Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2695/16.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/23/2019
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
COMPETÊNCIA
ERRO JUDICIÁRIO
Sumário:i) De acordo com o previsto no art. 4.º, nº 4, al. a) do ETAF, fica excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal “a apreciação das acções de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes acções de regresso”.

ii) Fundando o Recorrente a sua pretensão na existência de erro judiciário alegadamente cometido no processo n.º 1564/10.6T2SNT pelo Tribunal de 1.ª Instância - Tribunal da Comarca da Grande Lisboa - Noroeste, Sintra; Juízo de Grande Instância Cível, 2.ª Secção -, bem como pelo Tribunal da Relação de Lisboa; e

iii) Sendo inequívoco que a causa de pedir é o alegado erro do julgador naquele processo, no exercício da função jurisdicional (deficiente instrução do processo, cometimento de nulidades secundárias e erros de julgamento), de acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º n.º 4, al. a), do ETAF a apreciação do presente processo está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Jorge ............... (Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa proferida na acção instaurada contra o Estado Português (Recorrido), em que se declarou a Jurisdição Administrativa materialmente incompetente para conhecer da presente acção.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

1.ª - Decorre do já referido artigo 4.º, n.º 4, alínea a), do ETAF que só está subtraída da competência da jurisdição administrativa as ações que tenham por objecto o erro judiciário.

2.ª - Ora, para que esteja em causa uma acção baseada em erro judiciário é necessário que somente se assaque uma ilegalidade manifesta a uma certa decisão judicial.

3.ª - Quando, contudo, esteja em causa todo o desenrolar do processo e não só uma concreta decisão judicial estaremos já não perante um caso de erro judiciário mas antes de uma responsabilidade civil do Estado pela função judicial tal como decorre do previsto no artigo 12.º do Regime da Responsabilidade Civil do Estado.

4.ª - Salvo melhor opinião, embora se referia também a existência de erro judiciário na prolação da Sentença também é alegado o incorreto desenrolar do processo antes de tal fase, mormente a violação do princípio do contraditório (v. artigos 34.º a 36.º da Petição Inicial).

5.ª - Assim como, aliás, se alega ainda matéria que não foi sequer tida em consideração nas decisões judiciais em causa (v. os artigos 45.º a 47.º da Petição Inicial). Ora, salvo melhor entendimento, tais matérias não se incluem na definição estrita de erro judiciário.

6.ª - Assim, o campo de aplicação do previsto no referido artigo 4.º, n.º 4, alínea a), do ETAF deve ser restringido somente a casos em que só esteja em causa erro judiciário, o que, salvo melhor entendimento, não sucede no caso em apreço.

7.ª - Pelo que ao caso em apreço não era aplicável o previsto no artigo 4.º, n.º 4, alínea a), do ETAF mas antes o previsto no artigo 4.º, n.º 1, alínea f), do ETAF.

8.ª - Sem prejuízo do antes referido, o artigo 4.º, n.º 4, alínea a), do ETAF é inconstitucional.

9.ª - Em primeiro lugar, estamos perante uma questão materialmente administrativa que é subtraída jurisdição administrativa. O que configura uma violação do previsto no artigo 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

10.ª - Refere-se a este propósito na decisão recorrida que não estaríamos perante uma relação materialmente administrativa por estar em causa a relação do cidadão com um órgão de soberania.

11.ª - Contudo, como o devido respeito, que é muito, tal não afasta, por si só, a existência de uma relação administrativa.

12.ª - Pois que, o que está em causa nos autos não é o desenrolar em si do processo judicial mas antes a existência de responsabilidade civil do Estado porquanto do sucedido num processo judicial, sendo que nesse caso já estamos perante uma relação sujeita ao direito administrativo e entre o particular e a Administração.

13.ª - Em segundo lugar, esse regime é ainda violador do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, pois que as acções que tenham por fundamento no previsto no artigo 12.º da referida Lei n.º 67/2007 correm nos Tribunais Administrativos.

14.ª - Refere-se a este propósito na decisão recorrida que só existe obrigação de tratar igualmente questões idênticas.

15.ª - Contudo, aí depois não se concretiza em que medida é que se entende estarem em causa situações materialmente díspares e porquê.

16.ª - De facto, entende-se que não existe razão válida para destrinçar entre os casos em que exista erro judiciário e aqueles outros em que, por exemplo, exista demora na decisão da causa.

