Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03565/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/17/2009
Relator:José Correia
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRC. ERRÓNEA QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL FIXADA POR AVALIAÇÃO INDIRECTA.
Sumário:I) -Tendo a AT adoptado o recurso a métodos indiciários para determinar o lucro tributável do contribuinte, compete-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação com recurso a tais métodos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
II) -Em tal situação, porque em relação à quantificação com recurso a métodos indiciários, pela sua própria natureza, não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte, é exigível a este a prova de que os elementos utilizados pela AT ou o método que utilizou são errados.
III) -O contribuinte não demonstra o erro na quantificação do lucro tributável se não consegue provar, como alegou, que um dos pressupostos factuais utilizados excede o realmente verificado e, pelo contrário, a prova apresentada confirma o acerto desse facto.
IV) - A AT no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram à aplicação dos métodos indiciários que suportam a liquidação.
V) - Nesse sentido, a AT está onerada com a demonstração da factualidade que a levou a desconsiderar certos custos contabilizados em termos de abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da recorrente e nos respectivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito – ao tempo consagrado no artº 75° da LGT-, passando, a partir daí, a competir ao contribuinte o ónus de prova de que a escrita é merecedora de credibilidade.
VI) - Na situação sub judice, a liquidação impugnada provém de acção de fiscalização onde foram constatados erros e inexactidões na contabilização das operações e indícios fundados que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, sendo perante os indícios existentes nos autos que se julgou cessada a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte.
VII) -Constatando-se, em face dos elementos contabilísticos fornecidos pela impugnante, que nos anos em causa na liquidação, existem na sua contabilidade facturas emitidas em duplicado, e nalguns casos mais de que um duplicado, com número e datas diferentes entre si, mas correspondendo ao mesmo mês da avença e, ainda, que a impugnante possuía 3 pastas contendo as facturas anuladas de um dos anos e 2 pastas contendo as facturas anuladas do outro ano, encontrando-se nestas pastas as 3 vias das facturas anuladas (original, duplicado e triplicado), é forçoso concluir que a Impugnante alegou e provou através com elementos concludentes capazes de abalar os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade elevada feito pela Administração.
VIII) -Nesse contexto, os pressupostos de facto em que a Administração Fiscal se fundou para apurar o lucro tributável padecem de erro de quantificação, uma vez que baseada em valores inexistentes por constarem em documentos duplicados, erro de quantificação da matéria tributável apurada com recurso a métodos indiciários que foi constatado, além do mais, através de prova pericial.
IX) -Em matéria de responsabilização pelo pagamento das custas, estas devem ser suportadas por quem a elas houver dado causa, pois o artigo 446º do C.P.C, prescreve que "a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a ela houver dado causa, vigorando no C.P.C, em matéria de custas, o princípio da causalidade: paga as custas a parte que lhes deu causa, isto é, que pleiteia sem fundamento, que carece de razão no pedido formulado, que, em suma, exerce no processo uma actividade injustificada.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:

I. - RELATÓRIO

A EXCELENTISSIMA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer da decisão da Mmª Juiz do TAF de Leiria que julgou procedente a impugnação deduzida por N ..., Ldª, contra as liquidações de IRC de 2002 e 2003, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
A) A douta sentença de que se recorre incorre em errada apreciação e valoração dos factos, lavrando em consequência em errada decisão de direito, nomeadamente violando o preceituado nos n.° 2 e 3 do artigo 100° do CPPT, uma vez que a prova produzida não foi manifestamente de molde a colocar em séria e fundada dúvida o sentenciado excesso quantificação via métodos indirectos;
B) Aparentemente, ter-se-á escudado o douto aresto para o efeito no resultado da prova pericial (não nos elementos fornecidos pelo impugnante) que, no entendimento da douta sentença, abalou os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade da Administração Fiscal, designadamente ao considerar que a existência de facturas emitidas em duplicado constituíam desde logo um excesso na quantificação por método indirectos.
C) Com esta decisão de procedência, bem como com a fundamentação que a sustenta não pode a Fazenda Pública deixar de firmemente dissentir.
D) Importa, desde já, realçar que se está perante uma fiscalização efectuada à impugnante, a qual se dedica à elaboração de contabilidades e assistência contabilístico-fiscal, que, paradoxalmente, não havia declarado nos exercícios em causa quaisquer declarações Modelo 22 de IRC.
E) Sendo certo que a Administração Fiscal no âmbito fiscal (a partir de balancetes e facturas) apurou, só por si, proveitos em 2002 e 2003 no valor de € 433.511,24 e € 157.331,95, respectivamente.
F) Acresce ainda ao facto de se estar perante um sujeito passivo não declarante, o facto da impugnante não ter a contabilidade organizada nos termos legais, limitando-se, no essencial, à apresentação de balancetes de 2002 e facturas de 2003;
G) Face à não entrega da contabilidade legalmente exigida, não pode deixar desde logo de merecer a maior das censuras que uma empresa dedicada justamente à elaboração de contabilidades, além de não declarante e de não ter a contabilidade legalmente organizada, ousou encerrar a actividade durante a acção inspectiva ocorrida, reportada ao ano d 2001, quando, na verdade, continuava contemporaneamente à inspecção a facturar serviços de contabilidade !
H) Todos estes comportamentos devidamente trazidos à colação no relatório inspecção evidenciam ad nauseam o comportamento ostensivamente violador dos mais básicos deveres fiscais, para mais uma sociedade que, pelo seu objecto social, se esperaria que adoptasse uma postura fiscal exemplar, por forma, até, a granjear credibilidade junto do mercado de clientes e potencial clientela, para já não falar junto da AF.
l) Iniciado o procedimento inspectivo e solicitada que foi a contabilidade dos exercícios cujas liquidações de IRC ora se impugnaram (2002 e 2003), a impugnante apenas veio a entregar os balancetes auxiliares referentes ao ano de 2002 (e 2001, aqui sem relevo) e extractos da conta-corrente de IVA, acrescendo que, relativamente ao ano de 2003, não foram sequer apresentados balancetes ou livros selados, mas apenas duas pastas de facturas.
