Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:576/20.6BELSB-A
Secção:CA
Data do Acordão:09/10/2020
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores: ILEGITIMIDADE ATIVA;
IMPUGNAÇÃO DE ATOS;
INTERESSE DIRETO.
Sumário:i) Não sendo o contencioso administrativo de impugnação de atos um contencioso de mera legalidade – exceção feita à ação pública – o interesse direto e pessoal na demanda, que se manifesta na lesão que se repercutirá na esfera jurídica do particular interessado, tem de se revelar como uma consequência direta dos vícios imputados ao(s) ato(s) impugnado(s) e não como consequência meramente eventual.
ii) Os danos e prejuízos invocados pela Requerente em sede de periculum in mora, mas que para si consubstanciam o seu interesse direto e pessoal na demanda – não resultam da(s) ilegalidade(s) que imputa ao(s) ato(s) suspendendo(s)/impugnado(s).
iii) Das ilegalidades imputadas a tal(ais) ato(s) não se retira – tanto que não foi invocado -, que nenhum centro de inspeção ali possa funcionar, antes pelo contrário.
iv) Os prejuízos invocados pela Requerente são eventuais consequências do funcionamento de mais um centro de inspeção naquele local, quer o(s) ato(s) que o autoriza(m) seja(m) legal(ais) ou ilegal (ais).
v) Não sendo possível estabelecer uma ligação direta entre as ilegalidades imputadas ao(s) ato(s) impugnado(s) e a lesão da posição jurídica subjetiva da Requerente, falece a necessária relação de causalidade entre a ilegalidade de tal(ais) ato(s) e os prejuízos invocados.
vi) Por falta de legitimidade ativa, na medida em que a Requerente, ora Recorrente não é titular de um interesse direto, deverá manter-se, embora com distinta fundamentação, a sentença recorrida, que absolveu da instância o Requerido, ora Recorrido.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

N….. - Inspecções a Veículos, S.A, requerente e ora Recorrente não se conformando com a sentença do TAC de Lisboa de 19.05.2020, que absolveu da instância o Requerido, ora Recorrido, IMT - Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. por considerar que no caso em apreço à Requerente, e ora Recorrente, não assistia legitimidade ativa para propor a providência cautelar em causa, veio da mesma interpor recurso jurisdicional.

Em sede de alegações de recurso, culminou com as seguintes conclusões:

«(…)

a) Da alínea a) do n.° 1 do artigo 55.° do CPTA resulta a atribuição legitimidade processual activa de operadores económicos já instalados quando estes se defendem de concorrência ilegítima, porque desprovida de titularidade legal para o efeito;

b) Pode mesmo afirmar-se que o sector da actividade de inspecção de veículos constitui justamente um dos sectores concretos de actividade económica em que essa legitimidade dos operadores instalados é inegociável, visto que a distância entre centros consiste justamente num dos critérios basilares escolhidos pelo legislador para condicionar, autorizar ou impedir a abertura de novos centros (cfr. artigo 2.° da Lei n.° 11/2011), sendo até imposto como um dos critérios de preferência para selecção das candidaturas (cfr. alínea b) do n.° 5 do artigo 6.° do mesmo diploma);

c) A procedência da excepção dilatória julgada pelo Tribunal a quo, contrariando em absoluto toda a jurisprudência que os Tribunais superiores emitiram nesta matéria, implicaria que, na prática, se tornariam inimpugnáveis os actos administrativos nos quais um ente público conferisse ilegalmente uma posição de vantagem a um sujeito procedimental: nenhum sujeito que poderia ser prejudicado pelo acto ilegal receberia legitimidade processual para a sua impugnação; e os sujeitos que detêm essa legitimidade processual (por serem parte do procedimento em causa) seriam apenas aqueles que não podem ser prejudicados pelo acto ilegal;

d) Em consequência, a Douta Sentença recorrida aplicou uma norma inconstitucional, que desde já se argui para o efeito do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 280.° da Constituição e na alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional;

e) Em concreto, aplicou a alínea a) do n.° 1 do artigo 55.° do CPTA de acordo com o sentido interpretativo de que o "interesse directo e pessoal" que recorta a legitimidade processual activa para impugnação de um acto administrativo é mais restrito do que o conceito de lesado, consagrado no n.° 4 do artigo 268.° da Constituição, não abrangendo todos os sujeitos que sejam lesados na sua esfera jurídica por actos administrativos;

f) Esta interpretação normativa é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 20.°, n.° 1, e 268.°, n.° 4, da Constituição;

g) Nos termos do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 55.° do CPTA - sobretudo à luz da interpretação constitucionalmente imposta -, a ora Recorrente é parte legítima no presente processo;

h) Razão pela qual deve ser revogada a Douta Sentença recorrida, por não estar verificada a excepção dilatória de ilegitimidade processual activa;

