Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05179/11
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2016
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IVA; AVALIAÇÃO INDIRECTA
Sumário:I. A tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável.
II. Resulta assim claro, que a determinação do lucro tributável com recurso a métodos indiciários, tem uma feição excepcional e apenas a lei a autoriza, para aqueles casos em que não seja possível tal apuramento tendo por base a contabilidade do sujeito passivo, como diz a norma do artigo 51° n° 2 do CIRC.
III. E é à AT que cabe a demonstração da verificação dos pressupostos que a legitimem a lançar mão do aludido método presuntivo, ou seja, de que, ao que aqui nos importa, a contabilidade do contribuinte padece de anomalias que afectam a sua credibilidade, por forma a que se torne inviável a quantificação directa, imediata e exacta da matéria colectável.
Só verificados estes pressupostos se transfere para o contribuinte o ónus de demonstrar que, ao invés do sustentado pela AT, aqueles pressupostos se não verificam, ou que, verificando-se, não permitem o apuramento dos valores encontrados.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 08 de setembro de 2011, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por AI…, SA., contra as liquidações adicionais de IVA de 1998 e 1999, emitidas com os nºs e , respectivamente, e bem assim contra os correspondentes actos tributários de juros compensatórios emitidos com os nºs .

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
1) Relativamente aos pressupostos da avaliação indirecta, preceitua o art. 87°, al. b) da LGT que a mesma só pode efectuar-se no caso de "impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto", precisando, por sua vez, o subsequente art. 88°, na sua al. a), que tal impossibilidade pode resultar, designadamente, da "inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, (...)", sendo que, no respeitante ao IVA, estabelecia o art. 84° do CIVA que " (...) a liquidação do imposto com base em presunções ou métodos indirectos efectua-se nos casos e condições previstos nos artigos 87° e 89° da lei geral tributária
2) No caso em apreço, o recurso à aplicação de métodos indirectos, de acordo com o referido no relatório da inspecção tributária, foi determinado pela constatada ocorrência de três situações que inviabilizaram o apuramento directo da matéria colectável e do imposto, sendo que a primeira diz respeito à falta dos registos exigidos pelo disposto no art. 69°, n° 2, al. b) do CIVA, os quais, no caso de centralização da escrita relativa a vários estabelecimentos, se destinam a evidenciar, de forma distinta, os movimentos dos diferentes estabelecimentos, mesmo os efectuados entre si, assim possibilitando um controle adequado das existências de cada um deles.
3) Efectivamente, a inexistência de tais registos foi formalmente assumida pelo próprio sócio gerente da impugnante, mediante termo de declarações que constitui o anexo 14 ao mesmo, tendo referido que relativamente ao ano de 1998 não foi possível apresentar as guias de transporte por se desconhecer onde se encontravam arquivadas, sendo que, em relação ao exercício de 1999, tal só foi possível a partir de Abril desse mesmo ano, ainda que não se tratasse dos originais, mas, tão-só, de elementos obtidos a partir do sistema informático.
4) Tal como referido no relatório de inspecção, a inexistência dos referidos elementos de registo compromete o controle rigoroso das existências, não sendo possível controlar as vendas e, por consequência, apurar os proveitos realmente obtidos, sendo certo que, ipso facto, não seria possível proceder ao controle desse aspecto essencial da actividade da ora impugnante, com vista à comprovação e quantificação directa da matéria colectável e do imposto, tratando-se, por conseguinte, de uma situação em que, tal como vem sendo entendido pela jurisprudência, se revela adequado o recurso à aplicação de métodos indirectos de avaliação.
5) Não obstante a sentença recorrida ter dado como provado que a impugnante, nas situações em causa, emitia guias de remessa, é patente que se trata de uma referência demasiado genérica e inconcludente, que assenta unicamente em depoimentos de empregados da impugnante e que em nada contraria os factos mencionados no relatório a respeito da inexistência dos registos exigidos pelo disposto no art. 69°, n° 2 do CIVA, bem como as aludidas afirmações obtidas em termo de declarações, razão pela qual se poderá concluir, com base no relatório da inspecção tributária, que a impossibilidade de proceder ao controle rigoroso das existências, para determinar as vendas, obsta seguramente ao correcto apuramento dos proveitos.
6) No respeitante ao segundo dos fundamentos que determinaram a aplicação de métodos indirectos, concluiu a decisão recorrida pela não verificação da inexistência de contrapartida de compras ou de stocks, com base em meras explicações genéricas provenientes das testemunhas, ainda que, claramente e tal como foi admitido pelas mesmas, tais justificações assentem tão-somente no convencimento das próprias testemunhas de que as vendas de mercadorias, de um modo geral, se processaram nos termos descritos, não tendo sido apresentada, por parte da impugnante, prova documental com idoneidade suficiente para contrariar, de forma convincente, os elementos constantes do relatório de inspecção a respeito da constatada venda das mercadorias em causa, não tendo, por conseguinte, sido possível à inspecção tributária confirmar a existência da respectiva contrapartida de compras ou de stocks.
7) A propósito da margem de lucro apurada pela inspecção tributária, considerou a decisão recorrida que tal conclusão assenta numa amostra de mercadorias muito diminuta, sendo certo que, por outro lado, a impugnante não procedeu, como lhe competia, à apresentação de provas que obstassem a esse facto, ou seja, provas semelhantes às apresentadas pela inspecção tributária que aumentassem a amostra de mercadorias e permitissem o apuramento da margem de lucro com base num conjunto mais amplo de produtos.
8) Assim, resulta inquestionável, face aos elementos constantes dos autos, que as omissões e inexactidões constatadas na contabilidade da impugnante, na medida em que obstam ao apuramento dos proveitos realmente obtidos, permitem concluir pela existência de razões fundadas para proceder à determinação do imposto em causa com base na aplicação de métodos indirectos, pelo que tendo a sentença recorrida decidido com base em entendimento contrário ao que resulta das presentes conclusões, deverá ser revogada, com as legais consequências.»

