Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:152/07.9BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:07/04/2019
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
NULIDADE DOS ATOS CONSEQUENTES
EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
Sumário:
I. Com o trânsito em julgado de sentença que manteve a graduação de concurso para instalação de uma farmácia, não desaparece o objeto de processo distinto, implicando a impossibilidade superveniente da lide, se aqui foram formulados os pedidos de anulação do alvará, de caducidade da autorização de instalação e de atribuição da farmácia ao autor.
II. Se uma ação termina com a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, a sentença aí proferida não emitiu pronúncia sobre o mérito das pretensões aí formuladas; assim, ainda que se mostrem parcialmente preenchidos os requisitos do caso julgado, quanto à identidade das partes, das causas de pedir e dos pedidos formulados nas duas ações, o trânsito em julgado daquela sentença não implica a verificação da exceção de caso julgado nesta segunda ação.
III. A previsão de nulidade dos atos consequentes, desaparecida com a revisão do CPA de 2015, e antes constante do artigo 133.º, n.º 2, al. i), tem de ser conjugada com o dever imposto à Administração de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, previsto no artigo 173.º do CPTA, que por aplicação do princípio da proporcionalidade se circunscreve à remoção dos atos cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação; ou seja, os atos consequentes apenas devem ser atingidos na medida estritamente necessária para chegar à reconstrução da situação hipotética que existiria se não tivesse sido praticado o ato anulado.
IV. Assim, a anulação de uma primeira deliberação apenas afeta os atos consequentes se, após o reexercício do poder administrativo, for alterado o posicionamento dos intervenientes na nova graduação do concurso.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I. RELATÓRIO
Vítor ……………………………….. intentou ação administrativa especial contra o Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento - Infarmed, substituído processualmente pelo Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, pedindo a anulação do ato administrativo que determinou a concessão e a emissão do alvará relativo à farmácia sita na Rua ………….., n.º ……., em Ferrel, no âmbito do concurso público aberto pelo aviso n.º 7968-BS/2001 (2.ª série), publicado no DR n.º 137, II série, Suplemento, de 15 de junho de 2001, a condenação da entidade demandada a declarar a caducidade da autorização de instalação concedida à contrainteressada Maria…………………….. para a instalação da referida farmácia, e a condenação da entidade demandada a atribuir nova farmácia em Ferrel ao autor, por se tratar do concorrente classificado em segundo lugar no respetivo concurso público para atribuição da mesma.
Citadas, a entidade demandada e a contrainteressada apresentaram contestação, pugnando pela improcedência da ação.
Por despacho de 23/09/2008, o TAF de Leiria suspendeu a instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo n.º 683/05.5BELRA.
Por despacho de 15/09/2015, após o trânsito em julgado da sentença proferida no referido processo, foi suscitada a extinção da instância, sobre a qual apenas se pronunciou o autor, no sentido de que a mesma deveria prosseguir.
Por sentença de 09/12/2015, o TAF de Leiria declarou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide.
Inconformado, o autor interpôs recurso desta decisão, bem como do despacho saneador, pugnando pela respetiva revogação, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“A) - Nos autos n.° 153/03 supra referidos o A. requereu, além do mais, que fosse decretada a anulação da deliberação do R. datada de 27 de Setembro de 2002, publicada no DR, série n.° 240, de 17/10/2002. através do Aviso n.° 10703 (2a série), mediante a qual homologou a lista de candidatos ao concurso público para instalação da farmácia em causa, conforme Aviso n.° 7968-BRI2001 (2a série), publicado no Diário da República, Série n.° 137, de 15/06/2001;
B) - Nos autos com o n.° 683/05.5BELRA requereu coisa bem diferente, a saber:
a) - A anulação do acto administrativo praticado pelo R. consubstanciado na notificação datada de 31 de Maio de 2005 e efectuada à Contra-interessada, através do qual a esta concedeu o prazo de 360 dias contado a partir dessa notificação para proceder à instalação da farmácia em causa;
b) - A condenação do R. a declarar a caducidade da autorização de instalação daquela farmácia; e,
c) - A condenação do R. a atribuir a referida farmácia ao ora A. e a notificá-lo para apresentar os documentos referidos no ponto 1 do art.° 12° da Portaria n.° 936-A/99, de 22 de Outubro, no prazo ali previsto para o efeito;
(’) - Sendo ainda certo que nos presentes, além dos pedidos constantes das alíneas b) e c) do ponto anterior, requereu ainda que fosse decretada a “ 1) Anulação do acto administrativo praticado pelo Réu consubstanciado na concessão e emissão do alvará relativo à farmácia sita na Rua ………………., n.° ……., em Ferrei, do concelho de Peniche, denominada “Farmácia Santo Estêvão ”, cuja propriedade e direcção técnica se encontram a cargo da contra-interessada Maria …………………………..;...'';
D) Os pedidos/ pretensões supra referidos, com excepção dos plasmados nas alíneas b) e c) do ponto 16 e. neste caso, apenas com referência aos formulados no âmbito dos presentes autos e no Proc. n.° 683/05.5BELRA, são absolutamente distintos, derivados da prática de actos administrativos autónomos e diferentes, cuja ilegalidade se fundamenta na violação de normas jurídicas também distintas;
E) - Descurando no entanto - por se entender irrelevante in casu - qualquer consideração acerca da qualificação do acto administrativo impugnado em sede de P.I., nomeadamente sobre a questão de tratar-se, efectivamente ou não, de acto administrativo consequente -, o certo é que, caso vertente, se verifica a excepção vertida na 2a parte da al. i) do n.° 2 do art° 133° do CP A aprovado pelo DL. n.° 442/91, de 15 de Novembro, aplicável por forca do n.° 1 do art.° 8º do DL. n.° 4/2015, de 07 de Janeiro que aprovou o novo (’PA uma vez que, in casu, há contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente;
F) - O que resulta patente não apenas em face da contestação da contra- interessada, mas também de todos os articulados que apresentou nos presentes autos, tendo sempre pugnado nela manutenção do acto administrativo recorrido:
