Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:281/11.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/11/2019
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:REVERSÃO;
GERÊNCIA DE FACTO;
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I. Compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, e portanto, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência;
II. Não resulta cumprido aquele ónus na situação, como a dos autos, em que o despacho de reversão assenta unicamente nas inscrições constantes da certidão da Conservatória do Registo Comercial, designadamente quando resulta que o Oponente foi nomeado Presidente do Conselho de Administração, mas a sociedade obrigar-se com a assinatura de dois dos três administradores nomeados.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição à execução fiscal, intentada por A....., na qualidade de devedor subsidiário no processo de execução fiscal n.º 324……., em que é devedora originária C… Sociedade T….. S…….

A Recorrente, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
I - O presente recurso visa reagir contra a sentença declaratória da total procedência da oposição interposta contra o despacho que determinou a reversão no processo de execução fiscal subjudice, por ilegitimidade.do oponente.
II - O Oponente, é presidente da administração da originária devedora, com a Firma C…. - SOCIEDADE T….. S.A., NIPC: 50….., sociedade anónima, com sede na AV ….., LISBOA obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois gerentes.
III - O oponente, revertido nos autos, alega ser parte ilegítima na execução.
IV - No Tribunal ad quo foi proferida sentença que decidiu julgar procedente a oposição no que respeita à dívida em causa, cuja proveniência tem origem no ganho obtido com a venda de bens imobiliários, atividade que se inclui no âmbito do objeto social e atividade da devedora principal.
V - Salvo o devido respeito, a fundamentação da sentença recorrida não pode manter-se em vigor porque (em síntese) julgou laborando em erro.
VI - Como se colhe, a forma de obrigar a sociedade é com a assinatura de dois administradores, sendo uma dessas assinaturas que obriga a sociedade a do oponente. A administração é portanto exercida por um Conselho composto por um presidente – o oponente, um vogal e um administrador-delegado, sendo a duração dos mandatos: 3 anos e, sendo permitida a reeleição.

Mas sublinhe-se que, mesmo que designados por prazo certo, os administradores mantêm-se em funções até nova designação, nos termos do C. S. C (n.º 4 do art.º 391).

VII - O oponente sempre ocupou o lugar de presidente do Conselho de Administração. Ele (e restantes titulares desses órgãos) mantiveram-se nomeados até ao encerramento e liquidação da sociedade, como decorre da certidão da Conservatória. Não obstante, o oponente alega como fundamento de oposição, o estabelecido no artigo 204.º n.º 1, alínea b) do CPPT, ou seja, a sua ilegitimidade na execução fiscal.

VIII - A dívida em discussão nos autos provém do não pagamento de IRC, por via de um ganho obtido através de mais-valias ganhas não declaradas provenientes da alienação de um prédio misto com área de 175824m2, sito nas V…….. e, de um prédio rústico sito no V…... Tal atividade encontra-se dentro do âmbito do objeto social, a compra e urbanização de propriedades, assim como a venda e administração de bens imobiliários. O oponente outorgou escritura na qualidade de presidente da sociedade que representava e na qualidade de membro do Conselho de Administração.
IX - Conclui contraditoriamente a sentença recorrida no sentido de que o Oponente não exerceu a gerência da originária executada em fase alguma, pelo que a responsabilidade não lhe pode ser assacada, dado ser parte ilegítima na execução.
Indo mais longe, alude o acórdão TCAS n.º 00631/05, que “a alegação de que o oponente não foi gerente de facto não inviabiliza a demonstração de que o mesmo não teve culpa na insuficiência do património, já que a mesma se concretiza quer em atos positivos, quer em omissões, na prudência e adequação às circunstâncias concretas.”.
X - Contudo, o facto é que o oponente participou ativamente na administração da sociedade, através do exercício das suas funções. Tal infere-se da cópia de escritura de compra e venda, relativa à alienação de bens imóveis, pertença da sociedade a que presidia, a “C….” sita em A….., Algarve, escritura essa onde o presidente da mesma sociedade, o Sr. A…......, intervindo no exercício de funções de representação da sociedade, nessa qualidade, assinou, tornando possível a alienação do referido terreno. Estamos perante um ato notarial que não poderia ser praticado por quem não obrigasse a sociedade.
XI - A questão a decidir consiste pois em saber se o oponente é parte legítima nos autos executivos, face ao comprovado exercício de facto e duração do seu cargo, ou seja até ao encerramento e liquidação da sociedade.

