso, ser decretada com base no requisito do artigo 120.º/1/a) do CPTA, na medida em que mesmo uma análise sumária e perfunctória dos vícios que os Recorrentes lhe assacaram exigiria sempre uma complexa e reflectida análise jurídica, dada a complexidade dos mesmos.
5ª. É que o requisito constante do artigo 120.º/1/a) do CPTA só é aplicável excepcionalmente, quando a (pretensa) ilegalidade “entra pelos olhos” do julgador, o que não é manifestamente o caso.
6ª. Por outro lado, também andou bem o douto Tribunal a quo ao considerar que, nos termos do artigo 120.º/1/b) do CPTA, não se verificava o requisito do periculum in mora no âmbito da providência de suspensão da Portaria 222/2014.
7ª. Isto porque, os Recorrentes não lograram provar em que medida é que a Portaria 222/2014 poderia prejudicar as farmácias, já que não apresentaram – nem provaram – factos concretos relativamente ao impacto da referida portaria na sustentabilidade das farmácias de oficina.
8ª. Por outro lado, e consequentemente, os Recorrentes também não demonstraram em que medida é que a Portaria 222/2014 é prejudicial para os utentes, nomeadamente porque também não desmontaram o argumento de que a referida portaria é uma forma eficiente de manter a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde e que, dessa forma, é um meio que garante a manutenção do acesso quase gratuito dos utentes aos produtos para autocontrolo e autovigilância da Diabetes Millitus.
9ª. Bem também andou o Tribunal a quo ao julgar improcedente a providência antecipatória requerida pelos ora Recorrentes.
10ª. Isto porque, uma alteração na interpretação das normas que regulam a prescrição e dispensa dos produtos para a autovigilância e autocontrolo da Diabetes Mellitus poderia ser bastante perigosa para o interesse público, na medida em que isso poderia implicar que um utente utilize produtos para a autovigilância e autocontrolo da Diabetes Mellitus que não sejam compatíveis com o respectivo aparelho, ou que, um utente tenha que usar um aparelho que não seja aquele que o médico considerou apto e aconselhável o para o seu caso.
11ª. Por outro lado, a interpretação que os Recorrentes utilizam para concluir que aos produtos para a autovigilância e autocontrolo da Diabetes Mellitus se deve aplicar o mesmo regime que se utiliza para os medicamentos, é ilegal e até inconstitucional.
12ª. De facto, não se pode fazer analogias legais com situações que são absolutamente incomparáveis, como é o caso da comparação entre medicamentos e dispositivos médicos; nem tão pouco se pode permitir que se faça uma interpretação inovatória de um regime legal através da interpretação de uma portaria, como acontece com a interpretação que os Recorrentes fazem da Portaria 137-A/2012.”

Também o recorrido Ministério da Saúde apresentou contra-alegações, formulando as conclusões que seguem, e à quais o recorrido Ministério da Saúde aderiu:
“a) De acordo com o disposto no artigo 143º, n.º 2, in fine, do CPTA, os recursos de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo;
b) A sentença recorrida não padece de qualquer erro na interpretação e aplicação dos factos e da incorrecta valoração da prova testemunhal;
c) O que os recorrentes pretenderiam ver contemplado no probatório não traduz matéria factual objectivamente substanciada, mas considerações de índole opinativa, tendo o Tribunal a quo considerado provados os únicos factos que, face à prova produzida, era possível considerar provados;
d) Não havendo que indagar além da sumaria cognitio, a sentença recorrida fez uma correta e fundamentada interpretação da lei, bem como uma adequada aplicação do direito ao caso concreto;
e) O critério previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA é excepcional, devendo o Tribunal deferir a providência cautelar ao abrigo daquela norma apenas quando a procedência da acção principal seja de tal forma evidente que outra solução seria susceptível de ofender a lei e os princípios estruturantes do ordenamento jurídico;
f) As razões apresentadas pelas recorrentes assentam em juízos argumentativos de complexa análise, verificação e confirmação, pelo que bem decidiu o Tribunal pela falta de evidência quanto à procedência do processo principal, já que a análise dos argumentos apresentados implicaria indagações que em muito extravasavam o âmbito dos autos;
g) Ponderar o peso normativo do direito alegado exigiria uma complexa hermenêutica jurídica, exercício que se situa fora do âmbito da tutela cautelar, que, por definição, é sumária, provisória e urgente;
h) Face complexidade da matéria em causa, e às suas implicações quanto à aplicação do direito, não poderia o Tribunal concluir no sentido do "carácter incontroverso (que não admita dúvidas), patente (posto que visível sem mais indagações) e irrefragável (irrecusável, incontestável) do presumível conteúdo favorável da sentença de mérito da causa principal" - cfr. Ac. TCA Sul, de 06.10.2010 (Proc. n.º 05939/10);
i} Por outro lado, bem decidiu e fundamentou o Tribunal a quo no sentido da não verificação, in casu, de uma situação de facto consumado, bem como da não ocorrência de prejuízos de difícil reparação que houvessem de suportar a concessão da providência cautelar (conservatória) requerida, nos termos do disposto no artigo 120º, n.º 1, alínea b), do CPTA;
j) No que respeita à decidida improcedência da providência antecipatória, o juízo do TAC de Lisboa mostra-se irrepreensível, face à não verificação do requisito da alínea c) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, por absoluta falta de fundamento legal, pois a legislação aplicável à substituição de medicamentos não é aplicável aos dispositivos médicos discutidos os autos;
k) Por conseguinte, nenhum dos argumentos expendidos pelos recorrentes é susceptível de conduzir à revogação da sentença recorrida, que se apresenta livre de mácula.”

