Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2749/16.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/19/2018
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:PROTEÇÃO INTERNACIONAL
ASILO
AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA
RAZÕES HUMANITÁRIAS
GRUPO SOCIAL
PERSEGUIÇÃO EM RAZÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL
PEDIDO INFUNDADO
AVERIGUAÇÕES
Sumário:I – O pedido de proteção internacional pode ser considerado infundado pela autoridade nacional ao abrigo da alínea e) do nº 1 do artigo 19º da Lei nº 27/2008, quando as questões invocadas pelo requerente não sejam pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado.
II - Nos termos do artigo 2º nº 1 alínea n) iv) da Lei nº 27/2008, deve ser entendido como «Grupo», um «grupo social específico nos casos concretos em que os membros desse grupo partilham de uma característica inata ou de uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham de uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem e que esse grupo tenha uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia».
III – Aquela noção de «grupo», constante da Lei nº 27/2008, resulta da definição dada a esse respeito pelo artigo 10º nº 1 alínea d) da Diretiva nº 2011/95/EU (que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida).
IV – A orientação sexual e/ou identidade de género devem ser consideradas características inatas e imutáveis ou pelo menos como características tão fundamentais para a dignidade humana que a pessoa não deve ser forçada a abandoná-las, não sendo uma razão válida para negar a proteção internacional a consideração de que o requerente pode ser capaz de evitar a perseguição escondendo ou sendo discreto sobre a sua orientação sexual ou identidade de género, nem se podendo exigir que altere ou oculte a sua identidade, opiniões ou características a fim de evitar a perseguição.
V – As autoridades responsáveis pelo procedimento devem obter informação sobre a situação no país de origem do requerente no que se refere à situação dos homossexuais e à sua possível perseguição por parte de agentes estatais e não estatais.
VI – No concreto contexto, o pedido de proteção internacional devia ter sido apreciado ao abrigo do disposto no artigo 18º da Lei nº 27/2008, efetuando os serviços as averiguações para tanto necessárias e a análise de todos os elementos pertinentes e toda a informação disponível, tendo em conta especialmente: “…os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação” (cfr. nº 1 alínea a)); a “…situação e circunstâncias pessoais do requerente, por forma a apreciar, com base nessa situação pessoal, se este sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave” (cfr. nº 1 alínea b)) ou da “…possibilidade de proteção interna se, numa parte do país de origem, o requerente: i) Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou ii) tiver acesso a proteção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 7.º, puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar-se” (cfr. nº 1 alínea e)), sem prejuízo de outras averiguações a que devesse haver lugar.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO


V..., nacional da Rússia (devidamente identificado nos autos) instaurou em 28-11-2016 no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa a presente ação urgente (prevista no artigo 22º da Lei nº 27/2008) contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA visando a impugnação da decisão da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de 08-09-2016, de que resultou a recusa na concessão de proteção internacional que havia sido por ele requerido em 27-07-2016, cuja anulação peticionou, bem como a condenação da Entidade Demandada na prática do ato devido de concessão do direito de asilo, ou, caso assim não se entenda, de concessão de autorização de residência por proteção subsidiária, inconformado com a sentença de 13-12-2017 do Tribunal a quo que julgou totalmente improcedente a ação, absolvendo o réu do pedido, vem dela interpor o presente recurso.
Formula as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
I. Da análise das declarações do Autor, que não foram postas em causa e do depoimento da testemunha, não se pode dar como provado “Que o A. alguma vez tenha sido perseguido pelas autoridades russas ou pela polícia russa, direta ou indiretamente, por ser homossexual”, pelo que deve o mesmo ser removido daquele item, e

II. E a contrario, acrescentar este ponto ao elenco dos factos provados que “18. O A. foi perseguido indiretamente, pelas autoridades russas ou pela polícia russa, por ser homossexual”, isto também e porque,

III. O A. é um homem avisado, com formação superior, se entendesse que era apenas uma ameaça social sem fundamento, isto é, se a Federação Russa por algum motivo conhecesse a sua orientação sexual nada faria contra si, teria medo e abandonava a sua profissão, ou negaria a sua orientação sexual à polícia apenas por causa de um património que já se encontrava destruído? Não.

IV. Por outro lado, a Douta sentença refere que “A orientação sexual das pessoas não as insere automaticamente num grupo social (Mesmo nos casos em que existem lobbies de homossexuais – o que não é o caso dos autos – os mesmos não configuram grupos sociais). - Assim, o caso configurado pelo A. não tem enquadramento no artigo 3º da Lei nº 27/08, de 30.06, que, portanto, não tem aplicação ao caso” o que é um erro jurídico, dado que por grupo social, (e porque não nos bastamos com a Lei Nacional nomeadamente no que diz respeito a refugiados e à ACNUR) - nomeadamente devido à orientação sexual - os homossexuais são considerados como grupo de risco, tal como considerado na obra “Minorias sexuais enquanto “grupo social” e o reconhecimento do status de refugiado no Brasil”, de THIAGO DIAS OLIVA, SÃO PAULO, 2012.

V. O que só por si, levaria e conduziria a uma decisão procedente quanto ao pedido de asilo por via da orientação sexual.

VI. Já quanto ao pedido de residência por razões humanitárias, a perseguição objetiva deveria ter sido dada como provada considerando toda a prova documental carreada para os autos.