Como refere em sumário o acórdão do STA, proferido no processo 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1 ”O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do art.º 334.º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa-fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a proteção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.”

A conduta do oponente configura-se como abuso de direito.

XII - Não obstante, o oponente alega a verificação do fundamento de oposição estabelecido no artigo 204.º n.º 1, alínea b) do CPPT, ou seja, alega que é parte ilegítima na execução fiscal, por não ter sido gerente”.

Quanto à ilegitimidade do Oponente para a presente execução fiscal, cumprirá, antes de mais, fazer salientar que aquele outro sujeito indicado como quem tomava as decisões da sociedade, não a podia vincular porque além de não ser administrador, ocupava um cargo no Conselho Fiscal cuja titularidade era legalmente incompatível com as funções de administração, nos termos do art.º 414-A do CSC.
XIII - A decisão recorrida encontra-se ferida de erro de direito e errada sujeição dos factos, indo contra a previsão legalmente aplicável. O Tribunal ad quo não subsumiu os factos invocados relativos à natureza jurídica do cargo ocupado por C….. ao exercício das suas funções no Conselho Fiscal e consequentemente, à regra de direito correta.
XIV - Efetivamente, a devedora originária possui personalidade jurídica nos termos e para os efeitos do art.º 5.º do CSC, contudo, sendo uma pessoa não física, a sua manifesta vontade é exteriorizada pelo gerente ou administrador, nos términos do disposto nos art.ºs 248.º e 249.º e 250.º do C. Comercial e artigos 191, 192, 193, 252, 269, 261, 390, 405, 408, 470, 474, e 478.º do CSC.

Ademais não é permitido aos administradores fazerem-se representar no exercício do seu cargo, nos termos do art.º 391.º do CSC.

Ora, quem representava a sociedade, de acordo com a prova documental, era o oponente.

Como tal, a decisão recorrida faz subsunção errada dos factos à(s) previsão(ões) legal(ais), daí decorrendo uma decisão judicial errada.

Ou seja, a concreta análise dos documentos probatórios constantes dos autos, deveria levar a uma decisão de total improcedência da oposição deduzida pelo gerente da sociedade na qualidade de revertido.

XV - Deste modo, a douta sentença proferida, a manter-se na ordem jurídica, revela uma inadequada interpretação e aplicação do disposto no regime sub-judice.
XVI - E por outro lado, estando os concretos pontos de facto provados mas incorretamente julgados, existindo erro na sua apreciação, a decisão recorrida deveria ao invés ter determinado a improcedência da oposição, face à legitimidade do oponente, por regularmente citado ao abrigo do artigo art.º 190.º do CPPT e por preencher os requisitos legais (art.º 24.º n.º 1 alínea b) da LGT) e, demais legislação aplicável.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, com as devidas consequências legais e, V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»

O Recorrido, apresentou contra-alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES

62. Face ao que antecede, conclui-se que:

A) O julgamento da matéria de facto mostra-se isento de qualquer censura;

B) Bem andou a douta sentença recorrida quando se pronunciou pela falta de prova da gestão de facto do aqui recorrido na sociedade devedora originária à data de 08-01-2009 que é a do termo do prazo legal do IRC que constituí a dívida exequenda que foi revertida nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT;

C) A douta sentença deu como provado um conjunto de factos com base na prova documental junta aos autos e na prova testemunhal produzida, bem como deu como não provado o exercício da administração pelo aqui recorrido a partir de 2006;

D) O despacho que ordena a citação por reversão não invoca quaisquer actos ou factos concretos ocorridos após a celebração da escritura de 29-1-2004 que indiciem a gestão de facto do aqui recorrido, não tendo os mesmos sido alegados em sede de contestação à oposição, nem sequer em sede de alegações no presente recurso;