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou.
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As questões que as recorrentes colocam – delimitadas pelas conclusões das alegações [cfr. artigos 635º, n.ºs 3 e 4 do CPC ex vi artigo 140º do CPTA] – consistem em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento de direito na apreciação dos critérios vertidos no artigo 120º, n.º 1, als. a), b) e c) do CPTA.

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Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
1 - Os estatutos da A…….- Associação ……………. tem o teor do documento nº. 1, junto com o r.i., cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 1, junto com o r.i., e admissão por acordo).
2 - O número de afiliadas na A………. constam do docº. 2, junto com o r.i., cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 2, junto com r.i., e admissão por acordo).
3 - Em 14.10.1998, entre o Ministério da Saúde, a A……… - Associação …………., e entre outros, associações de diabéticos, foi celebrado protocolo de colaboração para a gestão integrada do Programa de Controlo da Diabetes Mellitus, protocolo cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se nos termos da cláusula XII, que vigorou até 31.12.2002 (cfr. docº. 5, junto com o r.i., e admissão por acordo).
4 - Em 10.01.2003, foi realizado aditamento ao protocolo celebrado, e supra identificado, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se que o prazo de validade foi prorrogado pelo prazo máximo de 180 dias, a contar de 1 de Janeiro de 2003 (cfr. docº. 6, junto com o r.i., e admissão por acordo).
5 - Em 30.06.2003, foi proferido despacho pelo Secretário de Estado da Saúde, publicado no D.R., II série, nº. 148, de 30.06.2003, despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se que no despacho foi fixada comparticipação do Estado, em 85%, na venda ao público, da aquisição das tiras-teste para os diabéticos, mediante apresentação de receita médica (cfr. docº. 8, junto com o r.i., e admissão por acordo).
6 - Em 12.09.2003, foi celebrado protocolo entre o Ministério da Saúde, a Ordem dos Farmacêuticos e a Associação …………………, protocolo cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se que o prazo de validade até 31 de Dezembro de 2005 (cfr. docº. 9, junto com o r.i., e admissão por acordo).
7 - Em 27.03.2008, entre o Ministério da Saúde, a A…….- Associação …………………, e outros, foi celebrado protocolo com referência ao Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Diabetes, protocolo cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se da sua cláusula X, o período de vigência do protocolo por dois anos, a contar de 1 de Abril de 2008 (cfr. docº. 10, junto com o r.i., e admissão por acordo).
8 - Em 27.03.2008, entre o Ministério da Saúde, a A……….., e a A…… - Associação …………., foi celebrado acordo de cooperação, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se a validade igual à supra referida no facto sob o nº7; e de que as farmácias associadas da A…….. e as que se venham a inscrever na A…….., deverão facturar de forma discriminada SNS, A…….., outros subsistemas (cfr. docº. 12, junto com o r.i., e admissão por acordo);
9 - Em 31.10.2010, foi realizado aditamento ao protocolo celebrado, e supra identificado, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se que o prazo de validade foi prorrogado pelo prazo máximo de 60 dias, a contar de 1 de Abril de 2010 (cfr. docº. 14, junto com o r.i., e admissão por acordo).
10 - O despacho nº. 15091/2010, publicado no DR II Série, nº. 193, de 04.10.2010, foi constituída a comissão prevista no artº. 10º/1/Portaria nº. 364/2010, de 23.6., despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 16, junto com o r.i., e admissão por acordo).
11 - Em 20.03.2013 foi proferido despacho nº. 4294-A/2013, a fixar os preços máximos dos produtos da diabetes, despacho publicado no DR II série nº. 58, de 22.03.2013, despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 17, junto com o r.i., e admissão por acordo).
12 - O despacho supra identificado foi objecto de interposição de providência cautelar de suspensão de eficácia, que veio a ser decretada por acórdão proferido pelo TCA Sul, em 23.01.2014, acórdão cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docºs. 18 a 20, juntos com o r.i., e admissão por acordo).
13 - O acórdão, supra referido, foi confirmado por acórdão proferido pelo STA, em 02.10.2014, acórdão cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 21, junto com o r.i., e admissão por acordo).
14 - Em 28.02.2014, foi proferido o despacho nº. 3575/2014, a determinar a suspensão do despacho identificado no facto provado, supra, sob o nº. 11, despacho publicado no DR II série nº.46, de 06.03.2014, despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se que os preços máximos dos produtos da diabetes passam a ser os que vigoravam a 31.03.2013 (cfr. docº. 22, junto com o r.i., e admissão por acordo).
15 - O mercado dos produtos das tiras-teste é dominado por cinco empresas, conforme docº. 24 junto com o r.i., cujo teor aqui se dá por reproduzido ( cfr. docº. 24 junto com o r.i., admissão por acordo).