J) Ora, a não exibição da contabilidade (seja por inexistência ou por simples recusa) legitima o recurso à aplicação de métodos indirectos, por obediência ao disposto na alínea b) do artigo 87° e das alíneas a) e b) do artigo 88°, ambos da Lei Geral Tributária; legalidade essa que a douta sentença e muito bem, não questiona.
K) No âmbito da aplicação dos métodos indiciários procedeu a AF ao apuramento da matéria tributável em sede de IRC, socorrendo-se para o efeito de elementos exclusivamente constantes da contabilidade da impugnante.
L) Deste modo, em sede de quantificação, procedeu a Administração Fiscal, por via inspectiva, ao apuramento dos proveitos e custos relativos ao ano de 2002, apoiada nos balancetes apresentados pelo próprio impugnante.
M) De onde, os proveitos apurados relativamente a 2002 seriam exactamente aqueles que o impugnante apuraria se, como era seu dever legal, apresentasse a Declaração Modelo 22, uma vez que, a inspecção tributária "se limitou" a transpor para liquidação os valores contabilisticamente apurados no balancete da N ....
N) Simetricamente, foi igualmente efectuado o aproveitamento dos valores do balancete, nomeadamente das contas da classe 6, de molde a apurar os custos da N ... e, como atrás referido, através da conta 72 (prestações de serviços) apurar os respectivos proveitos da impugnante.
O) Acrescendo que, sendo a impugnante "não declarante" para efeitos de IRC, não pode este sequer socorrer-se da presunção de veracidade das declarações modelo 22 que deveriam ter sido entregues e não o foram.
P) Defende e muito bem a douta sentença de que se recorre, a ausência, ou se quisermos, a inércia probatória do impugnante em comprovar qualquer excesso de quantificação tributária, considerando, no entanto, que a prova pericial levada a efeito por perito único foi apta a demonstrar a existência de excesso na quantificação da matéria tributável, dado que o impugnante terá facultado ao perito pastas com os originais, duplicados e triplicados das facturas alegadamente anuladas relativamente ao exercício de 2002 e 2003, concluindo o Tribunal que existiam, nalguns casos, facturas com números e datas distintas relativas ao mesmo mês de avença.
Q) E é verdadeiramente aqui que se inicia o grande logro em todo este/ processo: a assunção precipitada e desacompanhada de prova em tal sentido de que existe efectivamente uma duplicação indevida de facturas e de que a contabilização de tais duplicações equivale de per se a um excesso de quantificação da matéria tributável.
R) Ora, ressalvado o devido respeito que é muito e é sincero pela douta sentença de que se recorre, a prova pericial não conduz efectivamente às conclusões que o aresto de tal perícia extraiu.
S) Refere o perito no ponto 8 do seu relatório que "...todos os lançamentos de 2002 e 2003 relativos à facturação foram lançados por contrapartida de caixa, como se os mesmos tivessem sido recebidos, sendo depois realizados lançamentos globais em 31.12.02 e 31.12.03 dos valores em dívida dos clientes, pelo que não foi possível fazer testes na área financeira para confirmar as avenças recebidas."
T) Ora, resulta assim pacífico que a própria perícia se mostrou incapaz, face à falta de organização contabilística do impugnante, em infirmar o pagamento das avenças contabilisticamente lançadas como efectivamente recebidas pelo impetrante.
U) Ou seja, no caso dos autos as facturas emitidas pelo impugnante encontram-se lançadas contabilisticamente como já pagas pelos clientes, não se tendo comprovado que as mesmas não tenham sido efectivamente recebidas, uma vez que os valores em dívida pelos clientes se encontravam lançados através de lançamentos globais e não factura a factura.
V) Face a estes factos, não podia desde logo a douta sentença trilhar sentido da existência de excesso quantitativo que desafortunadamente foi seguido.
W) O ponto 8 não acompanha desta forma e de modo nenhum a conclusão acolhida pela douta sentença, uma vez que a prova pericial mostrou-se capaz de infirmar o recebimento pelo impugnante das facturas emitidas.
X) Quanto aos restantes pontos numéricos, bem se denota uma confirmação em toda a linha do posicionamento que desde inicio vem sendo sustentado pela AF, designadamente através do relatório inspectivo.
Y) Já quanto aos quesitos propriamente ditos, vejamos desde logo o quesito a): neste, o perito alcança a mesma conclusão já anteriormente verificada pela AF e neste ponto nada há a salientar, sendo o impugnante livre de facturar o que bem entender em respeito com as relações comerciais mantidas para com os seus clientes.
Z) Não cabendo À AF nem ao Tribunal impor ou limitar o número de avenças efectivamente recebidas pelo impugnante, a constatação de que a avença teria sido mais do que uma vez facturada ao mesmo cliente é algo que a AF não contesta na sua vertente formal, na medida em que a menção efectuada nas versadas facturas aparentemente é idêntica, no entanto, certo é que as mesmas foram emitidas e consideradas como recebidas pelo impugnante e que, quer durante a acção inspectiva, quer em sede de comissão de revisão nunca foram apresentadas as três vias das facturas que supostamente haveriam (no futuro) de ser anuladas, para além de terem sido detectadas a sua contabilização junto dos clientes.
AÃ) Através do quesito d), veio o perito a reafirmar não conseguir responder ao número de pagamentos que a impugnante recebia por ano dos seus clientes, afirmando no entanto que não obstante a regra ser a emissão de uma factura por cada avença mensal, casos se detectaram igualmente de numa mesma factura constar mais do que uma avença mensal.
BB) Acresce ainda, e aqui de facto com pertinência, a existência de 13 facturas no ano de 2002 relativamente a mais de dois terços (58 contra 22 com 12 meses facturados) dos clientes do impugnante, o que é demonstrativo que tal maioria absoluta na emissão de 13 facturas não pode encontrar justificação em lapso informático ou do utilizador do equipamento, uma vez que não se está perante casos isolados ou esporádicos, antes sendo esta a regra (assim bem e com propriedade se pode afirmar) da facturação da impetrante.