E) Não tendo sido produzida qualquer prova que indiciasse essa mesma gestão de facto ou, sequer, qualquer acto ou facto revelador dessa gestão por parte do aqui recorrido;

F) Pelo que bem andou a douta sentença quando se pronunciou pela ausência de prova dessa gestão e, consequentemente, julgou o aqui recorrido como parte ilegítima na execução, uma vez que tal ónus da prova cabe à Administração Tributária nos termos do nº 1 do artigo 24º e do nº 1 do artigo 74º da LGT;

G) De resto, nos termos dos artigos 22º a 24º da LGT, os pressupostos legais da reversão têm que se encontrar devidamente enunciados e fundamentados no respectivo despacho que ordena a reversão, sendo certo que tal prova não foi feita no despacho de reversão e, de resto, também não foi feita no âmbito da oposição;

H) Por outro lado, da prova testemunhal produzida resultou sobejamente demonstrado que a gestão efectiva da sociedade devedora originária era do citado C….. e que o aqui recorrido não teve qualquer intervenção nessa gestão, como, aliás, bem julgou a douta sentença recorrida e ficou assente nos respectivos factos provados;

I) Sendo que as doutas alegações de recurso limitam-se a invocar a discordância da Fazenda Pública com os próprios testemunhos que foram produzidos, ao ponto de alegar-se que certos factos terão “sido erroneamente referidos pelas testemunhas”, sem que, contudo, se especifique qual a parte desses testemunhos que não merece “total credibilidade” ou se impugne factos concretos relativos à prova testemunhal produzida com a indicação das respectivas passagens da gravação e sem que se especifique os factos que se considera incorrectamente julgados em função do erro no julgamento relativo a factos decorrentes dessa prova testemunhal, não se dando, assim, cumprimento ao disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 640º do CPC;

J) Pelo que tudo quanto se alega no douto recurso interposto não afecta nem põe em crise a douta sentença recorrida;
K) Em especial, porque não cabe ao aqui recorrido o ónus da prova da sua gestão efectiva e tudo quanto se alega nas doutas alegações, para além de não ter aderência à prova produzida, não é idóneo para demonstrar essa gestão de facto;
L) Por outro lado e subsidiariamente, em sede de ampliação do âmbito do recurso, mesmo que se viesse a julgar verificada a administração do aqui recorrido à data em terminou o prazo legal do pagamento do imposto, é certo que, face aos factos julgados como provados na douta sentença recorrida, designadamente, nos pontos 6, 7, 9, 10 e 12 dos factos provados em que se dá como assente que era o citado C…… que era o “dono” da sociedade devedora originária e que era este que detinha a gestão de facto da mesma, contratava e despedia pessoal e efectuava pagamentos, etc., sempre se teria que concluir que a falta de pagamento do IRC em 2009 não pode ser imputável ao aqui recorrido, ficando, assim, afastada a responsabilidade subsidiária nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT;
M) Face ao que antecede, bem andou a douta sentença recorrida ao julgar procedente a oposição deduzida.

Nestes termos e nos demais de direito que, como sempre, V. Excelências mui doutamente suprirão, a sentença, aliás, douta, não merece qualquer censura, devendo ser negado provimento ao recurso interposto e, em consequência, manter-se o julgamento sancionado no Tribunal “a quo”;

Subsidiariamente e sem conceder, prevenindo a necessidade da sua apreciação, requer-se, nos termos do artigo 636º do CPC, a ampliação do âmbito do recurso, quanto ao fundamento da não imputação ao arguido da falta de pagamento do tributo que constitui a dívida exequenda, o qual deve ser julgado provado e, em consequência, mesmo procedendo as questões suscitadas nas doutas alegações de recurso, deverá, ainda assim, concluir-se pela ilegitimidade do oponente e aqui recorrido na execução que lhe foi revertida,

tudo como é de inteira JUSTIÇA TRIBUTÁRIA.»