16 - Em 21.12.2011, a A…….. dirigiu ofício ao Secretário de Estado da Saúde, sobre a substituição de produtos da diabetes, oficio cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se que a A……. refere: “ … de acordo com a legislação em vigor, para efeitos de comparticipação do estado, as regras de substituição dos medicamentos não são aplicáveis a este tipo de produtos...” (cfr. docº. 25 junto com o ri., e admissão por acordo).
17 - Em 01.03.2012, o Infarmed emitiu e divulgou a Circular Informativa nº. 053/CD, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se que vai ser permitida a refacturação ao Centro de Conferência de Facturas, das receitas devolvidas; e de que não serão aceites substituições com datas posteriores a 29 de Fevereiro (cfr. docº. 26 junto com o r.i. e admissão por acordo).
18 - O documento nº. 27, junto com o r.i., cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se o motivo da devolução por falta de coincidência entre o medicamento prescrito e o dispensado pela farmácia (cfr. docº. 27 junto com o r.i., e admissão por acordo).
19 - Em 09.07.2014, entre o Ministério da Saúde, e a A……. - Associação …………….., foi celebrado acordo para implementação de programas de Saúde Pública, entre os quais a “Autovigilância da Diabetes”, acordo cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. docº. 4 junto com o r.i., e admissão por acordo).
20 - Em 07.11.2014., o Infarmed, I.P., emitiu a Circular Informativa nº. 231/CD/8.1.6., cujo teor abaixo reproduz-se (admissão por acordo):
“ Circular Informativa N.º 231/CD/8.1.6.
Data: 07/11/2014
Para: Divulgação geral
Contacto: Centro de Informação do Medicamento e dos Produtos de Saúde (CIMI); Tel. 21 798 7373; Fax: 21 798 7107; E-mail: cimi@infarmed.pt; Linha do Medicamento: 800 222 444
A Portaria n.º 222/2014, de 4 de Novembro define o regime de preços e comparticipações a que ficam sujeitos os reagentes (tiras-teste) para determinação de glicemia, cetonemia e cetonúria e as agulhas, seringas e lancetas destinadas a pessoas com diabetes.
Esta Portaria revogou os diplomas anteriormente em vigor (Portaria n.º 364/2010, de 23 de junho, Despacho n.º 15091/2010, de 24 de Setembro, e Despacho n.º 4294-A/2013, de 20 de março).
Consequentemente, a partir do dia 09-11-2014, entram em vigor os novos preços dos produtos destinados ao autocontrolo da diabetes mellitus.
Os preços anteriormente em vigor poderão escoar durante 30 dias seguidos no caso dos armazenistas (até 08/12/2014) e 60 dias seguidos no caso das farmácias (até 07/01/2015).
O Conselho Directivo
Helder ………………. “
21 - As normas relativas à dispensa de medicamentos e produtos de saúde, têm o teor do documento - junto na diligência de inquirição realizada nos autos –, emitidas e divulgadas pelo Infarmed, I.P., de cujo teor extrai-se que a dispensa dos produtos destinados ao controlo da diabetes, mostra-se regulado no ponto 14 e 15; e a comparticipação daqueles produtos no ponto 19; e o processamento da facturação no ponto 20, e ainda o seguinte (cfr. docº. patente nos autos, junto na diligência de inquirição e admissão por acordo):
“(…)
Estes produtos não podem ser substituídos na farmácia.
(…).”
22 - Não existem produtos para autovigilância e autocontrolo da Diabetes Mellitus genéricos e outros de marca.
23 - Os produtos de vigilância autovigilância e autocontrolo da Diabetes Mellitus são diferentes consoante os instrumentos, que são gratuitos, para autovigilância e autocontrolo da Diabetes Mellitus que os utentes possuam.
24 - Os produtos de vigilância autovigilância e autocontrolo da Diabetes Mellitus fabricados pela marca X só serão adequados para usar com equipamentos fabricados pela marca X, e os produtos fabricados pela marca Y só serão apenas aptos para ser usados em equipamentos fabricados pela marca Y.
25 - Os produtos fabricados para o equipamento do modelo A da marca X não são utilizáveis no modelo B da mesma marca X.
26 - Os produtos para autovigilância e autocontrolo da Diabetes Mellitus não são substituíveis uns pelos outros, excepto se se substituir o equipamento que é distribuído e entregue gratuitamente.
27 - A substituição dos produtos para autovigilância e autocontrolo da Diabetes Mellitus tem de ser acompanhada da substituição do equipamento que é distribuído e entregue gratuitamente.


2. Do Direito

2.1. Os recorrentes instauraram no TAC de Lisboa providência cautelar com vista a obter (i) a suspensão da eficácia das normas constantes da Portaria 222/2014, de 4/11 e (ii) a intimação dos requeridos a efectuarem uma adequada interpretação e aplicação do quadro legal que se traduza na possibilidade de substituição de produtos para autovigilância e autocontrolo da diabetes mellitus.
Por sentença de 5/03/2015 o TAC de Lisboa indeferiu o decretamento das providências requeridas, considerando, no que concerne aos critérios de decisão constantes do artigo 120º do CPTA, que:
- Não é evidente a procedência da acção principal, pelo que não se mostra preenchido o requisito da al. a) do n.º 1 do referido preceito, impondo-se, consequentemente, a análise dos demais critérios;
- Não se verifica o requisito do periculum in mora plasmado na al. b) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA;
- Não se verifica o requisito do fumus boni iuris vertido na al. c) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA.