E a que se acrescenta, por ser superveniente à data de entrada da PI, a 23 de outubro de 2017, pode ler-se no

http://observador.pt/2017/10/23/ativistas-alegam-que-cantor-russo-foi-torturado-e-morto-em-campo-de-concentracao-anti-gay-na-chechenia/

O cantor russo Zelimkhan Bakaev terá sido preso, torturado e morto em setembro num campo de concentração na República da Chechénia — um território que pertence à Federação Russa e que é conhecido por perseguir homossexuais. O caso está a correr os media um pouco por todo o mundo, mas a denúncia foi feita por ativistas e organizações de defesa da comunidade LGBT — Lésbicas Gays Bisexuais e Transexuais.” E

VII. https://g1.globo.com/mundo/noticia/ativista-russo-revela-que-foi-vitima-de- perseguicao-e-tortura-contra-gays-na-chechenia.ghtml

«O ativista russo Maxim Lapunov fala à imprensa nesta segunda-feira (16) em Moscou, sobre como foi perseguido e sofreu agressões na Chechênia por ser gay (…) O ativista russo Maxim Lapunov é o primeiro homossexual que desafiou as ameaças de morte das forças de segurança da Chechênia para denunciar publicamente as torturas e a perseguição em massa dos gays nessa república do Cáucaso na Rússia.

VIII. O que há na Chechénia é um campo de concentração para homossexuais, por isso as ofensas físicas apenas naquele campo se verificam. Estes são levados para aquele campo de concentração.

IX. Como se sabe a Chechénia pertence à Federação Russa, sob a alçada e domínio total da Rússia (que até a ocupa!), pois nenhum Estado reconheceu a independência da Chechénia.

X. Por definição, um campo de concentração para homossexuais, implica que as agressões sejam infligidas apenas naquele espaço, de forma generalizada.

XI. Tais provas são de conhecimento oficioso, por se tratar de notícias consideradas sérias e válidas, de resto prova não impugnada pelo requerido SEF e portanto admitida por acordo, (o mesmo valendo quanto ao pedido de asilo), pelo que, também põe em causa a informação 1860/GAR/2016.

Assim como prova o que se alega quanto à ausência de associações de defesa dos direitos dos homossexuais

XII. Estamos assim, salvo melhor opinião, perante uma nulidade de sentença porquanto os fundamentos estão em oposição com a decisão.

XIII. Acresce a este erro de valoração de prova que o Tribunal a quo, desvirtua a impugnação especificada pelo Autor quando na sua sentença diz exatamente o contrário.

XIV. Não atendeu, nem deu como facto assente as notícias indicadas pelo Autor, e perfeitamente identificadas, podendo ser consultadas na rede informática (internet) em que demonstram inequivocamente o alegado pelo mesmo, como sejam os atropelos sistemáticos e reiterados dos Direitos Humanos, como sejam a perseguição aos homossexuais, e não apenas um qualquer episódio isolado pela sociedade civil, estribado em convicções pessoais, desvalorizando o “CAMPO DE CONCENTRAÇÃO”

XV. Não atendeu nem entendeu que o recurso às autoridades iria agravar a sua situação perante a sua família, nomeadamente o cunhado do seu companheiro, agente de autoridade (FSB – Serviços Secretos sucedâneo do KGB, do qual era funcionário o Presidente Putin, a quem o A. faz contra propaganda politica – social, facto provado, n.º 7).

XVI. A ACNUR emitiu em Novembro de 1994 um parecer sobre os procedimentos de asilo justos e céleres cujos princípios básicos se enquadram perfeitamente no processo do A. e que se transcrevem: “No interesse dos A.s de asilo e dos estados envolvidos, os procedimentos para a determinação do estatuto de refugiado devem ser justos e céleres. Procedimentos justos, em conformidade com os requisitos da proteção internacional, requerem uma análise cuidada do pedido, por um órgão de decisão devidamente identificado, qualificado, conhecedor e imparcial. Dadas as dificuldades que os legítimos refugiados frequentemente enfrentam na apresentação de provas documentais, e outras, para suporte dos seus pedidos, os A.s de asilo que, na generalidade, são credíveis e cujas declarações são coerentes e plausíveis, devem ter direito ao benefício da dúvida nesses procedimentos. É também essencial que haja uma revisão independente das decisões negativas. Estas garantias são de importância crucial, dado que uma decisão errónea, conduzindo ao reenvio involuntário de um refugiado para uma situação de perigo, pode ter consequências trágicas. A inexistência de garantias suficientes contra o reenvio de refugiados para países onde existe risco de perseguição pode resultar numa quebra do princípio de non- refoulement.”

XVII. Ora, à luz do disposto no art.º 14.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, “em caso de perseguição, toda a pessoa tem o direito de buscar asilo e de receber o benefício dele em qualquer país”.

XVIII. Veja-se o que refere nas “Diretrizes sobre proteção internacional n.º 9 Solicitações de Refúgio baseadas na Orientação Sexual e/ou Identidade Género no contesto do artigo 1A(2) da Convenção de 1951 e/ou Protocolo de 1967 relativo ao Estatuto dos Refugiados

(http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/BDL/2014/9748.pdf?view=1):

“39. Os agentes de perseguição podem justificar a violência contra indivíduos LGBTI fazendo referência às suas intenções de “corrigir”, “curar” ou “tratar” a pessoa78. A intenção ou o motivo de agente perseguidor pode ser um fator relevante no estabelecimento do “nexo causal”, mas não é um pré-requisito79. Não é preciso que o agente perseguidor tenha a intenção de aplicar uma punição para que o nexo causal seja estabelecido80. O foco deve se manter nas razões que o solicitante tem para sentir um fundado temor, conforme as circunstâncias do caso, e em como ele ou ela lidariam com aquela violência, independentemente do que se passa na consciência do agente de perseguição. No entanto, quando for possível demonstrar que o agente de perseguição atribui ou imputa ao solicitante uma das razões trazidas pela Convenção, isso será suficiente para satisfazer o nexo causal81. Se o agente de perseguição é um ator não-estatal, o nexo causal estará presente se o ator não-estatal tem a capacidade de violentar uma pessoa LGBTI por uma das razões da Convenção ou se o Estado provavelmente não irá proteger essa pessoa por uma das razões da Convenção82.

