Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:31/05.4BELLE-A
Secção:CA
Data do Acordão:07/11/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA DE ANULAÇÃO; RECONSTITUIÇÃO DA CARREIRA;
DESCONTOS PARA A APOSENTAÇÃO E PREVIDÊNCIA;
DIREITO À REINSCRIÇÃO NA CGA
Sumário:I. A questão da falta de título executivo ou da oponibilidade do título executivo não se relaciona apenas com a questão processual da legitimidade passiva, mas sobretudo com a questão substantiva dos efeitos do caso julgado e com o conteúdo do título executivo.
II. A legitimidade passiva na acção executiva não é regulada pelo artigo 174.º do CPTA, mas antes pelo n.º 10 do artigo 10.º do CPTA, nos termos em que o Exequente configura o litígio e do modo como ele configura a prática dos atos de execução devidos para dar execução à sentença exequenda.
III. A questão de saber se certa sentença de anulação de ato administrativo é oponível a um sujeito que não foi parte nessa acção, prende-se com os efeitos e a eficácia da sentença exequenda e os efeitos e os limites do caso julgado subjectivo da sentença exequenda.
IV. Esta questão enfrenta particularidades em relação ao direito processual civil, pois a sentença no processo administrativo não produz apenas efeitos entre as partes na acção, por existirem situações em que os seus efeitos se projectam para terceiros.
V. As sentenças de anulação de ato administrativo produzem efeitos ultra partes ou erga omnes, passando a questão por conciliar a eficácia erga omnes da sentença, com a natureza subjectiva do processo administrativo.
VI. Tendo sido decidido, mediante a prática de um ato administrativo resolvido, por falta de impugnação, que o cargo exercido não confere o direito à reinscrição na Caixa Geral de Aposentações, não pode essa questão ser apreciada, na acção executiva ou em qualquer outra.
VII. Os limites da execução são definidos pela sentença exequenda e pela petição de execução.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

A Caixa Geral de Aposentações, I.P. e o Exequente, J. M. S. R., devidamente identificados nos autos, vieram, cada um por si, interpor recurso jurisdicional contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 03/03/2017, que no âmbito do processo de execução de sentença instaurada por J. M. S. R. contra o Ministério da Saúde e em que foram intervenientes a Caixa Geral de Aposentações, I.P. e o Instituto da Segurança Social, I.P., julgou procedente a pretensão executiva e condenou o Ministério da Saúde a entregar à Caixa Geral de Aposentações, I.P. a importância total dos descontos das quotas efectuados sobre os valores entregues a título de remuneração ao Autor, relativamente ao período entre 02/09/2004 a 14/06/2007 e condenou a Caixa Geral de Aposentações, I.P. a reconhecer ao Autor como seu subscritor no citado período e a aceitar e receber as quantias correspondentes aos referidos descontos.


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Formula a aqui Recorrente, Caixa Geral de Aposentações, I.P. nas respetivas alegações de recurso (cfr. fls. 255 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“A. Este Instituto Público considera que a imposição da inscrição do interessado na CGA, decorrente da Sentença recorrida, é ilegal, quer do ponto de vista processual – por violação das regras estabelecidas no n.º 5 do art.º 10.º do no n.º 1 do art.º 53.º, ambas do Código de Processo Civil – quer em face da análise da própria decisão tomada contra a CGA, que a condena a praticar um ato que viola não só as normas do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, como a jurisprudência já existente sobre esta matéria, aliás expressamente invocada pela CGA na Contestação.

B. Segundo dispõe o n.º 5 do art.º 10.º do CPC “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.”, estabelecendo, ainda, o n.º 1 do art.º 53.º, também do CPC que “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figura como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”.

C. Sendo que, de acordo com a jurisprudência: “É com base no título executivo que se determina a legitimidade activa e passiva para a acção executiva, sem que se torne necessário efectuar qualquer averiguação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que ele se refere.” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2012-10- 31, proferido no processo n.º 0597/12); “É o título executivo, nomeadamente a sentença exequenda, que fixa a legitimidade processual, ativa e passiva, para o processo executivo.” (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 2013-03-07, proferido no processo n.º 06920/10) – ambos disponíveis na base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt.

D. Pelo que, tendo a sentença exequenda tido por objeto a apreciação da decisão do Ministro da Saúde de 2004-09-02, que aplicou uma pena de demissão e decidiu condenar aquele Ministério a reintegrar o exequente no cargo de Vogal da C. para a D. da T. (CDT) de F., nada estipulando quanto ao direito de inscrição na CGA de um Vogal da CDT de F., cremos que mal andou o Tribunal a quo ao ter decidido condenar uma entidade estranha ao título executivo e a condená-la nas custas do processo.

E. Por outro lado, este Instituto Público já alegara, em sede de Contestação, que o pretendido reconhecimento do direito de inscrição na CGA pelo cargo de Vogal sempre seria ilegal, por se tratar de um cargo que, só por si, nunca conferiu direito de inscrição na CGA, e que sobre esta matéria já se havia pronunciado, por exemplo, o Tribunal Central Administrativo Norte no Acórdão de 2012-05-25, proferido no âmbito do processo n.º 01177/07.0BEPRT, que concluiu, e bem, que “I - O exercício do cargo de vogal, executivo ou não, do Conselho de Administração do Hospital não confere, só por si, direito de inscrição na CGA, e, por consequência, não é passível de desconto de quotas para esta Instituição.” (disponível na base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt)

F. Podendo ainda mencionar-se – para ilustrar a ilegalidade da pretendida inscrição na CGA pelo cargo de Vogal – outros exemplos da mesma jurisprudência, como o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 2009-07-15, proferido no âmbito do processo n.º 03370/08, igualmente sobre o direito de inscrição na CGA pelo exercício do cargo de Vogal do Conselho de Administração (disponível na base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt) ou o Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 2013-10-16, proferido no âmbito do processo n.º 1120/06.3BEPRT, também sobre o direito de inscrição na CGA de um Vogal Executivo do Conselho de Administração (cfr. Doc. 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos).

G. De facto, como decorre da matéria de facto assente – cfr. e) dos Factos Assentes e da primeira alínea a) dos mesmos Factos Assentes, constante na página 6 da sentença – em 2001-06-15 o Recorrido não tinha qualquer cargo no contexto da Administração Pública que lhe permitisse manter o direito a descontar para a CGA pelo «cargo de origem», sendo certo que as funções que passou a desempenhar no período compreendido 2001-06-15 em diante, como Vogal da CDT de F., não são passíveis de enquadramento no art.º 1.º do Estatuto da Aposentação nem existe Lei especial habilitante que permitisse o direito de inscrição na CGA.

H. E pese embora os descontos correspondentes a esse período tenham sido indevidamente entregues na CGA, a verdade é que tais montantes vieram a ser integralmente restituídos, com fundamento legal no art.º 21.º do Estatuto da Aposentação, como resulta expressamente dos despachos proferidos pela Direção da CGA de 2014-01-16 e de 2014- 02-19 a que o Tribunal a quo alude em l) dos Factos Assentes.

I. O Tribunal a quo errou ao exorbitar o objeto de que se ocupou a decisão exequenda, em que apenas estava em causa o “…despacho do Ministro de Saúde de 2 de Setembro de 2004, que havia aplicado ao autor a pena disciplinar de demissão...” (cfr. pág. 1 da Sentença recorrida) e não matéria de natureza previdencial, designadamente a relativa ao direito de inscrição na CGA decorrente do exercício do cargo de Vogal da CDT de F.

J. O facto de a sentença exequenda ter decidido anular o despacho que aplicara ao interessado a pena disciplinar de demissão, condenando o Ministério da Saúde a reintegrar o Recorrente no cargo de Vogal da CDT de F., não poderá determinar a CGA à prática um ato ilegal, consistente na inscrição do interessado pelo exercício do cargo de Vogal da CDT de F., conferindo-lhe um direito que àquele não assiste.”.

Termina, pedindo que seja concedido provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida.


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O Exequente, ora Recorrente, J. M. S. R., nas respetivas alegações de recurso (cfr. fls. 280 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“a) O Recorrente pretendeu através desta execução, a reconstituição da sua carreira contributiva durante o período que decorreu entre a sua demissão (2 de setembro de 2004) e o dia 14 de Julho de 2007, como consequência da condenação da entidade executada a reintegrá-lo nas funções que anteriormente exercia.

b) Referiu a douta sentença recorrida: “Com efeito, apesar de não figurar como parte demandada na sentença (exequenda) proferida na ação declarativa, a Caixa Geral de Aposentações, tem, ainda assim, um interesse direto em contradizer o presente pedido de execução, uma vez que, nos termos configurados pelo autor, é ela a entidade que detém (ou pode deter) a competência para praticar os atos que se mostram necessários à reconstituição da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado. Deste modo, enquanto entidade (alegadamente) competente pela prática de atos necessários para a reconstituição da situação contributiva que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, também ela é titular ou sujeito (ainda que em pluralidade subjetiva subsidiária), nesta fase executiva, da relação material controvertida, sendo, por isso, parte legítima para intervir neste processo executivo (CFR. Artigo 10.º n.º 1 e artigo 30.º do Código de Processo Civil).Pelo exposto, julga- se improcedente a exceção de ilegitimidade passiva da Caixa Geral de Aposentações”.

c) em suma a douta sentença tomou a seguinte decisão: “Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se procedente a pretensão executiva do autor e em conformidade.

- Condena-se o Ministério da Saúde (ou sucessor legal) a entregar à Caixa Geral de Aposentações I.P a importância total dos descontos das quotas efetuados sobre os valores entregues a título de remuneração ao autor, relativamente ao período entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Julho de 2007;

- Condena-se a Caixa Geral de Aposentações I.P a reconhecer ao Autor J. M. S. R. como seu subscritor no período entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Junho de 2007 e a aceitar e receber as quantias correspondentes aos referidos descontos das quotas sobre as remunerações do autor, relativas a esse mesmo período.

Custas pela Caixa Geral de Aposentações I.P., por se considerar que às mesmas deu causa (cfr. Artigo 527.º n.º 1 e 2 do CPC).