CC) É, aliás, prática comum pelos gabinetes de contabilidade a facturação de um 13° mês aos clientes para efeitos de cobrir despesas administrativas com material de escritório (papel, pastas, suportes informáticos, etc), declarações, tendo esta prática sido, de resto, confirmada pela testemunha Paulo Geraldes (inspector tributário), errando também neste segmento a douta sentença ao não dar como "factos provados"uma realidade que a testemunha bem conhece pela prática profissional continuada na área inspectiva há longos anos a esta parte e com especial enfoque em acções de fiscalização a empresas de contabilidade, pelo que, também aqui andou mal a douta sentença de que se recorre, ao ignorar esta prática corrente, e ao omiti-la do acervo probatório que se provou no decurso destes autos de impugnação.
DD) Acrescendo, em desfavor da tese implicitamente defendida pela douta sentença, que foi a própria impugnante que considerou tais facturas não teriam sido recebidos pelo impugnante, não podendo assim ser incluídas tais facturas alegadamente duplicadas na quantificação por métodos indirectos.
HH) Ora, não só inexiste prova da efectiva neutralidade fiscal de tais facturas, como acresce e aqui com bastante relevância que não pode deixar de ser visto com muita apreensão o facto de a impugnante só ter apresentado as ditas pastas de facturas pretensamente anuladas aquando da recente perícia, nunca tendo tido assim a AF a possibilidade de ser confrontada com as mesmas, uma vez que até aqui, os elementos dessas alegadas anulações baseavam-se tão-somente em avisos de lançamento "em bolo" e uma listagem aventadamente a estas respeitante, persistindo, no entanto, por comprovar a inocuidade fiscal das sobreditas facturas.
II) E bem tentou a Fazenda Pública que a perícia pudesse esclarecer de forma inequívoca e de forma Imparcial esta questão, por amostragem que fosse, tendo inclusivamente proposto nos seus quesitos, designadamente em D., que fosse verificado junto da contabilidade de três clientes em que essa suposta duplicação teria ocorrido se as facturas em causa tinham sido contabilizadas e assim levadas ou não a custo fiscal.
JJ) Paradoxalmente, o Meritíssimo Juiz a quo não veio a atender tal pretensão, escudando-se na alegação de que tal matéria extravasaria o âmbito da impugnação, o que se veio a revelar à saciedade falso e erróneo, como os próprios factos vêm agora a demonstrar à exaustão: a famigerada duplicação não se encontra minimamente comprovada e é impossível com facturas aparecidas mais de 5 após o seu lançamento, afirmar que as mesmas não foram então contabilizadas como custo nos clientes nos exercícios de 2002 e 2003 e os respectivos valores pagos ao impugnante, tal como a contabilidade deste revelava e cuja perícia não permitiu infirmar.
KK) Sendo certo que, a AF, aquando da realização da inspecção tributária, detectou através de circularização junto dos clientes, por amostragem, que facturas pretensamente anuladas se encontravam contabilizadas nestes, -vide Anexo l, fls. 8 a 15 - o que retira qualquer credibilidade às menções "anulada", relativamente há já de si desastrosa conduta fiscal ab initio detectada pela AF.
LL) Por outras palavras, a douta sentença errou ao valorar o probatório dos autos no sentido de assumir que o impugnante (ainda que por via da prova pericial) tenha sido capaz de colocar em séria e fundada dúvida a quantificação efectuada.
MM) Baseando-se tão singelamente numas supostas facturas que a AF simplesmente desconhece, porquanto nunca lhes foram facultadas, nem julga que constem dos autos, as quais 5 a 6 anos depois terão sido mostradas ao perito, constando das mesmas as três vias e a menção de "anuladas" sem que se saiba efectivamente se houve um movimento financeiro associado a tal emissão e se as mesmas foram ou não contabilizadas como qualquer outra factura não anulada.
NN) Pedia-se, no mínimo, ao Tribunal um rigor e cuidado médio na apreciação destas questões, errando o Tribunal ao indeferir a pretensão da Fazenda Pública em ver, por via de prova pericial, esclarecidas as questões da existência de movimentos financeiros que a contabilidade por si só revelava e a contabilização das mesmas ou não junto dos respectivos clientes.
00) A tudo isto, o Tribunal a quo não foi sensível, agarrando-se/ erradamente a esse pecadilho original que a menção "em duplicado" equivale cegamente a um lançamento indevido e absolutamente neutro fiscalmente, sem que se produza prova suficiente em tal sentido.
PP) Ora, perante a existência de pressupostos para a aplicação de métodos indirectos, os quais ademais não são sequer alvo de contestação, cabia e cabe ao impugnante um especial e exigente ónus probatório para colocar em crise a quantificação efectuada, dado ter sido exclusivamente o impugnante a dar azo à aplicação de tal método subsidiário.
QQ) Exigência probatória essa que não se basta manifestamente pela apresentação anos mais tarde de pastas contendo supostos originais, duplicados e triplicados de facturas (que a Fazenda Pública absolutamente desconhece), sem cuidar de demonstrar que as mesmas foram fiscalmente neutras para o emissor e receptor das mesmas e que as estas não haviam sido efectivamente pagas pelos clientes, quando é o próprio perito a reconhecer que elas estão contabilizadas em conta caixa e portanto, como efectivamente recebidas e sem hipótese (em face da desorganização contabilística) de ser verificado o seu contrário - vide V. ponto 8 da perícia).
RR) Por tudo quanto supra se expôs, não pode considerar-se existir in casu manifesto excesso na quantificação efectuada por métodos indirectos, não logrando o impugnante, nem a perícia efectuada, gerar a imprescindível e concludente fundada e séria dúvida, uma vez que e para mais, se está perante a aplicação de métodos indirectos por recusa de exibição da contabilidade, o que gera uma maior exigência em termos do ónus probatório que recai sobre o ora impugnante (artigo 100°, n.° 2 e 3 do CPPT, não podendo, concomitantemente, a douta sentença deixar de ser revogada e substituída por outra que considere legal a quantificação efectuada e destarte, julgue improcedente a impugnação judicial deduzida.