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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado o Oponente parte ilegítima na presente execução nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Matéria de facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«II-FUNDAMENTAÇÃO

II. 1- DOS FACTOS PROVADOS

Compulsados os autos e analisada a prova documental e testemunhal apresentadas, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a presente decisão:

1. Em 19/02/1974, é averbada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a constituição da sociedade comercial, C…., SA., da qual o Oponente foi nomeado para o Concelho de Administração para o triénio de 2004/2006 – cfr. fls. 26 dos autos;

2. Em 29/11/2004, o Oponente juntamente com M……, outorgam escritura pública de compra e venda, na qualidade de administradores da sociedade “C……, SA.”, declarando, ambos, vender pelo preço de dois milhões setecentos e cinquenta mil euros, o prédio misto sito n Quinta Q…., freguesia e concelho de Albufeira, encontrando-se a parte rústica inscrita na matriz sob o artigo 25 da Secção BT e a parte urbana inscrita sob o artigo P2…., à sociedade ….., Lda. – cfr. fls. 23 a 25 dos autos;

3. Em 06/10/2010, no âmbito do processo de execução fiscal nº 324…. e apensos, é proferido despacho de reversão, sendo um dos revertidos, A....., por dívidas de IRC/2004, no valor de € 859.914,50, da originária executada “C....., SA.- cfr. fls. 28 e 29 dos autos;

4. Do despacho de reversão consta a seguinte fundamentação, para o que aqui interessa:”(…) A....., NIF 17……., verifico que exerceu funções de administrador conforme elementos juntos aos autos (fls. 50), reverto por responsabilidade subsidiária, nos presentes autos (…)” – cfr. fls. 28 a 29 e 58 a 60 dos autos;

5. Através do Ofício nº 20…., a A.T. procede à citação de A.....,nos termos do art. 24º, nº 1 al. b) da LGT”, a qual ocorreu em 11/10/2010 – cfr. fls. 30 e 30 verso dos autos;

6. O “dono” da “C....., SA.”, é C....., pois era este quem exercia, de facto, a gerência da empresa, originária executada nos autos e, de outras empresas, nomeadamente da “Há….., Lda.” – cfr. depoimento da testemunha A……

7. Era C..... quem geria a C….., SA, o qual geria um grupo de cerca de cinquenta empresas, sendo C..... quem pagava, mandava e desmandava, sem perguntar nada a ninguém – cfr. depoimento da testemunha A.....e de V.....;

8. O Oponente era representante dos alemães, os anteriores donos da C…., SA, representando-os na venda dessa sociedade ao C..... - cfr. depoimento da testemunha A.....

9. C....., apesar de ser o dono de mais de cinquenta empresas e da originária executada, tinha dívidas e esteve preso por crimes económicos, bem como um divórcio litigioso, por isso não podia assinar os mais diversos atos das empresas, nesse sentido, manipulava as pessoas e convencia-as a assinar, tal como fez com o Oponente em relação à escritura que este outorgou - cfr. depoimento da testemunha A.....e de F….;

10. Quem contratou o técnico oficial de contas, V....., da empresa C…., SA., foi C....., tendo sido ele também que o despediu, quem dava as ordens e quem quem pagava os ordenados – cfr. depoimento da testemunha V.....;

11. O próprio técnico oficial de contas, V....., bem como A…., outorgaram escrituras públicas de compra e venda de imoveis a pedido/mando de C.....; - cfr. depoimento da testemunha V…. e de A….;

12. O Oponente não era visto nos escritórios do C…., onde funcionavam os serviços administrativos e de contabilidade, quem lá se encontrava presente era C....., quem geria as empresas coadjuvado por M…. que trabalhava na contabilidade – cfr. depoimento da testemunha F…..

II. 2- DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que depois de 2006, o Oponente fizesse parte do Conselho de Administração da C…., SA.
Não existem outros factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.