i) Nos termos do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 149.° do CPTA, inclui-se nos poderes do "tribunal de recurso [...] decidir o objeto da causa, conhecendo do facto e do direito"; e, em especial, "se, por qualquer motivo, o tribunal recorrido não tiver conhecido do pedido, o tribunal de recurso, se julgar que o motivo não procede e que nenhum outro obsta a que se conheça do mérito da causa, conhece deste no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida";

j) Assim, na medida em que se não encontra verificada a excepção (erradamente) julgada procedente pelo tribunal recorrido, incumbe ao Tribunal ad quem conhecer do mérito da causa;

k) Para o efeito do primeiro dos três requisitos cumulativos fixados no n.° 1 e o n.° 2 do artigo 120.° do CPTA para a adopção de uma providência cautelar, a gravidade dos vícios apontados aos actos administrativos suspendendos de 23 de Julho de 2019 e de 5 de Março de 2020 é tão palmar que torna clara a convicção acerca da procedência que obterá a acção principal;

l) O primeiro dos actos suspendendos consiste numa Deliberação que, na terminologia que lhe foi conferida pelo seu Autor, estaria (aparentemente) destinada a prorrogar o prazo de vigência de um contrato de gestão de um centro de inspecção de veículos automóveis, de modo a impedir a cessação da sua vigência;

m) Sucede que esse contrato já havia caducado e cessado a sua vigência - aliás, mais de dois anos antes! -, não podendo ser sequer objecto de prorrogação,

n) Essa caducidade havia ocorrido ope iegis, por aplicação de uma solução que o legislador decidiu fixar de forma automática;

o) Portanto, a Entidade Demandada pretendeu aprovar um acto administrativo que permitisse replicar o contrato que já caducara dois anos antes,

p) Fê-lo, ademais, ignorando flagrantemente o disposto na alínea a) do n.° 4 do artigo 9.° da Lei n.° 11/2011, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 26/2013, de 19 de Fevereiro, que determinou a caducidade automática do contrato de gestão, bem como na alínea a) do n.° 1 do artigo 12.° do mesmo diploma, que determinou a cessação da vigência do contrato nesse caso de caducidade;

q) Pelo contrário, o Conselho Directivo do IMT aprovou, pelo n.° 2 da Deliberação de 8 de Fevereiro de 2016 e, em sua concretização, pela Deliberação de 4 de Outubro de 2016, do Conselho Directivo do IMT, uma derrogação regulamentar de uma norma lega, autorizando o IMT a suspender o prazo de caducidade do contrato de gestão de acordo com um juízo de inimputabilidade à entidade gestora, para cuja competência a lei nunca o habilitou;

r) Em consequência disso, o IMT aceitou proceder a um dos vícios mais flagrantes que o nosso ordenamento jurídico concebe: a preterição total de um inteiro procedimento administrativo legalmente devido;

s) Não se trata de uma mera falha ou deficiência procedimental, mas sim da total omissão daquilo que o nosso sistema jurídico descreve como procedimento administrativo: a inteira "sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública" (cfr. n.° 1 do artigo 1.° do CPA);

t) E isto porque - tal como a doutrina e a jurisprudência pacificamente passaram a reconhecer -, quando um anterior contrato não prevê nem contém essa virtualidade inicial de vigorar por mais tempo, o novo acordo corresponde a uma novação contratual, isto é, à celebração de um novo contrato - mesmo que todos os seus demais termos se mantenham intactos com excepção do prazo;

u) Na ausência de uma verdadeira prorrogação, procede-se então ao "estabelecimento de uma nova relação contratual", mesmo quando, "de um modo geral, se assemelha, em termos subjectivos e objectivos, à inicialmente constituída";

v) Portanto, enquanto novo contrato, ele nasce, na prática, através de uma "nova adjudicação' - isto é, um novo acto de adjudicação, ainda que dissimulado através de uma distinta qualificação que as partes lhe confiram, como a da alegada "prorrogação" do contrato anterior;

w) Esse acto de aprovação do novo contrato de gestão com a Contra- Interessada, por não ser precedido de qualquer procedimento legalmente devido, encontrou-se, pois, imediatamente ferido de nulidade, nos termos do disposto na alínea l) do n.° 2 do artigo 161.° do CPA;

x) E tornou-se também inapto a "produzir quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade" (cfr. n.° 1 do artigo 162.° do CPA);

y) Por conseguinte, também o subsequente acto administrativo de 5 de Março de 2020, que, na sequência do primeiro, procedeu à efectiva aprovação do Centro de Inspecção, constituindo uma sua pura decorrência lógica, é um acto consequente de um acto administrativo ferido de nulidade e insusceptível de produzir efeitos jurídicos - pelo que também ele padece da mesma nulidade;