SS) Independentemente do sentido da decisão que venha a ser tomada pelo Tribunal ad quem, não se poderá deixar de pugnar pelo pedido de responsabilização das custas em 1a instância pela impugnante, uma vez que foi a sua continuada omissão de entrega das facturas pretensamente anuladas apenas agora apresentadas ao perito nomeado que estiveram na origem e vieram a merecer por banda do Tribunal (ainda que erradamente, como se expôs) a anulação das liquidações impugnadas.
TT) Ou seja, o disposto no artigo 446° do CPC não poderá deixar de ser interpretado no sentido de que a responsabilidade pelas custas sempre será da parte que pela sua conduta (omissiva ou comisssiva) deu azo a que o litígio surgisse.
UU) Ora, no caso dos autos, não subsiste qualquer dúvida sobre o facto de ter sido o impugnante que, ao não entregar sequer as facturas apenas agora apresentadas ao perito nomeado pelo Tribunal a quo, se colocou em situação de ter de recorrer a esta instância contenciosa, quando, estava na sua esfera de possibilidade evitar que tal sucedesse.
W) Sendo que foram as facturas apenas para efeitos de perícia apresentadas que conduziram e estiveram na origem na fundamentação segundo a qual e supostamente a AF terá cometido um alegado excesso quantitativo, pelo que não pode também em matéria de custas o Venerando Tribunal ad quem deixar de anular a sentença no que às custas diz respeito, reconhecendo a responsabilidade do impugnante, independentemente do vencimento relativamente ao mérito do pedido.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência ser reconhecida a legalidade da quantificação efectuada e destarte revogada a douta sentença que determinou a anulação dos actos tributários impugnados.
Houve contra -alegações em que a recorrida conclui que não assiste razão à recorrente em nenhuma das vertentes em que ataca a douta sentença, que nenhuma norma substantiva ou processual violou, a qual deve, por isso, manter-se incólume, confirmando-se a anulação decidida na douta sentença recorrida nos seus precisos termos, pois assim se fará a costumada JUSTIÇA!
O EPGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso pelos fundamentos a que infra se fará alusão.
Os autos vêm á conferência com dispensa de vistos.
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II. - FUNDAMENTAÇÃO:
2.1. - DOS FACTOS:
Na sentença fixou-se o seguinte probatório com base nos elementos junto aos autos:
1. A impugnante dedica-se à actividade de "Contabilidade, Auditoria e Consultadoria Fiscal" tem o NIF 505 038 943 o CAE 74120 e sede na Av. Bernardo de Santareno, 13 r/c Santarém, encontra-se registada para efeitos de IRS, IRC e IVA no Serviço de Finanças de Santarém - cfr. consta do relatório de Inspecção Tributária - fls. 7 e seguintes do P.A. junto aos autos.
2. Com base nas ordens de serviço números 25.776, 25.777 e 25.011, datadas de 18/01/2004, 10/05/2004, para os exercícios de 2001, 2002 e 2003 respectivamente os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém procederam a acções de verificação externa aos elementos da contabilidade do sujeito passivo que tiveram o seu início em 21/05/2004, 26/05/2004 e 22/06/2004 - cfr. consta do relatório de Inspecção Tributária (pag. 7) - fls. 17 e seguintes do P.A. junto aos autos.
3. Do relatório elaborado no âmbito da acção inspectiva supra referida consta sob o titulo de "IV - Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos", que a seguir se transcreve:
"Com base nos indícios que adiante se espelham neste capítulo, a matéria colectável dos três exercícios em causa para efeitos de IRC será calculada com recurso à aplicação de métodos indirectos (...) com os seguintes fundamentos:
1.trata-se de uma sociedade que não entrega as Declarações de Rendimentos Modelo 22 e Anuais de Informação Contabilística e Fiscal de IRC desde 2001 inclusive, bem como não entrega as respectivas declarações periódicas de IVA para os períodos 0312T, 02727, 02067 e 0112T enquanto que foram entregues a zero as declarações periódicas de W A dos períodos 03097, 03067, 03037, 02097, 02037, 0112TeOW3T;
2.foi notificada a sociedade supracitada, na pessoa da sócia gerente, a Sr.a Da Fernanda Almeirão para proceder à regularização da escrita no prazo de 30 dias dado ter-se verificado o atraso da mesma - tendo sido apresentados apenas balancetes auxiliares para 2001 e 2002 e extractos das contas de IVA - bem como por não possuir os livros selados a que a sociedade está obrigada. (...). Apresentando-nos na morada da sede após o decurso do prazo estipulado a fim de dar cumprimento àquela notificação verificou-se que a contabilidade continuava por regularizar, bem como não dispunha igualmente dos competentes livros selados. Como os elementos a que está obrigado a possuir pelo exercício da actividade comercial/industrial não nos foram apresentados considera-se tal facto como recusa de exibição de escrita (...).
(...)
O contribuinte conforme demonstrado não dispõe de um sistema fiável de resultados para efeitos fiscais tomando-se impossível a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável. Mais, como consta do subponto 2 deste capítulo, apesar de devidamente notificado para regularizar a escrita dentro de um prazo pré estabelecido, verificou-se que no final do mesmo tal não foi efectuado. Considera-se esta situação como recusa de exibição de escrita a qual constitui fundamento suficiente " de per si " para que o apuro da matéria tributável seja determinado com base em métodos indirectos conforme (...)."
Tudo conforme consta do relatório de Inspecção Tributária (pág. 24 e 26) - fls. 35 e 36 do P.A. junto aos autos.
4. No mesmo relatório e sob o titulo de "V - Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos", que a seguir se transcreve:
"Na impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, a determinação da mesma será efectuada com recurso a métodos indirectos, tendo em conta os critérios de determinação elencados no artigo 90° da LGT.