G) - De facto, não ocorreu qualquer facto na pendência da instância que impeça a manutenção da pretensão do autor - não ocorreu desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo — nem a pretensão daquele se encontra fora do esquema da providência pretendida. Pelo contrário, a solução do litígio mantém todo o interesse por ser possível atingir o resultado visado e por este não ter sido atingido por outro meio - Cfr. Ac. STA supra referido, à contrário sensu;
H) - A causa de pedir e, ao menos, o pedido formulado sob o n.° 1 dos presentes autos - Cfr. ponto 18 supra são diferentes da causa de pedir e do pedido formulado sob o mesmo número no âmbito dos autos com o n.º 683/05.5BELRA;
I) -O A. discorda da posição tomada na douta sentença recorrida relativamente à interpretação que faz da parte final da al. i) do n.° 2 do Art.° 132° do CPA quando considera “E não se vê como poderá o Autor pretender fazer apelo ao disposto na parte final do dispositivo legal transcrito, na medida em que os contra- interessados ali referidos terão de ser sempre «alheios à disputa sobre o acto principal, anulado ou revogado, interpretação que o conceito de "interesse legítimo" (na manutenção do acto consequente) de algum modo sufraga» (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, 2.3 edição, Almedina, p. 651);
J) - Contra-interessados, na perspectiva do A. serão todos “ ... aqueles que eventualmente se põem contra o deferimento de uma determinada pretensão deduzida pelo interessado."
Trata-se de uma audição que reverte a favor do interesse público, na exacta medida em que ao procedimento será carreada uma visão dos factos eventualmente contrapostos à do interessado, formando, hipoteticamente, elementos pertinentes à formação de uma correcta e adequada vontade por parte do órgão ou agente competente para a decisão final ...” - Vd. José Manuel da S. Santos Botelho e outros in “Código do Procedimento Administrativo, Anotado Comentado - Jurisprudência, 3a Edição Actualizada e Aumentada, Almedina, Coimbra, 1996, pp. 348, nota 10 ao art.° 100°;
K) - Por outro lado, ao contrário do considerado na douta sentença recorrida, e ao contrário da interpretação que inclusivamente faz das considerações tecidas por Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim - obr. cit. na própria sentença o A. entende e que aqueles autores entendem que, in casu, se verifica a excepção prevista na parte final da al. i) do n.° 2 do art.° 133° do CPA;
L) - De facto, como referem aqueles autores, " Actos consequentes são os actos que foram produzidos ou dotados de certo conteúdo, por se suporem válidos actos anteriores que lhes servem de causa, base ou pressuposto ...” “... são, diríamos, aqueles actos (ou contratos) cuja prática ou sentido foram determinados pelo acto agora anulado ou revogado, e cuja manutenção é incompatível com a execução da decisão anulatória ou revogatória.”. - itálico nosso;
M) - No entanto, como seguidamente aqueles autores também referem, "De resto, há muitos casos em que essa incompatibilidade não existe — como quando, por exemplo... - como in casu, diz o ora A., tendo em conta que o acto administrativo anterior ao pretenso acto consequente ora impugnado foi anulado por vício de forma no âmbito do Proc. n.° 153/03 – “um acto é anulado por vício de forma, já que a possibilidade da sua renovação tal qual (no seu conteúdo e sentido) não leva a considerar automaticamente nulo o acto consequente. A sua desconformidade jurídica, nesses casos, só pode encontrar-se por referência ao acto que seja praticado agora em substituição do acto anulado, mas então já o acto consequente não poderá ser revogado (se constitutivo de direitos) nem anulado, por terem decorrido, há muito, salvo em casos excepcionalíssimos, os prazos para o fazer” itálico e sublinhado nossos;
N) - Pelo que não opera a nulidade ipso iure, não se verificando in casu inutilidade superveniente da lide;
O) - Tendo a douta sentença recorrida violado o disposto na 2a parte da al. i) do n.° 2 do art° 133° do CPA aprovado pelo DL n.° 442/91. de 15 de Novembro, aplicável por força do n.° 1 do art.° 8° do DL n.° 4/2015, de 07 de Janeiro que aprovou o novo CPA uma vez que, in casu, há contra- interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente, bem como o disposto no art.° 277°. al. e) do actual CPC - aprovado pela Lei n° 41/2013. dc 26/07 aplicável por forca do art.º 1° do CPTA, que interpretou no sentido de que a contra-interessada nos presentes autos não preenche esse conceito para efeitos do disposto na primeira das referidas normas c, por isso, tem cabimento a aplicação da segunda daquelas normas, quando devia tê-las interpretado e aplicado em sentido oposto, ou seja, considerar que, por existirem contra- interessados na manutenção do acto administrativo impugnado e por não existir incompatibilidade entre a manutenção do acto ora impugnado e a decisão anulatória do acto administrativo anterior, deviam os autos prosseguir para apreciação dos pedidos formulados pelo A.;
P) - Deste modo, em função de tudo o que supra vai exposto deve considerar-se que, in casu, não se verificou inutilidade superveniente da lide porque a anulação do acto administrativo antecedente não implica ipso iure a nulidade do acto administrativo considerado consequente, uma vez que opera a excepção vertida na 2a parte da al. i) do n.° 2 do art° 133° do CPA;
Q) - Tendo a douta sentença recorrida violado aquela norma do CPA, tomando conduta subsumível ao disposto nas als. e) e d) do n.° 1 do art.° 615° do CPC, por remissão do art.º Io do CPTA, devendo ser revogada, com prosseguimento dos autos em tendo em vista a apreciação dos três pedidos formulados na acção;
R) - Por isso, ao abrigo do disposto no n.° 1, 3 e 4 do art.° 536° do CPC, por remissão do art.° Io do CPTA e sem prejuízo do supra exposto/ requerido, deve a douta sentença recorrida ser reformada quanto a custas, devendo as mesmas ser da responsabilidade do R. e Contra - interessada, o que se requer seja decretado a final, ainda que, por hipótese meramente académica, se admita que o A. não obtenha provimento nos respectivos pedidos e se considere nulo ipso iure o acto administrativo impugnado uma vez que, em todo o caso, a hipotética inutilidade superveniente da lide é imputável aos R. e Contra-interessada.
