Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1812/18.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/21/2019
Relator:ALDA NUNES
Descritores:
PROTEÇÃO INTERNACIONAL
CONGO
PERÍODO DE INSTRUÇÃO DO PROCEDIMENTO
Sumário:
- Quando as declarações do cidadão estrangeiro se encontram cronologicamente coincidentes com os acontecimentos noticiados pela impressa internacional quanto à real situação do país de origem (República Democrática do Congo), são precisos na indicação dos locais onde se realizaram manifestações no ano de 2016, bem como, nas datas, é rigoroso na indicação do local onde vivia, estudou e apresentando o seu depoimento credibilidade deve o pedido de proteção internacional ser admitido à fase de instrução, nos termos e para efeitos do disposto no art 20º, nº 4 e 21º da Lei de Asilo.
- Não pode ser considerado irrelevante o relato do requerente de proteção internacional, cidadão da República Democrática do Congo, que diz ter receio de ali regressar por ter ligação a um partido da oposição do seu país de origem e, por causa de uma manifestação no ano de 2016, ter sido ameaçado, bem como a esposa, grávida, e uma filha, e ferido, por um tiro que lhe passou de raspão na perna direita e por um corte no pulso.
- Em resultado, deverá o SEF, em face do narrado pelo requerente, indagar da efetiva prova possível dos factos alegados, ao abrigo do disposto no art 18º da Lei de Asilo, efetuando as averiguações necessárias e a análise de todos os elementos pertinentes e toda a informação disponível.
- Volvida a fase de apreciação do pedido de proteção internacional nos termos do art 18º da Lei de Asilo, deve então o SEF proferir decisão final, de concessão ou de recusa de proteção internacional ao requerente/ aqui recorrido.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul:


Relatório

O Ministério da Administração Interna/ Serviço de Estrangeiros e Fronteiras recorre da sentença proferida na presente instância, a 27.11.2018, que julgou procedente a ação, por défice de instrução procedimental gerador de ilegalidade do ato final do procedimento – de indeferimento do pedido de proteção internacional e condenou o ora recorrente a reapreciar o pedido de proteção internacional formulado por Jean ………………………, aqui recorrido.

O recorrente pede seja revogada a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, por manifesta ilegalidade sustentada em incorreto enquadramento e interpretação dos factos nas normas legais vigentes em matéria de asilo e bem assim na jurisprudência da E.U. Isto porque efetivamente, in casu, não se trata apenas de verificar da situação social e politica da República Democrática do Congo, mas sim da sua direta repercussão na vida do autor, para efeitos do desiderato em causa. Constatando que as razões da vinda do recorrido para a Europa jamais contendem com a natureza persecutória, na aceção da definição de refugiado, e que o recorrido apenas apresentou pedido de proteção internacional após ver frustrado o plano que arquitetara para chegar ao Canadá onde a sua família se encontra, não existe fundamento para conceder proteção internacional ao recorrido. Este apenas pediu proteção com vista a evitar o afastamento coercivo decorrente da irregularidade de permanência em território nacional.
Assim o recorrente, considerando ostensiva a inexistência de fundamento para o recorrido beneficiar do estatuto de proteção internacional, aponta à sentença recorrida violação do disposto nos arts 3º e 7º da Lei de Asilo.

O recorrido contra-alegou o recurso, concluindo nos termos que seguem:

1 - «Proferida decisão de indeferimento do pedido de asilo ou de proteção subsidiária, por ser considerado infundado, nos termos do nº 1 do artigo 19.º da Lei de Asilo e verificando-se a falta ou défice de instrução do pedido de proteção internacional, conforme considerou o Tribunal a quo, deve ser anulada a decisão proferida e condenada a entidade competente a instruir devidamente o processo e a proferir nova decisão.

2 - Das declarações do A. só se pode concluir que esteve exposto a uma violação grave e sistemática dos seus direitos fundamentais, tornando a sua vida intolerável no seu país de origem, avaliando, desde logo, pelas suas cicatrizes, reveladoras da tortura e agressões a si infligidas.