Da análise aos elementos compulsados e baseando-nos nos fundamentos atrás referidos, propomos a utilização dos critérios abaixo enunciados, dado que se julgam os mais capazes de aproximar o resultado estimado do resultado real da actividade, em função de:
Para apuro da matéria colectável dos três exercícios sabendo que as prestações de serviços (avenças de assistência fiscal e processamento de salários) são facturadas mensalmente recolheu-se para o quadro síntese adiante apresentado as: - provindas das pastas consultadas bem como da circularização a clientes -linha "correcções aritméticas" do referido quadro”,
- Conforme fundamento referido no ponto 5 do capítulo anterior consideram-se como prestação de serviços os totais apresentados na conta 72 de 2002 dos balancetes constantes do ANEXO II folha 2 apresentado na linha "total balancetes" do mesmo quadro. Da diferença entre ambas resultam os montantes apresentados na linha "correcções métodos indirectos" do quadro seguinte:

bases tributáveis Apuros 2002
total balancetes (D 431.575,21
correcções aritméticas (2) 241.279,29
correcções métodos indirectos (3)= (1-2) 190.295,92

V. A) Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC)
Os pressupostos utilizados no cálculo do Lucro Tributável foram os seguintes:
Tendo em conta o volume de negócios total constantes da conta 72 dos balancetes apresentados em ANEXO II folha 2 e considerando-se como custos suportados pela actividade desenvolvida pela sociedade os declarados nos referidos balancetes para os exercícios de 2001 e 2002, apuram-se como lucros tributáveis os montantes apresentados no quadro seguinte. (...) por não possuirmos quaisquer elementos relacionados com custos de 2003, praticaremos para este exercício o rácio apurado para o ano de 2002 (56,04 %), (...).
As percentagens apresentadas na coluna "%" representam o peso de cada conta de custo do ano 2002 no seu total de € 242.937,94.
Da multiplicação de tais percentagens pelo total de € 88.168,19 calcularemos os respectivos valores de custos da coluna "2003".
Assim, em sede de ERC, o lucro tributável proposto para os exercícios analisados são os calculados no quadro seguinte:
Rubricas
2001
2002
2003
%
Prestação serviços/ proveitos
206.879,27
431.575,21
157.331,95
Proveitos e ganhos financeiros
1.573,13
1.936,03
0,00
total de proveitos
(D
208.452,40
433.511,24
157.331,95
FST
(2)
28.480,75
43.886,63
15.927,54
18,06%
Impostos
(3)
67,93
92,36
33,52
0,04%
Custos Pessoal (4) 118.506,41 195.425,27 70.924,66 80,44%
Amortizações Exercício (5) 909,85 909,85 330,21 0,37%
Custos e Perdas Suportados (6) 1.855,18 2.424,24 879,82 1 ,00%
Custos e Perdas Extraordinários
(7)
199,59
199,59
72,44
0,08%
total de custos
[8)= 2 a 7
150.019,71
242.937,94
88.168,19
100,00%
lucro tributável
(9)=1-8
58.432,69
190.573,30
69.163,76
rácio = custos / proveitos
(10)= 8/1
71 ,97%
56,04%
56,04%
Tudo conforme consta do relatório de Inspecção Tributária (pag. 26, 27 e 28) - fls. 36, 37 e 38 do P.A. junto aos autos.
5. Aos 24/06/2005 reuniram Ana Isabel de Abreu Dias, na qualidade de perita nomeada pela Administração Tributária e Joaquim Luís Duarte Nogueira, para apreciar a reclamação apresentada por N ... II Centro de Contabilidades, Lda., com referência ao processo n.° 22/2005, em sede de IRC e IVA dos exercícios de 2001, 2002 e 2003, não tendo os mesmos chegado a acordo - Tudo conforme consta 143 e seguintes do P.A., junto aos autos.
6. Por decisão do Presidente da Comissão de Revisão foi mantido o rendimento inicialmente fixado nos seguintes termos, transcreve-se em seguida parte da decisão:
Tendo presente a posição dos peritos intervenientes nos respectivos laudos que fazem parte integrante da acta n.° 22-A/2005, a saber: O Perito do Contribuinte:
• Recurso aos Métodos Indirectos - Em face dos atrasos nos registos na data da Inspecção aceita-se como solução de avaliação o recurso aos métodos indirectos, mas não se aceitam os valores apurados relativamente aos anos de 2002 e 2003;
• Valores estimados como prestação de serviços –
Ano de 2002 e 2003
• O valor indicado no relatório da Inspecção está completamente desfasado da realidade da Empresa devendo ser considerados os mapas apresentados pelo contribuinte, que corresponde aos serviços prestados;
Facturas anuladas - Refere a duplicação de facturação como justificação de existência de facturas anuladas pela Empresa, que estejam lançadas na contabilidade da cada cliente, pois a anulação foi feita à posteriori, não existindo em qualquer cliente mais de 12 avenças lançadas motivo porque dai não advêm qualquer prejuízo para o Estado. Alega ainda que foi por não haver fiabilidade total relativamente à facturação emitida que optou pela apresentação dos mapas anuais com o valor real debitado a cada cliente.
Recusa de escrita - Existia na data da Inspecção atraso nos registos contabilísticos, mas não houve recusa na apresentação dos elementos disponíveis ao Técnico da Administração Fiscal. (...)
O Perito da Administração Tributária:
• Verificados os pressupostos da aplicação dos métodos indirectos e tendo o sujeito passivo concordado com a aplicação dos mesmos, procedeu-se à análise do excesso de quantificação;
• Para justificar o excesso de quantificação, foram apresentados mapas de prestação de serviços para cada um dos exercícios em causa, com o valor correspondente a cada um dos seus clientes;
• Analisados os valores propostos, verificou-se que os mesmos resultam da multiplicação do valor mensal da avença pelo total de meses em que foi prestado o serviço;
• Os valores apresentados não foram aceites já que não foi tido em conta todas as facturas emitidas aos clientes, tendo sido invocado que iriam proceder à sua anulação mais tarde,
• Considerando assim não ter sido justificado o excesso de quantificação, e os factos explicitados no relatório elaborado pelos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária, fica demonstrado que se encontram reunidos os pressupostos para o recurso à avaliação indirecta, (...) não tendo sido apresentadas provas do excesso de quantificação, (...), pelo que concluo que serão de manter os valores inicialmente fixados querem sede de IRC querem sede de IVA.