Fixa-se o valor da execução em 14.963,94 € por se este o valor dado à causa principal a que respeita”.

d) Em nosso entendimento a sentença está muito bem elaborada e é uma douta sentença uma vez que condena o Ministério da Saúde a entregar à Caixa Geral de Aposentações I.P a importância total dos descontos das quotas efectuados sobre os valores entregues a título de remuneração ao autor, relativamente ao período entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Julho de 2007.

e) Parece-nos, no entanto, que o Tribunal deveria também ter condenado o Ministério da Saúde a entregar à Caixa Geral de Aposentações I.P a importância total dos descontos das quotas efetuados sobre os valores entregue a título de remuneração ao autor, relativamente ao período entre 15-06-2001 e 21-10-2004, como vogal em exercício na CDT de f.

f) O (bom) raciocínio que foi feito relativamente ao período que mediou entre a data de 2 de Setembro de 2004 e a data de 14 de Julho de 2007 deveria ter sido efetuado em relação às datas de 15-06-2001 e 21-10-2004.

g) Pelo que peca por defeito (e não por excesso) a douta sentença.

h) Andou bem a douta sentença recorrida quando condenou a Caixa Geral de Aposentações I.P a reconhecer o autor J. M. S. R. como seu subscritor no período entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Junho de 2007 e a aceitar e receber as quantias correspondentes aos referidos descontos das quotas sobre as remunerações do autor, relativas a esse mesmo período.

i) Parece-nos, no entanto, que a douta sentença poderia e deveria ter reconhecido também o Autor J. M. S. R. como seu subscritor no período entre 15-06-2001 e 21-10-2001.

j) No mais o Recorrente mantém os considerandos constantes da ação executiva, nomeadamente.

k) Relativamente ao Recurso Interposto pela Caixa Geral de Aposentações I.P (CGA) cumpre referir o seguinte: é evidente que a imposição de inscrição do interessado na CGA é legal.

l) Não são violadas quaisquer normas do CPC contrariamente ao que é referido nesse recurso interposto pela Caixa Geral de Aposentações I.P (CGA).

m) A CGA não foi condenada a praticar nenhum ato ilegal.

n) Antes foi condenada a praticar um ato legal por parte da Meritíssima Juiz do TAF de Loulé.

o) Ao lermos o Recurso interposto pela CGA fica-se com a ideia que a mesma nada tem a ver com a situação que arrasta o Autor ora Exequente nos Tribunais há mais de uma década, o que é inaceitável e poderá eventualmente acarretar até litigância de má-fé.

p) É evidente que se o Autor / ora Recorrente foi demitido ilegalmente como é dado como provado e assente na douta sentença proferida pela Meritíssima Juiz do TAF de Loulé e não lhe foram pagos os descontos devidos, terá a referida situação de ser reposta por quem de direito, isto é, pelos Tribunais enquanto órgãos de Soberania.

q) Uma vez que o Ministério da Saúde demitiu ilegalmente o Recorrente e uma vez que quer a Caixa Geral de Aposentações quer o Instituto da Segurança Social I.P não se entendem acerca da questão de saber quem é o responsável pela reposição da carreira contributiva do Recorrente, é evidente que o TAF de Loulé fez o que tinha que fazer, isto é, condenando, e bem, ambas as instituições de forma clara, objetiva, ponderada e sensata.

r) Não restam dúvidas que a decisão tomada pelo TAF de Loulé é de aplaudir (de pé) quando obriga o Ministério da Saúde a entregar à CGA I.P a importância total dos descontos das quotas efetuados sobre os valores entregues a título de remuneração ao autor, relativamente ao período entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Junho de 2007.

s) E também não restam dúvidas que o TAF de Loulé através da decisão sensata, corajosa, imparcial, isenta e ponderada do Julgador, andou bem, ao condenar a Caixa Geral de Aposentações I.P a reconhecer o Autor J. M. S. R. como seu subscritor no período entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Junho de 2007 e a aceitar e a receber as quantias correspondentes aos referidos descontos das quotas sobre as remunerações do autor, relativas a esse mesmo período.

t) A dúvida que fica é saber se o período de tempo relativamente ao qual o Autor deve ser ressarcido não deve começar em 2001 ao invés de começar no ano de 2004.

u) No mais, a douta sentença é proferida por quem tem conhecimento profundo do Direito Administrativo e não viola qualquer lei, nem manda nenhum organismo do Estado praticar atos ilegais como se refere, e mal, no Recurso dilatório apresentado pelo Recorrente Caixa Geral de Aposentações I.P.

v) Não têm aplicação ao presente caso, os acórdãos citados pela Recorrente Caixa Geral de Aposentações I.P, uma vez que se tratam de situações manifestamente diferentes e que não são passíveis de ser integradas na questão de que se trata nestes autos.

w) Com o Recurso dilatório que apresenta a Caixa Geral de Aposentações I.P, a mesma não só atua de forma contrária à boa-fé processual como torna os autos manifestamente kafkianos, uma vez que o Autor / Recorrente J. M. S. R., não vê no horizonte forma de este processo, que já vá longo, ter um termo / fim.

x) A Caixa Geral de Aposentações, não é, como diz ser, uma entidade estranha aos autos e/ou ao título executivo.

y) A Caixa Geral de Aposentações é parte legítima.

z) Tendo sido, condenada e bem, Pelo TAF de Loulé.

aa) A Caixa Geral de Aposentações, mais não faz no seu Recurso dilatório do que vincar novamente os argumentos que já anteriormente havia invocado, de forma inglória diga-se, na Contestação que apresentou nos autos.

bb) Repetindo no Recurso tudo aquilo que disse anteriormente noutra fase do processo, a Caixa Geral de Aposentações não consegue rebater aquilo que é a realidade dos factos e que se traduz numa sentença de enorme valor e de enorme qualidade técnica do ponto de vista jurídico.

cc) Subsumindo o Direito aos factos, a douta Sentença Recorrida Explica claramente e em suma que o Recorrente J. M. S. R. foi mal demitido, isto é, foi demitido ilegalmente, assim como explica também que em virtude de tal demissão manifestamente e clamorosamente ilegal o mesmo tem de ver a sua situação contributiva revista e que cabe à Caixa Geral de Aposentações reconhecê-lo como seu subscritor e a aceitar e receber as quantias correspondentes aos referidos descontos das quotas sobre as remunerações do autor, relativas a esse mesmo período.

dd) É falso e quase ofensivo o que refere a Caixa Geral de Aposentações quando refere que o Tribunal A QUO exorbitou o objeto de que se ocupou.

ee) A Sentença Recorrida não é nula.

ff) A Sentença Recorrida não peca por excesso.

gg) Coloca-se apenas a questão de saber se não deveria ter condenado as Rés não só no período entre 2004 e 2007, mas sim entre 2001 e 2007, como pensamos que deveria ter acontecido.

hh) No mais, a douta sentença não nos merece nenhum reparo.

ii) É uma sentença justa, equilibrada, ponderada, tecnicamente e juridicamente bem elaborada e merecedora de todo o respeito e que assim que for confirmada pelo Tribunal Administrativo Central Sul, deverá ser acatada de forma inequívoca pelas duas entidades que foram condenadas, isto é, por parte da Segurança Social I.P e por parte da Caixa Geral de Aposentações I.P.

jj) Nos termos do CPPT e do CPC, deverá a Ré Caixa Geral de Aposentações I.P ser condenada claramente como litigante de má-fé nestes autos, uma vez, que no nosso humilde entendimento, mais não faz do que um Recurso com caráter manifestamente dilatório e que apenas pretende atrasar o mais que pode o direito do Recorrente J. M. S. R. a ter a sua situação contributiva atualizada e corretamente elaborada como é de direito.”.

Pede que se declare que a sentença é legal e que se considere que o período a que diz respeito as condenações da Caixa Geral de Aposentações, I.P. e do Ministério da Saúde deve começar em 2001 e não em 2004.


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O Exequente, ora Recorrido, notificado da admissão do recurso da Caixa Geral de Aposentações, I.P., apresentou contra-alegações (cfr. fls. 312 e segs.), formulando as seguintes conclusões:

“a) O Recorrente pretendeu através desta execução, a reconstituição da sua carreira contributiva durante o período que decorreu entre a sua demissão (2 de setembro de 2004) e o dia 14 de Julho de 2007, como consequência da condenação da entidade executada a reintegrá-lo nas funções que anteriormente exercia.

b) em suma a douta sentença tomou a seguinte decisão: “Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se procedente a pretensão executiva do autor e em conformidade.

- Condena-se o Ministério da Saúde (ou sucessor legal) a entregar à Caixa Geral de Aposentações I.P a importância total dos descontos das quotas efetuados sobre os valores entregues a título de remuneração ao autor, relativamente ao período entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Julho de 2007;

- Condena-se a Caixa Geral de Aposentações I.P a reconhecer ao Autor J. M. S. R. como seu subscritor no período entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Junho de 2007 e a aceitar e receber as quantias correspondentes aos referidos descontos das quotas sobre as remunerações do autor, relativas a esse mesmo período.

Custas pela Caixa Geral de Aposentações I.P., por se considerar que às mesmas deu causa (cfr. Artigo 527.0 n.0 1e 2 do CPC).

