Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:366/19.9BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:02/27/2020
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA.
CADUCIDADE DO ACTO DE ADJUDICAÇÃO
Sumário:Encontrando-se a Recorrida em dívida para com a A.T., não podia ter apresentado proposta no procedimento concursal.
A falta de apresentação, no prazo fixado no P.P., de documento comprovativo de inexistência de dívidas à A.T., importa a caducidade do acto de adjudicação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul.

A A..... – C....., S.A., NIPC 5….., vem, no âmbito da presente acção de contencioso pré-contratual intentada pela S.... – S....., Ldª contra o Município de Elvas, interpor recurso da sentença proferida pelo TAF de Castelo Branco que:
- anulou a deliberação do Município de Elvas que havia declarado a caducidade do acto de adjudicação;
- repristinou “todos os efeitos da adjudicação efetuada em 13/06/2019 à Autora para a realização da empreitada Ampliação do Complexo Social da B...... ” e
- condenou “o Réu a retomar o procedimento concursal na fase, prevista no artigo 77º, n.º 2, alínea a) do CCP, de notificação à Autora para apresentação de certidão emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira que ateste que a situação tributária da mesma se encontra regularizada, seguindo-se os ulteriores termos legais tendentes à outorga do contrato”.

Apresentou as seguintes conclusões com as alegações de recurso:
I “- A A.... - C..... S.A. concorreu com a aqui S…. e a S.... - C..... Lda à obra do Município de Elvas de “Ampliação do Complexo Social da B...... ” tendo ficado em segundo lugar;

II - Aquando da apresentação dos documentos da habilitação, a S...... apresentou documento contrário ao estipulado ao artigo 27° n° 1 alínea b) do Programa do Procedimento, isto é, não manifestou ter a situação tributária regularizada, nos termos do artigo 55° alínea e) do DL n° 18/2008, de 29 de janeiro;
III - Existe uma real contrariedade entre a certidão das finanças apresentada em sede de habilitação, com a declaração de compromisso de honra (anexo I assinado pelo representante legal da S…..);
IV - O que o Legislador pretende com estas medidas é que só concorram entidades que efetivamente se encontrem habilitadas nos termos dos programas de procedimento e no âmbito do artigo 55° do Código da Contratação Pública;

V - A S...... vem ela própria referir, no seu Doc. 15 da PI, que o modelo de pagamento do IRS da Declaração Mensal de Remunerações referente ao período de abril de 2019 que deve ser pago até ao dia 20 do mês a seguir, ou seja dia 20 de maio de 2019 e que não foi paga; melhor dizendo, a 21 de maio de 2019, a S...... já estava em dívida para com a AT;
VI - A apresentação de documentos não se trata de um “convite”, mas uma obrigação legal;

VII - Não poderemos estar in casu numa situação de desresponsabilização do errante de forma a que não seja declarada a caducidade da adjudicação neste concurso;

VIII - O Tribunal a quo não poderá concluir que quer na apresentação da proposta, quer no período de habilitação a S...... teria a sua situação tributária regularizada

IX - Se se considerar que uma certidão tem valor para declarar a situação tributaria regularizada, não poderá deixar de se aceitar como válida a certidão de divida a AT quando esta foi apresentada no único momento concursal para apresentação efetiva da certidão de divida ou não divida a AT;

- O principio da legalidade, da concorrência e da proporcionalidade adstritos ao CCP visa, por um lado, a livre, série e justa concorrência e, por outro lado, um equilíbrio nas decisões que se devem tomar sempre com base nos outros de mais princípios com a legalidade, da persecução do interesse publico, da imparcialidade, da boa fé, da tutela da confiança, da responsabilidade, da transparência e, principalmente, da igualdade de tratamento;
X - Pelo exposto, a não aplicação da caducidade da adjudicação à S...... por ser uma sanção drástica acaba por violar o próprio artigo 86° do CCP e ficarem feridos os princípios especiais da legalidade, da concorrência, da igualdade de tratamento e da transparência do que concerne à contratação publica!.”