3 - Ainda atualmente, há direitos fundamentais seus completamente desprotegidos, designadamente, o direito à família, visto que o A. ainda não conheceu a sua filha, presencialmente, que já conta com dois anos de idade.

4 - Por todo o exposto, é notória a existência de uma qualquer medida individual de natureza persecutória tanto no passado como no futuro, em consequência de atividade por este exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana no seu país de nacionalidade.

5 - Existe, assim, uma razão atendível para a concessão do estatuto de refugiado ao A. verificando-se que os fundamentos do atual pedido de proteção enquadram-se no espírito da Lei de Asilo Portuguesa, na Convenção de Genebra e no Manual do ACNUR.

6 - Em concordância absoluta com o tribunal a quo é imperativo "considerar que existiu um défice de instrução procedimental gerador da ilegalidade do ato fina l do procedimento, isto é, da decisão impugnada", pelo que não pode o presente recurso proceder.

7 - A instrução da decisão administrativa de recusa do pedido de asilo, bem com da proteção subsidiária, foi não só extremamente deficiente como "não demonstra que tenham sido ponderados dados isentos, certos e atuais sobre a situação do aqui autor, designadamente quanto à real situação do país de origem, nem relativamente à sua condição política, junto do partido de oposição ao governo a que alegou pertencer , nem mesmo, e aqui com uma enorme relevância, a situação da sua família no Canadá, e bem assim de uma tentativa de reagrupamento, bem como à situação atual em que se encontra a República Democrática do Congo, sendo um facto político e notório, noticiado mundialmente ",conforme considerou, igualmente, a douta Sentença.

8 - Incumbe à Administração - a par do ónus probatório a cargo do requerente de proteção internacional - recorrer a todos os meios ao seu dispor para obter elementos imparciais e pertinentes para análise dos factos relatados e do pedido formulado pelo Requerente; devendo, deste modo, recolher toda a informação disponível, em especial, sobre os factos pertinentes respeitantes ao país de origem - obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes -, à data da decisão sobre o pedido, algo que o SEF notoriamente não fez.

9 - Determina o princípio do "non-refoulement " ou da não repulsão, consagrado no art.º 33.º da Convenção de Genebra, que o requerente de asilo, ou de proteção internacional, não pode ser expulso ou reenviado para um local onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas.

10 - E é certo que a decisão impugnada se fundamenta em informação que nada menciona relativamente à situação atual da RDC., designadamente, quanto à atuação das forças policiais e militares relativamente aos membros de grupos civis ou de partidos políticos da oposição e seus familiares, sendo que tais factos respeitantes ao país de origem mostram-se essenciais à apreciação do fundamento do pedido, em especial, no que concerne ao pressuposto do fundado receio de perseguição.

11 - Ora, no caso presente, entendemos existir um défice de instrução procedimental gerador da ilegalidade do ato final por parte do SEF, e em violação dos citados art. 18º, nºs 1, 2, 3 e 4 da Lei nº 27/2008, não respeitando também o citado Parágrafo 196 do Manual do ACNUR, assentando a decisão do SEF na mera declaração de informação de que o pedido de asilo do A. é infundado.

12 - O Autor imputa ainda à decisão do SEF a manifesta violação do artigo 18.º/2/a) e b) da Lei do Asilo por não terem sido tidos em conta, na apreciação do pedido pelo SEF "os ·factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação" e ainda a "situação e circunstâncias pessoais do requerente, por forma a apreciar, com base nessa situação pessoal, se este sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave".

13 - Ora, o princípio do beneficio da dúvida - de que as normas do artigo 18.º acabadas de citar são corolário - constitui um princípio de direito internacional e tem aplicabilidade nas situações de manifesta dificuldade de prova dos factos invocados, desde que as declarações prestadas pelo requerente da proteção passem, tendo em conta os factos conhecidos, o crivo cumulativo da credibilidade, coerência e plausibilid ade.