z) Ainda que assim não fosse, o desvalor da anulabilidade que (subsidiariamente) seria apontado aos actos suspendendos decorreria de três erros manifestos de apreciação que revelariam uma negligência grosseira da Entidade Requerida;

aa) Razão pela qual se encontra satisfeito o requisito do fumus boni iuris,

bb) Nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 120.° do CPTA, também se encontra verificado o periculum in mora: seja qual for o motivo da procedência da acção principal - em razão da nulidade dos actos suspendendos, como se crê, ou pelo menos da sua anulabilidade, como se requer subsidiariamente -, a I...... perderá sempre o título jurídico habilitante para o exercício da actividade de inspecção de veículos, conforme previsto no artigo 3.° da Lei n.° 11/2011; cc) Mas, enquanto a acção principal não é apreciada, os actos suspendendos estão na iminência de fundamentar a entrada em funcionamento de um Centro de Inspecção que se encontra desprovido de qualquer título jurídico para exercer a sua actividade;

dd) No processo estão já carreados os elementos que provam a "produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal", tendo sido inclusivamente apresentado um estudo sobre qual seria o verdadeiro impacto ou dimensão da clientela da Requerente afectada pela eventual abertura do centro ilegal de inspecções da Contra-Interessada;

ee) De resto, o Supremo Tribunal Administrativo confirma, sem margem para dúvidas, que a manutenção ou fidelização da clientela é um bem jurídico dotado de específica relevância processual, constituindo um dos elementos mais decisivos na ponderação dos interesses que devem ser acautelados num processo cautelar; é que, uma vez perdida a clientela que sustenta o funcionamento de um estabelecimento, os danos podem ser irreparáveis porque a sua fidelização pode já não ser recuperada; ff) Portanto, em casos idênticos ao presente, confirma-se que a mera expectativa de procedência da acção principal não anula os prejuízos já impostos a um centro em funcionamento";

gg) Finalmente, daí decorre, de forma paralela, o cumprimento do terceiro e último requisito imposto para a adopção de uma providência cautelar, fixado no n.° 2 do artigo 120.° do CPTA: esse requisito tem uma formulação meramente negativa, só impedindo a adopção da providência se o requerido cumprir o ónus da prova de que os danos imputados pelo deferimento são ainda maiores do que aqueles que o requerente pretende evitar;

hh) Mas não podem ser comparados os danos eventualmente provocados a um Centro que já está estabelecido, já tem clientela fidelizada e um grande número de trabalhadores em plenas funções, com os danos que podem ser provocados pela demora na abertura de um Centro (ademais ilegal) que ainda não funciona e que não tem de responder perante uma clientela fidelizada;

ii) O impacto decorrente do encerramento - ou pelo menos da queda abrupta do negócio e, consequentemente, dos trabalhadores que podem ser mantidos - de um Centro é incomparavelmente superior ao mero protelamento da entrada em funcionamento de um Centro que ainda não existe e que não tem ainda clientela a manter;

jj) Tão-pouco existe qualquer prejuízo significativo para o interesse público que possa ser equacionado à luz do disposto no n.° 2 do artigo 120.° do CPTA, sendo claro que os Centros presentes na região - incluindo, justamente, o Centro da ora Recorrente, assegurando perto de 25.000 inspecções por ano - asseguram de forma suficiente as necessidades da população;

kk) Confirmam-se, pois, sem margem para dúvidas, os três requisitos fixados pelo n.° 1 e pelo n.° 2 do artigo 120.° do CPTA para a adopção da providência cautelar - razão pela qual deve ela ser adoptada no presente processo. (…).» (sublinhados nossos).

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

A Contrainteressada I…… - INSPEÇÕES A VEÍCULOS, LDA., contra-alegou, tendo ali concluído como se segue:

«(…)

A. Através da sentença recorrida, o Tribunal a quo julgou procedente, e bem, a exceção de ilegitimidade ativa da Autora, seguindo de perto, aliás, aquela que é a jurisprudência firmada do Supremo Tribunal Administrativo.

B. Na senda da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que se mantém inalterada e juridicamente irrepreensível, o interesse pessoal da própria sobrevivência económica, posta em causa pelo aparecimento de um novo concorrente não é um interesse não é suficientemente qualificado para lhe conferir legitimidade ativa.

C. O Tribunal a quo limitou-se, e bem, a ajuizar que o interesse único e confessado da Recorrente era evitar a abertura de um novo CITV e que tal pretenso interesse (“à não concorrência”) não é um interesse legalmente protegido, em especial, no contexto de um mercado concorrencial.

D. A simplicidade com que o Tribunal a quo julgou a presente ação, e que se antevê que seja a mesma do Tribunal ad quem, deve-se à circunstância de ser manifesta a referida ilegitimidade, porquanto foi a própria Recorrente que reconheceu que com a propositura da presente ação pretendia evitar a abertura e o fundamento do CITV da aqui Recorrida.