II. 3 MOTIVAÇÃO

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e, expressamente referidos no probatório supra e, com base na prova testemunhal de:
A....., ex-mulher de C....., testemunhou ter sido, também ela, levada a assinar como representante de outras empresas, diversos atos públicos, dado C..... ter um espírito muito manipulador. Asseverou que, no entanto, era ele quem mandava em tudo e decidia os destinos da C….. e das outras cinquenta empresas de que era dono.
V....., trabalhou para a C…., em 2005, foi T.O.C. da originária executada e de outras cinquenta empresas, e afirmou que quem mandava e desmandava era o C......
Afirmou saber que o Oponente veio do Algarve para representar os alemães para venda da C…. a C...... Asseverou que, dias antes da escritura de compra e venda foi o C..... quem nomeou o oponente para administrador da C….., tendo sido ele próprio quem assinou a ata.
F…., partilhou o mesmo espaço físico com C....., era um espaço de escritórios e serviços administrativos. Quem via periodicamente por lá, era C....., e sempre deu como assente ser ele o “ dono” das empresas. O Oponente foi-lhe apresentado uma vez, como representante dos donos (alemães) de uns terrenos que a C…. estaria a comprar.
Os depoimentos mostram-se credíveis e enquadram-se na lógica e no conjunto da restante prova produzida.»

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Com base na matéria de facto supra transcrita a Meritíssima Juíza do TAF de Lisboa julgou a presente oposição procedente, considerando, em síntese que o Oponente é parte ilegítima na presente execução, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido invocando, também em síntese que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado o Oponente parte ilegítima na presente execução nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT. Entende que ao contrário do decidido na sentença recorrida resulta da prova documental, nomeadamente da Certidão da Conservatória do Registo Comercial que o Oponente exerceu de facto e de direito a gerência da sociedade executada originária. Por outro lado, invoca que o Oponente interveio em nome da sociedade de que foi administrador na escritura pública de compra e venda do imóvel da sociedade, e que os concretos pontos de facto provados encontram-se incorrectamente julgados (cfr. conclusão XVI).

Ora, começando pela a conclusão XVI em que a Recorrente Fazenda Pública vem dizer quer os concretos pontos de facto provados encontram-se incorrectamente julgados, importa sublinhar que a Recorrente não dá cumprimento ao disposto no art. 640.º do CPC [“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”], o que tem por consequência jurídica a rejeição da impugnação da matéria de facto, nos termos do n.º 1, e n.º 2 alínea a) daquele preceito legal.

Com efeito, e aplicando o disposto no art. 640.º do CPC ao caso dos autos, em que o Recorrente impugna a matéria de facto com o fundamento da não apreciação devida da prova testemunhal (que constitui indicação do meio probatório que sustenta a impugnação – alínea b) do n.º 1) cumpria-lhe, de igual modo, indicar, concretamente:
_ quais os pontos de facto, constantes da sentença recorrida que considera incorrectamente julgados;
_ indicar as passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
_ a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

O Recorrente não indicou, concretamente, o que exige o disposto no art. 640.º do CPC, limitando-se a alegar e concluir, genericamente, pelo erro de julgamento da matéria de facto, pelo que, in casu, face ao incumprimento daquele preceito legal, rejeita-se o recurso nesta parte, nos termos do disposto no n.º 1 e n.º 2, alínea a) daquele preceito legal.

Não obstante, ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, adita-se oficiosamente à matéria de facto os seguintes pontos que resultam provados com base em prova documental junta aos autos:

13. A sociedade referida no ponto 1 obriga-se com a assinatura de dois administradores, sendo que a administração é exercida por um conselho composto por um presidente, um vogal e um administrador-delegado (cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a fls. 7 verso e ss).

14. A dívida de IRC do exercício de 2004 referida no ponto 3 tinha por data de pagamento voluntário o dia 01/01/2009 (cfr. documento de fls. 29 dos autos).

Estabilizada a matéria de facto, vejamos então os restantes fundamentos do recurso.

Conforme referimos, a sentença recorrida concluiu que o Oponente é parte ilegítima na presente execução fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, por um lado, com o fundamento de que a AT não cumpriu com o seu ónus da prova da gerência efectiva do Oponente, e por outro lado, com o fundamento de que se encontra feita contraprova nos autos de que não exerceu funções de gerência.

No que diz respeito ao primeiro fundamento não se verifica qualquer erro de julgamento de facto, tendo em consideração os pontos 1 e 13 da matéria de facto assente, nem erro de julgamento de direito considerando as regras jurídicas aplicáveis, em particular, as regras do ónus da prova.