A Recorrida, apresentou contra-alegações, conforme seguidamente expendido:
« III. CONCLUSÕES
1.ª A sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de juros respeitantes aos anos de 1998 e 1999, decidindo não estarem reunidos os pressupostos de que a lei faz depender o recurso a métodos indirectos, dando por provado não se verificar nenhum dos indícios apresentados pela administração tributária para fundamentar que a contabilidade da Recorrida não reflectiria a sua real situação;
2.ª A Recorrente discorda da sentença recorrida quanto à não verificação das três situações referidas no relatório de inspecção tributária que inviabilizaram o apuramento directo da matéria colectável e do imposto, sem, contudo, indicar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
3.ª Deste modo, a Recorrente incumpriu com o ónus de especificação da matéria de facto impugnada previsto no artigo 685.°-B, n.° 1, do CPC, não podendo, por esta razão, deixar de estar votada ao insucesso qualquer impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
4.ª Sucede que não se verifica qualquer erro de julgamento referente à insusceptibilidade de os indícios apresentados pela administração tributária inviabilizarem o apuramento directo da matéria colectável da Recorrida e, consequentemente, não fundamentarem a aplicação de métodos indirectos;
5ª Com efeito, no que respeita à alegada falta das guias de transporte das mercadorias não só o Tribunal a quo considerou provado que a Recorrida emitia guias de remessa para as mercadorias que seguiam para os retalhistas e guias de transporte para as mercadorias que seguiam para as lojas, como julgou não serem as guias de transporte sequer indispensáveis para a determinação da matéria colectável;
6.ª De facto, considerou o Tribunal recorrido que, para efeitos de determinação da matéria colectável, basta que "(...) as mercadorias constem das existências, sendo indiferente que se encontrem numa ou noutra loja", sendo certo que nunca a administração tributária demonstrou que as mercadorias não estivessem inventariadas;
7.ª Acresce que, conforme resulta do regime fixado no Decreto-Lei n.° 45/89, de 11 de Fevereiro, o objectivo específico das guias de transporte é o de documentar a circulação de um bem entre sujeitos económicos, constituindo a sua falta uma mera irregularidade que, a verificar-se, nem sequer poderia confundir-se com qualquer vício, omissão ou inexactidão contabilística que impedisse a quantificação directa da matéria tributável da Recorrida;
8.ª Já quanto aos demais indícios fundamentadores da aplicação de métodos indirectos invocados pela administração tributária, cinge-se o Ilustre Representante da Fazenda Pública a fazer afirmações genéricas quanto à alegada errónea apreciação de facto efectuada na sentença recorrida sem, contudo, indicar os concretos erros sobre o julgamento da matéria de facto imputáveis à decisão recorrida.
9.ª Ora, as afirmações do Ilustre Representante da Fazenda Pública em nada obstam ao decidido pelo Tribunal recorrido, o qual considerou provado que "A referenciação dos produtos na venda é mais pormenorizada que a referência correspondente ao mesmo produto no inventário, pois ali se incluem outros elementos de detalhe do produto", razão pela qual se afigura possível "(...)estabelecer a correspondência entre vendas de mercadorias e contrapartidas de compras e stocks, (...) perdendo importância este argumento avançado como indício fundamentador do recurso a métodos indirectos ";
10.ª Considerou ainda provado aquele Tribunal, quanto à alegada existência de uma margem bruta inferior à apurada por amostragem, que "(...) a amostragem feita pela AT (...) peca por defeito, já que não contempla um universo representativo das mercadorias e do stock da impugnante, uma vez que se baseia em amostra muito diminuta"',
11.ª Em suma, decidiu o Tribunal a quo que nenhum dos factos alegados pela administração tributária inviabiliza a avaliação directa da matéria colectável, não sendo legítimo o recurso a métodos indirectos, sem que o Ilustre Representante da Fazenda Pública demonstrasse qualquer erro no julgamento daqueles factos, invocando tão só a não apresentação pela Recorrida de prova suficiente para contrariar os elementos constantes do relatório de inspecção tributária;
12.ª Ora, no que ao ónus da prova diz respeito importa referir que este não cabia à Recorrida, cabendo antes à administração tributaria a prova da verificação dos pressupostos legitimadores do recurso a métodos indirectos para apuramento da matéria tributável, em conformidade com o que dispõem os artigos 74.° e 75.° da LGT;
13.ª Efectivamente, sendo a administração tributária que invoca a impossibilidade de determinação directa da matéria tributável da Recorrida, procedendo à aplicação de métodos indicíários, é àquela que cabe demonstrar os concretos factos que impossibilitam a avaliação directa, o que não logrou fazer, conforme se constata do teor da sentença recorrida, pelo que de nada serve imputar qualquer censura ao juízo do Tribunal a quo quanto à insuficiência da prova carreada para o processo pela Recorrida, porquanto tal asserção parte do erróneo pressuposto de que o ónus probatório da matéria em apreço impendia sobre o contribuinte, o que não tem qualquer correspondência na lei;
14.ª Em face da não verificação dos pressupostos para a aplicação de métodos indirectos impõe-se manter a sentença recorrida e julgar improcedente o recurso da Fazenda Pública, com as demais consequências legais;
15.ª Admitindo-se, por mero dever de patrocínio, que o recurso deduzido pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública é julgado procedente e que esse Ilustre Tribunal, para além da revogação da sentença recorrida, entende que nada obsta à apreciação das questões que ficaram prejudicadas pela solução dada ao litígio, sempre se impõe no caso sub judice a ampliação da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, dada a sua insuficiência para a prolação de decisão sobre as questões que ficaram, quais sejam: a errónea quantificação da matéria colectável e fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário;
16.ª Deverá o Tribunal ad quem, nos termos do disposto no n.° l do artigo 712.° do CPC, aplicável ex vi artigo 2.° do CPPT, alterar a decisão recorrida, ampliando a matéria de facto com os factos constantes dos artigos 96.° a 138.° da petição inicial de impugnação, nos termos supra enunciado nas alíneas i) a xviii) da secção c) das presentes alegações, assim decidindo pela procedência integral da impugnação;
17.ª Caso assim não se entenda, considerando esse Douto Tribunal haver déficit instrutório, dever-se-á determinar nos termos do n.° 4 do artigo 712.° do CPC a remessa do processo ao Tribunal Recorrido com vista à ampliação da matéria de facto nos termos apontados e posterior decisão;
18.ª Ainda que assim se não entenda, sendo dado provimento ao presente recurso, deverá o tribunal ad quem conhecer da ampliação do objecto do recurso requerida nas presentes alegações quanto ao fundamento da errónea quantificação da matéria colectável, alterando a decisão recorrida, ampliando a matéria de facto com os factos constantes dos artigos 96.° a 138.° da petição inicial de impugnação, nos termos supra enunciado nas alíneas i) a xviii) da secção c) das presentes alegações, ou ordenar a descida dos autos ao Tribunal recorrido para dela se conhecer, sempre julgando procedente a impugnação deduzida.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!”