NESTES TERMOS,
E nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, ser revogada a douta sentença recorrida, requerendo a Vs. Ex.as se dignem decretar não verificada a inutilidade superveniente da lide ou outra causa de extinção da instância, com consequente prosseguimento dos autos tendo em vista a apreciação, ao menos, do primeiro dos três pedidos formulados na P.I., a saber: 1) Anulação do acto administrativo praticado pelo Réu consubstanciado na concessão e emissão do alvará relativo à farmácia sita na Rua …………, n.° ….., em Ferrei, do concelho de Peniche, denominada “Farmácia ………………”, cuja propriedade e direcção técnica sc encontram a cargo da contra-interessada Maria ……………………………...
Mais requer a Vs. Ex.as se dignem decretar a reforma da sentença reclamada quanto a custas, devendo as mesmas ser da responsabilidade do R. e Contra - interessada.
O réu apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
1.ª O presente recurso não reveste qualquer complexidade, dada a evidência que levou à prolação da sentença recorrida, pelo que o INFARMED nada tem a acrescentar à decisão ora em crise.
2.ª Os autos que deram origem à inutilidade da presente lide são os que correram termos no TAF Coimbra sob o n.º 153/03, onde foi anulado o ato de homologação da lista de classificação final dos candidatos ao concurso em causa nos presentes atos.
3.ª O douto Tribunal a quo apenas se referiu aos autos que correram termos sob o n.º 683/05.5BELRA, porquanto os mesmos, tal como os presentes autos, também têm como objeto a impugnação de um ato afetado pela anulação do ato de homologação da lista de classificação final dos candidatos ao concurso em causa nos presentes atos.
4.ª A jurisprudência tem sido unânime a considerar o ato de concessão de alvará consequente do ato de homologação da lista de classificação final, já que ambos são sequenciais e constantes do mesmo procedimento.
5.ª O artigo 133.º/2/i) o CPA é aplicável in casu, tal como referido no acórdão do TCA Norte acompanhado nas presentes alegações, já que, os demais contrainteressados dos presentes atos tiveram sempre noção de que o ato de homologação poderia ser anulado e que esse ato afetaria os que foram praticados em sua consequência.”
A contrainteressada igualmente apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
A. A - No âmbito dos presentes autos, veio o A. deduzir três pedidos, em suma, de anulação de acto com vista à concessão e a emissão do alvará, de condenação da entidade demandada a declarar a caducidade da autorização de instalação da farmácia, concedida à contra-interessada e condenação da entidade demandada "a atribuir" a farmácia ao A./recorrente por se tratar do classificado em segundo lugar.
B. Todo o processo teve o seu inicio no concurso público no âmbito do qual foi deliberado, homologando, a lista de classificação dos concorrentes tendo a ora contra-interessada sido classificada em primeiro lugar e o ora A. em segundo lugar, tendo o ora recorrente, desde logo procurado inverter a classificação objecto de deliberação propondo no longínquo ano de 2003, acção administrativa com vista à anulação daquela deliberação homologatória, sendo que estes mesmos autos viriam a ser objecto de decisão, e só ai com transito em julgado, em Janeiro de 2010.
C. Efectivamente tal decisão anulou a deliberação homologatória da classificação.
D. No âmbito da execução de tal decisão a entidade demandada elaborou nova lista de classificação final figurando como primeira classificada, da mesma forma, a ora contra-interessada, e como segundo classificado, o ora A.. De novo, tal deliberação, do conselho de administração da entidade demandada, foi objecto de impugnação aguardando-se, ao momento, decisão em sede de recurso, considerando que a decisão em primeira instância foi a de manter na ordem jurídica o acto: a deliberação homologatória da lista de classificação final.
E. Isto é, ao momento, temos na ordem jurídica um acto administrativo - deliberação homologatória que classifica, no âmbito do concurso público em análise, a ora contra-interessada como primeira classificada.
F. No âmbito dos presentes autos veio a entender-se que por efeito automático da anulação do acto base - a deliberação homologatória da lista de classificação final tomada pela entidade recorrida Infarmed, IP - se tornava inútil, impossível a subsistência dos actos agora postos em crise, enquanto actos consequentes, determinando assim a extinção instância por impossibilidade superveniente da lide, nos precisos termos da alinea e) do artigo 277° do CPC, ex n° art° 1.º do CPTA.