Fixa-se o valor da execução em 14.963,94 € por se este o valor dado à causa principal a que respeita”.

c) Em nosso entendimento a sentença está muito bem elaborada e é uma douta sentença uma vez que condena o Ministério da Saúde a entregar à Caixa Geral de Aposentações I.P a importância total dos descontos das quotas efetuados sobre os valores entregues a título de remuneração ao autor, relativamente ao período entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Julho de 2007.

d) Parece-nos, no entanto, que o Tribunal deveria também ter condenado o Ministério da Saúde a entregar à Caixa Geral de Aposentações I.P a importância total dos descontos das quotas efetuados sobre os valores entregue a título de remuneração ao autor, relativamente ao período entre 15-06-2001 e 21-10-2004, como vogal em exercício na CDT de f.

e) O (bom) raciocínio que foi feito relativamente ao período que mediou entre a data de 2 de Setembro de 2004 e a data de 14 de Julho de 2007 deveria ter sido efetuado em relação às datas de 15-06-2001 e 21-10-2004.

f) Pelo que peca (a pecar) por defeito (e não por excesso) a douta sentença.

g) Andou bem a douta sentença recorrida quando condenou a Caixa Geral de Aposentações I.P a reconhecer o autor J. M. S. R. como seu subscritor no período entre 2 de Setembro de 2004 a 14 de Junho de 2007 e a aceitar e receber as quantias correspondentes aos referidos descontos das quotas sobre as remunerações do autor, relativas a esse mesmo período.

h) Parece-nos, no entanto, que a douta sentença poderia e deveria ter reconhecido também o Autor J. M. S. R. como seu subscritor no período entre 15-06-2001 e 21-10-2001.

i) No mais o Recorrente mantém os considerandos constantes da ação executiva, nomeadamente.

j) Relativamente ao Recurso Interposto pela Caixa Geral de Aposentações I.P (CGA) cumpre referir o seguinte: é evidente que a imposição de inscrição do interessado na CGA é legal.

k) Não são violadas quaisquer normas do CPC contrariamente ao que é referido nesse recurso interposto pela Caixa Geral de Aposentações I.P (CGA).

1) A CGA não foi condenada a praticar nenhum ato ilegal.

m) Antes foi condenada a praticar um ato legal por parte da Meritíssima Juiz do TAF de Loulé.

n) Ao lermos o Recurso interposto pela CGA fica-se com a ideia que a mesma nada tem a ver com a situação que arrasta o Autor ora Exequente nos Tribunais há mais de uma década, o que é inaceitável e poderá eventualmente acarretar até litigância de má-fé.

o) É evidente que se o Autor I ora Recorrente foi demitido ilegalmente como é dado como provado e assente na douta sentença proferida pela Meritíssima Juiz do TAF de Loulé e não lhe foram pagos os descontos devidos, terá a referida situação de ser reposta por quem de direito, isto é, pelos Tribunais enquanto órgãos de Soberania.

p) Uma vez que o Ministério da Saúde demitiu ilegalmente o Recorrente e uma vez que quer a Caixa Geral de Aposentações quer o Instituto da Segurança Social I.P não se entendem acerca da questão de saber quem é o responsável pela reposição da carreira contributiva do Recorrente, é evidente que o TAF de Loulé fez o que tinha que fazer, isto é, condenando, e bem, ambas as instituições de forma clara, objetiva, ponderada e sensata.

q) Não restam dúvidas que a decisão tomada pelo TAF de Loulé é de aplaudir (de pé) quando obriga o Ministério da Saúde a entregar à CGA I.P. a importância total dos descontos das quotas efetuados sobre os valores entregues a título de remuneração ao autor, relativamente ao período entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Junho de 2007.

r) E também não restam dúvidas que o TAF de Loulé através da decisão sensata, corajosa, imparcial, isenta e ponderada do Julgador, andou bem, ao condenar a Caixa Geral de Aposentações I.P a reconhecer o Autor J. M. S. R. como seu subscritor no período entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Junho de 2007 e a aceitar e a receber as quantias correspondentes aos referidos descontos das quotas sobre as remunerações do autor, relativas a esse mesmo período.

s) A dúvida que fica é saber se o período de tempo relativamente ao qual o Autor deve ser ressarcido não deve começar em 2001 ao invés de começar no ano de 2004.

t) No mais, a douta sentença é proferida por quem tem conhecimento profundo do Direito Administrativo e não viola qualquer lei, nem manda nenhum organismo do Estado praticar atos ilegais como se refere, e mal, no Recurso dilatório apresentado pelo Recorrente Caixa Geral de Aposentações I.P.

u) Não têm aplicação ao presente caso, os acórdãos citados pela Recorrente Caixa Geral de Aposentações I.P, uma vez que se tratam de situações manifestamente diferentes e que não são passiveis de ser integradas na questão de que se trata nestes autos.

v) Com o Recurso dilatório que apresenta a Caixa Geral de Aposentações I.P, a mesma não só atua de forma contrária à boa-fé processual como torna os autos manifestamente kafkianos, uma vez que o Autor / Recorrente J. M. S. R., não vê no horizonte forma de este processo, que já vá longo, ter um termo / fim.

w) A Caixa Geral de Aposentações, não é, como diz ser, uma entidade estranha aos autos e/ou ao título executivo.

x) A Caixa Geral de Aposentações é parte legítima.

y) Tendo sido, condenada e bem, Pelo TAF de Loulé.

z) A Caixa Geral de Aposentações, mais não faz no seu Recurso dilatório do que vincar novamente os argumentos que já anteriormente havia invocado, de forma inglória diga-se, na Contestação que apresentou nos autos.

aa) Repetindo no Recurso tudo aquilo que disse anteriormente noutra fase do processo, a Caixa Geral de Aposentações não consegue rebater aquilo que é a realidade dos factos e que se traduz numa sentença de enorme valor e de enorme qualidade técnica do ponto de vista jurídico.

bb) Subsumindo o Direito aos factos, a douta Sentença Recorrida Explica claramente e em suma que o Recorrente J. M. S. R. foi mal demitido, isto é, foi demitido ilegalmente, assim como explica também que em virtude de tal demissão manifestamente e clamorosamente ilegal o mesmo tem de ver a sua situação contributiva revista e que cabe à Caixa Geral de Aposentações reconhecê-lo como seu subscritor e a aceitar e receber as quantias correspondentes aos referidos descontos das quotas sobre as remunerações do autor, relativas a esse mesmo período.

cc) É falso e quase ofensivo o que refere a Caixa Geral de Aposentações quando refere que o Tribunal A QUO exorbitou o objeto de que se ocupou.

dd)A Sentença Recorrida não é nula.

ee) A Sentença Recorrida não peca por excesso.

ff) Coloca-se apenas a questão de saber se não deveria ter condenado as Rés não só no período entre 2004 e 2007, mas sim entre 2001 e 2007, como pensamos que deveria ter acontecido.

gg) No mais, a douta sentença não nos merece nenhum reparo.

hh) É uma sentença justa, equilibrada, ponderada, tecnicamente e juridicamente bem elaborada e merecedora de todo o respeito e que assim que for confirmada pelo Tribunal Administrativo Central Sul, deverá ser acatada de forma inequívoca pelas duas entidades que foram condenadas, isto é, por parte da Segurança Social I.P e por parte da Caixa Geral de Aposentações I.P.

ii) Nos termos do CPPT e do CPC, deverá a Ré Caixa Geral de Aposentações I.P ser condenada claramente como litigante de má-fé nestes autos, uma vez, que no nosso humilde entendimento, mais não faz do que um Recurso com caráter manifestamente dilatório e que apenas pretende atrasar o mais que pode o direito do Recorrente J. M. S. R. a ter a sua situação contributiva atualizada e corretamente elaborada como é de direito.”.

Conclui pedindo que se declare que a sentença é legal e que se considere que o período a que diz respeito as condenações deve começar em 2001 e não em 2004.


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A Caixa Geral de Aposentações, I.P., contra-alegou o recurso interposto pelo Exequente, assim tendo concluído:

“A. A Douta Sentença ora recorrida não merece qualquer tipo de censura, decidindo bem a Meritíssima Juiz a quo;

B. A Caixa Geral de Aposentações está obrigada no cumprimento do dever de executar a sentença.

C. Só é possível a reconstituição da situação jurídica e de facto que existiria se o acto não tivesse sido praticado, se a Caixa Geral de Aposentações receber do Ministério da Saúde (SICAD) os valores correspondentes às quotas que incidem sobre as remunerações pagas por este relativamente ao período entre 02.09.2004 e 14 de Junho de 2014.

D. Na verdade, se o acto anulado não tivesse sido praticado, o exequente teria continuado a receber as remunerações que lhe eram devidas até 14 de Junho de 2007, e sobre estas remunerações teriam sido feitos os respectivos descontos para a Caixa Geral de Aposentações, independentemente de estar bem ou mal, inscrito como subscritor.

E. Apesar da recorrente não ter participado no processo declarativo, nos termos do art.º 174°, n.º 2 do CPTA, está também sujeita ao dever de executar a sentença anulatória. Com efeito, a entidade executada não tem de ser coincidente com a entidade cujo órgão praticou o acto administrativo anulado pelo Tribunal. E não o será, como no presente caso, sempre que o órgão obrigado a tomar, de facto e de direito, as iniciativas tendentes à execução, for diferente.

F. Pesa ainda, e ao contrário do invocado pela recorrente, as normas do Código de Processo Civil, não se aplicam ao caso em apreço, uma vez que só se têm aplicação à jurisdição administrativa, nos termos do art.º 1º do CPTA, supletivamente, isto é, quando exista norma processual administrativa capaz de cobrir com a sua previsão uma situação de um processo administrativo, essa norma prevalece, naturalmente, sobre a norma correspondente norma que, em processo civil, for aplicável ao mesmo tipo de situação.”.

Conclui pedindo que se mantenha a sentença recorrida.


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Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, foi emitido parecer que pugna por a decisão recorrida ter procedido a uma correta apreciação dos factos trazidos ao conhecimento do Tribunal e à sua subsunção ao Direito, não merecendo qualquer censura, devendo ser negado provimento a ambos os recursos.

Defende que embora a CGA não tenha sido parte na acção administrativa, tem legitimidade passiva para estar na presente instância executiva, incumbindo-lhe o dever de executar a sentença.

Sustenta que o fundamento do recurso do Exequente não deve ser apreciado no processo executivo por não ter sido objecto de apreciação na respectiva acção declarativa.

Conclui pela improcedência de ambos os recursos.


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A Caixa Geral de Aposentações, I.P. veio pronunciar-se sobre o parecer do Ministério Público, reiterando a sua anterior alegação de que a situação do Autor não configura o direito de inscrição.

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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo o objeto dos recursos delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A. Recurso interposto pela Caixa Geral de Aposentações, I.P.

Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento de direito, por violação dos artigos 10.º, n.º 5 e 53.º, n.º 1, ambos do CPC, por a Caixa Geral de Aposentações, I.P. não ter sido parte na acção declarativa, sendo estranha ao título executivo;

2. Erro de julgamento, por violação do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo D.L. n.º 498/72, de 09/12, por o cargo de vogal do CDT de F. não conferir o direito à inscrição na Caixa Geral de Aposentações, I.P..