Tudo conforme consta de fls. 152 e 153 do P.A. junto aos autos.
7. Relativamente aos anos de 2002 e 2003, existe, na contabilidade da Impugnante facturas emitidas em duplicado com número e datas diferentes entre si, mas tendo em duplicado o mês da avença, podendo ver-se no descritivo "Serviços de contabilidade e assistência fiscal, efectuados à empresas de V. ex.", durante o mês xxx, no valor xxx é "- cfr. resulta da prova testemunhal e pericial e fls. 182 a 183 dos autos.
8. A impugnante possui 3 pastas contendo as facturas anuladas do ano de 2002 e 2 pastas contendo as facturas anuladas do ano de 2003, nestas pastas encontra-se as 3 vias das facturas anuladas (original, duplicado e triplicado) estando inscrito nas 2 vias a expressão "Anulado" escrita a vermelho e à mão ou a expressão "Anulado por erro" carimbada a vermelho - cfr. resulta da prova pericial e fls. 184 a 185 dos autos.
9.Os clientes pagam 12 avenças por anos - cfr. resulta da prova testemunhal
10. A matéria colectável do exercício de 2002, tem por base os valores constantes dos balancetes elaborados pela Impugnante e em 2003 a totalidade dos valores constantes das facturas - cfr. resulta do relatório da inspecção e da prova testemunhal produzida.
11. Os balancetes que foram entregues aos Serviços de Fiscalização foram, por lapso elaborados em face a todas as facturas emitidas, inclusive as duplicadas - cfr. resulta da prova testemunhal.
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Factos não provados
Não se provaram outros factos que em face das possíveis soluções de direito importe registar como não provados.
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No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, em concreto no teor do relatório da Inspecção Tributária, nos pontos indicados em cada uma das alíneas supra.
Adicionalmente e com relevância para a fixação dos factos contemplados nos pontos 9. e 10., foram tidos em conta os depoimentos das duas testemunhas inquiridas, Joaquim Luís Duarte Nogueira e Paulo Jorge Vitoriano Geraldes, o primeiro confirmado no essencial os factos articulados na petição, tendo-se mostrado merecedores de credibilidade face á razão de ciência invocada. E o segundo Inspector tributário, responsável pela acção inspectiva que deu origem às correcções objecto do presente litígio. Estes depoimentos, apesar de colocados em posições diferentes foram consistentes, tendo as testemunhas revelado conhecimento directo dos factos relatados quanto à matéria provada. A prova pericial realizada oferece-nos apoio convincente e de importância primordial, para a fixação dos factos contemplados nos pontos 7. e 8. do probatório.
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2.2. – DO DIREITO:
Fixada a matéria de facto, determinemos então, pois são essas as questões a decidir delimitadas nas conclusões de recurso, se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando, para dar como verificado o erro na quantificação da matéria tributável ou, pelo menos, a fundada dúvida sobre o excesso de quantificação, o tribunal a quo se serviu de factos articulados pela impugnante mas dos quais não foi apresentada prova pelo impugnante.
A sentença recorrida julgou procedente a impugnação com base no seguinte discurso jurídico:
“(…)
Decorre do probatório que no apuramento da matéria colectável a Administração Fiscal se socorreu no ano de 2002, dos balancetes que tinham sido fornecidos pela Impugnante e em 2003 da soma das facturas emitidas.
Critério que à partida se nos afigura razoavelmente e equilibrado, atento simplesmente à natureza da actividade em causa, que tem, à partida, com única fonte de proveitos a prestação de serviços.
Não obstante, a Impugnante vem agora [Como o fez em sede de Comissão de Revisão (ponto 6. do probatório)] invocar erro quanto aos elementos fornecidos através dos balancetes por estes terem sido influenciados com os elementos constantes em facturação processada em duplicado e que entretanto foi anulada [Argumento que já havia invocado em sede de Comissão de Revisão (ponto 6. do probatório]. E como prova do seu direito vem juntar aos autos a lista com a identificação das entidades das facturas emitidas às entidades a que prestou serviço nos anos de 2002 e 2003 e pede a realização de prova pericial.
Ora a lista de identificação das entidades a quem foram emitidas facturas, por si só nada prova a este respeito nem chega a colocar a dúvida séria e fundada.
Mas o mesmo não se poderá dizer da prova pericial.
Esta efectuada em face dos elementos contabilísticos fornecidos pela impugnante vem a concluir nos anos de 2002 e 2003, existe na contabilidade da Impugnante facturas emitidas em duplicado, e nalguns casos mais de que um duplicado) com número e datas diferentes entre si, mas correspondendo ao mesmo mês da avença. E ainda que a impugnante possui 3 pastas contendo as facturas anuladas do ano de 2002 e 2 pastas contendo as facturas anuladas do ano de 2003, nestas pastas encontra-se as 3 vias das facturas anuladas (original, duplicado e triplicado) [Pontos 7 e 8 do probatório].
Donde se depreende que a Impugnante alegou e provou através com elementos concludentes capazes de abalar os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade elevada feito pela Administração.
Neste contexto, impõe-se a nós, a conclusão de que aqueles pressupostos de facto em que a Administração Fiscal se fundou para apurar o lucro tributável padecem de erro de quantificação, uma vez que baseada em valores inexistentes por constarem em documentos duplicados.
Nestes termos e porque através da prova pericial resulta a constatação de erro de quantificação da matéria tributável apurada com recurso a métodos indiciários por virtude de tal erro a liquidação não pode manter-se.
Assim se refere também o Acórdão do TCA Sul, de 09/05/2006, proferido no processo n°01320/03, de que transcrevemos parte do sumário:
"(...)
3. Não tendo a impugnante vindo colocarem causa a desadequação do critério utilizado pela AT para a determinação da quantificação da matéria tributável alcançada, mas tendo vindo a colocar em causa a quantificação assim obtida por padecer de excesso, na medida em que assentou que a contribuinte vendera três fracções autónomas nesse exercício quando a mesma só vendera duas, tendo logrado provar que uma das fracções havia sido vendida já no exercício anterior, cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, do excesso dessa quantificação;
4. Desta forma preencheu a impugnante o fundamento de anulação da liquidação impugnada de errónea quantificação dos rendimentos considerados."