G. Ou seja, que o acto cuja anulação foi peticionada - a concessão e emissão de alvará - e o acto cuja deliberação de caducidade, também foi peticionado - autorização para instalação da farmácia - eram nulos por força de se considerarem actos consequentes de acto administrativo anteriormente anulado, ou seja, in casu, o acto homologatório da lista de classificação final que teve lugar em 2002.
H. E é exactamente desta decisão da extinção da instância que o ora A. apresenta as suas alegações. Contudo, não pode a ora contra-interessada deixar de acompanhar a Douta Sentença. Não assiste pois razão ao ora A.
I. À semelhança do já proferido neste mesmo tribunal, nos autos sob o n° 683/05.5BELRA, afigura-se que deixando de existir um dos elementos de relação processual - in casu, o objecto - e tendo-se este como essencial, a instância, necessariamente, sucumbe, visto se ter tornada impossível a decisão final a tomar sobre a pretensão deduzida.
J. É que, não pode o tribunal deixar de se circunscrever à pretensão, aos pedidos, deduzidos pelo A.. Tais pedidos não foram apreciados na medida em que se traduzem em pedidos de apreciação quanto a actos que carecem de sustentabilidade no iter do procedimento concursal de atribuição e instalação de farmácia - considerando o acto de que dependem, ou seja, a existência de um nexo de dependência necessária.
K. Acresce que, e em relação ao terceiro pedido, se o acto base foi anulado, o ora A. não pode afirma que se encontra classificado em segundo lugar, pretendendo ser considerado em primeiro lugar. Em tese, perante nova apreciação do júri, com vista à elaboração de classificação final, poderia até entender-se que o ali segundo interessado deveria ser excluído.
L. Não se tendo mantido qualquer acto homologatório - de tal lista – não pode subsistir a pretensão do A./recorrente quanto à sua "reclassificação". Este pedido, por manifesta maioria de razão, não pode ser apreciado por impossibilidade superveniente da lide.
M. Por outro lado, sufraga-se a ideia de que no conceito de contra- interessada com interesse legítimo, plasmado na parte final da alinea i) do n° 2 do artigo 133°, não caberá a sua apreciação, in casu, na medida em que serão apenas os contra-interessados "alheios á disputa sobre o acto principal, o acto anulado...", em conformidade, s.m.o., com a melhor leitura do defendido por Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim (in CPA, 2o Ed, Almedina, pg. 651). Ora, a aqui contra- interessada é, manifestamente, parte integrante, envolvida na disputa sobre o acto principal.
N. Em relação à pretendida reforma/alteração da sentença quanto a custas, não pode a ora contra-interessada deixar de apresentar, e de forma veemente, a sua discordância relativamente à pretensão do A.. É em função do pedido, ou pedidos, formulados pelo A. que é proferida a douta sentença com o resultado já conhecido.
O. É o A. que dá origem aos autos e atento o enquadramento da sua apresentação que aponta para a decisão proferida em matéria de custas.
P. Quando muito, sempre se teria de dizer, que a haver responsabilidade quanto a custas, que não seja a do A., a mesma seria apenas e tão só a da entidade demandada, mesmo que considerando a parte final do n° 3 do artigo 536 do CPC, o que não se aceita.
Q. Assim, bem andou a douta sentença, afigurando-se não estarmos perante a violação de qualquer normativo, e desde logo o indicado alinea i) do n° 2 do artigo 133° do CPA ou a alinea e) do artigo 211° do NCPC.
R. Da boa decisão da causa que se deve manter e assim se fará
JUSTIÇA”
A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta em funções neste Tribunal pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, por entender, em síntese, que se verifica a exceção dilatória de caso julgado quanto aos dois primeiros pedidos do autor, que já foram apreciados no âmbito do processo n.º 683/05.5BELRA, e relativamente ao terceiro pedido, o mesmo já decorre e foi objeto de anulação, em consequência da anulação do primeiro ato homologatório da graduação dos concorrentes, pela sentença proferida no processo n.º 153/03, do TAF de Coimbra, transitada em julgado, tendo ocorrido a execução do julgado anulatório; como no processo n.º 539/11.2BELRA foi apreciada e julgada válida a homologação da classificação de 13/01/2011, também não podia o Tribunal a quo apreciar este pedido, dado verificar-se a invocada impossibilidade da lide; mais entende que a condenação do autor/recorrente nas custas mostra-se correta, pois propôs a ação repetindo e multiplicando processos de impugnação relativamente aos mesmos atos, ou relacionados, dando causa à impossibilidade da lide e ao caso julgado.
Notificadas deste parecer, as partes não se pronunciaram.
Por despacho deste TCAS de 15/05/2008, foi determinada a notificação do réu para informar que atos praticou em execução da sentença proferida no recurso contencioso n.º 153/2003, designadamente se cancelou o alvará que havia emitido e se procedeu à emissão de novo alvará na sequência da deliberação de 13/01/2011 que homologou a nova lista de classificação final.
O réu informou que não cancelou o alvará e não emitiu um novo, porque a classificação final dos candidatos se manteve. Sobre esta informação pronunciou-se a contrainteressada, invocando que a deliberação de 2011 se mantém na ordem jurídica, devendo ser aproveitados os atos praticados.
Por despacho deste TCAS de 07/11/2008, foi suscitada a questão prévia de inutilidade/impossibilidade da prossecução dos presentes autos, em função do trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 539/11.2BELRA, sobre a qual se pronunciaram o autor e a contrainteressada, tendo esta peticionado a condenação do autor como litigante de má fé, em indemnização que não poderá ser inferior a € 10.000 (dez mil euros).