B. Recurso interposto pelo Autor

Segundo as conclusões do recurso, a questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento quanto ao período abrangido pelo direito à inscrição na Caixa Geral de Aposentações, I.P., devendo ser alargado ao período entre 15/06/2001 a 21/10/2004.

2. Pedido de condenação da Caixa Geral de Aposentações como litigante de má-fé.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“a) Em 6 de Junho de 2001, por despacho do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, o autor foi nomeado em comissão de serviço para a c. d. t. (CDT) do distrito de F., com efeitos a partir do dia 15 de Junho de 2001;

a) Em 2 de Setembro de 2004, por despacho do Ministro de Saúde, foi aplicada ao autor a pena disciplinar de demissão do cargo de vogal da CDT de F.;

b) Em 4 de Agosto de 2010, no âmbito da acção administrativa especial intentada pelo autor para impugnação deste despacho, foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que, julgando improcedentes os demais pedidos formulados, decidiu (i) anular o acto administrativo consubstanciado no referido despacho do Ministro de Saúde de 2 de Setembro de 2004, que havia aplicado ao autor a pena disciplinar de demissão do cargo de vogal da CDT de F. e (ii) condenar o Ministério da Saúde a reconstituir a situação que existiria caso esse acto não tivesse sito praticado, “nomeadamente a reintegrar o autor como vogal do CDT/F. até 14.06.2007”;

c) Em 10 de Outubro de 2013, no âmbito dos recursos entretanto interpostos pelas partes, foi proferido acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Sul, que, negando provimento aos mesmos, confirmou a sentença recorrida;

d) O Ministério da Saúde, através dos seus serviços, procedeu à entrega ao autor das quantias correspondentes aos valores das remunerações devidas pelo exercício das funções de vogal do CDT de F., entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Junho de 2007 (cfr. documento n.º 1 junto com a contestação);

e) O autor havia sido inscrito como subscritor da Caixa Geral de Aposentações em 1991, com efeitos a partir de 1 de Março desse ano, pelo exercício das suas funções como assistente convidado na U. de A., tendo cessado o exercício deste cargo em 28 de Fevereiro de 2001 (cfr. documento n.º 2 da contestação do Instituto da Segurança Social e fls. 26 do processo administrativo remetido pela Caixa Geral de Aposentações);

f) Entre 15 de Junho 2001 e 22 de Outubro de 2004, o Instituto da Droga e da Toxicodependência, depois designado Instituto da Droga e da Toxicodependência, I.P., procedeu ao desconto nas remunerações do autor das quotas para a Caixa Geral de Aposentações e entregou a respectiva importância (cfr. fls. 7 do processo administrativo remetido pela Caixa Geral de Aposentações);

g) Em 10 de Maio de 2013, por despacho proferido pelos Directores da Caixa Geral de Aposentações, ao abrigo de delegação de poderes do Conselho Directivo, foi reconhecido ao autor o direito à aposentação e determinado o valor da mesma, sem que tivesse sido contado para o efeito o período entre 15 de Junho de 2001 e 22 de Outubro de 2004, “uma vez que o cargo de Vogal não lhe confere o direito a reinscrição” na Caixa Geral de Aposentações (cfr. fls. 17 a 20 do processo administrativo remetido pela Caixa Geral de Aposentações);

h) Por ofício de 11 de Dezembro de 2013, a entidade executada, através do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências (SICAD), solicitou esclarecimentos à Caixa Geral de Aposentações sobre os procedimentos a adoptar para regularizar os descontos das quotas e contribuições incidentes sobre as quantias entregues ao autor a título de remunerações relativas ao período entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Junho de 2007 (cfr. documento n.º 4 da petição inicial e documento n.º 2 da contestação);

i) Em resposta, a Caixa Geral de Aposentações informou o SICAD que, “em sede de processo de aposentação se verificou que os descontos efectuados para esta Caixa, no período 2001-06-15 a 2004-10-31, eram indevidos”, uma vez que “a ausência de um vínculo activo a qualquer Serviço do Estado no momento em que foi nomeado para o cargo de Vogal impedia a reinscrição na Caixa Geral de Aposentações” e que “os descontos em causa deveriam ter sido remetidos ao regime geral de segurança social” (cfr. documento n.º 3 da petição inicial e documento n.º 3 anexo ao documento n.º 2 da contestação);

j) Em 19 de Dezembro de 2013, a entidade executada requereu a inscrição do autor como beneficiário do regime geral de segurança social, com efeitos a 22 de Outubro de 2004 até 14 de Junho de 2007, e procedeu à entrega dos ficheiros de remunerações e dos valores correspondentes às respectivas contribuições (cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial, documento n.º 1 e documento n.º 4 anexo ao documento n.º 2 juntos com a contestação do Ministério da Saúde e processo administrativo remetido pelo Instituto da Segurança Social);

k) Em Janeiro de 2014, o Instituto da Segurança Social comunicou ao SIDAC que havia procedido à anulação dos ficheiros (declarações de remunerações) entregues, uma vez que “o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul cuja sentença transitou em julgado em 13/11/2013, refere-se a um trabalhador da Administração Pública e que descontava para a Caixa Geral de Aposentações, tendo sido esta a última Instituição para onde efectuou os seus descontos” e que, por isso, “será para aquela Instituição que [deverão] ser enviados os ficheiros de acordo com a sentença” (cfr. documento n.º 8 anexo ao documento n.º 2 da contestação);

l) Em 16 Janeiro e 19 de Fevereiro de 2014, por despachos dos Directores da Caixa Geral de Aposentações, ao abrigo de delegação de poderes do Conselho Directivo, foi determinada a restituição dos montantes entregues pelo Instituto Português da Droga e da Toxicodependência referentes aos descontos efectuados sobre as remunerações do autor entre Junho de 2001 e Outubro de 2004, com os seguintes fundamentos: “descontos indevidos sobre remuneração” e “sem direito à inscrição” (cfr. documentos n.ºs 6 e 7 da petição inicial e documentos n.ºs 5 a 7 anexos ao documento n.º 2 da contestação e fls. 36 e 42 do processo administrativo remetido pela Caixa Geral de Aposentações).

Os factos ora enunciados, que foram articulados pelas partes ou que deles são instrumentais, resultam provados pelos documentos juntos aos presentes autos e por aqueles que integram os processos administrativos remetidos pelas entidades requeridas, tal como acima foram discriminados e identificados.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos dos presentes recursos jurisdicionais, segundo a sua ordem lógica ou de precedência de conhecimento.

A. Recurso interposto pela Caixa Geral de Aposentações, I.P.

1. Erro de julgamento de direito, por violação dos artigos 10.º, n.º 5 e 53.º, n.º 1, ambos do CPC, por a Caixa Geral de Aposentações, I.P. não ter sido parte na acção declarativa, sendo estranha ao título executivo

Sustenta o Recorrente no presente recurso o erro da sentença recorrida por ser condenada em sede de execução de uma sentença em que não foi parte.

Alega que a sentença exequenda nada decide quanto ao direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações de um Vogal da C. D. T. (CDT) de F. e que não tem força de caso julgado contra a Caixa Geral de Aposentações, por ser uma entidade estranha ao título executivo.

Vejamos.

A questão invocada como fundamento do presente recurso prende-se com a questão de saber se a sentença exequenda vincula a Caixa Geral de Aposentações, I.P., se constitui título executivo quanto a ela e se tem força de caso julgado, considerando que esta entidade não foi parte na acção declarativa.

A sentença recorrida conheceu sobre a questão em causa, nos seguintes termos, cujo discurso fundamentador ora se transcreve, na parte relevante:

De acordo com as normas que regulam o processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos, estabelecidas no Capítulo IV do Título VIII do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, devem nele ser demandadas a entidade ou entidades requeridas, bem como os contra-interessados a quem a satisfação da pretensão possa prejudicar (cfr. artigo 177.º, n.º 1).

E devem considerar-se entidades requeridas, por força do disposto no artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, e 174.º, n.ºs 1 e 2, as pessoas colectivas ou os ministérios sobre as quais recai o dever de praticar os actos previstos no artigo 173.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que, positivos ou negativos, sejam os necessários à reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado: ou seja, as entidades nas quais se integram os órgãos directamente incumbidos do dever de executar a sentença.

Ora, este dever de executar, conforme resulta do artigo 174.º, tanto pode recair sobre o órgão que praticou o acto anulado (n.º 1), como pode competir, cumulativa ou exclusivamente, a outro ou outros órgãos que pertençam à mesma ou a diferente pessoas colectiva ou ministério (n.º 2).

E sendo assim, é irrelevante, para aferir da legitimidade passiva neste processo de execução de sentença, que a Caixa Geral de Aposentações não tenha figurado como entidade demandada na acção declarativa ou que o acto anulado não seja da autoria de um órgão que nela esteja integrado.

Com efeito, o que releva é a competência desta entidade para praticar os actos e operações necessários à eliminação da ordem jurídica dos efeitos que o acto ilegal tenha produzido, e de reconstituir, na medida do possível, a situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de Outubro de 2007, no processo n.º 1270A/05, ou Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 25 de Fevereiro de 2011, no processo n.º 656-A/96; vide, ainda, Cecília Anacoreta Correia, A Tutela Executiva dos Particulares no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2013, páginas 251 a 255).

E no caso em apreço, de acordo com o alegado pelo autor, a execução da sentença de anulação – da qual resulta um efeito (ultra)constitutivo que se traduz no alargamento da tradicional eficácia subjectiva do caso julgado – depende da prática de actos e formalidades que se mostram necessários para a reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, e concretamente para a reconstituição da situação ou carreira contributiva do autor, que (alegadamente) competem à Caixa Geral de Aposentações, I.P. ou ao Instituto da Segurança Social, I.P., e não, directamente e apenas, ao Ministério da Saúde.

Tanto basta, pois, para que a Caixa Geral de Aposentações, independentemente de não ter sido parte no processo declarativo, tenha legitimidade processual passiva para intervir nesta acção executiva.