Os recorrentes discordam do entendimento do TAC de Lisboa no que concerne ao preenchimento dos referidos requisitos, alegando, em síntese, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento de direito na apreciação dos critérios vertidos no artigo 120º, n.º 1, als. a), b) e c) do CPTA.
2.2. Começam os recorrentes por referir que o Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto, na medida em que “as testemunhas inquiridas revelaram unanimidade na narração e esclarecimentos de matérias que, se devidamente enquadradas, seriam seleccionadas como matéria de facto relevante e, certamente, teriam contribuído para uma correcta aferição do pressuposto previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA”.
Entendem, assim, os recorrentes ter alegado e demonstrado, “cabal e adequadamente, que as normas suspendendas (as constantes da Portaria 222/14, de 4 de Novembro) encontram-se eivadas de diversos vícios, decorrentes, designadamente, da violação de princípios constitucionais (liberdade de iniciativa económica privada, proporcionalidade e segurança jurídica e protecção da confiança, bem como, pela flagrante violação das regras previstas no art. 4.º, n.º 3 do TUE, conjugado com o art. 3.º, n.º 3 do TUE, Protocolo Adicional aos Tratados e art.º 119.º, n.º 1 do TFUE E, que impedem os Estados Membros de adoptarem medidas que ponham em causa a livre concorrência de mercado”.
Concluem os recorrentes, que “a ilegalidade das normas em apreço é, no que aos alegados vícios respeita, manifesta, pelo que se impunha a imediata concessão da providência cautelar de suspensão de eficácia de normas”.
2.2.1. O artigo 120º do CPTA enuncia os critérios de concessão das providências cautelares, dispondo o n.º 1, al. a) que as mesmas são adoptadas “quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente”.
Nestes casos, em que resulta evidente a procedência da pretensão formulada, ou a formular, no processo principal, a providência é concedida sem mais. Neste tipo de situações, o critério do fumus boni iuris, ou “aparência de direito”, assume um papel verdadeiramente decisivo, já que, conforme resulta do exposto, ele surge como o único factor relevante para a concessão ou não da providência. E porque assim é, nestas situações, aquela é decretada independentemente da prova do fundado receio, ou da produção de prejuízos de difícil reparação. E do mesmo modo, a providência será recusada sempre que resulte evidente e manifesta a improcedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.
O legislador introduziu aqui o critério da evidência, entendido no sentido de que apenas quando resulte manifesta, irrefutável, sem margem para quaisquer dúvidas, a procedência ou a improcedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, é que a providência cautelar é concedida ou recusada sem mais. E adiantou alguns exemplos, não taxativos, em que essa situação de evidência se verifica, exemplos esses que ajudam o aplicador do Direito a entender o que o legislador pretendeu com este critério: é o caso de impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou ainda de acto idêntico a outro já anulado ou declarado nulo ou inexistente.
Como se refere no acórdão do STA de 25/8/2010, processo n.º 637/10, “ (…) a ilegalidade do acto só é «evidente» se algum dos vícios arguidos contra o acto for manifesto, indubitável, claro num primeiro olhar. «Evidente» é o que se capta e constata «de visu», sem a mediação necessária de um discurso argumentativo cuja disposição metódica permitirá o conhecimento, «in fine», do que se desconhecia «in initio». Porque as evidências não se demonstram, nunca é evidente a ilegalidade do acto fundada em vícios cuja apreciação implique demonstrações, ou seja, raciocínios complexos através dos quais se transite de um inicial estado de dúvida para a certeza de que o vício afinal existe”.
Por outro lado, importa ter presente que a “evidência da procedência da pretensão a formulada ou a formular no processo principal” terá necessariamente que resultar de uma análise e prova sumária do direito ameaçado, pois só esta é compatível com a celeridade e a própria natureza das providências cautelares; tanto mais que, não compete ao julgador cautelar apurar se os vícios assacados ao acto suspendendo ocorrem ou não, sob pena de o processo cautelar se transformar, na prática, no próprio processo principal. Ao invés, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, o juiz cautelar apenas tem de apreciar se os vícios invocados são ostensivos, evidentes.
Isto porque, este meio processual tem unicamente em vista garantir a tutela jurisdicional efectiva das pretensões dos particulares, evitando-se que os mesmos vejam impossibilitada a concretização dos seus direitos em caso de procedência da acção principal.
Aplicando os considerandos vindos de expor ao caso dos autos, forçoso é concluir não ser possível lançar mão do critério vertido na al. a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA para decidir a presente providência cautelar, já que não é evidente, nem a procedência, nem a improcedência da pretensão a formular no processo principal; e isto é assim, ainda que se atendessem aos factos referidos pelos recorrentes e que os mesmos entendem resultar provados em função dos depoimentos prestados pelas testemunhas.
É que, as ilegalidades invocadas pelos recorrentes colocam questões jurídicas controversas cuja apreciação e solução pressupõe uma análise mais profunda e detalhada que não se compadece com a situação de evidência exigida na al. a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA.
Através do juízo perfunctório que caracteriza o julgamento cautelar, consideramos que os vícios invocados pelos recorrentes não apresentam as características de evidência enunciadas no Acórdão do STA de 25/08/2010 acima referido.