E. É, pois, indiscutível que a Recorrente tem intenção de impedir a abertura e exploração do CITV da I….; sucede, no entanto, que essa intenção não é, para este efeito, um interesse direto e, muito menos, um “interesse legalmente protegido”.

F. Não é um interesse direto porque, ao contrário do que alega a Recorrente, é falso que a abertura do CITV da I...... introduza a concorrência que a mesma refere, ou, pelo menos, nos termos em que a equaciona. E isto por uma razão manifestamente simples: a tese da Recorrente assenta numa falsa aparência de proximidade entre os dois centros e uma total ausência de outros centros em redor, fazendo com que a abertura de um condicione automaticamente o funcionamento do outro. O que é falso.

G. a Recorrente não alega um qualquer outro interesse e nem o mesmo existe: da suspensão e anulação do ato impugnado, a Recorrente não retira qualquer benefício para a sua esfera jurídica ou interesse de facto, que não seja o mencionado interesse ilegítimo em não sofrer concorrência.

H. Na verdade, a Recorrente limita-se a uma alegação genérica e inócua, defendendo que a abertura deste concreto CITV poderá (uma vez mais, em tese) colocar em crise a concorrência por força dos preços a praticar. Juntando para um efeito um Parecer que, salvo o devido respeito, se limita a formular meros juízos conclusivos e sem qualquer sustentação de facto.

I. O CITV da aqui Recorrida situa-se num distrito distinto do CITV da Recorrente e o IMT, na qualidade de entidade reguladora do setor, havia previamente entendido que era necessária a abertura de um centro em Ovar.

J. A procedência da exceção de ilegitimidade ativa da Recorrente (e de qualquer terceiro alheio ao procedimento administrativo de formação dos atos ou contratos) não conduz, direta ou indiretamente, à “inimpugnabilidade” de atos ilegais.

K. Tal argumento não tem, evidentemente, qualquer sentido e ou razão de ser. A circunstância de a Recorrente não possuir legitimidade para impugnar a decisão impugnada, não significa que a mesma não pudesse, se necessário, ser sindicada judicialmente.

L. «Em suma, não se aceita que o interesse pessoal e direto coincida com qualquer tutela abstrata da legalidade» (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 26.09.2013, proferida no âmbito do processo n.° 10300/13), que compete ao Ministério Público defender.

M. Acresce ao sobredito, que tanto o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto como o Tribunal Central Administrativo Norte já se pronunciaram, em concreto, sobre a não verificação dos requisitos de que depende a concessão de providências cautelares num caso idêntico aos dos autos e relativamente à instalação e abertura deste mesmo CITV.

N. Quer pela via do julgamento (correto) da exceção dilatória de ilegitimidade ativa da Recorrente, quer pela via do julgamento (igualmente correto) da não verificação dos requisitos de que a lei faz depender a concessão de providências cautelares, chegaríamos sempre à (mesmo) conclusão de que, no caso dos autos, não poderá ser decretada a providência cautelar requerida pela Recorrente.

O. Em conclusão: bem andou o Tribunal a quo a julgar procedente a exceção da ilegitimidade da Recorrente, não merecendo a sentença recorrida qualquer censura; sendo igualmente manifesta a inexistência de qualquer violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, imediatamente concretizado no princípio da proibição de denegação de justiça.

SEM CONCEDER,

P. No âmbito da ação principal, a Recorrente, com base numa pretensão que sabe infundada, pretende a anulação da Deliberação do Conselho Diretivo do IMT, I.P, de 23.07.2019, que autorizou a prorrogação de prazo e manutenção do Contrato de Gestão celebrado com a I.......

Q. A tese da Recorrente assenta, no entanto, em dois erros grosseiros: (i) que em causa está uma verdadeira prorrogação do prazo de 2 anos a que alude a norma do artigo 14.° da Lei n.° 11/2011, de 26 de abril; e (ii) que a aqui Recorrida concorreu para o atraso verificado no procedimento de licenciamento de construção do seu CITV.

R. De acordo com as Deliberações do CD do IMT de 08.02.2016 e 04.10.2016, respetivamente, ao aludido prazo de 2 anos poderá, por motivo não imputável ao requerente, ser deduzido o período de tempo decorrido desde a data limite para a concessão, pelas câmaras municipais competentes, das licenças de obras até à efetiva concessão das mesmas.

S. Esta não só é a solução que melhor garante a exequibilidade da norma da alínea a) do n.° 4 do artigo 9.° da Lei n.° 11/2011, como a que melhor acautela simultaneamente os interesses públicos e privados em presença.