A recorrente FªPª vem imputar à sentença erro de julgamento de facto e de direito.
O EPGA sustenta que, sendo certo que a factualidade apurada resultou da análise critica da prova documental, pericial e testemunhal, por força do estatuído no artigo 690°-A do CPC, a recorrente, sob pena de rejeição do recurso, devia especificar:
1.Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
2.Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida;
3.Os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522-C.
E, porque considera que a recorrente não cumpre, pelo menos, o ónus referido em 3, o recurso respeitante à impugnação da decisão de facto não pode deixar de ser rejeitado (artigos 690°/A e 712°1/a) do CPC).
E, na verdade, tudo isso é constatável na minuta do recurso, devendo ser aquela a consequência resultante de cominação legal expressa.
Todavia, a nosso ver, o apontado erro de julgamento nem ocorre porquanto se nos afigura que perante a factualidade apurada com base nos elementos probatórios adquiridos nos autos e que se reputa a necessária e suficiente para uma boa decisão da causa, a decisão recorrida não merece qualquer censura.
Com efeito, estando unicamente em causa a apreciação do pretenso excesso de quantificação da matéria tributável, há que atentar no regime regulado no artigo 344º/2 do Código Civil e artigo 74º/3 da LGT quanto ao ónus, a cargo do impugnante, da demonstração do excesso cometido na quantificação da matéria colectável, com resolução da dúvida a favor da Administração Tributária.
Tendo a AT adoptado o recurso a métodos indiciários para determinar o lucro tributável do contribuinte, compete-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação com recurso a tais métodos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
Em tal situação, porque em relação à quantificação com recurso a métodos indiciários, pela sua própria natureza, não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte, é exigível a este a prova de que os elementos utilizados pela AT ou o método que utilizou são errados.
O contribuinte não demonstra o erro na quantificação do lucro tributável se não consegue provar, como alegou, que um dos pressupostos factuais utilizados excede o realmente verificado e, pelo contrário, a prova apresentada confirma o acerto desse facto.
A AT no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram à aplicação dos métodos indiciários que suportam a liquidação.
Nesse sentido, a AT está onerada com a demonstração da factualidade que a levou a desconsiderar certos custos contabilizados em termos de abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da recorrente e nos respectivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito – ao tempo consagrado no artº 75° da LGT-, passando, a partir daí, a competir ao contribuinte o ónus de prova de que a escrita é merecedora de credibilidade.
Na situação sub judice, a liquidação impugnada provém de acção de fiscalização onde foram constatados erros e inexactidões na contabilização das operações e indícios fundados que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, sendo perante os indícios existentes nos autos que se julgou cessada a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte.
Tendo tudo isso presente, patenteia o probatório, com relevância para a questão que nos ocupa, que:
-Os clientes da recorrente pagam 12 avenças por ano (ponto 9 do probatório);
-No que tange aos exercícios de 2002 e 2003, em causa, constatou-se a existência, na contabilidade da impugnante, de facturas emitidas em duplicado com número e datas diferentes entre si, mas tendo em duplicado o mês da avença, podendo ver-se no descritivo «serviços de contabilidade e assistência fiscal, efectuados à empresa de V. Ex. durante o mês xxx, no valor de xxx» (ponto 7 do probatório);
-Os balancetes que foram entregues aos Serviços de Fiscalização foram, por lapso, elaborados em face de todas as facturas emitidas, inclusive as duplicadas (ponto 11 do probatório).
Perante esta factualidade, vê-se que a AT calculou a matéria tributável baseando-se nos aludidos balancetes, relevando como proveitos também os montantes constantes das facturas duplicadas, o que constitui prova irrefutável do excesso de quantificação da matéria tributável, sem margem para dúvida razoável.
No que tange à alegada insuficiência do objecto da perícia, fixado por despacho judicial de fls. 123, na senda do douto parecer do EPGA, com o qual está em consonância tudo o que acabámos de expender, e secundando a asserção da recorrida, a FP foi notificada do mesmo, nada tendo requerido, pelo que se afigura extemporâneo vir agora suscitar tal questão.
Acresce que a FªPª foi, devidamente, notificada do teor do relatório pericial, conforme resulta de fls. 199 dos autos, não tendo apresentado qualquer reclamação contra o mesmo, como lho consentia e impunha o artigo 587° do CPC, solicitando, designadamente, a junção aos autos das pastas com as facturas anuladas «a posteriori» por forma proceder à sua análise e proceder às pertinentes correcções.
Não o tendo feito na devida altura, não é legalmente admissível que o faça agora, em sede de recurso pois isso constituiria uma fundamentação formal e substancial aposteriori e a substituição do poder judicial à Administração, acto proibido pelo sacrossanto princípio da separação de poderes.
Quanto à suscitada questão da não demonstração da neutralidade fiscal da duplicação de facturas uma vez que, nomeadamente, aquando da realização da inspecção, a AF detectou através de circularização junto dos clientes, por amostragem, que facturas pretensamente anuladas se encontravam contabilizadas nestes, também aqui nos arrimamos ao parecer do MP no sentido de que não assiste razão à AF.
É que, em sede de revisão da matéria tributável (fls. 159 do apenso PAT) o perito da recorrida justifica esse facto precisamente em que «...esta anulação foi feita "a posteriori", mas não existe em qualquer cliente mais de 12 avenças lançadas motivo porque daí não advém qualquer prejuízo para o Estado».
Também se nos afigura que tal explicação é plenamente plausível, uma vez que resultou provado que os clientes pagam 12 avenças por ano.
Adite-se, ainda, que igualmente provado se mostra que os balancetes em que se apoiou a AT para operar o cálculo da matéria tributável, foram, por lapso, elaborados com base em todas as facturas emitidas, inclusive as duplicadas.
Destarte, está demonstrado nos autos, sem margem para dúvida razoável, o excesso de quantificação da matéria tributável, não obstante a manifesta irregularidade da contabilidade da recorrida e que legitimou o recurso aos métodos indirectos e que esta nem sequer pôs em crise.