A A., ora Recorrida, apresentou contra-alegações em que formulou as seguintes conclusões:

a) A Douta Sentença não concluiu que a Recorrida tinha a sua situação fiscal regularizada no momento da apresentação da proposta e no período da habilitação, o que a refere é que a situação fiscal da Recorrida se encontrava regularizada no momento do início do procedimento concursal e na fase imediatamente antecedente à outorga do contrato, tendo o cuidado de abordar e apreciar o relevo do putativo incumprimento num período intermédio.

b) O que é coisa bem diferente daquilo que a Recorrente se apresenta a sustentar no seu recurso.

c) O artigo 86º, nº 1 a) do CCP não pode ser interpretado da forma espartana e desproporcionada que a Recorrente o faz pois o que o preceito em análise visa impedir é que o concorrente beneficie de uma situação de modo a movimentar ou alterar a sua proposta no decurso do procedimento, de modo a tornar a mesma ajustada aos parâmetros vinculativos constantes do procedimento e com vista a tornar a mesma mais competitiva.

d) E nada disso se passa in casu pois que na presente situação a Recorrida limitou-se, no momento da sua audição, a suprir um lapso que poderia colocar em causa a sua posição no concurso e supriu o lapso juntando uma certidão que atestava a regularidade da sua situação tributária.

e) A matéria de facto não foi impugnada e da mesma resulta de forma categórica no ponto d) que foram entregues “duas certidões emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 10/05/2019 e em 01/07/2019 que referiram que a Autora “tem a sua situação tributária regularizada””

f) Quando o nº do do artigo 86º do CPP refere que «Sempre que se verifique um facto que determine a caducidade da adjudicação nos termos do n.º 1, o órgão competente para a decisão de contratar deve notificar o adjudicatária relativamente ao qual o facto ocorreu, fixando-lhe um prazo, não superior a 5 dias, para que se pronuncie, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia.» só pode querer dizer que à Recorrida era lícito não só pronunciar-se como cumprir com a junção de elementos que demonstrassem o contrário do que se projectava decidir.

g) E isto no momento da audição e desde que esses elementos fossem pre-existentes ou contemporâneos, sendo, assim, um verdadeiro convite a que se dê cumprimento ao estabelecido nas regras concursais e no CCP.

h) Só este entendimento da Recorrida se compaginando com a verdadeira essência do direito de audição assim como com o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, todos com consagração no CPA.

i) O direito de audição é a consagração em lei ordinária de um comando constitucional, sendo ele o de os cidadãos poderem participar nas decisões que lhes digam respeito, pelo que jamais os elementos aportados pela Recorrida em sede de direito de audição poderiam ser postergados.

j) E quanto ao o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade vigoram os artigos 7º e 8º do CPA não sendo de olvidar que resultando o Código dos Contratos Públicos de transposição de legislação comunitária os princípios do Direito da União, entre os quais o da proporcionalidade, não podem deixar de ter aplicação.

k) Ora forçoso será de concluir que a exclusão da Recorrida de um concurso quando se constata que a importância em dívida à AT era de valor diminuto, tal valor foi regularizado de imediato e assim já se encontrava no momento da decisão final seria algo de francamente desproporcionado e a que o Direito não pode dar guarida.

l) Pelo que, por tudo quanto vem de se contra-alegar, a Douta Sentença sob escrutínio não é merecedora dos reparos que a Recorrente lhe tece antes devendo ser mantida na íntegra pois que não violou qualquer preceito legal daqueles que a Recorrente elenca no seu libelo recursório.”.


O Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.° 146.° do CPTA.

Do objecto do recurso.
Há, assim, que decidir se a sentença recorrida sofre do erro de julgamento que lhe é imputado por, ao contrário do decidido, se verificar a caducidade do acto de adjudicação por falta de apresentação de documento comprovativo de inexistência de dívidas à Autoridade Tributária, conforme resulta do art.º 86.º, n.º 1, al. a) do CCP.

O processo vem à Conferência para julgamento, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de um processo urgente.


*
FUNDAMENTAÇÃO
De facto.

Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto:
A) Em 13/06/2019 o Réu, como entidade adjudicante, deliberou adjudicar pelo valor de € 1.032.243,82 a empreitada de Ampliação do Complexo Social da B...... à Autora tendo, em 14/06/2019, comunicado à mesma para, no prazo de cinco dias, juntar os documentos de habilitação; esse prazo era o que estava previsto no programa do procedimento; a Autora havia apresentado a sua proposta no dia 23/05/2019 (conforme mensagem a fls. 13 do documento n.º 33 do SITAF; conforme artigo 27º do programa do procedimento a fls. 50 e 51 do documento n.º 94 do SITAF; conforme proposta a fls. 7 e 8 do documento n.º 33 do SITAF);
B) No dia 21/06/2019 a Autora apresentou os documentos de habilitação solicitados dentro do prazo que dispunha para o efeito; os mesmos estavam todos em conformidade, à exceção do documento comprovativo de ter a respetiva situação tributária regularizada, dado que a certidão que juntou, emitida em 28/05/2019 pela Autoridade Tributária e Aduaneira, referia que a Autora “não tem a sua situação tributária regularizada” (conforme mensagem a fls. 13 do documento n.º 33 do SITAF conjugado com o teor da informação n.º 6…. de 28/06/2019 que refere expressamente que “os documentos [foram] apresentados dentro do prazo” e que “Os restantes documentos exigidos e apresentados encontram-se em conformidade” – a fls. 37 do documento n.º 33 do SITAF; conforme certidão da Autoridade Tributária e Aduaneira a fls. 21 do documento n.º 33 do SITAF);
C) Em 01/07/2019 o Réu comunicou à Autora que considerava que a mesma não tinha entregue dentro do prazo o documento comprovativo de não dívida às Finanças, por facto que lhe era imputável, pelo que projetava deliberar a caducidade da adjudicação da empreitada que lhe havia efetuada; concedeu à Autora o prazo de cinco dias úteis a fim de a mesma se pronunciar em sede de audiência prévia (conforme mensagem a fls. 36 do documento n.º 33 do SITAF);
D) Em 01/07/2019 a Autora pronunciou-se sobre o projeto de deliberação, tendo referido que apresentou o documento de habilitação exigido, mas que, por lapso, tinha entregue erradamente a declaração não válida; juntou em anexo duas certidões emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 10/05/2019 e em 01/07/2019, que referiam que a Autora “tem a sua situação tributária regularizada” (conforme pronúncia de fls. 39 a 41 e certidões a fls. 42 e fls. 43 do documento n.º 33 do SITAF);
E) Em 09-07-2019 o Réu deliberou que a adjudicação que tinha efetuado à Autora em 13/06/2019 tinha caducado com fundamento em a mesma não ter comprovado que tinha a sua situação tributária regularizada, assim como adjudicar a empreitada ao concorrente ordenado em segundo lugar, no valor de € 1.048.559,95, ou seja, à ora Contrainteressada, tendo comunicado essas decisões à Autora no dia 10/07/2019 (conforme mensagem a fls. 44 do documento n.º 33 do SITAF).

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Nos termos do artº 662º nº 1 CPC, ex vi artº 1º CPTA, adita-se, adita-se o seguinte facto à matéria provada:
F) Em 21/06/2019, a A., ora Recorrida, entregou na Autoridade Tributária o montante de 532,00€, correspondente ao IRS retido na fonte pelos rendimentos pagos ou colocados à disposição no mês de Abril de 2019 – docs. n.ºs 16 e 17 juntos com a P.I.

Direito
Estatui o art.º 55.º, n.º 1, al. a) que “1 - Não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que: (…) e) Não tenham a sua situação regularizada relativamente a impostos devidos em Portugal ou, se for o caso, no Estado de que sejam nacionais ou no qual se situe o seu estabelecimento principal;”.
Provam os autos que a Recorrida apresentou a sua proposta no âmbito do procedimento concursal em causa, no dia 23/05/2019.
Nessa data encontrava-se em dívida para com a Autoridade Tributária, uma vez que o IRS que reteve na fonte pelos rendimentos pagos ou colocados à disposição no mês de Abril de 2019, só foram entregues à AT em 21/06/2019, quando, nos termos do disposto no art.º 98.º, n.º 3 do CIRS, o deveriam ter sido até ao dia 20/05/2019.
Donde se conclui que a Recorrida não podia ter apresentado a sua proposta no âmbito do procedimento, por se encontrar impedida.
Para além disso, tendo a Recorrida junto ao processo, no prazo de cinco dias de que dispunha para efeitos de apresentação dos documentos de habilitação, nos termos do art.º 86.º, n.º 1, al. a) do CCP, uma certidão datada de 28/05/2019, que certifica a existência de dívidas fiscais, verificou-se a caducidade do acto de adjudicação.
A Recorrida, quando foi ouvida em sede de audiência prévia nos termos do n.º 2 do art.º 86.º do CCP, juntou as certidões emitidas pela AT, que atestam a inexistência de dívidas às datas de 10/05/2019 e de 01/07/2019. No entanto, tais certidões, não assumem qualquer relevância no caso, pois não obstam à verificação da caducidade do acto de adjudicação.
Conforme refere Pedro Gonçalves, in “Direito dos Contratos Públicos”, Almedina, 2ª ed., pag. 666 e 667, a situação de incumprimento perante a AT não pode verificar-se ao longo de todo o procedimento.
Note-se que a situação da Recorrida perante a AT era de incumprimento. Não estava em curso qualquer procedimento de regularização de dívidas a que se refere o art.º 55.º-A do CCP e que permitisse relevar o impedimento.
Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar o recurso procedente, revogar a sentença recorrida e manter na ordem jurídica a deliberação de 09/07/2019, do Município Recorrido, que declarou a caducidade do acto de adjudicação.
Custas pela Recorrida S...... , Ldª – art.º 527.º do CPC.
Lisboa, 27 de Fevereiro de 2020.



Jorge Pelicano


Celestina Castanheira


Paulo Gouveia