E essa falta de evidência resulta bem patente em face das posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados.
Para sustentar a ilegalidade das normas cuja suspensão de eficácia pretende obter alegaram as ora recorrentes, em síntese, que:
- Foram violados os seguintes princípios constitucionais:
Liberdade da iniciativa económica privada, na medida em que “a fixação dos preços máximos previstos na portaria - sem que tivessem sido tidas em conta, quer a realidade fáctica, consubstanciada nos preços praticados pela indústria farmacêutica na venda dos produtos em causa às farmácias, quer a circunstância de os intervenientes no sector (designadamente, as associações representativas dos interesses das farmácias) não terem sido ouvidos pela Administração para a fixação de preços - [pode] conduzir, no limite, à inexistência de margens de comercialização das farmácias e mesmo à efectivação de práticas de dumping, o que, em última análise, [pode] redundar no encerramento de farmácias enquanto consequência da medida tomada com a prolação daquela portaria”;
Princípio da proporcionalidade;
Princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança, dado que, “atendendo ao historial remoto e recente no tratamento desta matéria, que apontava num sentido cooperante entre a Administração e os intervenientes no sector, designadamente através da comissão encarregada, entre outras coisas, de proceder a revisões dos preços dos produtos em causa, não era de todo expectável a provação, sem mais, desta portaria, revogando a anteriormente existente e, bem assim, o Despacho n.º 15091/2010”;
- Mostra-se violado o direito da União Europeia, designadamente o artigo 3º, n.º 3 do TUE e o artigo 119º, n.º 1 do TFUE, “na medida em que, ao reduzir os preços máximos de venda ao público dos dispositivos médicos em questão, permitindo ao mesmo tempo que os agentes do sector de produção (indústria farmacêutica) imponham unilateralmente as margens de comercialização dos agentes da distribuição (grossistas e farmácias), fomenta uma situação ilegal de abuso de posição dominante e dependência económica”.
A este respeito alegaram, por seu lado, o Ministério da Saúde e o INFARMED, ora recorridos, que, ao contrário do que entendem os requerentes, é evidente a improcedência da acção principal, para o que aduzem os seguintes argumentos:
- Nos termos previstos no Decreto-lei n.º 329-A/74, de 10/07 e no Decreto-lei n.º 75-Q/77, de 28/02, é ao Governo que compete estabelecer, por portaria, os regimes de preços de bens ou serviços, sendo estas, pois, as normas habilitantes da Portaria n.º 222/2014, de 4/11;
- Essa Portaria procedeu a uma redução dos preços máximos dos reagentes (tiras-teste) para determinação de glicemia, cetonemia e cetonúria, das agulhas, seringas e lancetas destinadas a pessoas com diabetes, cujo fundamento se encontra no respectivo preâmbulo; tal redução foi feita nos termos legais e na estrita observância do previsto nas normas habilitantes, cujo regime foi respeitado, sendo certo que as mesmas conferem ao Governo a competência exclusiva para fixação daqueles preços máximos;
- Os acordos de colaboração que vigoraram entre 1998 e 2010 e que envolveram o Ministério da Saúde, a A……….. e outras entidades, consubstanciam instrumentos de adesão voluntária; as partes não estão vinculadas a celebrá-los e uma vez celebrados, não estão vinculadas à sua disciplina e regulamentação para além do termo do prazo de vigência;
- Em 2014, mais de quatro anos volvidos sobre o termo do último aditamento celebrado, não é legítimo afirmar que os requerentes tivessem qualquer expectativa de celebração de um acordo de colaboração de conteúdo semelhante àqueles que em tempo vigoraram, ou que possua qualquer direito ou interesse juridicamente tutelado nessa matéria;
- O regime de preços previsto no artigo 2º, n.º 1 da Portaria n.º 222/2014 reproduz ipsis verbis aquela que fora já plasmada na Portaria n.º 364/2010;
- Se o sector da distribuição fica completamente refém do sector dos produtores, como afirmam os requerentes, sem qualquer margem de comercialização, tal não é da responsabilidade do Ministério da Saúde e não consubstancia qualquer vício imputável às normas suspendendas;
- A ser verdade que os laboratórios produtores dos dispositivos médicos em questão se encontram a fazer reflectir a redução dos preços máximos operada pela referida Portaria na margem de comercialização das farmácias, podem estar em causa práticas restritivas da concorrência, proibidas pela Lei da Concorrência, sendo que cabe à Autoridade da Concorrência a detecção, investigação e punição das mesmas;
- Não é verdade que tivesse sido ignorado um procedimento negocial a cuja realização o Ministério da Saúde se tivesse vinculado, na medida em que a criação da comissão decorria do artigo 10º da Portaria n.º 364/2010, de 23/06 e não de qualquer acto legislativo e a mesma foi revogada;
- A publicação da Portaria n.º 222/2014 não importa qualquer violação de qualquer acordo existente entre o Estado e a A…….;
- A emissão dessa Portaria decorre da competência administrativa do Governo e pretende prossegue um relevante interesse público tendo em vista garantir a acessibilidade dos cidadãos a reagentes, agulhas, seringas e lancetas mais baratos, quer para o consumidor, quer para o Estado; as normas suspendendas dão, portanto, execução à defesa e garantia do direito à saúde;
- A fixação de novos preços máximos para os referidos produtos era indispensável para a protecção do interesse público consubstanciado na sustentabilidade do SNS e na maior adesão dos utentes à prevenção e autocontrolo da Diabetes Mellitus, bens muito superiores aos defendidos pelos requerentes;
- Não é aceitável a tese dos requerentes de que não conseguem negociar com os produtores dos dispositivos médicos em causa, tendo em conta que os mesmos têm de ser obrigatoriamente vendidos em farmácia e que a A…….. representa 96% das farmácias em Portugal;
- Os preços máximos fixados na Portaria estão de acordo com os preços praticados para os mesmos produtos pelos três países de referência para a fixação de preços, pelo que é manifesta a não arbitrariedade dos preços fixados;
- A fixação dos novos preços máximos dos produtos em causa apenas poderia ter sido feita por portaria;
- A Portaria n.º 222/2014 não promove qualquer infracção às regras da concorrência na medida em que os requerentes têm todas as condições para negociar com os produtores as margens de lucro na venda dos produtos; mas ainda que assim não se entendesse, quem estaria a violar as regras da concorrência seriam os produtores dos dispositivos médicos.