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A recorrente FªPª também controverte à sua condenação em custas para o caso da improcedência do seu recurso.
Em substância, afirma que a recorrida deve ser condenada nas custas do processo segundo o critério definido no artigo 446° do CPC, na medida em que se deve entender que a responsabilidade pelas custas será sempre da parte que pela sua conduta (omissiva ou comissiva) deu azo a que o litígio surgisse.
A essa luz, porque, ainda na tese da recorrente, foi a recorrida que, porque não entregou as facturas em devido tempo, só havendo agora sido apresentadas ao perito nomeado pelo tribunal «a quo» que se colocou em situação de recorrer a esta instância contenciosa, quando estava na sua esfera de possibilidade evitar que tal acontecesse.
Também nesta vertente estamos em plena sintonia com o parecer do EPGA que, por preclaro, passamos a transcrever na parte que releva para o caso:
“(…)
Na base da responsabilidade pelas custas está o princípio da causalidade, como ressalta do estatuído nos artigos 446.° e 449.° do CPC.
Este princípio da causalidade -paga as custas quem deu causa a elas - reveste duas modalidades:
1.Paga as custas o vencido (artigo 446.° do CPC);
2.Paga as custas o autor (artigo 449.° do CPC).
Como ensina o Professor Alberto dos Reis «Primitivamente, as custas eram encaradas como uma pena que se impunha ao litigante temerário ou como uma obrigação civil de indemnizar os danos causados ao adversário.
Na base destas concepções estava a ideia de culpa.
A doutrina moderna abstrai completamente do conceito de culpa e dá à responsabilidade pelas custas uma base puramente objectiva. O princípio fundamental que orienta actualmente os escritores e os legisladores é este: paga as custas a parte vencida. O facto objectivo da sucumbência é o fundamento da responsabilidade pelas custas.....
A raiz da responsabilidade está, pois, na relação causal entre o dano e actividade de um homem.
Esta relação causal é denunciada por certos índices, o primeiro dos quais é a sucumbência» (CPC, anotado, volume II, 3.ª edição, reimpressão, páginas 200/201).
E prossegue o mesmo autor «O réu dá causa à acção: quando estava constituído em determinada obrigação que deixou de cumprir e a acção se destina a exigir o cumprimento; b) quando praticou facto ilícito e a acção tem por fim exigir a responsabilidade emergente desse facto.
Põe-se, porém, o problema: só por estes dois moldes é que o réu dá causa à acção?
Respondemos negativamente. O réu dá causa à acção sempre que haja nexo de causalidade entre ele e a acção ou esse nexo tenha expressão subjectiva, no sentido de que o réu teve comportamento contrario à ordem jurídica, ou tenha expressão objectiva, no sentido de que se materializou no réu o facto de que acção emerge».
A recorrente entende que não deve pagar as custas, uma vez que foi a recorrida que deu causa à acção ao não apresentar durante o procedimento inspectivo e de revisão da matéria tributável as facturas anuladas e só por esse facto houve necessidade do recurso à via judicial.
Ou seja, se bem entendemos a posição da recorrente FP esta sustenta que não praticou qualquer acto ilícito que tenha determinado a necessidade do recurso a esta via contenciosa.
Mas não é assim, a nosso ver.
De facto, a recorrida, apenas seria responsável pelo pagamento das custas se ocorresse alguma das circunstância referidas no artigo 449° do CPC, o que, a nosso ver, não é, manifestamente, o caso.
Na verdade, a recorrida pretende a anulação de acto tributário por facto ilícito imputado à AT, pelo que, em caso de sucumbência não pode deixar de ser condenada em custas, nos termos do disposto no artigo 446° do CPC.
Mas, ainda que assim não se entendesse, o certo é que sempre existiria nexo de causalidade entre a conduta da AT e a acção e se materializou na actuação da AT o facto de que emerge a acção, a saber, o acto de liquidação, pelo que, salvo melhor juízo, é a AT que, em última instância, dá causa à acção.”
Em reforço do que vem dito, diga-se que a Administração, em geral, e o contribuinte, em particular, gozam da presunção de boa - fé na sua actuação, o que implica que aquela deva poder confiar nas indicações constantes das notificações que fez ao contribuinte, sendo essa confiança digna de tutela em decorrência do princípio constitucional da protecção da confiança.
Destarte, não poderá afirmar-se que foi o contribuinte que deu causa às custas quando não cumpriu a sua obrigação declarativa atempadamente (prestar os esclarecimentos que lhe foram pedidos), dando causa legítima ao procedimento da avaliação indirecta, que estava legalmente imposto à AT.
É que em matéria de responsabilização pelo pagamento das custas, como também resulta da alocução do EPGA, estas devem ser suportadas por quem a elas houver dado causa (artigo 446º do C.P.C.), isto é, por quem pleiteia sem fundamento, que carece de razão no pedido formulado, que, em suma, exerce no processo uma actividade injustificada(1).



A actuação da lei não deve traduzir-se num sacrifício patrimonial para a parte em benefício da qual essa actuação se realizou, pois é interesse do Estado que a utilização do processo não acarrete prejuízo ao litigante que tem razão.
Mas, dúvidas não sobram, perante o que ficou demonstrado no douto parecer do EPGA, de que não foi a recorrida que lhes deu causa por não ter cumprido as suas obrigações legais nem o ónus probatório que sobre ele impendia em devido tempo, devendo vigorar aqui o princípio da justiça gratuita para o vencedor nos termos atrás consignados.
Termos em que há lugar a tributação por ter sido o recorrente que deu causa à acção.
Termos em que improcedem «in totum» as conclusões de recurso e, porque a sentença recorrida fez correcto julgamento de facto e de direito deverá manter-se na ordem jurídica.
*
3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 17/12/2009
(Gomes Correia)

(Pereira Gameiro)

(Aníbal Ferraz)

(1) Cfr., nesse sentido, o Acórdão de 16/01/2006, no Recurso nº 1516/06 e de 06/05/08, recurso nº 2284/08