Com efeito, apesar de não figurar como parte demandada na sentença (exequenda) proferida na acção declarativa, a Caixa Geral de Aposentações tem, ainda assim, um interesse directo em contradizer o presente pedido de execução, uma vez que, nos termos configurados pelo autor, é ela a entidade que detém (ou pode deter) a competência para praticar os actos que se mostram necessários à reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado.

Deste modo, enquanto entidade (alegadamente) competente pela prática de actos necessários para a reconstituição da situação contributiva que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, também ela é titular ou sujeito (ainda que em pluralidade subjectiva subsidiária), nesta fase executiva, da relação material controvertida, sendo, por isso, parte legítima para intervir neste processo executivo (cfr. artigo 10.º, n.º 1, e artigo 30.º do Código de Processo Civil).”.

A sentença recorrida analisou e decidiu a questão suscitada sobretudo na ótica do pressuposto processual da legitimidade passiva, sem que a questão se reconduza unicamente a uma questão adjectiva, por ter contornos materiais ou substantivos, relativos aos efeitos do caso julgado e ao conteúdo do título executivo.

No que respeita à legitimidade passiva da Caixa Geral de Aposentações, I.P., ela afigura-se inequívoca, nos termos em que o Exequente configura o litígio e nos termos do disposto no n.º 10 do artigo 10.º do CPTA, que regula a legitimidade passiva em termos gerais, aplicável a qualquer meio processual previsto e regulado no Código.

Não é, pois, o disposto no artigo 174.º do CPTA, invocado na sentença recorrida, que resolve a questão da legitimidade passiva da Caixa Geral de Aposentações, I.P., por tal preceito não regular essa matéria.

A legitimidade passiva desta pessoa colectiva de direito público advém da alegação do Exequente, do modo como ele configura a prática dos atos de execução devidos para dar execução à sentença exequenda, afigurando-se a sua legitimidade porque em face da configuração dada ao litígio, detém a qualidade de parte na relação material controvertida, tendo interesse direto em deduzir oposição e defender-se do que contra ela se mostra peticionado.

Por isso, nenhum obstáculo de natureza processual se coloca em relação à presença da Caixa Geral de Aposentações, I.P. como parte na presente acção executiva, tendo ela sido citada para deduzir oposição, como fez efectivamente em juízo.

A questão que a sentença recorrida não enfrenta totalmente prende-se antes com a questão eminentemente substantiva, ou melhor, uma questão que “se situa na fronteira entre o direito substantivo e o direito processual”, relativa aos efeitos do caso julgado da sentença exequenda em relação a um sujeito que não foi parte nesse processo, sendo necessário apurar se, em consequência disso, a sentença exequenda constitui um título executivo contra si (vide Ana Celeste Carvalho, “Os efeitos e a eficácia da sentença administrativa”, in Estudos em Homenagem a Mário Esteves de Oliveira, Almedina, 2017, pp. 248).

Isto é, não tendo a Caixa Geral de Aposentações sido parte na acção declarativa, interessa saber se o título executivo que é a sentença exequenda se lhe é oponível e se ela está vinculada ao aí decidido, o que se prende com os efeitos e a eficácia da sentença exequenda de anulação de ato administrativo

Mostra-se inequívoco que a sentença exequenda constitui o título executivo adequado e próprio à instauração da presente acção executiva de sentença de anulação de ato administrativo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 157.º e do artigo 173.º e seguintes do CPTA.

Não existe controvérsia sobre o facto de a Caixa Geral de Aposentações, I.P., não ter sido parte na acção declarativa, mas ser parte nos presentes autos da acção executiva, por ter sido citada para deduzir oposição.

Constitui também dado adquirido que a sentença exequenda não decidiu a matéria ora decidida na sentença da ação executiva, sobre os termos da reintegração do Autor e a entidade responsável pela reconstituição da sua situação contributiva, limitando-se a anular o ato impugnado que havia aplicado ao Autor a pena disciplinar de demissão e a condenar o Ministério da Saúde a reintegrar o Autor, reconstituindo a situação que existiria se este ato não tivesse sido praticado, sem que tenham sido especificados os atos e as operações em que deve consistir a execução, donde não se colocar a questão dos efeitos e os limites do caso julgado objectivo da sentença exequenda.

De resto, a justificação da presente acção executiva decorre de um conflito negativo de competências entre o Instituto da Segurança Social e a Caixa Geral de Aposentações, já que ambas as entidades declinam a sua competência para receber os descontos do Autor.

Assim, a matéria suscitada em recurso prende-se antes com os efeitos e os limites do caso julgado subjectivo da sentença, pois respeita a saber perante que sujeitos a sentença tem autoridade de caso julgado.

Esta questão enfrenta particularidades em relação ao direito processual civil, pois a sentença no processo administrativo não produz apenas efeitos entre as partes na acção, por existirem situações em que os seus efeitos se projectam para terceiros.

Sem que a matéria seja consensual, uma parte muito significativa da doutrina reconhece que “as sentenças de anulação de ato administrativo produzem efeitos ultra partes ou erga omnes” (vide Ana Celeste Carvalho, “Os efeitos e a eficácia da sentença administrativa”, obra citada, pp. 277), passando a questão por conciliar a eficácia erga omnes da sentença, com a natureza subjectiva do processo administrativo.

Assim, “Essa eficácia da sentença que transcende as partes da lide processual, abrangendo todas as pessoas que possam ser beneficiadas ou prejudicadas com a decisão judicial anulatória traduz a eficácia subjectiva do caso julgado das sentenças de procedência do pedido de anulação. Distinguindo-se os efeitos em função do seu conteúdo favorável ou desfavorável, apresenta-se relativamente consensual que os terceiros apenas beneficiarão dos efeitos da sentença que lhes sejam favoráveis. Os efeitos desfavoráveis emergidos da sentença apenas atingem quem é parte do processo por isso o exigir o direito fundamental de defesa consagrado na Constituição, não podendo existir pessoas prejudicadas ou afectadas pela sentença que não foram parte no processo, não tendo a possibilidade de discutir os factos e do direito. Deste modo, o efeito erga omnes do caso julgado não só não pode atingir quem não recorreu à justiça ou quem ficou privado do direito de defesa, por não ter sido citado para contestar, salvo se manifestar a vontade de aproveitar os efeitos da anulação do ato, como também todos os que se tiverem auto-excluído, num exercício de manifestação de vontade.” (Ana Celeste Carvalho, “Os efeitos e a eficácia da sentença administrativa”, obra citada, pp. 283).

Ora, aqui chegados é possível dizer que não assiste razão à Recorrente quanto ao fundamento do recurso, pois não tendo a sentença exequenda decidido concretamente sobre o dever de execução, nem definido quais os atos ou operações materiais da execução devida, nem tão pouco o(s) sujeito(s) vinculados a essa execução, não se coloca a questão de a Recorrente ficar abrangida, quer pelos limites objectivos do caso julgado, quer quanto aos seus limites subjectivos.

A falta de razão quanto ao alegado pela Recorrente no recurso também advém de ter sido na fase declarativa da presente ação executiva, em que a Recorrente é parte, que ficaram definidos os termos da execução e o sujeito obrigado a essa execução, num processo em que foi citada e deduziu oposição, mediante a garantia do contraditório e dos direitos de defesa, pelo que, o título que a vincula é a própria sentença executiva, ora recorrida.

Tal não significa, porém, que a sentença exequenda não constitua em si mesma título executivo adequado à instauração do processo executivo, nos termos que resultam da configuração dada ao litígio pelo Exequente.

Em face de todo o exposto, não pode proceder o invocado erro de julgamento por falta de título executivo ou de título executivo que seja oponível à Caixa Geral de Aposentações, pois não só a sentença exequenda nada decidiu sobre os termos da execução, como é apenas na presente acção executiva em que a ora Recorrente é parte e sob a égide do contraditório, que se definiram os termos da execução, estando a ora Recorrente vinculada nos termos da presente acção.

Pelo que, não assiste razão à Recorrente, não ocorrendo a violação das normas legais invocadas, sendo de julgar improcedentes por não provadas as conclusões do recurso quanto ao fundamento em análise.

2. Erro de julgamento de direito, por violação do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo D.L. n.º 498/72, de 09/12, por o cargo de vogal do CDT de F. não conferir o direito à inscrição na Caixa Geral de Aposentações, I.P.

No demais, invoca a Recorrente o erro de julgamento de direito da sentença recorrida, sob o fundamento de violação do Estatuto da Aposentação, por o cargo detido pelo Exequente, ora Recorrido, de vogal da C. D. T. (CDT) do distrito de F., não lhe conferir o direito à inscrição na Caixa Geral de Aposentações, I.P..

Vejamos.

A análise do fundamento do recurso importa que se considere a matéria de facto dada como provada na sentença, a saber os factos assentes sob as alíneas b) a l), embora agora indicados sob ordem cronológica, nos termos dos quais resulta que:

- o Autor estivera inscrito como subscritor na Caixa Geral de Aposentações, pelo exercício de funções como assistente convidado na U. do A., tendo cessado o exercício desse cargo em 28/02/2001;

- entre 15/06/2001 e 22/10/2004 o Instituto da Droga e da Toxicodependência procedeu ao desconto nas remunerações do Autor para a Caixa Geral de Aposentações;

- em 10/05/2013 a Caixa Geral de Aposentações reconheceu o direito à aposentação do Autor sem considerar o período entre 15/06/2001 e 22/10/2004, por entender que o cargo de Vogal exercido não lhe conferir o direito a reinscrição na Caixa Geral de Aposentações;

- em 10/10/2013 foi proferido acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) que, negando provimento ao recurso, confirmou a sentença proferida em 1.ª instância, proferida em 04/08/2010, de anulação do ato de aplicação da pena disciplinar de demissão do Autor e a condenação do Ministério da Saúde a reconstituir a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado;

- o Ministério da Saúde deu voluntário cumprimento à sentença exequenda, tendo procedido aos descontos correspondentes aos valores das remunerações devidas ao Autor, no período entre 02/09/2004 e 14/06/2007;

- em 11/12/2013 o Ministério da Saúde solicitou esclarecimentos à Caixa Geral de Aposentações sobre os procedimentos a adotar para regularizar os descontos das quotas e contribuições incidentes sobre as quantias entregues ao Autor a título de remunerações, no período de 02/09/2004 a 14/06/2007;

- a Caixa Geral de Aposentações esclareceu que, em sede de processo de aposentação verificou que os descontos efectuados para a Caixa no período entre 15/06/2001 e 31/10/2004 eram indevidos e que deviam ser remetidos para o regime da segurança social;

- em consequência, em 19/12/2013 o Ministério da Saúde requereu a inscrição do Autor como beneficiário da Segurança Social e procedeu à entrega dos ficheiros das remunerações e dos valores correspondentes às contribuições;

- em janeiro de 2014 o Instituto da Segurança Social comunicou que anulou os ficheiros, por ser a Caixa Geral de Aposentações a entidade que deve receber os descontos;

- por despachos de 16/01 e de 19/02 de 2014, a Caixa Geral de Aposentações determinou a restituição dos montantes entregues pelo Instituto da Droga e da Toxicodependência, referentes ao período entre junho de 2001 a outubro de 2004.