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A Exmª. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de que o recurso merece provimento.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Com este pano de fundo, a única questão a decidir consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que não estavam verificados os pressupostos da fixação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«Com interesse para a decisão a proferir, consideramos provados os seguintes factos:
1- Entre 4/12/01 e Maio e 2002, a ora impugnante foi sujeita a uma acção de fiscalização externa, a qual incidiu sobre o IRC e o IVA dos anos de 1998 e 1999, em resultado da qual foi elaborado o respectivo relatório de fiscalização junto aos autos a fls. 12 e ss do P AT.
2- A impugnante tem como objecto social a confecção, comércio por grosso e a retalho de artigos de vestuário e acessórios, fabricando artigos de vestuário da marca , vendendo a sua produção a outros retalhistas, como nas suas próprias 5 lojas de venda ao público, comercializando, também, outras mercadorias adquiridas a outros fornecedores (relatório de fiscalização junto ao PAT);
3 - A impugnante está inserida num grupo de outras empresas do mesmo sector de actividade, conhecidas por Grupo , nomeadamente a , , , e (relatório de fiscalização junto ao PAT);
4 - De acordo com o citado relatório de inspecção, foram efectuadas correcções meramente aritméticas e, para o que para o presente caso importa, correcções com recurso a métodos indirectos, em sede de IRC e de IVA, para os anos de 1998 e 1999 (relatório de fiscalização junto ao PAT);
5 - Nos termos das conclusões do relatório de inspecção, as correcções com recurso a métodos indirectos cifraram-se nos seguintes valores:
IRC/1998- €963.437,76
IRC/1999- €1.074.273,35
IVA/1998 - € 163.784,42 (imposto em falta)
IVA/ 1999 - € 182.626,47 (imposto em falta)
6 - Sob a epígrafe "Motivos e Exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos", a AT apontou no relatório de inspecção três aspectos com respeito à contabilidade da impugnante (relatório de fiscalização junto ao PAT):

a) - falta de guias de transporte dos produtos fabricados na sede e com destino às várias lojas - "Nos termos do n°2 do art° 69° do CIVA, deverão existir registos dos movimentos de cada estabelecimento, incluindo os efectuados entre si"; "(...) se não houver estes registos (leia-se, guias de transporte), não é possível um correcto controle das existências e consequentemente, dos artigos vendidos"; "Para além destes factos e omissões, o sujeito passivo também não cumpriu com o disposto no Dec, Lei 45/89, de 11/02, uma vez que o seu art° 1° refere da obrigatoriedade de todos os bens em circulação deverem ser acompanhados de 2 exemplares de documentos de transporte.
Quanto ao seu arquivo, o n°4 do art° 10° deste diploma legal, refere que os mesmos deverão ser mantidos pelo prazo de 5 anos".
b) - não correspondência entre vendas de mercadorias e contrapartidas de compras e stocks - conclusão retirada com base numa amostragem recolhida junto da loja do Centro Comercial com referência aos dias 2 a 10 de Janeiro de 1998 e 2 a 13 de Janeiro de 1999, conforme a seguir explanado:
"(...) 2.Foram efectuados testes de coerência, nomeadamente através do método de cisão das contas, tendo comparado as primeiras compras e vendas do ano com os itens constantes no último inventário, de que resultou o seguinte:
a) Compras e vendas de Janeiro /98: inventário de 31/12/97 (anexo 15)
Estes dados dizem respeito à loja do C. Comercial .
Da análise documental dos dias 2 a 10 de Janeiro de 1998, constatei que as mercadorias a seguir descriminadas foram vendidas, sem que haja a contrapartida de compras ou de stocks (conforme inventário físico exibido); no caso dos produtos fabricados na sede, os itens a seguir descriminados não constam nos stocks (conforme inventário físico exibido), não sendo também possível controlar a sua movimentação da sede para a loja uma vez que não foram exibidas guias de transporte.


b) Compras e vendas de Janeiro /PP; inventário de 31/12/98 (anexo 16)
Estes dados dizem respeito à loja do C. Comercial .
Da análise documental dos dias 2 a 13 de Janeiro de 1999, constatei que as mercadorias a seguir descriminadas foram vendidas, sem que haja a contrapartida de compras ou de stocks (conforme inventário físico exibido); no caso dos produtos fabricados na sede, os itens a seguir descriminados não constam nos stocks (conforme inventário físico exibido), não sendo também possível controlar a sua movimentação da sede para a loja, uma vez que não foram exibidas guias de transporte.



c) – Margem bruta bastante inferior á apurada por amostragem, o que “indicia que o valor declarado das vendas não corresponde à realidade, e por conseguinte, existe uma evidente omissão de vendas ";