A posição assumida pelas partes nos respectivos articulados demonstra de forma clara não resultar evidente a procedência da acção principal, dado que os vícios invocados pela requerente não têm as características atrás enunciadas que permitam assim concluir. Pelo contrário, a verificação dos mesmos coloca complexas questões jurídicas cuja apreciação na cabe no âmbito de uma providência cautelar.
Se existe alguma coisa evidente nesta matéria é que não é evidente a procedência (nem a improcedência) da pretensão formulada no processo principal.
Deste modo, e seguindo a posição vertida no dito Acórdão do STA e reiterada no Acórdão de 10/08/2011, proc. n.º 0617/11, “segundo a qual na providência cautelar se pode fazer uma declaração genérica de que não é evidente a procedência ou improcedência de nenhum dos vícios arguidos, não se tendo de os enfrentar de modo discriminado, apontando em cada um as razões por que carecem dessa evidência, por esta solução brigar com a natureza e os fins deste meio cautelar, que não se ordena a um exame dos vícios do acto – salvo na situação extrema em que eles claramente existam ou não existam – por isso constituir a tarefa própria da acção principal”, concluímos pela falta de evidência da procedência da pretensão formulada na acção principal.
2.3. O erro de julgamento da matéria de facto verifica-se ainda, segundo os recorrentes, na apreciação do critério do periculum in mora, sustentando os mesmos que “dos testemunhos entretanto prestados, resultaram provados prejuízos que incidem não só na situação económico-financeira das farmácias mas, também, sobre os próprios doentes diabéticos e, consequentemente, sobre os próprios interesse e saúde públicos”, os quais se reconduzem “a um profundo (e mais do que certo) agravamento da situação económica das farmácias com consequências imediatas (por ausência de qualquer margem de comercialização e, bem assim, de remuneração pelos serviços prestados no que à matéria da diabetes concerne, circunstâncias que levarão nalguns casos, ao encerramento de um número indeterminável destes estabelecimentos), bem como, por outro lado, o facto de as farmácias interromperem a comercialização dos produtos de auto-controle da diabetes, resultar num vasto conjunto de utentes que ficam sem poder aceder aos mesmos”.
Ainda em sede de apreciação do requisito do periculum in mora, mas agora no que concerne ao erro de julgamento de direito, alegam os recorrentes que:
- Os prejuízos “que as farmácias vão sofrer como consequência da publicação (e execução) da Portaria em apreço, (…) não podem ser contabilizados ao pormenor nem, como é óbvio, se poderia avançar quais farmácias em concreto que iriam encerrar e se, a acontecer, no próximo mês ou daqui a três meses e meio”, uma vez que, “se na grande maioria dos casos pedidos de concessão de providências cautelares, é exigível (porque possível) a demonstração de prejuízos reais e concretos (mesmo financeiros e contabilísticos), há situações - como a presente - em que essa contabilização é impossível, o que não quer dizer, obviamente, que o julgador não possa ficar com a clara convicção (face à prova produzida) que, caso não conceda a providência cautelar que é submetida à sua apreciação, os prejuízos alegados serão de muito difícil ou impossível reparação”;
- Resultou provado, face aos depoimentos das testemunhas - todas elas com profundo conhecimento factual sobre a matéria - que a situação financeira de um conjunto de farmácias - já de si profundamente débil - resultará irremediavelmente pior caso a execução destas normas se mantenha. E resultou, também, provado que, em muitos casos, tal circunstância será a machadada final na sua sobrevivência”;
- Há ainda a considerar, matéria que o Tribunal a quo ignorou, os “prejuízos, alegados e provados que os próprios doentes diabéticos irão sofrer como consequência da mais que certa não comercialização dos produtos em causa por um conjunto de farmácias pelos facto de as mesmas se verem perante situações de, literalmente, terem que praticar dumping - i.e., venderem os produtos em causa a preço abaixo do seu custo real”.