17.ª - Sendo que em ambos os casos estamos perante danos causados pela actividade dos Tribunais, e portanto órgãos de soberania, no decorrer de um processo judicial. Não existe portanto, salvo melhor entendimento, razão substantiva para tratar de forma diferente esses casos.

18.ª - Sendo assim o referido artigo 4.º, n.º 4, alínea a), do ETAF inconstitucional, sempre deveria o mesmo ser desaplicado no caso em apreço, o presente Tribunal será materialmente competente para conhecer da presente acção em decorrência do previsto no artigo 4.º, n.º 1, alínea f), do ETAF.

19.ª - A decisão recorrido ao ter decidido que os tribunais administrativos são materialmente incompetentes para conhecer da presente acção violou o previsto no artigo 4.º, n.º 1, alínea f), do ETAF e aplicou uma norma inconstitucional – o referido artigo 4.º, n.º 4, alínea a), do ETAF – que sempre deveria ter desaplicado.

Foram apresentadas contra-alegações pelo Ministério Público, em representação do Recorrido Estado Português, pugnando pela manutenção do decidido.


Com dispensa de vistos (simplicidade), vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

A questão objecto do presente recurso consiste em saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito ao concluir pela incompetência dos tribunais administrativos para decidir o presente processo, por o litigio, que tem por objecto um alegado erro judiciário, não ser enquadrável na competência da jurisdição administrativa por aplicação do art. 4.º, nºs 3, al. b), e 4, al. a), do ETAF.


II. Fundamentação

II.1. De facto

Dá-se por reproduzida, nos termos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do CPC, a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, a qual não é sujeita a impugnação.



II.2. De direito

No presente recurso insiste o Recorrente que os Tribunais Administrativos são os competentes para julgar a acção por si proposta contra o Estado e na qual peticiona, a final, o pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência da tramitação da acção cível com o n.º 1564/10.6T2SNT e decisões nesta proferidas (em 1.ª instância e no Tribunal da Relação de Lisboa).

Escreveu-se no tribunal a quo, ao que aqui importa:

A competência dos tribunais administrativos é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (cfr. artº 13º, do CPTA).

A Constituição da República Portuguesa distingue, quanto à competência de cada uma das categorias de tribunais, os tribunais judiciais que, “são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”, e os tribunais administrativos e fiscais a quem compete “o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” (cfr. artº 211º, nº 1 e 212º, nº 3, da CRP).

O disposto no artº 211º, nº 1, da CRP vem transposto na lei ordinária nos artº 64º, do CPC e 40º, nº 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), em que se estabelece que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

Como ensina MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA “a competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual. Segundo o critério de atribuição positiva, pertencem à competência do tribunal comum todas as causas cujo objecto é uma situação jurídica regulada pelo direito privado, civil ou comercial.(…) Segundo o critério da competência residual, incluem-se na competência dos tribunais comuns todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum outro tribunal Isto é: os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual (artº 211º, nº 1, CRP; artº 18º, nº 1, LOFTJ) e, no âmbito dos tribunais judiciais, são os tribunais comuns aqueles que possuem essa competência residual” – cfr. Miguel Teixeira de Sousa, A nova competência dos tribunais judiciais, Lex 1999, p.31-32.

Os tribunais comuns gozam de competência genérica ou residual, pois que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (cfr. artº 64º, do CPC e 40º, nº 1, da LOSJ).

O disposto no art. 212.º, nº 3 da CRP vem transposto na lei ordinária no artigo 1º do ETAF, sendo concretizado no art. 4º do mesmo diploma legal. É à luz da referida norma constitucional que hão-de ser interpretados os correspondentes preceitos do ETAF e também da LOSJ.

Dispõe o artº 1º, do ETAF que “1 - Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4º deste Estatuto.”

Nos termos do artº 4º, do ETAF, “1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto:

(…)

f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo;

(…) 3 - Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de:

(…)

b) Decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal;

(…)

4 - Ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:

a) A apreciação das acções de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes acções de regresso; “.

A competência do Tribunal determina-se pelo pedido formulado e pela natureza da relação jurídica que serve de fundamento a esse pedido (causa de pedir), tal como a configura o autor – cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 89.