7 - Em consequência, os serviços de inspecção concluíram que "a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, contrariando o disposto na al. b), n° 3 do art° 17° e n° 3 do art° 98°, ambos do CIRC, pelo que a matéria colectável vai ser determinada através da aplicação de métodos indirectos, nos termos do art°51°do CIRC e arts 87° e 88° da LGT" (relatório de fiscalização junto ao PAT):
8 - Sob a epígrafe "Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos " pode ler-se no relatório de inspecção que:
" (...)
1. A empresa tanto comercializa mercadorias adquiridas a terceiros como produtos fabricados por si (da marca ), utilizando para o efeito os vários estabelecimentos comerciais (sector retalhista), assim como também revende os mesmos artigos a outros retalhistas (sector grossista).
Segundo o TOC, apesar da contabilidade fazer distinção entre Vendas de mercadorias e Vendas de Produtos, os valores não correspondem totalmente à realidade, uma vez que são determinados com base em valores estimados.
O critério utilizado para determinar o valor estimado de todas as Vendas teve por base o custo das mercadorias vendidas e o das matérias consumidas contabilizadas e no valor da margem bruta apurada por amostragem, quer para as mercadorias como para os produtos.
Na amostragem constante nos anexos seguintes, a ponderação foi efectuada com base nas vendas das mercadorias e produtos, dos meses de Abril, Maio, Outubro e Novembro, tanto da sede como da loja no Centro Comercial .
2. Relativamente ao preço de custo das mercadorias o valor indicado na amostragem corresponde ao das facturas dos fornecedores; quanto ao dos produtos fabricados, corresponde ao custo da matéria prima incorporada, de acordo com as fichas de produção fornecidas pela empresa (anexo 17). De acordo com o Termo de Declarações, o sócio gerente afirmou que o valor da mão de obra e dos gastos gerais de fabrico é estimado, não havendo qualquer critério de imputação. Aliás este facto é visível no mapa resumo dos custos de produção fornecido pela empresa, em que todos os artigos têm o mesmo custo unitário de GGF.
3. Mercadorias
De acordo com o anexo 18 (sector retalhista) e anexo 19 (sector grossista), foram apuradas margens brutas ponderadas indicadas no quadro seguinte.
As vendas a dinheiro referenciadas na amostragem dizem respeito à loja do Centro Comercial ; quanto às facturas, dizem respeito à sede.
Foi tomado em consideração o período de saldos (sector retalhista), em que existe uma redução no preço de venda entre os 30 %, 40 % e 50 %t pelo que irei considerar um desconto médio final de 40 % sobre o preço de venda.
Atendendo a que os preços de venda do anexo 18 são os praticados em período normal, com base em margens pré-determinadas pela empresa, sobre os preços de venda nele referido há que retirar 40 % a titulo de desconto no período de saldos, ou seja, o preço de venda do período de saldo representa 60 % do período normal (anexo 20).
Para efeitos de ponderação da margem bruta, foi tido em consideração o valor declarado das Vendas nos períodos de saldos (Janeiro / Fevereiro e Julho / Agosto), que representam respectivamente, 25% e 31%, em 1998 e 1999, do total do volume de negócios.
Estas amostragens são bastante representativas dos artigos mais comercializados pela empresa e a ponderação foi efectuada com base no peso das compras de cada um dos fornecedores.
Refira-se que o TOC acompanhou todo este processo da amostragem, tendo contribuído em parte na escolha dos itens seleccionados.


Resumindo e atendendo às margens brutas e ao peso das vendas, em cada um dos períodos (normal e de saldos), foram apuradas as seguintes margens:
1998
(1) (2) (3) (4)
Lojas: (109,7 %x 0,75 + 25,8 %x 0,25) =88,7%
Sede: = 52,9%
Legenda:
(1): margem bruta, em período normal;
(2): % das vendas em período normal;
(3): margem bruta, em período de saldos;
(4): % das vendas em período saldos;

1999
(1) (2) (3) (4)
Lojas: (116,5% x 0,69 + 29,9% x 0,3 J) = 89,7%
Sede: = 50,1%
Legenda:
(1): margem bruta, em período normal;
(2): % das vendas em período normal;
(3): margem bruta, em período de saldos;
(4): % das vendas em período saldos;

4.Produtos
De acordo com o anexo 21 (sector retalhista) e anexo 22 (sector grossista), foram apuradas margens ponderadas indicadas no quadro seguinte.

As vendas a dinheiro referenciadas na amostragem dizem respeito à loja do Centro Comercial ; quanto às facturas, dizem respeito à sede.

Tal como já referi o preço de custo inclui apenas a componente da matéria prima incorporada.

Foi tomado em consideração o período de saldos (sector retalhista), em que existe uma redução no preço de venda entre os 30%, 40% e 50%, pelo que irei considerar um desconto médio final de 40 % sobre o preço de venda.

Atendendo a que os preços de venda do anexo 21 são os praticados em período normal, com base em margens pré-determinadas pela empresa, sobre os preços de venda nele referido há que retirar 40 % a titulo de desconto no período de saldos, ou seja, o preço de venda do período de saldo representa 60 % do período normal (anexo 23).

Para efeitos de ponderação da margem bruta, foi tido em consideração o valor declarado das Vendas nos períodos de saldos (Janeiro / Fevereiro e Julho / Agosto), que representam respectivamente, 25% e 31%, em 1998 e 1999, do total do volume de negócios.

Estas amostragens são bastante representativas dos artigos mais comercializados pela empresa e a ponderação foi efectuada com base no peso das compras de cada um dos fornecedores,

Refira-se que o TOC, tal como anteriormente, acompanhou todo este processo da amostragem, tendo contribuído em parte na escolha dos itens seleccionados.