XIX. Dispõe o artº 7º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho que será concedida autorização de residência por razões humanitárias “aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifiqu e, quer por correrem o risco de sofre r ofensa grave.”

XX. Como o Tribunal a quo entendeu não atender a todas as notícias apresentadas pelo A. – a sua prova – decidiu não conceder a autorização de residência por razões humanitárias com base na sua supra citada Lei ao abrigo da “sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifiqu e” nestes caso não passa pelo perigo direto ou risco pessoal, mas antes pela referida violação que de resto o Tribunal a quo reconhece existir.

XXI. Em matéria de Direito Internacional – cfr. artigo 8º, nº 1 e 2, da C.R.P. – refere-se que, “As normas e os princípios de Direito Internacional geral ou comum fazem parte integrante do Direito Português. () As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas, vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.”.

XXII. Continua a Lei Fundamental, no artigo 25º nº 1 a proclamar que “A integridade moral e física das pessoas é inviolável.”.

XXIII. A informação 1860/GAR/2016 é absolutamente homofóbica, legitimando as reações da sociedade civil nas convicções pessoais desta contra aquele tipo de orientação sexual.

XXIV. Por fim, vão impugnados os factos dados como provados, mormente o facto 3, informação n.º 1860/GAR/2016, de fls. 33 e segts. do PA quanto à matéria ínsita na mesma e aos factos nela dados como provados.

XXV. Pois no final, o perigo, para a finalidade dos presentes autos, não tem de ser objetivo, iminente e atual, (como se se tratasse de uma autêntica legitima defesa), mas antes, basta a existência do perigo em abstrato, não se trata de um perigo de resultado ou eminente.

XXVI. Foram assim, violados os artigos nºs. 1.º, 7.º nº 3, 8.º nº 1 e 2, 20.º, 25º nº 1 e 33º nº 9, da Constituição da República Portuguesa, que desde já se argui, pelo que a sentença ora recorrida enferma de inconstitucionalidade por violação dos citados preceitos.

XXVII. O ato administrativo que indeferiu o pedido de asilo do Recorrente é anulável, pelas mesmas razões que a sentença recorrida é sindicável, isto é, e para além, do já sobejamente alegado, por violação de preceitos constitucionais, de resto arguidos em sede de petição inicial, cuja alegação foi omitida na sentença ora em crise.

XXVIII. Ao Recorrente deve ser, quanto mais não seja, concedido, porque legitimamente aplicável, o Beneficio da dúvida.

XXIX. No limite a proteção sur place prevenida no art.º 8.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.


O recorrido contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida, formulando o seguinte quadro conclusivo:
1ª A Decisão impugnada satisfaz todos os requisitos legais, não existindo qualquer vício suscetível de gerar a invalidade da mesma e em consequência do precedente ato administrativo.

2.ª Com efeito, a autoridade recorrida deu pleno cumprimento às normas imperativas vigentes em matéria de asilo, enquadrando de forma adequada a situação fáctica do recorrente.

3.ª Aliás, os esforços enviados no sentido de esclarecer o melhor possível do merecimento do pedido em causa, ao invés do que ora alega o recorrente, vieram reforçar a irrepreensabilidade da decisão adotada e o consequente não acato do desiderato em causa.

4.º O ora recorrido mantém assim tudo quanto verteu para os autos, onde igualmente logra provar que a Sentença a quo e bem assim o ato administrativo nela sufragado, respeitam integralmente os princípios, normas e trâmites legalmente previstos sobre a matéria.

5.º Na verdade, ostensivo de mostra que o Autor não preenche qualquer dos requisitos, quer do artº 3º da Lei nº 27/2008, de 30 de junho, quer do artº7º do mesmo diploma.


O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu Parecer (artigos 146.º e 147.º do CPTA), no sentido da improcedência do recurso.

Sendo que dele notificadas as partes, nenhuma se apresentou a responder.

Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.


*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/DESQUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
Devendo explicitar-se que muito embora o recorrente refira que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento quanto à matéria de facto (vide conclusão J) das alegações de recurso), não indica os que erradamente o foram ou os que devessem ter sido dado como provados, não dando assim cabal cumprimento aos ónus impostos no artigo 640º nº 1 do CPC novo, aplicável aos processos dos tribunais administrativos ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA. Sendo certo que, de todo o modo, se afigura que na verdade o que o recorrente invoca ao longo das suas alegações de recurso é que o Mmº Juiz do Tribunal a quo procedeu a um incorreto enquadramento jurídico com errada subsunção dos factos ao direito.
Encontra-se, por conseguinte, arredado do objeto do presente recurso, tal como vem interposto, qualquer questão atinente a eventual erro sobre o julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo.
O que se impõe é aferir se o Tribunal a quo fez, nos moldes invocados pelo recorrente, uma incorreta subsunção da factualidade apurada face ao direito aplicável, bem como uma errada interpretação deste, em termos que o julgamento de improcedência da ação decidido na sentença recorrida deva ser revogado e substituído por outro, designadamente que lhe reconheça o peticionado direito ao asilo, ou pelo menos, a autorização de residência por razões humanitárias.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
Na sentença recorrida foi dada como provada pela Mmª Juiz do Tribunal a quo a seguinte factualidade, nos seguintes termos:
1. O A. apresentou pedido de proteção internacional às autoridades portuguesas em 27 de julho de 2016 (cfr. fls. 1 e sgts. do PA).