Explanada a factualidade apurada, importa atender ao decidido na sentença recorrida sobre a questão objecto do fundamento do recurso, extraindo-se da sua fundamentação de direito, o seguinte discurso, que ora se transcreve na parte relevante:

2. O Ministério da Saúde, no cumprimento do dever de executar a sentença que decretou a anulação da decisão de demissão do autor e condenou a entidade demandada à “reintegração” do mesmo como vogal da CDT de Faro até 14 de Junho de 2007, praticou já os actos que eram da sua competência com vista à reconstituição da situação remuneratória que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado: dando execução ao julgado anulatório, procedeu à reposição dos valores correspondentes às remunerações que o autor teria recebido, e não recebeu por causa do acto anulado, entre os dias 2 de Setembro de 2004 e 14 de Junho de 2007, reintegrando, por esse modo, a situação patrimonial (hipotética) do autor.

E em conformidade, efectuou as diligências necessárias para a reconstituição da relação contributiva do autor como subscritor da Caixa Geral de Aposentações, junto da qual o autor se encontrava inscrito à data em que foi praticado o acto anulado: procurou, para o efeito, liquidar e entregar os valores das quotas que, se o autor não tivesse sido demitido, teriam sido descontados às suas remunerações e entregues a esta entidade que assegura a gestão do regime de segurança social público.

Cumpriu, pois, todos os deveres que lhe eram exigíveis, dando conhecimento à Caixa Geral de Aposentações, junto da qual o autor estava inscrito, da anulação do acto de demissão e da necessidade de regularização da situação contributiva em causa.

A Caixa Geral de Aposentações recusou-se, porém, a receber os valores correspondentes às quotas calculados sobre as remunerações – que entretanto ingressaram na esfera jurídica do autor - referentes ao período entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Junho de 2007.

E posteriormente, determinou a devolução dos valores das quotas que haviam sido descontadas das remunerações recebidas pelo autor entre Junho de 2001 (data em que o autor foi (re)inscrito como subscritor da Caixa Geral de Aposentações pelo exercício do cargo de vogal da CDT) e Outubro de 2004 (data em que a sua demissão terá produzido efeitos) e que haviam sido tempestivamente entregues à Caixa Geral de Aposentações [cfr. alínea l) dos factos provados].

Para fundamentar esta sua recusa em receber as quantias referentes às quotas descontadas sobre os valores das remunerações entretanto pagas pela entidade executada em ordem a dar cumprimento ao julgado anulatório (e a devolução dos valores que haviam sido anteriormente entregues), invocou a Caixa Geral de Aposentações a inexistência do direito à (re)inscrição do autor como subscritor no momento em que foi nomeado para o cargo de vogal da CDT, por “ausência de um vínculo activo a qualquer Serviço do Estado”, e a sujeição do mesmo ao regime geral de segurança social [cfr. alínea i) dos factos provados].

Mas vejamos.

3. O Ministério da Saúde, reconhecendo que a reconstituição da situação que deveria existir se o acto anulado nunca tivesse sido praticado dependia, na parte que respeita à situação da carreira contributiva do autor, não apenas de si, mas também da actuação da Caixa Geral de Aposentações, accionou-a extraprocessualmente, procurando entregar-lhe os valores dos descontos das quotas e contribuições incidentes sobre as quantias que, para dar cumprimento ao julgado anulatório, entretanto havia pago ao autor a título de remuneração, relativamente ao período entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Junho de 2007 [cfr. alíneas d) e h) dos factos provados].

Como vimos, a Caixa Geral de Aposentações, apesar de não ter participado no processo declarativo, está também ela sujeita, tal como o Ministério da Saúde, ao dever de dar execução à sentença anulatória (artigo 174.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

E nessa medida, enquanto Administração, ela está legalmente obrigada, por imposição do artigo 173.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a adoptar os actos e formalidades necessários à reposição da situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão anulatória e a reintegrar a ordem jurídica violada, através da reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal que veio a ser anulado.

Ora, no caso, esta reconstituição implicava não só a reposição da situação profissional do autor, com a sua “reintegração” como vogal da CDT de F. até 14 de Junho de 2007, mas também, tendo por referência a situação jurídica e de facto que existia no momento em que o acto de demissão foi praticado, a reposição da sua carreira contributiva em conformidade, tal como esta existiria na ordem jurídica se a decisão de demissão não tivesse sido adoptada.

Com efeito, se o acto anulado não tivesse sido praticado, o autor teria continuado a receber as remunerações que lhe eram devidas até 14 de Junho de 2007, e sobre estas remunerações teriam sido feitos os descontos das quotas que, na data, eram devidas à Caixa Geral de Aposentações, junto da qual o autor, bem ou mal, estava inscrito como subscritor.

Poderá, efectivamente, o acto de inscrição do autor como subscritor da Caixa Geral de Aposentações, com efeitos a partir de Junho de 2001, estar errado nos seus pressupostos.

E poderá igualmente, como sustenta o Instituto da Segurança Social, ter já caducado o direito à revogação ou anulação administrativa deste mesmo acto de inscrição junto da Caixa Geral de Aposentações.

Mas à presente execução interessa apenas que, se o acto de demissão não tivesse sido praticado, o autor teria continuado a receber as suas remunerações e que sobre essas remunerações – não tendo sido praticado um acto em contrário, que não foi, pelo menos até 14 de Junho de 2007 - teriam sido descontados e entregues os valores correspondentes às quotas legais devidas à Caixa Geral de Aposentações.

Deste modo, o dever de executar a sentença pressupõe, nas circunstâncias do caso concreto, a manutenção (ou reposição) do enquadramento do autor no regime de protecção social público em que se encontraria, caso o acto anulado não tivesse sido praticado, entre a data em que foi demitido e aquela em que, se não o tivesse sido, cessariam as suas funções, em 14 de Junho de 2007.

E nessa medida, a reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado implica, por parte da Caixa Geral de Aposentações, o reconhecimento do autor como subscritor da Caixa Geral de Aposentações durante esse período, entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Junho de 2007, permitindo assim a reposição da situação jurídica e de facto que, então, se verificava e que se continuaria a verificar se o acto anulado não tivesse sido praticado, e a entrega dos valores que deviam ter sido descontados das remunerações do autor e que, por causa do acto anulado, não o foram.

A Caixa Geral de Aposentações está, por isso, obrigada, no cumprimento do dever de executar a sentença e com vista à reconstituição da situação jurídica e de facto que existiria se o acto não tivesse sido praticado, a receber do Ministério da Saúde (ou da entidade que, sendo o caso, lhe tenha sucedido legalmente) os valores correspondentes às quotas incidentes sobre as remunerações (entretanto) pagas ao autor relativamente ao período que decorreu entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Junho de 2007.

Com efeito, só assim será possível proceder à reconstituição da carreira contributiva do autor, em conformidade com a sua “reintegração” na situação profissional em que se encontraria no dia 14 de Junho de 2007 se não tivesse sido demitido das suas funções pelo acto que veio a ser anulado, quando (ainda) nenhum acto existia de recusa pela Caixa Geral de Aposentações quanto à sua (re)inscrição como subscritor.

E não pode a Caixa Geral de Aposentações pretender alterar, com fundamento em superveniências entretanto ocorridas e mediante actos de autoridade – cuja legalidade não pode ser debatida nestes autos - os termos em que a pretensão executiva do interessado deve ser cumprida, quando está antes do mais vinculada ao efeito (ultra)constitutivo da sentença de anulação que, consubstanciando uma decisão judicial transitada em julgado, é incontestável e, nessa medida, beneficia da garantia constitucional de obrigatoriedade e de prevalência sobre as decisões de quaisquer outras autoridades consagrada no artigo 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

Não pode, por isso, recusar-se a aceitar e receber as quotas em causa, das quais depende, por referência à situação de facto e de direito que existiria e o acto anulado não tivesse sido praticado, a reconstituição da carreira contributiva do autor em conformidade com o julgado anulatório (e apenas com ele).

Com tanto não fica prejudicado, como julgamos, o poder que assiste à Caixa Geral de Aposentações de, caso entenda estarem reunidos os respectivos pressupostos - questão que, como já dissemos, escapa ao objecto desta acção - praticar os actos jurídicos que considere necessários para regularização da situação, por via administrativa ou judicial.

Como igualmente não fica prejudicado o direito que assiste ao autor ou às entidades interessadas que se considerem por tais actos lesadas de, se e quando confrontadas com tais actos, os impugnar em juízo, em acção própria para o efeito, que não nesta execução.

Mas no que a estes autos executivos interessa, o tribunal apenas pode (e deve) condenar a Caixa Geral de Aposentações a aceitar e receber os valores das quotas que lhe teriam sido entregues, caso o acto anulado não tivesse sido praticado, com vista à reconstituição da situação que actualmente existiria: não pode, porém, condená-la a abster-se de praticar, depois de reconstituída esta situação, os actos e operações que entenda como legais com vista à eliminação dos efeitos jurídicos da inscrição do autor como seu subscritor no período a que respeitam tais quotas (desde que o faça depois de processar tais quantias na qualidade em que as mesmas devem por si ser recebidas para cumprimento do julgado anulatório, ou seja, enquanto quotas sobre as remunerações do autor que lhe teriam sido entregues se não fosse o acto anulado).