Portanto, a competência em razão da matéria afere-se pelo quid disputatum tal como é apresentado pelo Autor na p.i., isto é, no confronto entre o respectivo pedido e a causa de pedir.

Através da presente acção pretende o A. obter do R. o pagamento de uma indemnização pelos danos que alegadamente sofreu em consequência de decisões proferidas por tribunais judiciais as quais considera serem erradas.

Sustenta o A. que são inconstitucionais as normas constantes do artº 13.º da Lei da Responsabilidade Civil do Estado e Demais Entidades Públicas e do artº 4.º, n.º 4, al. a), do ETAF.

Aduz o A. que o artº 13º, da Lei da Responsabilidade Civil do Estado e Demais Entidades, cria uma restrição inadmissível do direito de acesso aos tribunais, ao exigir a prévia revogação da decisão, que afecta o conteúdo essencial do direito fundamental previsto no artº 22º, da CRP, viola o princípio da proporcionalidade e o previsto no artº 18º, nº 2 e 3, da CRP.

Sustenta ainda que se está perante uma questão materialmente administrativa que é subtraída à jurisdição administrativa, o que configura uma violação do previsto no artº 212º, nº 3, da CRP

Mais sustenta a violação do princípio da igualdade, previsto no artº 13º, da CRP, pois que as acções que tenham fundamento no previsto no artº 12º, da Lei nº 67/2007, correm nos Tribunais Administrativos.

Conclui, assim, pela desaplicação do artº 4º, nº 4, al. a), do ETAF e pela competência deste Tribunal para conhecer da presente acção em decorrência do previsto no artº 4º, nº 1, al. f), do ETAF.

A questão sub judice já foi apreciada no proc. nº 403/17.1BELSB, que correu termos neste TAC, cuja fundamentação aqui se acolhe.

Como aí se decidiu, quanto à violação do princípio da igualdade, “Este argumento não procede porquanto o princípio da igualdade apenas exige o tratamento igual de situações idênticas, mas não exige o tratamento semelhante de situações diferentes.

Quanto à violação do artigo 212.º, n.º 3, da CRP, (…) Como ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. 2, 4.ª Ed., página 567, com o recurso no artigo 212.º, n.º 3, da CRP, ao conceito de relações jurídico-administrativas “Pretende-se (...) viabilizar a inclusão na jurisdição administrativa do amplo leque de relações bilaterais e poligonais, externas e internas, entre a Administração e as pessoas civis e entre entes da Administração, que possam ser reconduzidas à actividade de direito público, cuja característica essencial reside na prossecução de funções de direito administrativo, excluindo-se apenas as relações jurídicas de direito privado.».

Ora, a relação jurídica subjacente à demanda do réu por um erro judiciário diz respeito não à relação estabelecida entre cidadão e administração, que age na prossecução de funções de direito administrativo, mas sim à relação estabelecida entre cidadão e tribunais, os quais são órgãos de soberania a quem compete o exercício da função jurisdicional [cf. artigo 202.º, n.º 1, da CRP].

Aliás, como ensinam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – Anotados, 1.ª Edição, Reimpressão, páginas 67-68, “Note-se que a atribuição à jurisdição administrativa do julgamento dos erros judiciários “administrativos” não depende do facto de o litígio respeitar a uma relação regulada por normas de direito administrativo, porque a solução da lei mantém-se mesmo quando tais erros incidam sobre relações (litigiosas) de direito privado que tenham vindo parar aos tribunais administrativos por expressa determinação do legislador. O que justifica a referida atribuição é, sim, o facto de se tratar, em qualquer dos casos, de uma sentença proferida por tribunais administrativos, um feito submetido ao seu julgamento.”.

Do exposto, decorre que a norma do artigo 4.º, n.º 4, alínea a), do ETAF, não ofende o artigo 212.º, n.º 3, da CRP.”

Quanto à inconstitucionalidade do artigo 13.º da Lei da Responsabilidade Civil do Estado e Demais Entidades Públicas, “em sede de fiscalização concreta o tribunal apenas aprecia a inconstitucionalidade das normas que seja chamado a aplicar.

Para apreciação da competência material deste tribunal o tribunal não é chamado a aplicar o referido artigo 13.º, o qual não encerra qualquer norma sobre a repartição de competência entre tribunais judiciais e tribunais administrativos.