2. Em cumprimento do disposto no n.º 1, art.º 16º da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, foi o A. ouvido quanto aos fundamentos do seu pedido de asilo, tendo-se identificado como V…, e tendo prestado as declarações constantes de fls. 23 e sgts. do PA, designadamente, as seguintes:

“ (…)
P: Por que motivo é que deixou o país de onde é nacional?
R: A partir de 2011 comecei a ter problemas quando eu e o V... íamos para
uma casa de férias perto de Moscovo, a mãe do V... aparecia a dizer que não podíamos estar ali os dois e uma das vezes chamou a polícia a acusar-me que eu tinha roubado dinheiro ao avô do V... naquela casa. A polícia avisou-me e a partir daquela altura o V... começou a ter problemas com a família dele.
P: O que se passou a seguir?
R: Em 31.12.2015 saiu uma lei na Rússia, Lei nº 683, de que os Gays são inimigos
da Rússia e quem é gay é preso, mas só soube desta lei em abril de 2016. No dia
09.07.2016, o cunhado do V... de nome K... que trabalha nas FSB, falou com
o V… e disse que tinha provas para me meter a mim e ao V... na prisão e quando o V… voltou para casa disse-me que tínhamos que preparar as malas para sair da Rússia.
P:Que provas eram essas que o K… tinha?
R: Não sei, só o K... sabe;
P: Pessoalmente foi ameaçado ou agredido pelo K...?
R: Não, eu nunca falei com o K... sobre estes problemas.
P: Como é que isso afetou a si e /ou o seu dia-a-dia, a sua rotina?
R: Dia após dia tornava-se mais perigoso porque a Rússia estava contra os Gays e
por causa dos problemas no meu local de trabalho quando trabalhei na área da
medicina, o contabilista disse-me para eu me despedir por ser Gay.
P:Alguém na Rússia alguma vez o ameaçou ou perseguiu pelo facto de ser Gay?
R: Desconhecidos na rua mandavam bocas e falavam mal de mim e dos Gays que
entravam num café para Gays em Moscovo que eu também frequentava com o
V....
P:Alguma vez foi detido na Rússia por ser Gay?
R:Não
P:Tem alguma prova ou documento dos factos que alega?
R: Não.
P:Tentou obter ajuda de alguma organização? Porque não?
R: não. Porque não existe organização que ajude os Gays na Rússia, já houve mas
agora não existe.
P: E receia voltar então a que país ou países?
R: Rússia.
P: O que poderia acontecer se regressasse?
R: É certo que me iriam prender.
P:Tem receio de quem?
R: Do governo russo e da polícia. Também tenho medo do K... e o cunhado do
V....
(…)”

3. Foi emitida pelos serviços do SEF a informação nº 1860/GAR/2016, de fls. 33 e sgts. do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual se propõe a não admissão do pedido de proteção internacional do A., com base, designadamente, no seguinte:
“ Antes de qualquer outra consideração, sublinhe-se que o relato do requerente ofereceu ao examinador um cenário sem relevância para a matéria de asilo, assentando o seu receio nas divergências com a família do seu namorado e em alguns atos isolados em que diz ter sido alvo de discriminação. Não tendo evidenciado qualquer outro ato persecutório individual, ou gravemente ameaçado devido à sua orientação sexual na Rússia.
Por outro, relativamente á informação recolhida sobre o país de origem, podemos verificar que, apesar de existir alguma intolerância na sociedade russa relativamente aos homossexuais, verificamos que os casos existentes são esporádicos e isolados e envolvem pessoas da sociedade civil que por convições pessoais se opõem às pessoas com este tipo de orientação sexual, nomeadamente quando os mesmos se manifestam publicamente sobre a sua orientação sexual.
Por outro lado, apesar de não proibirem explicitamente a discriminação com base na orientação sexual ou identidade de género, existem leis na Rússia contra este tipo de discriminação.
Pelo exposto, consideramos que o relato do requerente incorre no nº 1, al. e) do artigo 19º da Lei nº 27/2008, de 30 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2014, de 5 de maio, pois invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado.”

4. Foi emitido despacho, em 08.09.2016, pela Diretora Nacional do SEF recusando, com base na informação referida no ponto anterior, o pedido de proteção internacional formulado pelo A. (cfr. fls. 32 do PA).

5. O A. e o seu companheiro (V... ) formam um casal homossexual e vivem juntos há 16 anos.

6. Desde que começaram a viver juntos até que saíram da Rússia (há cerca de 1 ano e 3 meses) mudaram de casa cerca de 5 vezes (o que ocorria em média de 3 em 3 anos), por causa da vizinhança, que não tolerava a proximidade com o casal homossexual.

7. O A. tem facebook e faz publicações em modo “público” e em “grupo fechado” (este chamado “Anti Putin”) sobre acontecimentos políticos, constando da sua página uma notícia sob o seguinte resumo, em modo público: “Em Moscou, uma conferência de imprensa foi realizada por Maxim Lapunov, que se tornou a primeira pessoa a declarar abertamente a perseguição dos homossexuais na República da Chechénia, sem pedir anonimato. Ele disse que já escreveu ao Comité de investigação da Rússia uma declaração exigindo iniciar um caso contra pessoas que o oprimiam na Chechénia.”