Resumindo e atendendo às margens brutas e ao peso das vendas, em cada um dos períodos (normal e de saldos), foram apuradas as seguintes margens:
1998
(1) (2) (3) (4)
Lojas: (310,1 % x 0, 75 + 146,1 %x 0,25) = 269,1 %
Sede: = 144,7%
Legenda:
(l): margem bruta, em período normal;
(2): % das vendas em período normal;
(3): margem bruta, em período de saldos;
(4): % das vendas em período saldos;
1999
(1) (2) (3) (4)
Lojas: (327,0 % x 0,69 + 156,2 % x 0,31) = 274,1 %
Sede: = 148,2%
Legenda
(1): margem bruta, em período normal;
(2); % das vendas em período normal;
(3): margem bruta, em período de saldos;
(4): % das vendas em período saldos;

5. Tal como foi referido anteriormente, a distinção na contabilidade entre Vendas de mercadorias e de produtos, não corresponde à realidade.
Assim sendo, toma-se necessário apurar qual o peso das vendas das mercadorias e dos produtos, tanto nas lojas como na sede.

Por amostragem das Vendas aos meses de Maio, Junho, Outubro, Novembro e Dezembro, quer as referentes à sede, como das várias lojas, constatei a seguinte repartição das vendas, quer de mercadorias, como de produtos:

5.1. Exercício de 1998



5.2. Exercício de 1999


5.3. Determinação da margem bruta ponderada
Com base nos valores indicados nos quadros anteriores e atendendo às margens brutas determinadas nos pontos 3. e 4., temos:
1998 (1) (2) (3) (4)
Mercadorias 88,7 % x 0,76 + 52,9%x 0,24 =80,1%
Produlos 269,1 % x 0,22 + 144,7% x 0,78 =171,1%
Legenda:
(l): margem bruta ponderada apurada na loja;
(2): peso relativo do tipo de vendas (mercadorias ou produtos) nas lojas:
(3): margem bruta ponderada apurada na sede:
(4): peso relativo do tipo de vendas (mercadorias ou produtos) na sede.

1999 (1) (2) (3) (4)
Mercadorias 89,7% x 0,82 + 50,1% x 0,18 = 82,6%
Produtos 274,1 % x 0,32 + 148,2 % x 0,68 =188,5%
Legenda;
(1); margem bruta ponderada apurada na loja;
(2): peso relativo do tipo de vendas (mercadorias ou produtos) nas lojas:
(3): margem bruta ponderada apurada na sede:
(4): peso relativo do tipo de vendas (mercadorias ou produtos) na sede,

6.Determinação do valor estimado das Vendas
Este valor será calculado com base no custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas e no valor da margem apurada anteriormente no ponto 5.3..
Uma vez que a distinção entre Vendas de mercadorias e de produtos não corresponde à realidade, pois foi apurada com base numa estimativa percentual, o valor declarado de ambas será indicado neste quadro como Vendas totais declaradas.

* incluí a variação de produção referente apenas à componente da matéria prima, representando em 1998, 56 % do total declarado de 14.232,249$00, ou seja, 7.970.059$00; e em 1999, 56 % do total declarado de 31.047.643$00, ou seja, 16.765.727$00.
Estas percentagens foram retiradas dos mapas resumos dos custos de produção fornecidos pela empresa.
7. Em sede de IRC, face ao valor das vendas corrigidas, a matéria colectável vai ser acrescida em 1998 e 1999, respectivamente, nos montantes de € 963.437,76 e € 1.074.273,35.
8. Em sede de IVA, com a mesma fundamentação, forma de cálculo e valores utilizados, em sede de IRC, foram presumidas Vendas de mercadorias e de produtos, nos termos do art.°. 84° do CIVA, de que resultou um imposto em falta em 1998 e 1999, respectivamente, nos montantes de €163.784,42 ( 32.835.828$00) e € 182.626,47 (36.613.320$OO).

9- Em consequência do apuramento efectuado com base em métodos indirectos, foram efectuadas correcções em sede de IRC e de IVA que se assinalaram no ponto 5 supra;
10 - Por discordar da actuação da AT no que respeita à avaliação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, em 23/07/02, a ora impugnante apresentou um pedido de revisão da matéria colectável, ao abrigo do disposto nos artigos 91° a 94° da LGT, tendo requerido a intervenção de um perito independente (cfr. fls. 136 e ss dos autos);
11 - De acordo com a acta n° 45/02 (e os respectivos laudos dos peritos intervenientes), relativa ao procedimento de revisão, não foi possível obter um acordo entre os peritos, apesar de o perito da impugnante e o perito independente estarem de acordo na contestação à actuação da AT, em concreto quanto à falta de pressupostos para a aplicação de métodos indirectos no caso em análise (cfr. fls. 75 a 83 dos autos); 12 - Na decisão final, em sede de pedido de revisão, foram alterados os valores inicialmente corrigidos pela inspecção tributária, tendo-se ai concluído que (cfr. fls. 92 a 94 dos autos):

" (...) Tendo em conta os elementos constantes do processo, os indicadores disponíveis para o sector de actividade em causa e, atendendo a que nos cálculos efectuados pela Administração Fiscal só foram tidos em linha de conta os descontos efectuados em época de saldos, decido alterar o valor estimado das vendas dos exercícios de 1998 e de 1999, nos montantes de €5.406,569,05 e € 7.066.601,62 e para 4.924.872,16 e €6.529.499,67€, respectivamente.