*

Perante as conclusões das alegações do recorrente e parecer do Ministério Público, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre:
- aferir da verificação da inutilidade/impossibilidade da prossecução dos presentes autos, em função do trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 539/11.2BELRA;
- aferir do erro de julgamento da decisão recorrida, ao declarar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide;
- aferir da verificação da exceção dilatória de caso julgado, em função do trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 683/05.5BELRA;
- apreciar o pedido de condenação do autor como litigante de má fé;
- aferir do erro de julgamento quanto à condenação em custas.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A) Por deliberação do Conselho de Administração da Entidade Demandada, de 9 de Junho de 2001, foi determinada a abertura de um concurso público para a instalação de uma farmácia em Ferrel, freguesia de Ferrel, concelho de Peniche, distrito de Leiria (fls. 55 do processo administrativo - vol. 1/5);
B) Pelo aviso n.º 7968-BS/2001 (2.ª série), publicado no Diário da República n.º 137, II série, Suplemento, de 15 de Junho de 2001, Suplemento, de 15 de Junho de 2001, foi aberto o concurso referido na alínea anterior (fls. 59 e 60 do processo administrativo - vol. 1/5);
C) Em reunião de 25 de Setembro de 2002 o júri do concurso elaborou a lista de classificação final dos candidatos nos termos seguintes (fls. 128 a 130 do processo administrativo - vol. 1/5);
«Lista de Classificação Final Pontuação
1º Maria ………………….…….........(nascido(a) a 10 -11-1964)…. 15
2º Vítor ……………………..…...…(nascido(a) a 25 -09-1957 ….15
3º (…)»;
D) A mencionada lista foi homologada por deliberação de 27 de Setembro de 2002 do Conselho de Administração da Entidade Demandada, publicada no Diário da República, II série, n.º 240, de 17 de Outubro de 2002 (aviso n.º 10.703/2002) (fls. 128 a 131 do processo administrativo - vol. 1/5);
E) Por sentença de 26 de Fevereiro de 2008, proferida no processo n.º 153/2003, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra anulou a deliberação homologatória referida na alínea anterior (certidão junta aos autos);
F) A qual foi confirmada pelo acórdão de 9 de Dezembro de 2009 do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 869/09 (certidão junta aos autos);
G) Em sede de execução da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra a Entidade Demandada retomou o procedimento concursal, de cuja lista de classificação final dos candidatos consta o seguinte (fls. 892 do processo administrativo - vol. 5/5):
«Lista de Classificação Final Pontuação
1º Maria ……………………………….……….........(nascido(a) a 10 -11-1964)…. 15
2º Vítor ………………………………………..…...…(nascido(a) a 25 -09-1957 ….15
3º (…)»;
H) A mencionada lista foi homologada por deliberação do Conselho de Administração da Entidade Demandada, de 13 de Janeiro de 2011, e publicada no Diário da República, II série, n.º 21, de 31 de Janeiro de 2011, aviso n.º 3229/2011 (2ª série) (fls. 891 e 895 do processo administrativo - vol. 5/5);
I) O Autor impugnou a deliberação referida na alínea anterior, mediante acção que correu termos neste tribunal sob o n.º 539/11.2BELRA (certidão junta aos autos);
J) Por sentença de 31 de Outubro de 2014, ainda não transitada, proferida no processo referido na alínea anterior, julgou-se «improcedente a presente acção administrativa especial, mantendo-se na ordem jurídica a deliberação do Conselho de Administração do INFARMED, de 13 de Janeiro de 2011, que homologou a lista de classificação final dos candidatos admitidos ao concurso público para a instalação de uma farmácia em Ferrel, freguesia de Ferrel, concelho de Peniche, distrito de Leiria, na qual a Contra-interessada MARIA ………………………… ficou graduada no 1º lugar e o A. VITOR …………………………… no 2º lugar» (certidão junta aos autos).
Além destes factos, encontram-se provados os seguintes, cf. artigo 662.º, n.º 1, do CPC:
K) A sentença referida no ponto J) já transitou em julgado.
L) O autor impugnou o ato resultante da notificação de 31/05/2005 efetuada à contrainteressada no sentido de proceder a instalação de uma farmácia em Ferrel, através de ação administrativa especial contra o réu, que correu termos no TAF de Leiria sob o n.º 683/05.5BELRA, na qual apresentou os seguintes pedidos:
- a anulação do ato administrativo praticado pelo réu consubstanciado na notificação datada de 31/05/2005 e efetuada à parte contrainteressada, em que lhe concede o prazo de 360 dias contado a partir dessa notificação para proceder à instalação de uma farmácia em Ferrel;
- a condenação do réu a declarar a caducidade da autorização de instalação concedida à parte contrainteressada para instalação de uma Farmácia em Ferrel;
- a condenação do réu a atribuir a nova farmácia em Ferrel ao autor, por se tratar do concorrente classificado em segundo lugar, e a notificá-lo para apresentar os documentos necessários.
M) Por sentença de 31/03/2014, já transitada em julgado, proferida no processo referido na alínea anterior, julgou-se extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide.
N) O réu não cancelou o alvará da farmácia em execução da sentença proferida no recurso contencioso n.º 153/2003, nem procedeu à emissão de novo alvará na sequência da deliberação de 13/01/2011 que homologou a nova lista de classificação final.