8. O companheiro do Autor (V...), para além de ter outras profissões, escreve num jornal sobre política e aviação e o A., por vezes, partilhava as publicações daquele no facebook.

9. Por causa de uma disputa entre o companheiro do Autor (V...) e a família deste, relativa a direitos sobre uma casa e sobre os bens nela contidos, situada perto de Moscovo, V... e a família desentenderam-se.

10. Esse desentendimento gerou uma discussão, no seio da qual a mãe de V... chamou a polícia.

11. A mãe de V... referiu à polícia que este e o A. eram homossexuais.

12. Chegada ao local, a polícia levou V... e o A. para a esquadra para prestarem declarações.

13. Tendo-lhes sido perguntado, no âmbito das declarações, se eram homossexuais, responderam que não.

14. Após prestarem as declarações, o A. e V... saíram da polícia.

15. O cunhado de V... ameaçou-o invocando pertencer ao FSB (antigo KGB) e que melhor seria que o V... não reclamasse os bens da casa, senão este e o A. seriam detidos “ por serem homossexuais” e “por causa do que publicavam nas páginas da internet”.

16. Quando exercia medicina, o A. foi convidado a demitir-se por via da sua orientação sexual.

17. Em 26.06.2013 foi publicada, na Rússia, a Lei Federal nº 135-F2, que visa impedir a promoção e a propaganda da homossexualidade junto dos menores.

E foi dado como não provado o seguinte:

Que o A. alguma vez tenha sido perseguido pelas autoridades russas ou pela polícia russa, direta ou indiretamente, por ser homossexual.