O valor das vendas estimadas foi calculado da seguinte forma: ao CMVC declarado pelo contribuinte nos exercícios de 1998 e 1999, nos montantes de 2.371.032,77 € e 3.048.176,87€, respectivamente, foi aplicada uma MBVM de 107,71% para o exercício de 1998 e 114,21% para o exercício de 1999, resultante da média entre a MBVM declarada (87,39% e 96,59%) e a MBVM presumida pela Administração Fiscal (128,03% e 131,83%).
Em face do exposto, são de alterar as correcções em sede de IRC e IVA.
DETERMINAÇÃO DO VALOR ESTIMADO DAS VENDAS



13 - Em consequência, em 2/12/02, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA n°s e , respeitantes aos anos de 1998 e 1999, respectivamente, e, bem assim, os correspondentes actos tributários de juros compensatórios emitidos com os n°s (cfr. fls. 47 a 73 dos autos);
14 - Nas lojas da impugnante, a emissão da venda a dinheiro serve para pagar as comissões dos funcionários nas vendas efectuadas e, bem assim, para efectuar a troca de qualquer artigo ali comprado (depoimento das testemunhas Augusto e Luís );
15 - Na loja da impugnante, sita no Centro Comercial , a renda tem uma componente variável em função do montante das vendas mensais, existindo fiscalização por parte do centro Comercial quanto às vendas (depoimento das testemunhas Augusto e Luís que, aliás, se referiu aos "clientes mistério " como sendo inspectores do centro comercial que se dirigiam à loja para comprar algo, a fim de verificarem se era emitida venda a dinheiro);
16 - A impugnante emitia guias de remessa para o caso de mercadoria que seguia para os retalhistas e emitia guias de transporte no caso de mercadoria que seguia para as suas próprias lojas (cfr. depoimento das testemunhas Augusto e Luís );
17 - A impugnante dispõe de notas de encomenda de produtos através das quais se alcança o percurso dos artigos aí mencionados, entre a encomenda e a entrega, processo este que era conferido por várias pessoas (cfr. does. juntos aos autos a fls. 308 e 309, explicado em sede de inquirição da testemunha Luís...);
18 - Nos inventários da impugnante, os artigos em stock vêm descritos, em regra, apenas pelos códigos do fornecedores, que funcionam como referências, denominador comum que permitia identificar a mercadoria e que também integra o código dos talões de venda, aos quais são acrescidos dígitos adicionais por forma a identificar a cor e tamanho (últimos quatro ou cinco dígitos), e, em alguns casos, o ano (primeiro dígito), estação (2.° dígito) e, no caso das camisas, a referência do "colarinho" (terceiro, quarto e quinto dígitos) - cfr. depoimento da testemunha Augusto... a propósito do doc. 8 junto à p.i e, bem assim, de Luís...);
19 - A referenciação de um produto na venda é mais pormenorizado que a referência correspondente ao mesmo produto no inventário, pois ali já se incluem outros elementos de detalhe do produto (depoimento das testemunhas Augusto... e Luís...);
20 - A maioria dos pagamentos feitos nas lojas da impugnante (cerca de 70% / 75%) são efectuados com cartão Multibanco ou Visa (cfr. depoimento da testemunha Luís...)
21 - A amostragem recolhida pela AT, para efeitos de cálculo da margem de lucro da impugnante, baseou-se, no que concerne aos produtos fabricados pela própria empresa (...), na análise de 16 produtos, sendo que, por exemplo, relativamente às camisas, a impugnante dispõe de cerca de 300 referências, por estação, o que correspondia a cerca de 80/90% da sua produção (cfr. doc. 20 junto à p.i e depoimento das testemunhas Augusto... e Luís...);
22 - A amostragem recolhida pela AT, para efeitos de cálculo da margem de lucro da impugnante, baseou-se, no que concerne aos produtos fabricados pela própria empresa (...), na análise de um produto - boxers - que representa apenas 2% da totalidade dos artigos comercializados e relativamente ao qual se verifica uma margem bruta muito alta (cfr. doc.. 20 junto à p.i e depoimento da testemunha Augusto... e Vítor…);
23 - Na margem de lucro apurada pela AT não foram tomadas em consideração as perdas por roubo, outros custos de produção como os aviamentos (botões, entretelas, plásticos, etc.), embalagens, os descontos efectivamente praticados em época de saldos, os descontos a funcionários (20%), as promoções a clientes, as ofertas ou os preços efectivamente praticados na venda aos retalhistas (cfr. depoimento das testemunhas Augusto..., Luís... e Vítor….).

*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, bem como do depoimento das testemunhas ouvidas, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
Refira-se que as testemunhas ouvidas, um TOC, um director comercial e o consultor, pela suas actividades exercidas junto da impugnante ou no grupo em que esta se mostra inserida (no caso da testemunha Vítor…), mostraram total e directo conhecimento dos factos em relação aos quais foram ouvidas, mostrando-se o seu depoimento credível e esclarecedor na formação da convicção do Tribunal.


Factos não provados:
A) Que o TOC da impugnante acompanhou todo o processo da amostragem, tendo contribuído em parte na escolha dos items seleccionados pela inspecção tributária.
A afirmação deste facto, tal como consta do relatório da fiscalização, não se mostra demonstrado, tendo sido posto em causa, de forma categórica, pelo próprio TOC, ouvido como testemunha, que negou ter contribuído para a escolha dos artigos seleccionados para efeitos de amostragem.

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B.DE DIREITO
No presente recurso, está em causa a sentença proferida pela Mmª Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela Impugnante, ora Recorrida, tendo por objecto as liquidações adicionais de IVA de 1998 e 1999, emitidas com os nºs e , respectivamente, e bem assim contra os correspondentes actos tributários de juros compensatórios emitidos com os nºs , cuja matéria colectável foi apurada através do recurso a métodos indirectos.
Para assim decidir, na sentença sob exame considerou-se em síntese que os pressupostos invocados pela Administração Tributária (AT) para recurso a métodos indirectos não assentam em circunstâncias e factos, que, por si inviabilizem a avaliação indirecta, concluindo que não se encontrava legitimado o recurso a métodos indirectos para determinação da matéria colectável.