*

II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir neste processo cingem-se a saber se:
a - ocorre inutilidade/impossibilidade de prossecução da lide, em função do trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 539/11.2BELRA;
b - ocorre erro de julgamento da decisão recorrida, ao declarar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide;
c - ocorre a exceção dilatória de caso julgado, em função do trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 683/05.5BELRA;
d - deve o autor ser condenado como litigante de má fé;
e - ocorre erro de julgamento quanto à condenação em custas.

a)
Quanto ao primeiro ponto:
Na presente ação o autor apresentou os seguintes pedidos:
- (i) anulação do ato do réu consubstanciado na concessão e emissão do alvará relativo à farmácia em questão;
- (ii) condenação do réu a declarar a caducidade da autorização de instalação da dita farmácia;
- (iii) condenação do réu a atribuir a nova farmácia em Ferrel ao autor.
Na ação administrativa especial n.º 539/11.2BELRA apresentou os seguintes pedidos:
- (i) anulação da decisão de homologação da lista de classificação final referente ao concurso para instalação da dita farmácia;
- (ii) condenação do réu a proceder à correção da lista de classificação final com alteração da classificação atribuída à contrainteressada”.
Os quais foram julgados improcedentes, por sentença de 31/10/2014, transitada em julgado, mantendo-se na ordem jurídica a deliberação do Conselho de Administração do Infarmed, de 13/01/2011, que homologou a lista de classificação final dos candidatos admitidos ao concurso público para a instalação de uma farmácia em Ferrel, freguesia de Ferrel, concelho de Peniche, distrito de Leiria, na qual a contrainteressada Maria…………………………. ficou graduada no 1.º lugar e o autor no 2.º lugar.
Vejamos.
De acordo com o previsto no artigo 277.º, al. e), do CPC, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide implicam a extinção da instância.
Nas duas situações a solução do litígio deixa de interessar, distinguindo-se na medida em que a impossibilidade superveniente da lide se verifica quando a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, enquanto na inutilidade superveniente da lide a pretensão do autor encontra satisfação fora do esquema da providencia pretendida, ou seja, além ocorre impossibilidade de atingir o resultado visado, aqui ele já foi atingido por outro meio (Lebre de Freitas João Rendinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, volume 1, 2008, pág. 555).
No caso vertente, com o trânsito em julgado da sentença proferida na ação administrativa especial n.º 539/11.2BELRA ficaram definitivamente apuradas as posições de autor e contrainteressada no âmbito do concurso público para a instalação de uma farmácia em Ferrel, freguesia de Ferrel, concelho de Peniche, distrito de Leiria: a contrainteressada Maria………………………….. ficou graduada no 1.º lugar e o autor Vítor…………………… ficou graduado no 2.º lugar.
Se é verdade que se cristalizou na ordem jurídica a graduação estabelecida na lista de classificação final, não se tornou, contudo, supervenientemente impossível a satisfação do terceiro pedido do autor, a condenação do réu a atribuir a nova farmácia em Ferrel ao autor, na medida em que decorre de factor distinto, a eventual procedência do primeiro e segundo pedidos.
Conclui-se, pois, não ocorrer a impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido do autor em questão.

b)
Quanto ao segundo ponto, o decidido pelo Tribunal a quo assentou nos seguintes considerandos:
- a deliberação de homologação da lista de classificação final do primeiro concurso público foi anulada por sentença de 26/02/2008 do TAF de Coimbra, já transitada;
- por efeito automático da anulação do ato-base, a deliberação, tornou-se impossível a subsistência dos atos consequentes, por força do disposto no artigo 133.º, n.º 2, al. i), do CPA, não sendo os contrainteressados ali referidos alheios à disputa sobre o ato principal;
- por serem nulas a concessão e a emissão do alvará, bem como a autorização para a instalação da farmácia, ocorre a impossibilidade superveniente da lide quanto aos primeiro e segundo pedidos, e bem assim quanto ao terceiro, que assentaria na sua graduação em ato anulado, sendo certo que nem o tribunal poderia tomar conhecimento deste último pedido, em função do decidido no processo n.º 539/11.2BELRA.
O recorrente convoca contra o decidido, em síntese, a seguinte argumentação:
- no processo 153/03, o autor pediu a anulação da deliberação de 27/09/2002, enquanto no processo 683/05.5BELRA pediu a anulação do ato de 31/05/2005 (notificação à contrainteressada para proceder à instalação da farmácia em causa em 360 dias), bem como a condenação do réu a declarar a caducidade da autorização de instalação daquela farmácia, e a atribuir a referida farmácia ao autor;
- nos presentes, além de pedir a condenação do réu nos mesmos termos, pediu a anulação do ato de concessão e emissão do alvará relativo à farmácia em questão;
- independentemente do ato aqui impugnado ser qualificado como consequente, verifica-se a exceção prevista no artigo 133.º, n.º 2, al. i), 2.ª parte, do CPA, pois existem contrainteressados com interesse legítimo na manutenção do ato consequente, e não ocorreu qualquer facto na pendência da instância que impeça a manutenção da pretensão do autor;
- com a violação desta norma, a sentença incorreu nas nulidades previstas nas als. e) e d) do artigo 615.º, n.º 1, do CPC, devendo ainda ser reformada quanto a custas.

Começando por este último ponto, verifica-se que o recorrente aparentemente e de forma assaz singela imputa à sentença as nulidades decorrentes da omissão de pronúncia e de condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Sendo que poderia até estar a reportar-se à al. c), oposição dos fundamentos com a decisão ou ininteligibilidade do decidido.
Imputa aparentemente porque, neste segmento, se trata da transcrição de trecho de alegações apresentadas em outro processo, dizendo em seguida que se tratam “de fundamentos integralmente aplicáveis in casu, pelo que, com as devidas adaptações, se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais”.