T. Não está em causa a alteração, por via regulamentar, do prazo de 2 anos fixado na Lei n.° 11/2011; mas, tão-somente, a regulamentação do modo de contagem desse mesmo prazo, tudo conforme os poderes que são reconhecidos ao IMT, enquanto «entidade reguladora», em matéria de regulação, de promoção e de defesa da concorrência no âmbito dos transportes terrestres, fluviais e marítimos (cfr. artigo 3.° da Lei n.° 67/2013, de 28 de agosto).

U. Ora, a admissibilidade de dedução do referido prazo impõe, no entanto, a verificação de três requisitos: (i) que a entidade gestora solicite, ainda dentro do decurso do prazo de 2 anos, essa prorrogação; (ii) que o atraso verificado no procedimento de licenciamento não lhe seja imputável; e (iii) que a instrução completa do pedido de licenciamento tenha ocorrido dentro do mesmo prazo de 2 anos.

V. Ficou provado que a aqui Recorrida cumpriu integralmente todos os requisitos.

W. O pedido de prorrogação foi apresentado pela aqui Recorrida em 11.10.2016, i.e., ainda dentro do prazo de 2 anos, que terminaria, em tese, em 26.01.2017.

X. A Câmara Municipal de Ovar, notificada para o efeito, esclareceu o IMT que o atraso verificado não era imputável à aqui Recorrida.

Y. Para prova do terceiro requisito, o IMT solicitou a entrega de dois documentos: (i) certidão emitida pela Câmara Municipal de Ovar atestado a data em que o pedido se considerava devidamente instruído; e (ii) alvará de obras de construção.

Z. Ficou provado que em 30.01.2017 a Recorrida solicitou à Câmara Municipal de Ovar a emissão da referida certidão, o que só veio a ocorrer em 03.03.2017. No mesmo dia, a Recorrida apresentou-a ao IMT.

AA. Na referida certidão, o IMT atestava que o pedido se encontrava corretamente instruído em 26.11.2015, i.e., dentro do prazo inicial de 2 anos.

BB. A apresentação do segundo documento (“alvará de obra”) implicava, no entanto, que o procedimento de licenciamento fosse concluído e, depois disso, que fosse emitido o referido documento.

CC. Como à data do pedido destes elementos pelo IMT, o procedimento ainda não estava concluído a Recorrida, sem culpa, estava impedida de apresentar o referido alvará.

DD. Estando à data provado - porque tal declaração da CM de Ovar já havia sido junta - de que o atraso no procedimento não era imputável à Recorrida, então, a não emissão do referido alvará, forçosamente, também não o poderia ser, atenta a evidente relação de prejudicialidade existente.

EE. O alvará de construção foi emitido em 18.12.2017, e no mesmo dia foi remetido pela Recorrida ao IMT.

FF. Perante tal evidencia, e atentos os princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, o IMT considerou, e bem, não poder declarar a caducidade do referido contrato, concedendo à Recorrida a prorrogação do prazo calculado nos termos das Deliberações do CD do IMT de 08.02.2016 e 04.10.2016.

GG. Em face de tudo quanto antecede, é manifesto que o critério “fumus boni iuris” não se encontra preenchido.

HH. Quando ao julgamento do requisito periculum in mora, a Recorrente limitou-se a enunciar de forma genérica e conclusiva um conjunto de (alegados) prejuízos, sem, no entanto, demonstrar em que medida é que os mesmos têm qualquer adesão à realidade.

II. A Recorrente limitou-se, como bem notou o Tribunal a quo, a inventar um cenário hipotético e sem qualquer adesão à sua realidade, apenas com o intuito de aparentar um prejuízo iminente que não é capaz de sustentar factualmente.

JJ. Conforme resulta da jurisprudência dos tribunais administrativos superiores, as alegações que assentam em cenários hipotéticos, simples conjeturas alarmistas e futuristas, não podem preencher o requisito do “periculum in mora”.

KK. Em concreto, considerando o alegado pela Recorrentes, é notório, antes de mais, que se existissem quaisquer prejuízos para a sua atividade económica (ficcionando que existiriam) sempre seriam futuros, hipotéticos e eventuais.

LL. Em termos práticos, o que a Recorrente pretende impor à consideração do Tribunal é que, por força de um prejuízo hipotético que, a existir, se limitaria à perda de receitas, imponha à I...... uma verdadeira inibição da sua atividade comercial, não obstante os prejuízos, nesse caso, serem certos, imediatos e inquantificáveis.

MM. Ou seja, se a presente providência não for decretada, a Recorrente, no limite, teria de suportar os prejuízos normais e decorrentes da existência de concorrência de mercado (mas que, em hipótese alguma, seriam suscetíveis de colocar em crise a permanência e o exercício da sua atividade); se, pelo contrário, a presente providência, por absurdo, for decretada, a I...... ficará impedida, de todo, de exercer a sua atividade económica.

NN. Confrontados os dois “cenários”, emerge com relativa facilidade que o prejuízo que a concessão da presente providência iria impor à I...... são desmesuradamente superiores dos prejuízos que, em caso de não concessão, seriam suportados pela Recorrente.