**
B – De direito

1. Da decisão recorrida
V…, nacional da Rússia instaurou em 28-11-2016 no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa a presente ação urgente (prevista no artigo 22º da Lei nº 27/2008) visando a impugnação da decisão da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de 08-09-2016 que que resultou a recusa do pedido de proteção internacional que havia sido por ele requerido em 27-07-2016, cuja anulação peticionou, bem como a condenação da Entidade Demandada na prática do ato devido de concessão do direito de asilo, ou, caso assim não se entenda, de concessão de autorização de residência por proteção subsidiária.
Pela sentença de 24-01-2017 do Tribunal a quo que julgou totalmente improcedente a ação, absolvendo o réu do pedido. Porém, no âmbito do recurso dela interposto, que mereceu provimento por acórdão deste TCA Sul de 05/07/2017, aquela sentença foi anulada, com baixa dos autos à 1ª instância com vista à realização das diligências instrutórias omitidas.
E foi após a inquirição da testemunha arrolada pelo requerente e a prestação de declarações de parte que a Mmª Juíza do Tribunal a quo, fixando nova factualidade, proferiu a sentença de 13-12-2017, objeto do presente recurso.
Sentença que assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«Da violação dos artigos 3º e 7º da Lei nº 27/08:
O A., apesar de o não invocar expressamente, pela alegação que aduz e pelo pedido que formula, imputa ao acto que lhe indeferiu o pedido de proteção internacional vício de violação de lei por preterição dos artigos 3º e 7º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho.
Quanto ao direito de asilo:
Estabelecem os nºs 1 e 2 do artigo 3º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho:
“1- É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
2 - Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, em virtude desse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.”
Para sustentar o seu pedido de asilo junto do Estado Português o A. declarou, em síntese, junto do SEF, que tem receio de ser perseguido por ser homossexual.
Apreciando.
O A. não relata factos com relevância em termos de aplicação do regime jurídico do direito de asilo, cujos pressupostos vêm referidos no artigo 3º da Lei nº 27/2008.
O A. alega para fundar o seu pedido de asilo a sua opção sexual.
O nº 2 do artigo 3º da Lei nº 27/2008, fala em “perseguição em virtude de” … “integração em certo grupo social”.
Contudo, um grupo social é, como a própria palavra diz, um conjunto duradouro e organizado de pessoas que desempenham papéis recíprocos na sociedade e que atuam em conformidade com os mesmos valores e objectivos acordados, que são necessários ao bem comum do grupo e à prossecução dos seus objectivos.
A orientação sexual das pessoas não as insere automaticamente num grupo social (Mesmo nos casos em que existem lobbies de homossexuais – o que não é o caso dos autos – os mesmos não configuram grupos sociais).
Assim, o caso configurado pelo A. não tem enquadramento no artigo 3º da Lei nº 27/08, de 30.06, que, portanto, não tem aplicação ao caso.
Quanto à autorização de residência por proteção subsidiária:
Estabelece o artigo 7º, nºs 1 e 2, da Lei 27/08:
“ 1 – É concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação
dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
2 – Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente:
a) A pena de morte ou execução;
b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem, ou
c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.”
O artigo 7º da Lei n.º 27/2008 de 30.06, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3º, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por razões humanitárias, quando estão impedidos ou se sentem impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações de sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.
Na aplicabilidade do regime previsto no art. 7.º, há que ter em conta o caso concreto, ou seja, analisar até que ponto podem os requerentes invocar com razão que se encontram impossibilitados de regressar ao seu país de origem, devido a uma situação de sistemática violação dos direitos humanos ou por aí se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.
De acordo com a jurisprudência do STA (cfr, entre outros, o acórdão de 30.03.04, proferido no processo nº 1600/02), o sentimento de insegurança previsto no artigo 8º, tem de assentar em factos objectivos, suficientemente graves para pôr em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade pessoal do interessado. Além disso, têm de ser factos que digam respeito à pessoa do interessado, avaliados pelos padrões de um homem médio e não nos termos subjectivos.
Os factos invocados pelo A. para o pedido de proteção resumem-se a um alegado receio de perseguição devido à sua orientação homossexual, por causa, por um lado, de uma lei que foi publicada na Rússia e que, invoca o A. genericamente, é discriminatória em relação a homossexuais e, por outro, por causa da hostilização que ele e o seu companheiro têm vindo a sofrer, designadamente, por parte das respectivas famílias e da sociedade russa em geral.
É do conhecimento público que, na Rússia, apesar de a homossexualidade não ser proibida, existem situações de perseguições a homossexuais, por vezes com contornos violentos, na região da Chechénia.
Contudo, estas situações não sucedem na Rússia de forma generalizada e sistemática. Das informações juntas pelo Autor aos autos, não se pode retirar esta conclusão.
Das alegações e declarações prestadas pelo Autor e pelo seu companheiro, em sede de audiência final, também não se pode extrair tal conclusão.
Não denotam, igualmente, essas declarações que o Autor tenha sido objeto de qualquer ato persecutório por parte da sociedade russa que possa pôr em causa a sua vida, a sua liberdade, ou a sua integridade física devido à sua orientação sexual, na Rússia.
O que ressalta das declarações do A. é um sentimento de hostilização por parte da sociedade russa relativamente a si e ao seu companheiro, que lhes tem dificultado a vida, quer no campo profissional (tendo o A. perdido o posto de trabalho, como médico), quer a nível da convivência social (que obriga o casal a mudar frequentemente de casa).
Existe também um mau estar familiar por causa desse facto, sendo a homossexualidade do A. e do seu companheiro usadas pela família como modo de os “chantagear”, para proveito próprio.
Assim, a hostilização que o Autor alega ter sofrido, não se enquadra na “ofensa grave” a que se refere o transcrito artigo 7º.
Acresce ter sido dado como não provado (pelos motivos constantes da motivação da matéria de facto), que o A. alguma vez tenha sido perseguido pelas autoridades russas ou pela polícia russa, direta ou indiretamente, por ser homossexual.
Não relata o Autor, ou o seu companheiro, como vimos, qualquer situação que denote que se encontrem, concreta e individualmente, numa situação de perigo.
Para que o receio do Autor fosse fundado (e não meramente subjectivo) seria necessário que a homossexualidade fosse proibida na Rússia (o que não sucede, pois, a Lei Federal nº 135-F2, aprovada em 29 de junho de 2013, na Rússia não proíbe a homossexualidade; limita-se a impedir a promoção e a propaganda da homossexualidade junto dos menores), que a discriminação que é feita aos homossexuais na Rússia fosse generalizada e sistemática (o que também não sucede) e, ainda, seria necessário que o Autor fizesse crer que se encontrava numa situação em que podia correr risco grave de ver a sua vida, integridade física e liberdade ameaçadas, o que não é possível concluir nem da alegação do Autor, nem das suas declarações, nem das informações por si apresentadas.
A hostilização a que está sujeito por via da intolerância da sociedade russa e da sua família não chega para fundar o direito a que o Autor se arroga quanto à autorização de residência por proteção subsidiária.
Trata-se, portanto, de um pedido de asilo inadmissível por infundado (cfr. artigo 19º, nº 2, alínea e) da Lei nº 27/2008 (também ex vi do artigo 26º da mesma Lei).
Face ao exposto, conclui-se que o acto impugnado não viola os artigos 3º e 7º da Lei nº 15/98.
Atento o exposto, por falta de verificação dos pressupostos necessários, improcede o pedido impugnatório bem o de condenação do R. a admitir liminarmente o pedido de asilo ou de concessão de autorização de residência por razões humanitárias.»
~
2. Da análise e apreciação do recurso
2.1 Comecemos por fazer notar que nos termos do disposto no artigo 19º da Lei do Asilo (Lei nº 27/2008) a “… análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional é sujeita a tramitação acelerada e o pedido considerado infundado quando se verifique que:
a) O requerente induziu em erro as autoridades, apresentando informações ou documentos falsos ou ocultando informações ou documentos importantes a respeito da sua identidade ou nacionalidade suscetíveis de terem um impacto negativo na decisão;
b) É provável que, de má-fé, o requerente tenha destruído ou extraviado documentos de identidade ou de viagem suscetíveis de contribuírem para a determinação da sua identidade ou nacionalidade;
c) O requerente fez declarações claramente incoerentes e contraditórias, manifestamente falsas ou obviamente inverosímeis que contradigam informações suficientemente verificadas sobre o país de origem, retirando credibilidade à alegação quanto aos motivos para preencher os requisitos para beneficiar de proteção;
d) O requerente entrou ou permaneceu ilegalmente em território nacional e não tenha apresentado o pedido de proteção internacional logo que possível, sem motivos válidos;
e) Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária;