De todo o modo, desconhece-se quais das alíneas se pretende invocar, tal como em boa verdade se desconhece porque motivo faz essa genérica invocação, uma vez que o autor/recorrente não concretiza nem densifica minimamente o invocado.
Sempre cabendo dizer que, quanto ao decidido em primeira instância, não se vislumbra sombra de quaisquer das apontadas nulidades.

Quanto ao mais, está essencialmente em causa saber se, por força da anulação da deliberação de homologação da lista de classificação final do primeiro concurso público, com o trânsito da sentença de 26/02/2008 do TAF de Coimbra, se tornou impossível a subsistência dos atos consequentes, por força do disposto no artigo 133.º, n.º 2, al. i), do CPA, designadamente a concessão e a emissão do alvará, bem como a autorização para a instalação da farmácia.
Dispunha o artigo 133.º, n.º 2, al. i), do CPA de 1991 (redação anterior ao Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de janeiro], que “[s]ão, designadamente, atos nulos (…) [o]s atos consequentes de atos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contrainteressados com interesse legítimo na manutenção do ato consequente.”
É verdade que a concessão/emissão do alvará e a autorização para a instalação da farmácia se configuram como atos consequentes da deliberação homologatória da lista de classificação final. E esta deliberação foi anulada.
Para os efeitos previstos no citado normativo, não existiam contrainteressados com interesse legítimo na manutenção do ato, posto que a aqui contrainteressada igualmente participou no processo que conduziu à anulação do ato.
Sendo que, conforme vem entendendo a doutrina e a jurisprudência, e se notou na sentença sob recurso, a exceção ali prevista não abrange os contrainteressados que intervieram na anterior ação em que foi anulado o ato (cf. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, “Código do Procedimento Administrativo – Comentado”, 1997, págs 650/651, e os acórdãos do STA de 30/06/1998, proc. n.º 29719A, do Pleno da SCA de 07/02/2001, proc. n.º 37243, de 04/10/2005, proc. n.º 0791/04, de 13/05/2009, proc. n.º 0473/08, de 25/10/2012, proc. n.º 0612/12, e de 03/05/2016, proc. n.º 0905/15, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt).
Na revisão do CPA de 2015 desapareceu a estatuição de nulidade dos atos consequentes, sendo certo que não é essa a lei aplicável ao caso dos autos.
Certo é que a anterior solução normativa não colhia uma interpretação unívoca. Como assinala Mário Aroso de Almeida, essa solução tinha sido “determinada pelo propósito de evitar que a consolidação pelo decurso do tempo de atos consequentes entretanto praticados pudesse representar um obstáculo à execução das sentenças de anulação, mediante a qual à Administração compete reconstituir a situação que deveria existir se o ato anulado não tivesse sido praticado. No pressuposto de que, a não ser aplicado o regime da nulidade aos atos consequentes, mais não restaria do que impor ao impugnante do ato anulável o pesado ónus de proceder também à tempestiva impugnação de todos e cada um dos atos consequentes que entretanto viessem a ser praticados, optava-se pela solução, que parecia mais simples, de determinar ope legis a queda dos atos consequentes e remeter para a Administração o dever de, em execução da sentença de anulação, proceder à eliminação das situações por eles constituídas. (…) [A] jurisprudência, de modo sensato, foi reconhecendo, por aplicação do princípio da proporcionalidade, que, na sequência da anulação de um ato administrativo, só se justificava que caíssem os atos dele consequentes cuja subsistência, no presente e para o futuro, se mostrasse incompatível com a reconstituição da situação que deveria existir se o ato anulado não tivesse sido praticado”, implicando “que muitos atos consequentes não tivessem que cair, ou apenas tivessem que ser adaptados à nova situação resultante da anulação; e evidenciava que a questão da determinação do âmbito dos atos consequentes que deviam cair por efeito da anulação de um ato administrativo não podia nem devia ser objeto de uma resposta única e radical, mas antes devia ter em consideração os contornos do caso concreto” (Teoria geral do direito administrativo, 2018, págs. 340/341).
A nível jurisprudencial, o Pleno do STA veio reconhecer (acórdão de 08/05/2003, proc. n.º 40821A, disponível em http://www.dgsi.pt) que “os atos consequentemente inválidos por causa da anulação do ato precedente são apenas aqueles cujos efeitos não possam manter-se sem ofensa do caso julgado ou desconformidade com a sentença, concretamente, aqueles cujos efeitos têm necessariamente de ser destruídos para que se possa reconstituir a situação hipotética atual, na medida em que seja imposta pela sentença anulatória, em função dos respectivos fundamentos.” E que, com evidentes reflexos no caso que ora nos ocupa, “[a] execução da sentença anulatória de um concurso não impõe forçosamente a destituição de um funcionário do lugar a que acedeu por virtude do ato anulado quando, retomado o concurso sem reincidência nos vícios, voltou a ser graduado em 1.º lugar”, apenas se permitindo a quem obteve a anulação do ato exigir “a destruição daqueles efeitos que sejam incompatíveis com o reexercício legal do poder administrativo.”
Veja-se também que a imposição à Administração do dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, circunscrevia o dever de remover atos jurídicos àqueles cuja manutenção fosse incompatível com a execução da sentença de anulação - artigo 173.º, n.os 1 e 2, do CPTA (na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro).