14 - Assim, ao não ter dado cumprimento ao dever de resultante do disposto no art 18.º/1 e 2/a) da Lei do Asilo, a Administração preteriu uma formalidade que se revela essencial à formação da vontade do órgão decisor.

15 - Como resulta dos factos, durante mais de dois anos, temeu seriamente o A. pela sua vida e pela vida da sua família, e é vítima de um país com graves problemas económicos, sociais e humanitários, sendo que, perante este cenário tenebroso, pretende o SEF enviá-lo de volta para esta assustadora realidade, onde muito provavelmente correrá o risco de ser torturado ou morto.

16 - Exatamente por esse motivo não pode o presente recurso proceder, por se estar a violar um direito fundamental - o direito à vida.

17 - Assim, entre o risco de dar asilo a quem conte uma história consistente e plausível, apesar de não conseguir provar de modo inteiramente convincente os seus receios de voltar ao país de origem, e o risco de o negar, o SEF preferiu prima facie o primeiro».



A Exma. Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º, ambos do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na integra a sentença recorrida, por entender que o caso do recorrido integra situação de proteção subsidiária prevista no art 7º da Lei nº 27/2008.

Sem vistos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.


Fundamentação de facto
O Tribunal a quo deu como provados os factos que seguem:

a) O autor apresenta-se como nacional da República Democrática do Congo (cfr. fls. 2 do Processo Administrativo (PA));
b) A 11/09/2018, o autor apresentou-se no Posto de Fronteira do Aeroporto General Humberto Delgado, proveniente de Paris, no voo TP439, com destino a Toronto, no voo TP259, exibindo o passaporte emitido, pela República Francesa, com o n.º 15DD35604, em nome de François……………………………, tendo os serviços da Entidade Demandada apurado, através de análise pericial, tratar-se de documento alheio (cfr. fls. 49 e segs. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);

c) Na sequência do facto a que se reporta a alínea anterior do probatório, o aqui autor foi constituído arguido, tendo sido presente ao Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa – Juiz 4, no dia 12/09/2018, tendo sido nessa data sujeito a termo de identidade e residência, 40 e a 43 do PA);
d) A 17/09/2018, o autor apresentou pedido de proteção internacional, cfr. fls. 46 do PA)
e) A 26/09/2018, o autor prestou declarações no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, nas quais pode ler-se o seguinte (cfr. fls. 62 a 69 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):


«texto no original»

f) No processo de proteção internacional n. º1921/18, relativamente ao pedido do aqui autor, foi elaborada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a informação n. º1356/GAR/18, na qual pode ler-se, entre o mais, o seguinte (cfr. fls. 77 a 89 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):


«texto no original»

g) A 01/10/2018, pelo Diretor Nacional do SEF, foi proferido despacho de indeferimento da concessão de asilo ou de concessão da autorização de residência por proteção subsidiária, nos seguintes termos (cfr. fls. 90 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):

«texto no original»

h) Na mesma data, o aqui autor foi notificado da decisão de indeferimento a que se reporta a alínea anterior do probatório (cfr. fls. 97do PA);

i) A 03/10/2018, o aqui autor requereu a concessão de apoio judiciário (cfr. fls. 99 e segs. do PA);

j) A 08/10/2018, deu entrada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a presente intimação (cfr. fls. 1 dos autos, da numeração SITAF);

*

Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa».