2.3.1. O decretamento das providências requeridas (a primeira conservatória e a segunda antecipatória) importa o preenchimento, além do mais, do requisito do periculum in mora, o qual se traduz no “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação” para os interesses que o requerente visa assegurar, ou pretende ver reconhecidos, no processo principal (cfr. artigo 120º, n.º 1, als. b) e c) do CPTA).
A finalidade própria das providências cautelares é assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal. É que, a demora na tomada da decisão final pode acarretar a inutilidade da mesma, em virtude de se ter, entretanto, criado uma situação de facto consumada com ela incompatível, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para os interesses de quem dela deveria beneficiar.
Em suma, e citando Vieira de Andrade, diremos que a função própria da tutela cautelar é a “prevenção contra a demora” (A Justiça Administrativa (Lições), 4ª edição, pág. 295).
Deste modo, o requisito do periculum in mora ter-se-á por preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine, a sentença aí proferida já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
A prova do “fundado receio” a que a lei faz referência deverá ser feita pelo requerente, o qual terá que invocar e provar factos que levem o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, justificando-se, por isso, a concessão da providência solicitada.
A este respeito referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha: “Tal como sucede, para a atribuição de providências cautelares não especificadas em processo civil, com o artigo 381º, n.º 1 (e com o artigo 387º, n.º 1), do CPC, exige-se, antes de mais, um “fundado receio” quanto à ocorrência de determinadas circunstâncias. Significa isto que o juízo sobre o risco dessa ocorrência deve ser sustentado numa apreciação das circunstâncias específicas de cada caso, baseada na análise de factos concretos, que permitam a um terceiro imparcial concluir que a situação de risco é efectiva, e não uma mera conjectura, de verificação apenas eventual.
(...) deve considerar-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que os factos concretos alegados pelo requerente permitam perspectivar a criação de uma situação de impossibilidade da restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.
(...) as providências cautelares também devem ser concedidas quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada” (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição revista, 2010, págs. 803 e 806; sublinhados nossos).
Portanto, essencial para que o juiz possa concluir pelo preenchimento, ou não, do requisito do periculum in mora, é que o requerente da providência cautelar, que pretende manter o status quo ou alcançar uma situação de vantagem, ainda que provisoriamente, alegue factos concretos e perfeitamente individualizados que permitam criar no julgador a convicção de que, a não ser deferida a providência requerida, a sua esfera jurídica sofrerá um prejuízo de difícil reparação ou será criada uma situação de facto consumado.
2.3.2. Cremos que não assiste qualquer razão aos recorrentes no que a estes vícios concerne, quer porque grande parte da matéria que os mesmos entendem dever ter sido dada como provada não consubstancia “factos concretos”, quer porque o periculum in mora não resulta, ainda assim, demonstrado.
Assim, a maior parte da matéria que os recorrentes consideram omitida mais não traduz do que juízos opinativos e conclusões factuais.
É o que sucede, designadamente, com a matéria alegada nos seguintes artigos do requerimento inicial:
- Artigo 98º: Sendo certo que, a publicação da portaria ora posta em crise, ao estipular uma redução de 15% no preço dos produtos para a autovigilância e autocontrolo da diabetes mellitus, agrava ainda mais o prejuízo das farmácias;
- Artigo 244º: Estando as farmácias, por força da portaria, em claro risco de ficarem privadas de uma remuneração que assegure a viabilidade financeira da actividade de comercialização destes dispositivos médicos, é muito provável que grande parte delas fique obrigada a cessar esta comercialização, com claro prejuízo para si próprias, mas também para os consumidores, doentes diabéticos;
- Artigo 245º: Efectivamente, tudo aponta para que o novo regime empurre grande parte das farmácias para fora do circuito de comercialização destes dispositivos médicos, uma vez que nenhum agente económico de pequena dimensão pode manter-se num mercado se não tiver condições para que a sua actividade seja financeiramente viável;
- Artigo 247º: No caso em apreço, o risco de limitação da distribuição em prejuízo dos consumidores, resultante do estrangulamento das margens das farmácias, é óbvio;
- Artigo 248º: Quanto menor for o número de farmácias a disponibilizar dispositivos para monitorização e tratamento da diabetes mellitus, maior será a redução da possibilidade de acesso aos produtos, mas também o risco de redução da concorrência entre farmácias a nível dos PVP oferecidos (cfr. artigo 248º do requerimento inicial);
- Artigo 249º: Efectivamente, num mercado de venda ao consumidor final que fique mais concentrado, com menos pontos de venda, não apenas o acesso aos produtos se torna mais difícil, como ficam limitados os incentivos das farmácias a reduzir os PVP praticados face ao PVP máximo, por haver menos concorrência entre farmácias no fornecimento destes produtos;
- Artigo 250º: Ora, o risco de uma grande parte das farmácias portuguesas terem de deixar de comercializar estes produtos em resultado do regime previsto na Portaria sub judice, não só é muito elevado, como é iminente;