Vejamos antes de mais o enquadramento jurídico que suporta os actos de liquidação em crise nos autos, sabido que é, que o foram com recurso a métodos indirectos.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 85.º da LGT a avaliação indirecta é uma forma subsidiária da avaliação directa de determinação do lucro tributário dos contribuintes, apenas podendo ser aplicada aquela primeira forma de avaliação nos casos expressamente previstos na lei e quando estejam reunidos os pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito (cfr. artigo 81.º, n.º 1 da LGT).
O recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável é uma última ratio, apenas podendo ser aplicado quando não seja possível que esta avaliação seja feita por via da avaliação directa, em conformidade com o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. artigo 104.º, n.º 2 da CRP).
Dito de outra forma, tendo a avaliação indirecta carácter subsidiário em relação à avaliação directa (cfr artigo 85.º, n.º 1, da LGT) e excepcional (cfr. artigo 81º da LGT, n.º1 da LGT), cabe à AT a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (cfr. artigo 74.º, n.º 3, da LGT) (Ac. do STA de 17/03/2010, processo n.º 01211/09).
No caso vertente, como resulta do teor do relatório da inspecção, que foi apropriado pela decisão do pedido de revisão da matéria tributável, o que motivou o recurso aos métodos indirectos foi a verificação: - falta de guias de transporte dos produtos fabricados na sede e com destino às várias lojas; não correspondência entre vendas de mercadorias e contrapartidas de compras e stocks e Margem bruta bastante inferior á apurada por amostragem que segundo a AT inviabilizavam o apuramento da matéria tributável de forma directa (cfr. artigos 87° e 88° da LGT)
Dito isto, cumpre averiguar se a AT demonstrou a verificação dos pressupostos para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos (cfr. n.º 3 do artigo 74.º da LGT).
Vejamos, então.
Esgrime a Recorrente, em substância, que pese embora, tenha resultado provado que a impugnante emitia guias de remessa, tal não contraria a conclusão, a que se chegou no Relatório de Inspecção i.é. a impossibilidade de proceder ao controle rigoroso das existências, para determinar as vendas, obsta seguramente ao correcto apuramento dos proveitos.
Pronunciando-se sobre primeiro fundamento - falta de guias de transporte dos produtos fabricados na sede e com destino às várias lojas, expendeu a Mmª Juíza «a quo» o seguinte: «(…) este argumento, ao ser invocado no caso concreto da impugnante, só poderia respeitar a uma parte da actividade desenvolvida pela impugnante ( a das suas próprias lojas, que não a área retalhista, jâ que aqui daquilo que se trata é da existência de guias de remessa).
Porém, nem para aquela área de actividade a alegada inexistência de guias de transporte é susceptível de impossibilitar o controle das existências e dos artigos vendidos. Com efeito, tais documentos não são indispensáveis para a determinação da matéria colectável, desde que as mercadorias constem das existências, sendo, para os efeitos pretendidos, indiferente que as mercadorias se encontrem numa ou noutra loja, como - fere o EMMF no douto parecer proferido nestes autos. Ora, em parte alguma a AT demonstrou que as mercadorias não estivessem inventariadas.
Como resultou da prova produzida, a impugnante dispõe de notas de encomenda dos produtos através das quais se alcança o percurso dos artigos aí mencionados, entre a encomenda e a entrega, processo este que era conferido por várias pessoas; havia, pois, um controlo contínuo ao longo do processo produtivo consubstanciado em conferências dos artigos produzidos e do número de peças.
Para mais, do próprio regime fixado no DL n.0 45/89, de 11 de Fevereiro, se retira que o objectivo específico das guias de transporte é o de documentar a circulação de um bem entre sujeitos económicos, sendo que a sua falta constitui, apenas, uma irregularidade.
Como aponta a impugnante, a inexistência de guias de transporte afigura-se absolutamente irrelevante para efeitos da demonstração da regularidade das operações de determinação do lucro tributável gerado pela totalidade da actividade da impugnante, uma vez que as referidas guias de transporte não sustentam, documentalmente, quaisquer custos ou proveitos da actividade desenvolvida pela impugnante.
Assim e concluindo este ponto, o Tribunal, na linha do entendimento da impugnante e do EMMP, entende, face ao que ficou dito, que a invocada inexistência de guias de transporte não constitui, de modo algum, um motivo sustentado que ponha em causa a contabilidade e a função para efeitos de comprovar e quantificar e exactamente os elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.»
Concorda-se, em absoluto, com a fundamentação da sentença recorrida e a conclusão a que chegou.
Com efeito, resulta do próprio regime fixado no DL n.º 45/89, de 11 de Fevereiro, que o objectivo especifico da guia de transporte é, tão somente, o de documentar e acompanhar a circulação de um bem entre sujeitos económicos não sustentando documentalmente, quaisquer custos ou proveitos da actividade.
E, mais, em momento algum, a AT afirmou inexistirem documentos que comprovem a aquisição dos bens ou das matérias primas e a factura que titule as respectivas vendas.
Diz a Recorrente, no que respeita ao segundo dos fundamentos que determinou a aplicação de métodos indirectos « (…) concluiu a decisão recorrida pela não verificação da inexistência de contrapartida de compras ou de stocks, com base em meras explicações genéricas provenientes das testemunhas, ainda que, claramente e tal como foi admitido pelas mesmas, tais justificações assentem tão-somente no convencimento das próprias testemunhas de que as vendas de mercadorias, de um modo geral, se processaram nos termos descritos, não tendo sido apresentada, por parte da impugnante, prova documental com idoneidade suficiente para contrariar, de forma convincente, os elementos constantes do relatório de inspecção a respeito da constatada venda das mercadorias em causa, não tendo, por conseguinte, sido possível à inspecção tributária confirmar a existência da respectiva contrapartida de compras ou de stocks.» ( Conclusão 6)