OO. Pretendendo, ainda, a Recorrente que o Tribunal sacrifique, também, o interesse público geral devidamente ponderado e o interesse de todos os cidadãos que poderiam usufruir o CITV da I......, com o único propósito (ilegal) de manter uma situação de aparente monopólio.

PP. É, pois, evidente e manifesto que uma eventual concessão da providência requerida sempre seria desproporcionada, atentos os danos em causa. (…)» (sublinhados nossos).

Neste Tribunal Central Administrativo, o DMMP, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 146.º do CPTA, não se pronunciou.

Com dispensa dos vistos legais, atento o seu carácter urgente, mas com prévia distribuição do texto do acórdão pelos Mmos. Juízes Adjuntos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado, em princípio, pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado – cfr. art.s 635º, 639.º e 608º, n.º 2, 2ª parte, todos do CPC, ex vi art. 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, serão estas as questões que cumpre apreciar e decidir:

i) Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida ao ter considerado verificada a exceção de ilegitimidade ativa;

ii) e, para o caso do indicado erro proceder, conhecer, em substituição, do mérito da causa cautelar em apreço, se a tal nada mais obstar.

II. Fundamentação

II.1. De Facto e de Direito

Nos autos em apreço foi proferida sentença nos termos que aqui se transcrevem, na parte que releva para o conhecimento do presente recurso:

«(…)

Da ilegitimidade ativa

(…)

Refere o artigo 9°, n.° 1, do CPTA que “sem prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II título II, autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida”.

Por seu lado, nos termos do artigo 55° n.° 1 do mesmo Código, tem legitimidade para impugnar um ato administrativo, quem alegue ser “titular de um interesse pessoal e direto, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Verifica-se assim que o artigo 9° enuncia um princípio geral de legitimidade ativa, princípio este que necessita de ser complementado, conforme refere o mesmo artigo, quando estejam em causa processos impugnatórios (Título II capítulo II).

Neste caso, de acordo com o artigo 55°, n.° 1, já transcrito, terá legitimidade para a impugnação de atos administrativos quem demonstre, além de ser parte na relação material controvertida, que tem interesse pessoal e direto na anulação ou declaração de nulidade do ato impugnado.

A requerente peticiona a suspensão de eficácia do ato administrativo contido na Deliberação do Conselho Diretivo do IMT de 23 de julho de 2019, pedindo na ação principal a sua nulidade ou, subsidiariamente a sua anulação.

A referida deliberação consiste em “autorizar a prorrogação de prazo e de manutenção do contrato de gestão celebrado com a CITV I...... OVAR”, cfr. doc. 12, junto com a p.i..

A requerente não é parte nessa relação material, sendo partes a C.I. e a requerida e também não tem um interesse direto mas apenas reflexo ou indireto no ato em crise.

Com efeito, não se pode considerar que a requerente tenha um interesse legítimo, com a alegação de um hipotético prejuízo com a abertura do centro da C.I., uma vez que o mercado é concorrencial.

(…)

Pelo exposto, carecendo a requerente de interesse direto na causa, carece igualmente de legitimidade ativa para a presente acção, devendo o requerido ser absolvido da instância, nos termos do artigo 89°, n° 1, al. b), do CPTA. (…)». (negritos e sublinhados nossos).

Desde já se adianta que a sentença recorrida é para manter, mas a decisão exige diversa fundamentação. Vejamos em que termos.

i) Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida ao ter considerado verificada a exceção de ilegitimidade ativa.

Concorre, para o conhecimento do acerto da decisão tomada, o seguinte entendimento jurisprudencial, que recai sobre as normas aplicáveis à situação base em apreço, a saber, art.s 9.º e 55.º do CPTA(1):

XI. (…) ação administrativa especial na qual se impugna a legalidade dum ato administrativo, forma processual esta relativamente à qual o legislador instituiu em sede de legitimidade processual ativa uma regra especial [cfr. art. 55.º do CPTA] face ao regime regra previsto na parte geral [cfr. art. 09.º do CPTA], conferindo, no que aqui ora releva, tal legitimidade a quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos [cfr. al. a) do n.º 1 do citado art. 55.º, do CPTA].

XII. Configura-se neste dispositivo uma situação de legitimidade processual ativa individual, em que a impugnação dum ato administrativo à luz do preceituado naquela alínea exige a alegação por parte do demandante da titularidade de um interesse direto e pessoal, impondo-se a sua apreciação em face do conteúdo da petição inicial e das vantagens, benefícios ou utilidades diretas [ou imediatas], de natureza patrimonial ou não patrimonial [cfr. arts. 51.º e 55.º do CPTA], que aquele, no momento da impugnação, alega poder advir-lhe da obtenção da nulidade/anulação do concreto ato administrativo em crise e que se encontra em condições de poder receber ou fruir.