A eventual inconstitucionalidade do artigo 13.º da Lei da Responsabilidade Civil do Estado e Demais Entidades Públicas é uma questão respeitante ao mérito, pelo que dela não pode este Tribunal conhecer, pois apenas tem competência para declarar a sua incompetência material.

Os Tribunais Judiciais são os tribunais materialmente competentes para julgar a presente acção – cf. Lei n.º 62/2013, de 26/08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário).”

Apreciando, como é sabido, a competência de um tribunal afere-se pela forma como o Autor configura a acção, definida pelo pedido e pela causa de pedir, isto é, pelos objectivos com ela prosseguidos, o quid disputatum (cfr. o ac. deste TCAS de 6.06.2013, proc. n.º 7976/11). Ou como se escreveu no acórdão do Tribunal de Conflitos de 21.01.2014, proc. n.º 44/13: “Constitui pacífico entendimento jurisprudencial e doutrinário que a competência em razão da matéria do tribunal se afere pela natureza da relação jurídica, tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido) e os respectivos fundamentos (causa de pedir) - cfr., entre outros, os Acórdão do Tribunal dos Conflitos: de 21/10/04 proferido no Conflito 8/04; e de 23/5/2013, conflito nº 12/12).

Será, pois, “na ponderação do modo como o autor configura a acção, na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir, e tendo ainda em conta as demais circunstâncias disponíveis pelo tribunal que relevem sobre a exacta configuração da causa, que se deve guiar a tarefa da determinação do tribunal competente para dela conhecer”(cfr. o ac. do STJ, de 6.05.2010, proc. n.º 3777/08.1TBMTS.P1.S1). O mesmo é dizer que, para se poder determinar qual é o tribunal competente deste ponto de vista, há que atentar nos termos em que a acção é proposta, ou seja, na forma com vêm definidos a causa de pedir e o pedido.

No caso em presença, da leitura da p.i. resulta manifesto, tal como assinalado pelo tribunal a quo, que o ora RECORRENTE assenta a causa de pedir na prática de “erro judiciário na acção em causa” (art. 48.º) – a acção cível 1564/10.6T2SNT. Alegou que “o tribunal violou o princípio do contraditório e lançou mão indevidamente do despacho saneador sentença”(art. 38.º). E que “tanto o despacho saneador sentença como o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que o confirmou decidiram incorrectamente” (art. 39.º). Mais sustentou que “tais decisões judiciais não tiveram em devida consideração que a APDJ confessou que não pagou a renda de Setembro de 2009 e as despesas de Agosto e Setembro de 2009”. Donde, em consequência das decisões proferidas nos tribunais judiciais, com a entrega do imóvel arrendado, o aqui Recorrente deixou de ter acesso ao mesmo e aos bens nele existentes, o que lhe gerou danos vários e que identifica na p.i..

Em suma, em causa está a alegada existência de erros na aplicação do direito adjectivo – na tramitação do processo – e do direito substantivo – erro de julgamento.

Donde, atalhando caminho, a decisão recorrida não merecer qualquer censura, tendo aplicado correctamente o quadro normativo de referência que devidamente identificou (v. supra).

Com efeito, o ora RECORRENTE, no presente processo – e de acordo com os termos da petição inicial – funda a sua pretensão na existência de erro judiciário cometido pelo Tribunal da Comarca da Grande Lisboa - Noroeste, Sintra – Juízo de Grande Instância Cível, 2.ª Secção, no âmbito da sentença que foi proferida no proc. n.º 1564/10.6T2SNT, bem como no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

É inequívoco que a causa de pedir é o alegado erro do julgador no proc. n.º 1564/10.6T2SNT no exercício da função jurisdicional. Ademais sustentar que o “incorrecto desenrolar do processo” e a “violação do princípio do contraditório” (cfr. conclusão 4.ª) não consubstancia erro judiciário, é, salvo o devido respeito, incompreensível, pois que tal configurará inexoravelmente ou nulidades processuais ou erros de julgamento.

Assim, como vem decidido, de acordo com o disposto no art. 4.º, nº 3, al. b), e nº 4, al. a) do ETAF a apreciação do presente processo está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal. Com efeito, tal é o que resulta cristalino do disposto naquela al. a) do nº 4 do citado art. 4.º, que consagra a exclusão do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, da “apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes ações de regresso”.