Na verdade, do regime constante do art. 24.º, n.º 1 da LGT resulta que o chamamento dos “administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados”, os quais são subsidiariamente responsáveis em relação à dívida e solidariamente responsáveis entre si, depende da verificação do exercício efectivo de gerência, ou seja a existência de uma situação de gerência de facto (acórdão do STA de 09/04/2014, proc. n.º 0954/13), não bastando a mera titularidade do cargo de gerente, i.e. a gerência nominal ou de direito.

No que diz respeito às regras do ónus da prova importa ter presente que o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão do Pleno do CT do STA de 28/02/2007, proc. n.º 1132/06 (reiterado posteriormente pelo o acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12) considerou, ainda no âmbito do regime do CPT, que competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, «deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência».

Entendeu-se no que respeita ao exercício das funções de gerência que «sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal».

Com este acórdão, fica assim sem margens para dúvidas, afastado o entendimento segundo o qual, uma vez verificada a gerência nominal ou de direito, se presume a gerência de facto ou efectiva.

Não obstante, nada impede que se recorra ao conteúdo dos suportes documentais da designação como gerente de direito para extrair os factos indiciadores da gerência de facto, e demais elementos que constem do processo de execução fiscal e dos autos.

O julgador deve extrair do conjunto dos factos provados o efectivo exercício da gerência, formando a sua convicção pelo exame crítico das provas, mas já não pela “aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.” [acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12], e diremos mais, de igual modo, também não poderá o julgador resguardar-se na inexistência de presunção para se eximir do exame crítico da prova.

Com efeito, naquele acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12, sumariou-se: “I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social. II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário. III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova. IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência. V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.” (sublinhado nosso).

Como supra exposto, não existe uma presunção legal segundo a qual o gerente de direito o é, também, de facto, sendo esse um elemento a considerar na decisão de facto.

Em suma, a partir da prova produzida o juiz pode firmar um facto desconhecido, usando as regras da experiência e juízos de probabilidade, através de presunção judicial nos termos do art. 350.º do Código Civil., agora o que não se pode é inferir a gerência de facto automática e exclusivamente com base na gerência de direito, sob pena de reconduzir a presunção judicial a uma presunção legal, como resulta da jurisprudência fixada pelo STA.

Desta forma, no procedimento de reversão, a AT deve procurar determinar se os gerentes de direito exercerem de facto essa gerência, e para formar essa convicção, deve juntar ao procedimento elementos de prova que a corroborem, de modo a satisfazer o seu ónus probatório. Se concluir pelo não exercício de facto da gerência pelos gerentes de direito, deve então apurar quem exerceu a gerência de facto do sujeito passivo, na medida em que tais pessoas são responsáveis subsidiários ainda que a sua actuação seja “somente de facto”, como refere o n.º 1 do art.º 24.º da LGT, pois o preceito legal não se exige a gerência nominal ou de direito, sendo suficiente a mera gerência efectiva ou de facto.

Para podermos apreciar da verificação dos pressupostos do chamamento do responsável subsidiário ao abrigo do art. 24.º, n.º 1 da LGT importa, então, partir da análise concreta da instrução do processo de execução fiscal efectuada até a prolação do despacho de reversão, valorando criticamente todos os meios de prova que aí constam e, se necessário, com recurso a presunções judiciais.

Ora, in casu, o despacho de reversão no que à gerência de facto do Oponente diz respeito apenas assentou na certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, designadamente nas inscrições constantes da matrícula da sociedade executada originária.

Resulta efectivamente daquele documento que o Oponente foi nomeado Presidente do Conselho de Administração, porém, a verdade é que esse Conselho é composto por outros elementos para além do Presidente, nomeadamente, um vogal e um administrador-delegado. Acresce que a sociedade se obriga com a assinatura de apenas dois dos três elementos da administração (cfr. ponto 13 da matéria de facto aditada).