E assim é porque o litígio que opõe a Caixa Geral de Aposentações e o Instituto da Segurança Social relativamente ao enquadramento do autor nos respectivos regimes de protecção social não constitui, nem pode constituir o objecto desta execução, que se destina a “conferir efectividade prática ao respectivo título, a que por inteiro se subordina, não servindo para se obterem pronúncias declarativas sobre questões novas e independentes” (cfr. Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Novembro de 2006, no processo n.º 01-A/02).

Saber se, no caso, o autor devia ou não ter sido (re)inscrito como subscritor da Caixa Geral de Aposentações em Junho de 2001, quando iniciou o exercício das funções como membro vogal da CDT, ou se beneficiava, ao invés, do regime geral de segurança social, é questão que, sendo nova e alheia ao objecto desta acção, não pode nela ser conhecida (cfr., de qualquer forma, artigo 2.º da Portaria n.º 428-A/2001, de 23 de Abril).

Tão pouco pode ser nela apreciada, pela mesma razão, a legalidade das decisões da Caixa Geral de Aposentações que determinaram a restituição das quotas anteriormente pagas (sem que possa afirmar-se nesta acção, por ser questão alheia ao seu objecto, que tal restituição está fundamentada num acto de revogação daquele acto de inscrição, como pressupõe o Instituto da Segurança Social), ou a legalidade da recusa do Instituto da Segurança Social em deferir o pedido de inscrição do autor como beneficiário do regime geral.

Com efeito, a sentença exequenda não contém o “padrão” ou “referente” que permitiria aferir da (i)legalidade de tais actos, nem os mesmos podem ser considerados como desconformes com a sentença, para efeitos do disposto no artigo 179.º n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

E sendo assim, ao tribunal resta apenas, julgando procedente a pretensão executiva do autor, condenar a Caixa Geral de Aposentações a adoptar os actos e operações necessários para a reconstituição da situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, o que, nas circunstâncias do caso concreto, implica o reconhecimento do autor como seu subscritor no período entre 2 de Setembro de 2004 e 14 de Junho de 2007 - período a que se cinge o dever de dar execução da sentença de anulação e durante o qual o autor constaria inscrito como seu subscritor, se não fosse o acto anulado - e o dever de aceitar e receber as quantias correspondentes às quotas que, se não fosse o acto anulado, teriam sido legalmente descontadas das remunerações (entretanto pagas ao autor) durante esse período e que, consequentemente, lhe teriam sido entregues pela entidade empregadora.” (sublinhados nossos).

Analisados os contornos fáticos do litígio, assim como o decidido na sentença recorrida, vejamos então a questão de direito controvertida.

Nos termos decididos pelo Tribunal a quo foi entendido que não pode a Caixa Geral de Aposentações pretender discutir a legalidade da reinscrição do Autor na presente instância executiva.

Com base nisso, a sentença recorrida deixou de conhecer e de decidir da questão de fundo suscitada pela Caixa Geral de Aposentações, de que não assiste o direito ao Autor a ser reinscrito na Caixa Geral de Aposentações e sobre caber ao Instituto da Segurança Social receber os descontos efectuados sobre as remunerações, julgando ser a Caixa Geral de Aposentações a entidade competente e responsável para receber as contribuições ou descontos sobre as remunerações pagas ao Autor, em consequência da sua reintegração laboral, por anteriormente o Autor já se encontrar inscrito.

Considera a sentença recorrida como elemento de facto relevante que o Autor se encontrava inscrito na Caixa Geral de Aposentações, desconsiderando em absoluto o facto que se dá como provado na alínea g) dos factos assentes, ou seja, que a Caixa Geral de Aposentações, antes mesmo de ter sido proferido o acórdão pelo TCAS, que mantém a sentença anulatória proferida em 1.ª instância, decidiu sobre a questão, no sentido de o período contributivo em que o Autor exerceu funções como Vogal do CDT antes do período abrangido pela reintegração, não pode ser considerado, por não assistir ao Autor o direito à reinscrição, devendo os descontos ser remetidos à Segurança Social.

Resulta, por isso, demonstrado em juízo que tendo o Autor requerido a aposentação, a Caixa Geral de Aposentações decidiu sobre essa pretensão em 10/05/2013, reconhecendo o direito à aposentação e determinando o valor da mesma, mas sem considerar os descontos efectuados no período entre 15/06/2001 e 22/10/2004, por entender que o cargo de Vogal exercido pelo Autor não confere o direito a reinscrição.

Só mais tarde, em 10/10/2013, segundo a alínea c) dos factos assentes, veio a ser proferido o acórdão pelo TCAS, que confirma a sentença recorrida, mantendo a anulação do ato impugnado.

Tal significa que a Caixa Geral de Aposentações decidiu sobre o direito à reinscrição do Autor por ato administrativo proferido em 10/10/2013, o qual não se mostra impugnado pelo Autor, constituindo, por isso, caso decidido, não podendo voltar essa questão a ser reapreciada, nem nesta acção executiva, nem em qualquer outra.

O Autor foi notificado do ato que reconhece o direito à pensão de aposentação e o seu quantitativo, excluindo o período dos descontos no período em que exerceu as funções como Vogal do CDT de F. e não reagiu contenciosamente contra esse ato, pelo que, o mesmo se firmou na ordem jurídica.

Acresce a circunstância que, como anteriormente referido, a sentença exequenda não ter decidido sobre a legalidade ou a ilegalidade da reinscrição do Autor na Caixa Geral de Aposentações, pelo que, não só porque o ato praticado pela Caixa Geral de Aposentações é anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda, como também pela circunstância de esta não ter decidido sobre essa matéria, não incorre a Caixa Geral de Aposentações em violação da sentença exequenda.

Por outro lado, o decidido pela Caixa Geral de Aposentações não abrange o período coberto pela execução da sentença exequenda, que determina a reintegração do Autor no período entre 02/09/2004 e 14/06/2007, por à data do reconhecimento do direito à aposentação essa questão ainda não se encontrar definitivamente resolvida, por o recurso no TCAS ainda se encontrar pendente.

Tal significa que nos presentes autos de execução não pode ser discutida a legalidade do direito à reinscrição do Autor, mas por razão diversa da invocada na sentença recorrida, por essa questão ter sido decidida através da prática, em 10/05/2013, de um ato administrativo pela Caixa Geral de Aposentações, o qual constitui caso decidido, por falta de impugnação pelo Autor.

É esta a razão que impede que a questão possa ser apreciada na presente acção executiva, pois não fora essa circunstância, nada obstava, ao contrário do que foi decidido na sentença recorrida, por ser precisamente esse o objecto da acção executiva tal como instaurada pelo Exequente, onde foi pedido ao Tribunal que decida qual a entidade responsável pelos descontos das suas remunerações.

Em rigor, nos presentes autos de acção executiva, não há qualquer recusa ou incumprimento na execução por parte da Entidade Executada, Ministério da Saúde, mas antes um litígio entre duas entidades administrativas sobre quem recai o dever de receber as contribuições e descontos, em reconstituição de uma carreira contributiva laboral.

Assim, ao contrário do decidido na sentença recorrida e nos termos configurados pelo Exequente, que chamou a juízo como partes, quer a Caixa Geral de Aposentações, quer o Instituto da Segurança Social, aceitando o Tribunal a quo a causa com tal objecto, sendo pacificamente assumido que a acção executiva, além da sua natureza executiva, tem uma fase prévia declarativa, seria esta acção o meio próprio para a Caixa Geral de Aposentações discutir a legalidade da reinscrição do Autor, ora Executado, por ser esse o objecto da pretensão executiva.

O dever de execução da sentença declarativa não impedia esta circunstância, tanto mais que a sentença exequenda não só não conheceu da questão dos termos da sua execução, como a Caixa Geral de Aposentações não foi parte nesse processo.

Acresce que, nos termos anteriormente decididos, não existe qualquer limitação ou impedimento, seja pela força de caso julgado objectivo, seja pela de caso julgado subjectivo, de conhecer e decidir da questão da legalidade da reinscrição na Caixa Geral de Aposentações, pois é em sede de definição dos atos devidos da execução que se deve apurar quais esses concretos atos devidos, o seu conteúdo, além do sujeito obrigado à execução e tal não foi decidido antes na fase declarativa em que foi proferida a sentença exequenda.

Porém, extraindo-se da matéria de facto apurada que em momento anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda, a Caixa Geral de Aposentações decidiu expressamente sobre a matéria do direito à reinscrição do Autor, definindo o direito no sentido de o cargo de vogal na CDT de F. não conferir o direito à reinscrição e, em consequência, excluir o período contributivo de 2001 a 2004, anterior à reintegração, do cálculo da pensão, encontrando-se este ato consolidado na ordem jurídica por falta de impugnação, não pode agora vir discutir-se tal questão, por constituir caso resolvido administrativo.

Por outras palavras, a matéria do direito à reinscrição do Autor está decidida por ato administrativo da Caixa Geral de Aposentações, proferido em 10/05/2013, não podendo nesta acção executiva ser apreciada a sua legalidade.

Aqui chegados, importa pois concluir que não se pode manter o decidido na sentença sob recurso, pois estando decidido que o Autor não estava inscrito na Caixa Geral de Aposentações no período anterior à reintegração e que não tem direito à reinscrição, por o exercício do cargo de Vogal não lhe conferir esse direito, não pode manter-se a sentença recorrida que condena a Caixa Geral de Aposentações a reconhecer ao Autor como seu subscritor, como se ele anteriormente estivesse inscrito.

A sentença recorrida não soube interpretar correctamente toda a factualidade que deu como assente, olvidando que ao contrário do que afirma, o Autor não foi considerado inscrito na Caixa Geral de Aposentações no período imediatamente antecedente, enquanto pressuposto fáctico-jurídico da decisão sob recurso.

A própria sentença recorrida ao condenar a Caixa Geral de Aposentações nega conhecer da legalidade do ato de reinscrição do Autor, admitindo, porém, a ilegalidade dessa inscrição, mas não retira as devidas consequências jurídicas da matéria de facto dada como provada.