Em caso idêntico, muito recentemente e no mesmo sentido, decidiu já este TCAS no ac. de 7.03.2019, proc. nº 606/18.1BEBJA (por nós relatado), em que se sumariou:

i) Fundando a Recorrente a sua pretensão na existência de erro judiciário alegadamente cometido pelo Tribunal de 1.ª Instância no âmbito da sentença que foi proferida no proc. n.º 266/08.8TBGDL que correu termos no (agora extinto) Juízo de Competência Genérica – Juiz 2 da Instância Local de Grândola do Tribunal Judicial da comarca de Setúbal, requerendo em consequência a “atribuição provisória da posse” sobre o prédio que estava em causa naqueles autos; e

ii) Sendo inequívoco que a causa de pedir é o alegado erro do julgador no proc. n.º 266/08.8TBGDL no exercício da função jurisdicional (e não a “atribuição provisória da posse”, que constitui o pedido), de acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º 3, al. b), e n.º 4, al. a) do ETAF a apreciação do presente processo cautelar está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal.

E quanto à alegada inconstitucionalidade do art. 4.º, nº 4, al. a) do ETAF, por violação do art. 212.º, nº 3, da CRP e do princípio da igualdade, o que levaria à desaplicação dessa norma, não se vislumbra fundamento minimamente suficiente para a sustentar. E nem o ora Recorrente substancia no recurso o desvalor jurídico-constitucional (apenas conclusivamente) tirado.

Sem embargo do acabado de afirmar, deixe-se explicitado que, por um lado, não está em questão um litígio emergente de uma da relação jurídica administrativa ou fiscal, estando sim em causa uma demanda subjacente a um erro judiciário (logo, está em causa a função jurisdicional e não a função administrativa). Também como ensinam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (cfr. Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – Anotados, 1.ª Ed., Reimp., pp. 67-68): “[n]ote-se que a atribuição à jurisdição administrativa do julgamento dos erros judiciários “administrativos” não depende do facto de o litígio respeitar a uma relação regulada por normas de direito administrativo, porque a solução da lei mantém-se mesmo quando tais erros incidam sobre relações (litigiosas) de direito privado que tenham vindo parar aos tribunais administrativos por expressa determinação do legislador. O que justifica a referida atribuição é, sim, o facto de se tratar, em qualquer dos casos, de uma sentença proferida por tribunais administrativos, um feito submetido ao seu julgamento.

Por outro lado, não se alcança em que medida sai violado o princípio da igualdade, pois que a tutela jurídica permanece assegurada no caso: pelos tribunais judiciais. Sendo que a invocação do art. 12.º da Lei nº 67/2007 (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Pessoas Colectivas de Direito Público) é para o efeito irrelevante dado não estarmos perante situação de responsabilidade do Estado por atraso na administração da Justiça.

Tudo visto, decidiu bem o tribunal a quo quando concluiu que: “[o]s Tribunais Judiciais são os tribunais materialmente competentes para julgar a presente acção – cf. Lei n.º 62/2013, de 26/08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário).

Por fim, nos termos do artigo 278.º, n.º 1, al. a), do CPC o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância, quando julgue procedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal.

Tanto basta para concluir pela improcedência do presente recurso jurisdicional, mantendo-se assim a sentença recorrida.



III. Conclusões

Sumariando:

i) De acordo com o previsto no art. 4.º, nº 4, al. a) do ETAF, fica excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal “a apreciação das acções de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes acções de regresso”.

ii) Fundando o Recorrente a sua pretensão na existência de erro judiciário alegadamente cometido no processo n.º 1564/10.6T2SNT pelo Tribunal de 1.ª Instância - Tribunal da Comarca da Grande Lisboa - Noroeste, Sintra; Juízo de Grande Instância Cível, 2.ª Secção -, bem como pelo Tribunal da Relação de Lisboa; e

iii) Sendo inequívoco que a causa de pedir é o alegado erro do julgador naquele processo, no exercício da função jurisdicional (deficiente instrução do processo, cometimento de nulidades secundárias e erros de julgamento), de acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º n.º 4, al. a) do ETAF a apreciação do presente processo está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.

Notifique.

Lisboa, 23 de Maio de 2019



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Pedro Marchão Marques


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Alda Nunes


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José Gomes Correia