XIII. Os efeitos e vantagens ou benefícios decorrentes dessa invalidação do ato para o demandante devem repercutir-se de forma direta e imediata na respetiva esfera jurídica, não sendo suficiente um benefício que se mostre meramente eventual ou hipotético ou de natureza teórica.

XIV. E deverá existir um interesse “pessoal”, ou seja, o demandante é considerado parte legítima porque alega ser, ele próprio, o titular do interesse em nome do qual se move o processo e com o qual pode retirar, para si próprio e na respetiva esfera jurídica, uma utilidade concreta na e com a invalidação do ato impugnado, pese embora o mesmo interesse possa ser comum a um conjunto de pessoas ou a pessoas diferenciadas, na certeza de que não terá, necessariamente, de basear-se na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido [atente-se na expressão “designadamente”], pois, bastar-se-á ou poderá fundar-se na circunstância de o ato ter gerado, ou ser suscetível de muito provavelmente vir a provocar, consequências desfavoráveis na esfera jurídica do demandante (sublinhados e negritos nossos).

Neste pressuposto, atente-se que quem possuir legitimidade ativa para instaurar o meio principal terá legitimidade para instaurar a providência cautelar adequada a acautelar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, atenta a relação de dependência e de instrumentalidade entre os dois processos (cfr. art. 112.º, n.º 1, do CPTA).

Também na doutrina, sobre esta matéria, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha(2) são cristalinos ao dizer que o interesse direto, por sua vez, pressupõe que o demandante tem um interesse atual e efetivo na anulação ou declaração de nulidade do ato administrativo, permitindo excluir as situações em que o interesse invocado é reflexo, indireto, eventual ou meramente hipotético. (…) Evidenciando a diferença que separa os pressupostos processuais da impugnabilidade e da legitimidade ativa: um acto pode ser, em si, impugnável, quanto mais não seja pelo Ministério Público, mas um determinado interessado pode não ter legitimidade para o impugnar.

Corroborando este entendimento, atente-se, também, que o atual modelo de contencioso administrativo estabeleceu as suas regras de legitimidade em sintonia com o disposto nos art.s 20º e 268º da Constituição da República Portuguesa, equilibrando o pendor objetivista, ou de legalidade estrita, com o pendor subjetivista, acentuando a vertente da tutela dos direitos e dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reservando para a ação pública a tutela da legalidade objetiva. De onde resulta que o interesse pessoal e direto não coincide, pois, com qualquer tutela abstrata da legalidade(3), que compete ao Ministério Público defender.

Por fim, importa ainda assinalar que será em função da concreta relação material controvertida configurada na instância, assente no pedido e na causa de pedir, que se aferirá o pressuposto processual de legitimidade ativa em causa no presente recurso.

Retomando, pois, o caso em apreço.

Desde logo, será de afastar o entendimento que a sentença recorrida parece assumir, de que a legitimidade ativa da Recorrente não existe porque não é parte na relação material controvertida (cfr. fls. 3), pois, sendo o art. 55.º uma norma especial em relação ao regime geral previsto no art. 9.º, ambos do CPTA, o que releva, para o efeito, é aferir do benefício direto e pessoal que esta pode retirar da impugnação de tais atos, designadamente, por ter sido lesada pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos - cfr. alínea a) do n.º 1 do citado art. 55.º, do CPTA -, tal como decorre da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e doutrina supra citadas e transcritas.

No caso em apreço, a Recorrente insurge-se contra o(s) ato(s) suspendendo(s) invocando vícios formais e de violação de lei – cfr. § 4.º e 5.º das alegações de recurso - «do fumus boni iuris» - designadamente, a ocorrência da alegada caducidade do contrato de gestão e consequente impossibilidade de prorrogação de algo que já não estava em vigor – e que «(…) se a I...... pretendia voltar a celebrar um contrato de gestão com o IMT, cabia-lhe unicamente voltar a participar num procedimento previsto no artigo 6.° da Lei n.° 11/2011, de modo a providenciar a selecção da candidatura que obtivesse vencimento segundo os critérios previstos na lei - a sua ou a de qualquer outra candidata.

E tal assim era, recorde-se, porque, tal como sucede na formação da generalidade dos contratos públicos, o procedimento burocrático previsto na lei não corresponde a uma mera formalidade vazia; pelo contrário, destina-se a conferir oportunidades iguais, justas e não discriminatórias a todos os interessados em contratar.

A I...... obteve, em 2014, a selecção da sua candidatura porque a apresentou sob o pressuposto de que executaria o projecto que constaria do contrato de gestão no prazo de dois anos a partir da sua celebração.

Se não tivesse assumido esse compromisso, outra candidatura teria sido seleccionada.(…)» (cfr. ponto 63 das alegações de recurso).