Nestes termos, não estando o Autor inscrito como subscritor da Caixa Geral de Aposentações no período antecedente à demissão ilegal, falta o pressuposto em que, quer o Instituto da Segurança Social, quer a sentença recorrida se basearam para entender caber à Caixa Geral de Aposentações o recebimento dos descontos sobre as remunerações pagas ao Autor, correspondentes ao período da demissão anulada judicialmente e da consequente reintegração.

Assim, considerando que o Autor não tem direito à reinscrição na Caixa Geral de Aposentações no período correspondente a 15/06/2001 a 22/10/2004, também tem de se entender, tal como sustentado na oposição deduzida pela Caixa Geral de Aposentações e invocado como fundamento no presente recurso, que a entidade responsável pelos descontos efectuados pelo Ministério da Saúde no período correspondente à reintegração, entre 02/09/2004 e 14/06/2007, é o Instituto da Segurança Social, I.P., a qual é parte na presente acção executiva.

Com isto, decide-se o objecto da presente execução, que consiste em determinar a quem compete receber as contribuições ou descontos efectuados pelo Ministério da Saúde, em consequência da reintegração do Autor.

Incorre, por isso, a sentença recorrida em erro de julgamento ao entender que o Autor se encontrava inscrito na Caixa Geral de Aposentações, por ter sido decidido em 10/05/2013, por ato administrativo praticado pela Caixa Geral de Aposentações, que não assiste o direito à reinscrição do Autor, não podendo, em consequência, o período correspondente à reintegração, entre 02/09/2004 a 14/06/2007 ser da sua responsabilidade.

A sentença desconsidera o facto dado como assente na alínea g) e assenta o seu julgamento como se em sede de execução do julgado promovida pelo Ministério da Saúde, a Caixa Geral de Aposentações tivesse vindo a revogar uma anterior decisão sua, o que não é verdade.

A Caixa Geral de Aposentações não reviu o seu entendimento sobre o direito à reinscrição do Autor na sequência da reintegração determinada pela sentença exequenda, mas no âmbito do reconhecimento do direito à aposentação e dos períodos contributivos relevantes, tendo definindo por ato de autoridade seu essa questão, sem que o Autor contra ela tenha reagido.

Donde, resultando demonstrado em juízo que o Autor não se encontrava inscrito na Caixa Geral de Aposentações como Vogal do CDT de F., não se pode manter a condenação da sentença recorrida.

Cabe, por isso, ao Instituto da Segurança Social, I.P. receber os descontos ou contribuições realizados pelo Ministério da Saúde, relativos às remunerações pagas ao Autor, em consequência da sua reintegração e não à Caixa Geral de Aposentações, como decidido na sentença recorrida.

Pelo exposto, procede o fundamento do recurso, incorrendo a sentença recorrida no erro de julgamento que se mostra invocado, não assistindo o direito ao Autor a ser reinscrito na Caixa Geral de Aposentações no período correspondente à sua reintegração, entre 02/09/2004 e 14/06/2007, antes devendo as suas contribuições, nos termos descontados pelo Ministério da Saúde, ser remetidas ao Instituto da Segurança Social, I.P., sobre quem recai o dever de as aceitar e reverter tais descontos em sede de regime de previdência do Autor.

Em consequência, será de conceder provimento ao recurso interposto pela Recorrente, Caixa Geral de Aposentações.

B. Recurso interposto pelo Autor

Erro de julgamento quanto ao período abrangido pelo direito à inscrição na Caixa Geral de Aposentações, I.P., devendo ser alargado ao período entre 15/06/2001 a 21/10/2004

Segundo a alegação e conclusões formuladas no recurso interposto pelo Exequente, ora Recorrente, a sentença recorrida errou quanto ao período abrangido pelo direito à inscrição na Caixa Geral de Aposentações, por dever ser considerado também o período de 15/06/2001 a 21/10/2004.

Assim, tendo a sentença recorrida condenado a Caixa Geral de Aposentações a aceitar a importância total dos descontos das quotas efectuados sobre os valores entregues a título de remuneração ao Exequente, relativamente ao período entre 02/09/2004 a 14/06/2007 e a reconhecer o Exequente como seu subscritor no citado período e a aceitar e receber as quantias correspondentes aos referidos descontos, considera o Exequente, ora Recorrente, que o período anterior também deve estar abrangido, devendo se considerar ser da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações todo o período entre 2001 e 2007.

Totalmente sem razão.

Além de o ora Recorrente não invocar uma única razão de facto ou de direito para justificar o erro de julgamento da sentença recorrida, também não alicerça a sua pretensão.

Acresce que o ora alegado em recurso não foi sequer alegado e peticionado na petição de execução, nada referindo o Exequente em momento anterior sobre esse período.

Ademais, nos termos em que o Exequente configurou a presente execução de sentença anulatória, esta matéria não poderia estar abrangida, por não decorrer da sentença exequenda, não estando esse período abrangido pelo ato de demissão anulado e da consequente reintegração do Autor, por estarem em causa períodos temporais distintos.

Por isso, se pode ler na conclusão primeira do presente recurso interposto pelo Exequente, que “O Recorrente pretendeu através desta execução, a reconstituição da sua carreira contributiva durante o período que decorreu entre a sua demissão (2 de setembro de 2004) e o dia 14 de Julho de 2007, como consequência da condenação da entidade executada a reintegrá-lo nas funções que anteriormente exercia.”, não se referindo a qualquer período anterior, nos termos ora alegados no presente recurso.

Os limites da execução são, pois, definidos pela sentença exequenda e pela petição de execução, sem que a questão do período contributivo ora alegado em sede de recurso, entre 2001 e 2004, resulte de qualquer delas.

Acresce ainda que, tal como anteriormente decidido, a questão em análise objecto do presente recurso, sobre o direito à reinscrição no período contributivo entre 15/06/2001 e 21/10/2004 foi decidida através de ato administrativo pela Caixa Geral de Aposentações, no âmbito do reconhecimento do direito à aposentação, sem que o seu beneficiário, ora Recorrente, alguma vez tenha impugnado esse ato administrativo.

Não só esta questão foi bem decidida na sentença recorrida, como agora, com base no fundamento de essa matéria se encontrar consolidada na ordem jurídica, nos termos do julgamento antecedente e não ter sido alegada na petição de execução, nenhuma razão assiste ao Recorrente, sendo de manter o decidido, que nega o direito ao Exequente à reinscrição na Caixa Geral de Aposentações no período entre 2001 e 2004.

Nestes termos, embora sob fundamentação diferente da adotada na sentença recorrida, é de manter o decidido quanto à limitação do período temporal abrangido pela sentença exequenda.

Pelo que, improcede, por não provado, o fundamento do recurso interposto pelo Exequente, ora Recorrente.

2. Da condenação da Caixa Geral de Aposentações como litigante de má-fé

Por último, alega o Recorrente a litigância de má-fé da Recorrente, com o fundamento de não lhe assistir razão alguma e apenas pretender protelar o trânsito em julgado da sentença recorrida.

Ora, não só o Recorrente não fundamenta a sua alegação, não invocando as razões de facto e de direito em que sustenta a litigância de má-fé, como não lhe assiste qualquer razão quanto ao que alega, nos termos que resultam do julgamento antecedente.

A Caixa Geral de Aposentações, como qualquer outra parte, tem direito ao recurso jurisdicional, o qual não só não se apresenta como manifestamente infundado, como se afigura procedente.

Neste sentido, por manifesta falta de fundamento, será de negar provimento ao alegado e requerido pelo Recorrente.

Termos em que, será de negar provimento às conclusões do recurso em causa, por não provadas.


*


Em face do exposto, deve ser concedido provimento ao recurso interposto pela Caixa Geral de Aposentações e negado provimento ao recurso interposto pelo Exequente, revogando-se a sentença recorrida na parte relativa à entidade responsável pelo recebimentos dos descontos do Exequente e mantendo-a no demais, embora com outra fundamentação.

*

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A questão da falta de título executivo ou da oponibilidade do título executivo não se relaciona apenas com a questão processual da legitimidade passiva, mas sobretudo com a questão substantiva dos efeitos do caso julgado e com o conteúdo do título executivo.

II. A legitimidade passiva na acção executiva não é regulada pelo artigo 174.º do CPTA, mas antes pelo n.º 10 do artigo 10.º do CPTA, nos termos em que o Exequente configura o litígio e do modo como ele configura a prática dos atos de execução devidos para dar execução à sentença exequenda.

III. A questão de saber se certa sentença de anulação de ato administrativo é oponível a um sujeito que não foi parte nessa acção, prende-se com os efeitos e a eficácia da sentença exequenda e os efeitos e os limites do caso julgado subjectivo da sentença exequenda.

IV. Esta questão enfrenta particularidades em relação ao direito processual civil, pois a sentença no processo administrativo não produz apenas efeitos entre as partes na acção, por existirem situações em que os seus efeitos se projectam para terceiros.

V. As sentenças de anulação de ato administrativo produzem efeitos ultra partes ou erga omnes, passando a questão por conciliar a eficácia erga omnes da sentença, com a natureza subjectiva do processo administrativo.

VI. Tendo sido decidido, mediante a prática de um ato administrativo resolvido, por falta de impugnação, que o cargo exercido não confere o direito à reinscrição na Caixa Geral de Aposentações, não pode essa questão ser apreciada, na acção executiva ou em qualquer outra.

VII. Os limites da execução são definidos pela sentença exequenda e pela petição de execução.


***


Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul em:

1. Conceder provimento ao recurso interposto pela Caixa Geral de Aposentações, por provado e em revogar a sentença recorrida na parte em que a condena a reconhecer o Exequente como seu subscritor no período entre 02/09/2004 e 14/06/2007;

2. Em substituição, condenar o Instituto da Segurança Social, I.P. a reconhecer o Exequente como seu subscritor e a aceitar os descontos realizados pelo Ministério da Saúde, no período entre 02/09/2004 e 14/06/2007;

3. Negar provimento ao recurso interposto pelo Exequente, por não provado.

Custas pelo Instituto da Segurança Social, IP na 1.ª instância e custas pelo Exequente no presente recurso.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marques)

(Helena Canelas)