O Direito.
O objeto do recurso:
Atentas as conclusões das alegações do recurso, que delimitam o seu objeto, nos termos dos arts 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, a questão decidenda passa, por determinar se a decisão recorrida, que julgou a ação procedente e condenou o ora recorrente a reapreciar o pedido de proteção internacional do recorrido cumprindo as exigências instrutórias, incorreu em erro de julgamento na interpretação que fez do disposto nos arts 3º e 7º da Lei de Asilo.
Erro de julgamento de direito.
O ora recorrente, na fase preliminar do procedimento administrativo de concessão de proteção internacional, que consiste no momento de verificação do fundamento e da admissibilidade do pedido, decidiu não admitir o pedido do ora recorrido à fase de instrução por o entender infundado, nos termos do art 19º, nº 1, als e) e h) da Lei de Asilo, por:
i) ser pouco crível a alegada participação politica e ligação ao ………, que estará na génese da ameaça de que será alvo no seu país de nacionalidade;
ii) ser o requerente incoerente e vago na nomeação e motivos dos seus agressores;
iii) falta de atualidade e falta de premência na proteção agora solicitada.

A sentença recorrida, nomeadamente, decidiu que «das declarações prestadas pelo autor junto do SEF, extraem-se, com elevado grau de credibilidade, os seguintes acontecimentos relevantes para a presente apreciação:
- o primeiro, é o facto do ser nacional da República Democrática do Congo;

- o segundo, que é o facto dessa mesma República se encontrar numa situação de grave repressão política, amplamente noticiada internacionalmente, repressão essa que tem sido alvo de investigações por parte da ONU, relativamente a atos de perseguição levados a cabo pelo exército do governo e que tem levado a uma nova crise de refugiados naquela região africana, e que motiva até a permanência da ONU naquele país, pelo menos até 2019 (neste sentido, https://www.dw.com/pt-002/onu-renova-mandato-na-rep%C3%BAblica- democr%C3%A1tica-do-congo/a-43164612/);

- Terceiro - as marcas e cicatrizes físicas existentes no corpo do requerente, alegadamente provocadas por agressão provada por eventuais agressores pertencentes ao regime;
- Quarto – a permanência da família do requerente, no Canadá, por intermédio de asilo.

Ora, do processo administrativo, ao contrário do que afirma o SEF, resulta um acervo de afirmações relevantes, que permite, com alguma certeza, concluir pela veracidade dos factos alegados pelo aqui autor, sendo certo que neste tipo de processos, bem se compreende a incapacidade que os autores têm de apresentar quaisquer meios de prova.

Contudo, considerando a escassa prova apresentada, torna-se impossível, nesta fase, proceder a uma análise concreta, por forma a aferir se o autor preenche ou não os pressupostos para que se lhe seja concedido o asilo, seja por via, do Asilo ou por via de uma autorização de residência por razões humanitárias.

Em boa verdade, do relato efetuado pelo autor parece resultar claro a existência de um risco de, ao regressar ao seu país de origem, República Democrática do Congo, poder vir a ser sujeito a uma ofensa grave ou atos de tortura por parte das forças militares ou policias daquele país.


Assim, do ponto de vista factual, deverá o SEF indagar da efetiva prova possível dos factos alegados, designadamente, por recurso a todos os meios possíveis

Ora, se aos “olhos do SEF”, as declarações do aqui autor se enquadram em diversas alíneas do artigo 19.º, aos “olhos do Tribunal”, verifica-se existir um défice instrutório, que advém de uma decisão de tramitação acelerada do procedimento, firmado única e exclusivamente em declarações, que pela natureza do interrogatório, encontram claramente obstáculos a uma livre exposição factual, no qual o inquirido apenas responde ao que lhe é perguntado, em modelo de pergunta-resposta, o que muito condiciona uma declaração livre e desprovida de condicionamentos, ao que acresce uma interpretação subjetiva muito forte na análise das declarações prestadas, ao invés de uma análise objetiva do alegado.


Objetivamente, as declarações do autor, encontram-se cronologicamente coincidentes com os acontecimentos noticiados pela impressa internacional, são precisos na indicação dos locais onde se realizaram as manifestações, bem como nas datas, é rigoroso na indicação do local onde vivia, estudou e apresentando o seu depoimento credibilidade, ao que acresce a demonstração de marcas e cicatrizes, que só com perícia médica permitiriam aferir da sua exata origem.