- Artigo 251º: Com efeito, perante uma redução drástica dos PVP máximos e estando a margem de comercialização dependente dos agentes de produção, muitas farmácias deixarão rapidamente de ter condições para disponibilizar estes dispositivos médicos;
- Artigo 268º: Face ao que antecede, têm os requerentes a arguir que, caso não lhes seja concedida a providência cautelar cuja concessão ora se requer, produzir-se-ão prejuízos de difícil reparação, na medida em que, não sendo suspensa a eficácia das normas em apreço, as mesmas comprometem, inelutavelmente, a sobrevivência de algumas farmácias e, mais importante, em variadíssimos casos, impedem o fornecimento dos dispositivos médicos para autovigilância da diabetes mellitus ao conjunto de utentes que deles necessitam;
- Artigo 269º: Na verdade, e conforme decorre do supra exposto, muitas das farmácias que se vêm perante situações de, literalmente, terem de praticar dumping - i.e. venderem os produtos em causa a preço abaixo do seu custo real - optarem por, simplesmente, não os adquirir e, acto contínuo, não os disponibilizar aos consumidores finais, in casu, os doentes diabéticos;
- Artigo 271º: Ora, como é bom de ver, a questão em apreço poderá levar a situações verdadeiramente calamitosas para os utentes consumidores destes produtos;
- Artigo 272º: É que, em rigor, nas grandes metrópoles, poderá, ainda que com alguma dificuldade, manter-se o acesso a tais produtos por parte de quem deles necessita, o certo é que, noutros locais, como vilas e aldeias em que só há uma farmácia num raio de muitos quilómetros, a situação poderá vir a revelar-se verdadeiramente trágica;
- Artigo 273º: Face ao exposto, afigura-se óbvio que os prejuízos daí decorrentes, insusceptíveis de contabilização, serão, do mesmo modo, insusceptíveis de ressarcimento;
- Artigo 277º: Escusado será dizer que, se se atender à margem de negócio das farmácias, as quantias de que ficam privadas, em virtude das duas realidades supra descritas, contribuem seriamente para dificuldades de tesouraria que as farmácias vivem de modo intenso;
- Artigo 278º: Assim limitando, de modo determinante, a sua acção no que respeita ao cumprimento das suas obrigações de pagamento das quantias devidas perante terceiros, concorrendo, inclusivamente, em muitos casos, para a sua insustentabilidade ou ruptura (leia-se, para a sua insolvência ou pré-insolvência), que, infelizmente, é hoje uma realidade em muitas situações;
- Artigo 286º: Na realidade, e como já supra se aludiu, o interesse público aqui em causa (ou que, pelo menos, devia estar em causa …) é, tão-somente, o do acesso dos utentes aos dispositivos de autovigilância e autocontrolo da diabetes mellitus, sendo que;
- Artigo 287º: No caso de a providência que ora se requer não ser concedida, verificar-se-á um seríssimo risco de um conjunto alargado desses utentes se ver privado de poder aceder a tais dispositivos.
Toda esta matéria mais não traduz do que juízos de opinião e conclusões que compete ao Tribunal formular perante factos concretos que os recorrentes deveriam ter alegado.
Sem os mesmos fica o Tribunal impossibilitado de apreciar que consequências terá para a situação financeira das farmácias e, em consequência para os utentes, a entrada em vigor da portaria em causa.
Note-se que, como é sabido, as farmácias não se limitam a comercializar os dispositivos médicos em causa, representando a venda destes, pois, uma parte da sua facturação.
Ora, para além de nenhuns factos concretos virem alegados no que concerne à situação das farmácias em termos financeiros, inclusive daquelas que intentaram a presente providência cautelar, também nada é dito sobre a percentagem das vendas dos ditos dispositivos médicos na sua facturação total, bem como sobre o volume de vendas que fica em causa com a entrada em vigor das normas suspendendas, e ainda sobre a repercussão que a mesma previsivelmente terá na sua saúde económica e financeira tendo por base esses dados concretos.
Como pode então o Tribunal concluir, como pretendem os recorrentes, “que a situação financeira de um conjunto de farmácias - já de si profundamente débil - resultará irremediavelmente pior caso a execução destas normas se mantenha”? E que “em muitos casos, tal circunstância será a machadada final na sua sobrevivência”?
A considerar preenchido o requisito do periculum in mora com base, apenas, na matéria conclusiva e opinativa trazida pelos recorrentes, o Tribunal aventurar-se-ia numa conclusão desprovida de qualquer base factual, e, nessa medida, numa conclusão cega.
O mesmo sucede no que concerne aos prejuízos que, no entender dos recorrentes, resultam para os utentes da entrada em vigor das normas suspendendas. Também aqui os mesmos quedam-se por considerações opinativas e hipotéticas. Acresce que, resultando tais prejuízos da situação grave em que, segundo os recorrentes, as farmácias ficarão, não resultando estes demonstrados, o mesmo sucede com aqueles.
Concluímos, assim, que a sentença recorrida não padece de erro de julgamento na apreciação do critério que fez do requisito do periculum in mora.
Considerando que os requisitos enunciados no artigo 120º, n.º 1, als. b) e c) do CPTA - fumus boni iuris e periculum in mora - são cumulativos e que a verificação do periculum in mora se coloca nos mesmos termos nas duas providências requeridas (cfr. artigo 303º e 311º do requerimento inicial), resulta prejudicado o conhecimento do alegado erro de julgamento na apreciação do requisito do fumus boni iuris previsto na al. c) do referido preceito.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 25 de Junho de 2015


_________________________
(Conceição Silvestre)


_________________________
(Cristina dos Santos)


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(Paulo Pereira Gouveia)