A conjugação destes normativos com o que dispunha o artigo 133.º, n.º 2, al. i), do CPA, permite então ancorar o entendimento de que os atos consequentes apenas devem ser atingidos na medida estritamente necessária para chegar à reconstrução da situação hipotética que existiria se não tivesse sido praticado o ato anulado (já seguido nos acórdãos deste TCAS de 15/03/2007, proc. n.º 6569/02, de 14/07/2016, proc. n.º 13254/16, e de 02/03/2017, proc. n.º 07322/11, e do TCAN de 29/04/2010, proc. n.º 797/1999-A, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt).
Conforme resulta da matéria de facto assente, sabemos que o réu Infarmed não cancelou o alvará da farmácia em execução da sentença proferida no recurso contencioso n.º 153/2003, nem procedeu à emissão de novo alvará na sequência da deliberação de 13/01/2011 que homologou a nova lista de classificação final.
Desta lista resultou novamente a graduação da contrainteressada em primeiro lugar e do autor em primeiro lugar.
Ajustando o entendimento professado ao caso vertente, temos que a anulação daquela primeira deliberação apenas afetaria os atos consequentes se viesse a ser alterado o posicionamento da contrainteressada e do autor na nova lista classificativa, após o reexercício do poder administrativo, o que, como já se constatou, não sucedeu.
Conclui-se, pois, que não são nulos os atos de concessão e emissão do alvará relativo à farmácia em questão, assim como a autorização de instalação da mesma concedida à contrainteressada.
Pelo que, tendo o Tribunal a quo considerado nulas a concessão e a emissão do alvará,
bem como a autorização para a instalação da farmácia e consequentemente decidido declarar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, se impõe a revogação da decisão recorrida.


c)
Suscitou o Ministério Público no seu parecer a verificação da exceção dilatória de caso julgado quanto aos dois primeiros pedidos do autor, por já terem sido apreciados no âmbito de processo findo, com o n.º 683/05.5BELRA.
Conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 577.º, al. i), e 576.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA, o caso julgado configura uma exceção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.
Nos termos do disposto no artigo 580.º, n.º 1, do CPC, a exceção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, que se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.
Tal ocorrerá, segundo o artigo 581.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
Segundo os n.os 2, 3 e 4, deste artigo, há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.
No caso dos autos, por contraponto ao processo n.º 683/05.5BELRA, afigura-se evidente que se mostram preenchidos os requisitos do caso julgado, quanto à identidade das partes, da causa de pedir e dos pedidos de condenação do réu a declarar a caducidade da autorização de instalação concedida à parte contrainteressada para instalação de uma farmácia em Ferrel, e à condenação do réu a atribuir a nova farmácia em Ferrel ao Autor, por se tratar do concorrente classificado em segundo lugar.
Atente-se, por outro lado, que aqui releva o preceituado no artigo 619.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual, transitada em julgado a sentença que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos já citados artigos 580.º e 581.º. E a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga – artigo 621.º do CPC.
Visa, pois, a figura jurídica do caso julgado evitar que sejam proferidas duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, sendo que, caso tal aconteça, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar – artigo 625.º, n.º 1, do CPC.
Ora, o processo n.º 683/05.5BELRA terminou com a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, pelo que a sentença aí proferida não emitiu pronúncia sobre o mérito das pretensões aí formuladas.
Como tal, à luz dos referidos normativos, não se verifica a exceção de caso julgado.


d)
Peticionou a contrainteressada a condenação do autor como litigante de má fé, em indemnização que não poderá ser inferior a € 10.000 (dez mil euros).
Conforme decorre do disposto no artigo 542.º do CPC, a conduta da parte integra-se no conceito de litigância de má fé se estiver viciada por dolo ou negligência grave, considerando-se como tal:
a) ter deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) ter alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) ter praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) ter feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Sustenta a contrainteressada que o autor sabe que prosseguir com os presentes autos é inútil e mantém a sua senda processual, deduzindo pretensão que sabe que se deveria abster de apresentar, pondo em causa os princípios da justiça; mais afirma que o autor altera a verdade dos factos e omite factos relevantes para a decisão de causa, violando o dever de cooperação, contribuindo de forma clara para o entorpecimento da justiça e usando de forma manifestamente reprovável o meio processual em causa.
Como é evidente, as conclusões a que foi possível chegar nos pontos antecedentes desmentem, de forma categórica, o que vem sustentado pela contrainteressada. Assim, não se vê que os fundamentos da presente ação possam deixar de ser vistos como apresentando questões jurídicas controversas, mostrando-se plausível o comportamento processual do autor, em função da defesa dos seus interesses.
Por outro lado, nem sequer se mostra de afastar liminarmente a interpretação das normas legais feita pelo autor, nos termos expostos na petição inicial, sem prejuízo do seu acolhimento.
Pelo que necessariamente improcede o pedido de condenação do autor como litigante de má fé.


e)
A revogação da decisão proferida em 1.ª instância abrange naturalmente o segmento relativo à condenação do autor no pagamento das custas do processo

Em conformidade com o supra exposto, impondo-se a revogação da sentença que decidiu ocorrer extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide, impõe-se o prosseguimento dos autos para apreciação dos pedidos formulados pelo autor.
Por estarem em causa factos controvertidos, tendo as partes requerido a produção de prova, que foi dispensada em primeira instância, impõe-se ordenar a baixa dos autos para o seu prosseguimento.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, e determinar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que aí prossigam os seus termos, se a tanto nada mais obstar.
Custas a cargo dos recorridos.
Lisboa, 4 de julho de 2019

(Pedro Nuno Figueiredo - relator)


(Carlos Araújo)


(Paulo Pereira Gouveia)