Assim, a instrução da decisão administrativa de recusa do asilo bem como da proteção subsidiária não demonstra que tenham sido ponderados dados isentos, certos e atuais sobre o a situação do aqui autor, designadamente quanto à real situação do país de origem, nem relativamente à sua condição política, junto do partido de oposição ao governo a que alegou pertencer, nem mesmo, e aqui com uma enorme relevância, a situação da sua família no Canadá, e bem assim de uma tentativa de reagrupamento, bem como à situação atual em que se encontra a República Democrática do Congo, sendo um facto público e notório, noticiado mundialmente, e que dá bem conta da gravíssima situação que se vive naquele país.


… haverá que condenar a entidade requerida (através do SEF), a apreciar e decidir do pedido formulado pelo Autor/Requerente, após nova instrução procedimental que tenha em conta a informação atual e de fontes imparciais, sobre a situação vivenciada pelo aqui autor, designadamente através de produção de prova, por parte do mesmo, que eventualmente por contacto telefónico ou qualquer outro meio de comunicação consiga obter juntos dos seus familiares no Canadá- seja documental ou outra».
Quid iuris?
Deve ou não ser admitido o pedido de proteção internacional do ora recorrido.
Vejamos.

A Lei nº 27/2008, de 30.6, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014, 05.05 (que passamos a identificar como Lei de Asilo), estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Diretivas nº 2004/83/CE, do Conselho, de 29.4, e nº 2005/85/CE, do Conselho, de 1.12.

O estrangeiro ou apátrida que entre em território nacional a fim de obter proteção internacional deve apresentar sem demora o seu pedido ao SEF ou a qualquer outra autoridade policial, podendo fazê-lo por escrito ou oralmente, sendo neste caso lavrado auto (art 13º, nº 1).

O que desde logo, autoriza o estrangeiro a permanecer em território nacional até à decisão sobre a admissibilidade do pedido (cfr art 11º, nº 1).

A que acresce, que a apresentação do pedido de proteção internacional obsta ao conhecimento de qualquer procedimento administrativo ou processo criminal por entrada irregular em território nacional instaurado contra o requerente e membros da família que o acompanhem (cfr art 12º, nº 1).

Recebido o Pedido de Proteção Internacional, as autoridades portuguesas, em conformidade com o legalmente estabelecido, iniciam o procedimento, que é uno, no qual vão aferir das condições de admissibilidade do pedido para beneficiar do Estatuto de refugiado – art 3º - ou subsidiariamente da Proteção Subsidiária – art 7°.

O tratamento do Pedido de Proteção Internacional, dependendo do momento e local onde é apresentado, obedece a regras de procedimento diferentes, ou seja, os pedidos apresentados no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF seguem a tramitação estabelecida nos arts 10° e segs da Lei de Asilo. Por sua vez, os pedidos apresentados nos Postos de Fronteira, seguem uma tramitação mais acelerada e integram o Regime Especial estabelecido nos artigos 23° e segs do mesmo diploma legal.

O requerente é ouvido para prestar declarações de molde a verificar se reúne as condições de admissibilidade do estatuto de refugiado e, em caso de não ser admissível, se reúne as condições de enquadramento no mecanismo de proteção subsidiária.

No caso dos autos, o pedido de Proteção Internacional foi apresentado a 26.9.2018, seis dias após a entrada do recorrido em Portugal, pelo aeroporto de Lisboa, proveniente de Paris com destino a Toronto, o mesmo segue os trâmites comuns dos artigos 10° e segs da Lei de Asilo.

O recorrido prestou declarações a 26.9.2018 no SEF e foi com base nessa audição que o SEF procedeu à primeira avaliação do pedido de proteção internacional, considerando-o infundado, nos termos do art 19º, nº 1, al e) – por os motivos invocados pelo requerente, como fundamento do receio de regresso ao país de origem, não serem pertinentes ou terem relevância mínima, para a análise do pedido – e al h) – e o pedido visar impedir iminente decisão de afastamento coercivo por permanência irregular em Território Nacional.