f) O requerente provém de um país de origem seguro;
g) O requerente apresentou um pedido subsequente que não foi considerado inadmissível nos termos do artigo 19.º-A;
h) O requerente apresentou o pedido apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento;
i) O requerente representa um perigo para a segurança interna ou para a ordem pública;
j) O requerente recusa sujeitar-se ao registo obrigatório das suas impressões digitais de acordo com o Regulamento (UE) n.º 603/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, relativo à criação do sistema «Eurodac» de comparação de impressões digitais.”
Ora, no presente caso, o pedido de proteção internacional foi considerado infundado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ao abrigo da alínea e) do nº 1 do artigo 19º da Lei do Asilo (Lei nº 27/2008), conforme expressamente vertido no despacho impugnado da Diretora do SEF de 08-09-2016 e na Informação nº 1860/GAR/2016 em que se suportou, por se ter considerado que o requerente invocou apenas questões «não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado» (vide 3. e 4. do probatório).
2.2 Porque do despacho da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de 08-09-2016, impugnado na ação, não deixa de resultar a recusa do pedido de proteção internacional que havia sido por ele requerido em 27-07-2016, e uma vez que o autor, para além da impugnação, peticionou na ação a condenação da Entidade Demandada na prática do ato devido de concessão do direito de asilo, ou, caso assim não se entenda, de concessão de autorização de residência por proteção subsidiária, essa foi a pretensão enfrentada pelo Tribunal.
2.3 É entendimento uniforme e reiterado da jurisprudência que é ao autor que cumpre demonstrar o preenchimento dos pressupostos de que depende a concessão do pedido de asilo solicitado ou da autorização de residência por razões humanitárias, cabendo-lhe o ónus da prova dos factos que alega, consubstanciadores desse invocado direito – vide neste sentido, designadamente, os Acórdãos deste TCA Sul de 20-04-2017, Proc. 2553/16.2BELSB; de 15-12-2016, Proc. 1669/16.0BELSB; de 22-09-2016, Proc. 655/16.4BELSB; de 22-09-2016, Proc. 13594/16; de 19-08-2016, Proc. 13549/16; de 07-04-2016, Proc. 13064/16; de 15-10-2015, Proc. 12520/15; de 29-10-2015, Proc. 12484/15 ou de 20-03-2015, Proc. 11691/14, todos in, www.dgsi.pt.
Isto sem prejuízo do princípio do benefício da dúvida, que consente, em certas circunstâncias, a satisfação mitigada do ónus probatório. Com efeito, como se disse no Acórdão deste TCA Sul de 04/10/2012, Proc. n.º 9098/12, também citado no Acórdão deste mesmo Tribunal de 02-06-2016, Proc. 13275/16,, in, www.dgsi.pt/jtcas, “Relativamente ao princípio do benefício da dúvida, refere o manual do ACNUR, a propósito dos procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado, o seguinte: “Depois do requerente ter feito um esforço genuíno para substanciar o seu depoimento pode existir ainda falta de elementos de prova para fundamentar algumas das suas declarações. Como explicado antes [parágrafo 196], dificilmente é possível a um refugiado "provar" todos os factos relativos ao seu caso e, na realidade, se isso fosse um requisito, a maioria dos refugiados não seria reconhecida.
É, assim, frequentemente, necessário conceder ao requerente o benefício da dúvida.
O benefício da dúvida deverá, contudo, apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos” [cfr. manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado de acordo com a convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Alto Comissariado das Nações unidas Para os Refugiados, Genebra, Janeiro de 1992].”
2.4 Foi precisamente reconhecendo que por caber ao interessado o ónus da prova dos factos que alega não lhe pode ser recusada a possibilidade de os provar com vista à demonstração dos pressupostos para a concessão do pretendido asilo ou autorização de residência por razões humanitárias, que a sentença inicialmente proferida pelo Tribunal a quo em 24-01-2017 foi anulada pelo acórdão de 05-07-2017 deste TCA Sul, que relatámos.
2.5 E tendo os autos baixado à 1ª instância com vista à realização das diligências instrutórias omitidas, o Tribunal a quo levou a cabo os atos de instrução, tendo em sede de audiência de julgamento (realizada em 06-11-2017) sido tomadas declarações de parte do Autor (tal como ele havia oportunamente requerido) bem como prestado o depoimento da testemunha arrolada pelo autor na sua Petição Inicial (ali devidamente identificada) – (cfr. ata de fls. 214).
Foi após tais diligências instrutórias que a Mmª Juíza do Tribunal a quo proferiu a sentença de 13-12-2017, objeto do presente recurso, na qual veio a fixar nova matéria de facto dada como provada, ampliada face àquela que constava da anterior sentença de 24-01-2017, em concreto os factos elencados em 5. a 17. do probatório (como explicitamente referido na sentença recorrida).
2.6 Já se explicitou supra que está arredada do objeto do presente recurso, tal como vem interposto, qualquer questão atinente a eventual erro sobre o julgamento da matéria de facto agora feito pelo Tribunal a quo, apenas se impondo aferir se o Tribunal a quo fez, nos moldes invocados pelo recorrente, uma incorreta subsunção da factualidade apurada face ao direito aplicável, bem como uma errada interpretação deste, em termos que o julgamento de improcedência da ação decidido na sentença recorrida deva ser revogado.
Vejamos se assim é.
2.7 Atentemos no quadro normativo aplicável ao pedido de proteção internacional pretendido pelo ora recorrente.
A Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho (Lei do asilo), com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014 (que a republicou), estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo as Diretivas nºs 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, 2013/32/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e implementa a nível nacional o Regulamento (UE) n.º 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho para efeitos de aplicação efetiva do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho.
O artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, garante o direito de asilo “…aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana” (nº 1) bem como aos “…estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual” (nº 2), esclarecendo que “…é irrelevante que o requerente possua efectivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.” (nº 4).
Sendo que nos termos do artigo 2º nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho apenas é considerado «refugiado» para os efeitos deste diploma “o estrangeiro que, receando com razão ser perseguido em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país, ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões que as acima mencionadas, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar, e aos quais não se aplique o disposto no artigo 9.º”.
Os atos de perseguição suscetíveis de fundamentar o direito de asilo “…devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais” (cfr. artigo 5º nº 1), os quais podem, nomeadamente assumir as seguintes formas:
- atos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual (artigo 5º nº 2 alínea a);
- medidas legais, administrativas, policiais ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória (artigo 5º nº 2 alínea b);
- ações judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias (artigo 5º nº 2 alínea c);
- recusa de acesso a recurso judicial que se traduza em sanção desproporcionada ou discriminatória (artigo 5º nº 2 alínea d);
- ações judiciais ou sanções por recusa de cumprir o serviço militar numa situação de conflito na qual o cumprimento do serviço militar implicasse a prática de crime ou ato suscetível de provocar a exclusão do estatuto de refugiado, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º (artigo 5º nº 2 alínea e);
- atos cometidos especificamente em razão do género ou contra menores (artigo 5º nº 2 alínea f).
Tendo que existir, para efeitos do reconhecimento do direito de asilo, um nexo entre os motivos da perseguição e os atos de perseguição referidos no n.º 1 do artigo 5º ou a falta de proteção em relação a tais atos (cfr. artigo 5º nº 4).
Os motivos da perseguição que haverão de fundamentar o receio fundado de o requerente ser perseguido, devem ser apreciados, nos termos do disposto no artigo 2º nº 1 alínea n) da Lei nº 27/2008, tendo em conta as noções «Raça», «Religião», «Nacionalidade» e «Grupo», tal como ali são consideradas, em termos que:
- «raça» inclui, nomeadamente, considerações associadas à cor, à ascendência ou à pertença a determinado grupo étnico;
- «Religião» abrange, designadamente, o facto de se ter convicções teístas, não teístas e ateias, a participação ou a abstenção de participação em cerimónias de culto privadas ou públicas, quer a título individual, quer em conjunto com outras pessoas, noutros atos religiosos ou expressões de convicções, ou formas de comportamento pessoal ou comunitário fundadas em credos religiosos ou por estes impostas;
- «Nacionalidade» não se limita à cidadania ou à sua ausência, mas abrange também, designadamente, a pertença a um grupo determinado pela sua identidade cultural, étnica ou linguística, pelas suas origens geográficas ou políticas comuns ou pela sua relação com a população de outro Estado);
- «Grupo» entendido como um grupo social específico nos casos concretos em que os membros desse grupo partilham de uma característica inata ou de uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham de uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem e
que esse grupo tenha uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.