A Recorrente não invoca que concorreu ao procedimento de 2014 e que, consequentemente, poderia ter sido a beneficiária da não assunção do compromisso pela Contrainteressada de que executaria o projeto que constaria do contrato de gestão no prazo de dois anos a partir da sua celebração, ou sequer o seu interesse em se candidatar ao novo procedimento que sugere, referindo-se sempre “outra candidata” como direta beneficiária – quanto ao procedimento de 2014 – ou potencial beneficiária – com a abertura de um novo procedimento, que sugere.

Ou seja, dúvidas não há que a Recorrente alega um proveito abstrato e genérico que decorre da mera reposição da legalidade, alegadamente, violada pelos atos em apreço. Mas voltaremos a esta questão.

Os danos e prejuízos invocados pela Recorrente em sede de periculum in mora, mas que para si consubstanciam o seu interesse direto e pessoal na demanda – não resultam, como vimos, da(s) ilegalidade(s) que imputa ao(s) ato(s) suspendendo(s)/impugnado(s), pois, mesmo que este(s) fosse(m) legal(ais), a Recorrente iria sofrer tais prejuízos da mesma forma, ao manter-se a localização do centro em Ovar, pois, sobre as ilegalidades imputadas a tal(ais) ato(s) a Recorrente não se retira, como vimos – tanto que não invocou -, que nenhum centro de inspeção ali possa funcionar, antes pelo contrário.

Os prejuízos invocados pela Recorrente são consequência do funcionamento de mais um centro de inspeção naquele local, quer os atos que o autorizam sejam legais ou ilegais - cfr. decorre da leitura das alegações de recurso e das respetivas conclusões, designadamente, dos pontos já identificados.

Assim, o que decorre dos autos é que a Recorrente assume nos autos uma defesa de pendor exclusivamente objetivo ou de estrita legalidade, pois que os prejuízos por si invocados – e dos quais se poderá inferir o seu interesse na demanda - não são consequência direta dos vícios imputados ao(s) ato(s) impugnado(s).

Ora, não sendo o contencioso administrativo de impugnação de atos um contencioso de mera legalidade – exceção feita à ação pública, como já referido – o interesse direto e pessoal na demanda, que se manifesta na lesão que se repercutirá na esfera jurídica do particular interessado, tem de se revelar como uma consequência direta dos vícios imputados ao(s) ato(s) impugnado(s) e não como consequência meramente eventual.

Não basta alegar que as normas ou os atos jurídicos são ilegais, sendo ainda necessário estabelecer, mesmo que sumariamente, um nexo causal entre essa ilegalidade, a lesão invocada pelo autor e a tutela reclamada para essa mesma lesão(4).

Não sendo possível estabelecer uma ligação direta entre as ilegalidades imputadas ao(s) ato(s) impugnado(s) e uma lesão da posição jurídica subjetiva da Recorrente, que, aliás, não foi invocada - a RECORRENTE não invoca que concorreu ao procedimento de 2014 e que, consequentemente, poderia ter sido a beneficiária da não assunção do compromisso pela Contrainteressada de que executaria o projeto que constaria do contrato de gestão no prazo de dois anos a partir da sua celebração, ou sequer o seu interesse em candidatar-se ao novo procedimento que sugere, referindo sempre “outra candidata” como direta beneficiária – quanto ao procedimento de 2014 – ou potencial beneficiária – com a abertura de um novo procedimento -, não sendo possível estabelecer uma relação de causalidade entre a ilegalidade de tal(ais) ato(s) e os prejuízos invocados, imperioso se torna concluir que a alegação da Recorrente é de pendor marcadamente objetivo e não subjetivo -, razões pelas quais esta carece de legitimidade ativa na demanda em apreço.

Nestes termos e por todos os fundamentos expostos, por falta de legitimidade ativa, na medida em que não é titular de um interesse direto, deverá manter-se, embora com distinta fundamentação, a sentença recorrida, que absolveu da instância o Requerido, ora Recorrido, IMT, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas em sede de recurso.


III. Decisão

Nestes termos e por todos os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em não conceder provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente em ambas as instâncias.

Lisboa, 10.09.2020.


Dora Lucas Neto

Pedro Nuno Figueiredo

Celestina Castanheira

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(1) Cfr., por todos, ac. STA, de 06.01.2017, P.01336/16, disponível em www.dgis.pt
(2) in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, 4.ª edição, pgs. 374 e 375
(3) Neste sentido, v. ac. TCA Sul, P.10300/13, de 26.09.2013.
(4) Marco Caldeira, Da legitimidade activa no contencioso pré-contratual – em especial, os pedidos impugnatórios baseados na ilegalidade das peças procedimentais, in Revista do Ministério Público 134, Abril-Junho 2013, pg. 282.