O que se impõe saber é se os motivos do receio de regresso ao país de origem que o requerente invocou, nas declarações prestadas, atentos os argumentos da entidade recorrente são pertinentes e têm relevância para a análise do pedido de proteção internacional, ou seja, se tais motivos justificam a admissão do pedido à fase de instrução, nos termos e para efeitos do disposto no art 20º, nº 4 e 21º da Lei de Asilo.

O que é bem diferente da decisão de concessão ou recusa de proteção internacional, do art 29º da mesma Lei.

O facto de o pedido de proteção internacional ser admitido apenas determina a instrução do procedimento nos termos dos arts 18º e 27º e segs da Lei de Asilo (cfr art 21º, nº 1 da Lei de Asilo).

Tal não significa, porém, que o pedido de proteção internacional deva ser concedido, seja sob a forma de asilo, seja sob a forma de proteção subsidiária (autorização de residência por razões humanitárias), como defende o recorrido.

Ora, no caso, como decidiu a sentença recorrida e também o refere o parecer do Ministério Público, não pode ser considerado irrelevante o relato do requerente de proteção internacional, cidadão da República Democrática do Congo, que diz ter receio de ali regressar por ter ligação a um partido da oposição do seu país de origem e, por causa de uma manifestação no ano de 2016, ter sido ameaçado, bem como a esposa, grávida, e uma filha, e ferido, por um tiro que lhe passou de raspão na perna direita e por um corte no pulso. Em consequência, a esposa e a filha nascida foram enviadas para o Canadá, onde depois nasceu a segunda filha, e o requerente teve de ir para a África do Sul.

As circunstâncias factuais narradas pelo requerente de proteção internacional não consubstanciam apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária, e, assim sendo, autorizam a permanência (provisória) do estrangeiro em Portugal até decisão final de concessão ou recusa de proteção internacional (cfr arts 21º, nº 2 e 27º, nº 1 da Lei de Asilo).

Em resultado, como decidiu a sentença recorrida, deverá o SEF, em face do narrado pelo requerente, indagar da efetiva prova possível dos factos alegados, ao abrigo do disposto no art 18º da Lei de Asilo.

Efetuando, para tanto, as averiguações necessárias e a análise de todos os elementos pertinentes e toda a informação disponível (cfr art 18º nº 1), tendo em conta especialmente: …os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação (cfr art 18º, nº 2, al a)); a …situação e circunstâncias pessoais do requerente, por forma a apreciar, com base nessa situação pessoal, se este sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave (cfr art 18º, nº 2, al b)), se é razoável prever que o requerente se pode valer da proteção de outro país do qual possa reivindicar a cidadania (cfr art 18º, nº 2, al d)) ou da …possibilidade de proteção interna se, numa parte do país de origem, o requerente: i) Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou ii) tiver acesso a proteção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 7.º, puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar-se (cfr art 18º, nº 2, al e)), sem prejuízo de outras averiguações a que possa ou deva haver lugar.

Volvida a fase de apreciação do pedido de proteção internacional nos termos do art 18º da Lei de Asilo, deve então o SEF proferir decisão final, de concessão ou de recusa de proteção internacional ao requerente/ aqui recorrido.

Por ora, cumpre ao SEF agir em conformidade com o disposto nos arts 18º e 27º e segs da Lei de Asilo, abrindo um período de instrução do procedimento.

Nestes termos, a decisão recorrida não padece de erro de julgamento de direito e, improcedendo o recurso, mantem-se na ordem jurídica.

Decisão

Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e, assim, manter a sentença recorrida.

Sem Custas – cfr art 84º da Lei do Asilo.

Registe e notifique.

*

Lisboa, 2019-03-21,

(Alda Nunes)

(José Gomes Correia)

(António Vasconcelos).