Impõe-se desde logo, sublinhar que não se desconhecendo que vigora no nosso ordenamento jurídico-fiscal o princípio da livre admissibilidade dos meios de prova (cfr. artigo 115.º, n.º 1, do CPPT), a prova testemunhal não pode servir para demonstrar a existência de documentos, a menos que seja avançada uma explicação plausível e convincente para a impossibilidade de apresentação dos mesmos.
Todavia, no nosso caso, como bem salientou a Mmª Juiza « a quo» da conjugação da prova documental e testemunhal resultou assente que que, nos inventários, os artigos, em stock vêm descritos, em regra, apenas pelos códigos do fornecedores, que funcionam como referências, denominador comum que permitia identificar a mercadoria e que também integra o código dos talões de venda, aos quais são acrescidos dígitos adicionais por forma a identificar a cor e tamanho (últimos quatro ou cinco dígitos), e, em alguns casos, o ano (primeiro dígito) , a estação (2.0 dígito) e, no caso das camisas, a referência do colarinho (terceiro, quarto e quinto dígitos).
Desde modo, ao invés do afirmado pela Recorrente o juízo formulado pela Mmª Juíza «a quo» resultou, do confronto das testemunhas com o documento n.º 8 (inventários) junto á petição inicial, e sem que o mesmo tivesse sido impugnado.
E, como se assinalou, na sentença recorrida «É, pois, possível estabelecer a correspondência entre vendas de mercadorias e contrapartidas de compras e stocks, sem prejuízo de, como reconhece a impugnante, poderem existir situações pouco significativas, em que (em virtude de eventuais erros de etiquetagem, que se reconhecem) tal operação surge inviabilizada. Seja como for, como sublinha o EMMP, tais casos contados” não se podem considerar significativos para o recurso a métodos indirectos.”
Assim sendo, fazendo-se o cruzamento dos dados entre as vendas a dinheiro e os stocks, concretamente através das referências dos produtos em causa, perde importância este argumento avançado como indício fundamentador do recurso a métodos indirectos, sendo certo, pois, que não se pode aceitar a manutenção do argumento relativo à inexistência de contrapartida de compras ou de stocks.».
Diga-se inclusive, que a AT não demonstrou que a existência de mercadorias compradas tivessem sido posteriormente vendidas sem que existisse o correspondente talão de venda ou factura, nem artigos vendidos para os quais não haja a respectiva factura de compra.
Apreciemos, por fim, o terceiro e último fundamento, que respeita à existência de uma margem bruta bastante inferior à apurada por amostragem, que segundo a AT « indicia que o valor declarado das vendas não corresponde à realidade, e por conseguinte, existe uma evidente omissão de vendas.»
Desde já se dirá, que não assiste razão á Recorrente também quanto a este segmento.
Desde logo, a análise efectuada não é minimamente representativa da globalidade dos produtos inventariados, uma vez que a quantidade de artigos seleccionada é manifestamente reduzida, e, por outro lado, nem sequer evidencia o peso que os artigos analisados têm na actividade comercial desenvolvida pela Recorrente.
Disto mesmo, dá conta a Mmª Juiza «a quo» quando refere: « a amostragem feita pela AT, para assim concluir, peca por defeito, já que não contempla um universo representativo das mercadorias e do stock da impugnante, uma vez que se baseia em amostra muito diminuta.
Vimos, por exemplo, que a impugnante produz cerca de 300 camisas diferentes, por estação, o que correspondia a cerca de 80/90% da sua produção, sendo que a AT considerou apenas 16 referências. Por seu turno, para o apuramento de tal margem foi tido em conta um produto - boxers - que representa apenas 2% da totalidade dos artigos comercializados e relativamente ao qual se verifica uma margem bruta muito alta.»
E, realçou-se, ainda:
«Para mais, e como foi realçado pelas testemunhas ouvidas, os valores apurados pecam por não contemplarem, por exemplo, as perdas por roubo, outros custos de produção como os aviamentos (botões, entretelas, plásticos, etc.), embalagens, os descontos efectivamente praticados em época de saldos, os descontos a funcionários, as promoções a clientes, as ofertas ou os preços efectivamente praticados na venda aos retalhistas. (…) Note-se, também, que sendo a maioria dos pagamentos feitos nas lojas da impugnante (cerca de 70% / 75%) através de Multibanco ou Visa, tal contribui para afastar o apontado indício de omissão de vendas.».
Face ao relatado, contrariamente ao afirmado pela Recorrente na conclusão 7, a Recorrida afastou o apontado indício de omissão de vendas.
Aqui chegados, como já o dissemos, o recurso aos métodos indirectos é a última ratio, só sendo de recorrer a tais métodos quando, de todo, se mostre inviável a determinação da matéria tributável com base em métodos de avaliação directa e, neste caso, tem a AT de especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, como expressamente impõe o artigo 77º da LGT.
Ora, pelo que vem dito, nenhuma censura merece, a sentença recorrida, visto que os invocados pressupostos para o recurso a métodos indirectos, não assentam em circunstâncias e factos que, por si só, inviabilizem a avaliação directa.

IV.CONCLUSÕES
I. A tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável.
II. Resulta assim claro, que a determinação do lucro tributável com recurso a métodos indiciários, tem uma feição excepcional e apenas a lei a autoriza, para aqueles casos em que não seja possível tal apuramento tendo por base a contabilidade do sujeito passivo, como diz a norma do artigo 51° n° 2 do CIRC.
III. E é à AT que cabe a demonstração da verificação dos pressupostos que a legitimem a lançar mão do aludido método presuntivo, ou seja, de que, ao que aqui nos importa, a contabilidade do contribuinte padece de anomalias que afectam a sua credibilidade, por forma a que se torne inviável a quantificação directa, imediata e exacta da matéria colectável.
Só verificados estes pressupostos se transfere para o contribuinte o ónus de demonstrar que, ao invés do sustentado pela AT, aqueles pressupostos se não verificam, ou que, verificando-se, não permitem o apuramento dos valores encontrados.

V.DECISÃO
Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 9 de Junho de 2016.

[Ana Pinhol]


[Jorge Cortês]


[Cristina Flora]