Portanto, daqueles factos não resulta minimamente provada a gerência de facto do Oponente, uma vez que a assinatura do Oponente nem sequer é obrigatória para vincular a sociedade, ou seja, a assinatura do vogal juntamente com a do administrador-delegado são suficientes para vincularem a sociedade, e desta forma não podemos afirmar com base neste documento que o Oponente exercesse de facto as funções para as quais foi nomeado. Este foi o único indício reunido no processo de execução fiscal antes da prolação do despacho de reversão, ou seja, a nomeação de direito do Oponente enquanto Presidente do Conselho de Administração sem que a sua assinatura seja obrigatória para a vinculação da sociedade, o que tanto basta para que se conclua, como se fez na sentença recorrida, que não foi cumprido o ónus da prova com o qual a Fazenda Pública se encontrava onerada.

Sublinhe-se que a escritura pública de compra e venda referida no ponto 2 da matéria de facto não foi junta ao processo de execução antes do despacho de reversão, trata-se de um documento que foi recolhido em sede de acção de inspecção e junto posteriormente aos autos para sua instrução. Ou seja, não foi considerado para a prolação do despacho de reversão, sendo que o mesmo não lhe faz qualquer referência, também não lhe fazendo referência as informações e despachos que o antecedem.

Ademais, conforme resulta dos pontos 2 e 14 da matéria de facto, a escritura de pública de compra e venda foi outorgada pelo Oponente em 2004 sendo que o prazo de pagamento voluntário da dívida ocorreu em 2009. Acresce, da conjugação dos pontos 2, 9, e 11 da matéria de facto que, aquela escritura de pública de compra e venda foi outorgada por “manipulação” de C..... que “convencia” quer o Oponente, quer outras pessoas a outorgar escrituras públicas em representação da empresa, e como vimos esses factos assentes na sentença recorrida mantêm-se inalterados em sede de recurso por não cumprimento do ónus do disposto no art. 640.º do CPC pela Recorrente Fazenda Pública.

Por fim, refira-se que a conduta do Oponente em nada consubstancia “abuso de direito” como de forma conclusiva e sem sustentação invoca a Recorrente nas suas conclusões XI. A conduta do Oponente limitou-se à apresentação da sua tese, produzindo a respectiva prova, defendendo-se da reversão contra si operada no âmbito do processo de execução fiscal.

Assim sendo, não se verifica erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida quando afirmou que a AT não cumpriu com o ónus da prova, concluindo pela ilegitimidade do Oponente, conclusão reforçada quando aprecia a prova produzida nos autos (documental e testemunhal) entendendo resultar efectuada a contraprova da gerência de facto do Oponente, o que efectivamente se retira, em particular, dos pontos 6, 7, 9, 12 dos factos assentes (e que se mantiveram nesta sede de recurso), identificando-se concretamente quem estava à frente dos destinos da sociedade tomando as decisões, nomeadamente C......

Em face do supra exposto, a sentença recorrida não enferma dos vícios apontados pela Recorrente, por conseguinte, o presente recurso não merece provimento.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respectivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Não obstante, considerando que o valor da presente causa é superior a 275.000,00€, e que a questão da dispensa do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7 do RCP é de conhecimento oficioso (cfr. Ac. do STA de 07/05/2014, proc. n.º 01953/13) adiante-se, desde já, que se encontram reunidos os pressupostos do n.º 7 do art. 6.º do RCP para que no âmbito do presente recurso jurisdicional seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Na verdade, ponderado o montante da taxa de justiça que será devida, face ao concreto serviço prestado, revela-se adequado e necessário, face ao princípio da proporcionalidade, dispensar o remanescente da taxa de justiça, verificando-se os pressupostos do n.º 7 do art. 6.º do RCP. No presente recurso as questões apreciadas não apresentam complexidade, considerando-se, de igual modo que a conduta processual das partes foi a normal e adequada, e nessa medida, julgam-se verificados os pressupostos do art. 6.º, n.º 7 do RCP, para a dispensa de ambas as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

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Custas pela Recorrente.
Dispensa-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no âmbito do presente recurso, nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP.

D.n.
Lisboa, 11 de Julho de 2019.

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

Anabela Russo