Sendo considerados como agentes de perseguição (cfr. artigo 6º nº 1):
- o Estado;
- os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território;
- os agentes não estatais, se ficar provado que o Estado e os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território são incapazes ou não querem proporcionar proteção contra a perseguição, sendo que considera-se que existe proteção sempre que aqueles “…adotem medidas adequadas para impedir, de forma efetiva e não temporária, a prática de atos de perseguição por via, nomeadamente, da introdução de um sistema jurídico eficaz para detetar, proceder judicialmente e punir esses atos, desde que o requerente tenha acesso a proteção efetiva” (cfr. artigo 6º nº 2)
Por sua vez o nº 1 do artigo 7º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho dispõe que “é concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que ai se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave”.
Sendo que o nº 2 deste artigo 7º densifica que para tais efeitos se considera «ofensa grave» nomeadamente “a pena de morte ou execução” (al. a)), a “tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem” (al. b)) ou a “ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos” (al. c)).
E o artigo 8º considera que «o receio fundado de ser perseguido», nos termos do artigo 3.º, ou «do risco de sofrer ofensa grave», nos termos do artigo 7º, “podem ter por base acontecimentos ocorridos ou atividades exercidas após a saída do Estado da nacionalidade ou da residência habitual, especialmente se for demonstrado que as atividades que baseiam o pedido de asilo constituem a expressão e a continuação de convicções ou orientações já manifestadas naquele Estado” (nº 1), não sendo todavia aplicável “quando o receio ou o risco tiverem origem em circunstâncias criadas pelo estrangeiro ou apátrida após a sua saída do Estado da nacionalidade ou da residência habitual, exclusivamente com o fim de beneficiar, sem fundamento bastante, do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária” (nº 2).
2.8 Resulta do probatório que o recorrente, autor na ação, requereu às autoridades portuguesas, em 27/07/2016, pedido de proteção internacional, tendo estas, em cumprimento do disposto no artigo 16º nº 1 da Lei nº 27/08, de 30 de Junho (Lei do asilo), ouvido o autor quanto aos fundamentos do seu pedido de asilo. Nessa sede o ora recorrente prestou as declarações constantes de fls. 23 e ss. do PA, designadamente, as seguintes:
“ (…)
P: Por que motivo é que deixou o país de onde é nacional?
R: A partir de 2011 comecei a ter problemas quando eu e o V... íamos para
uma casa de férias perto de Moscovo, a mãe do V... aparecia a dizer que não podíamos estar ali os dois e uma das vezes chamou a polícia a acusar-me que eu tinha roubado dinheiro ao avô do V... naquela casa. A polícia avisou-me e a partir daquela altura o V... começou a ter problemas com a família dele.
P: O que se passou a seguir?
R: Em 31.12.2015 saiu uma lei na Rússia, Lei nº 683, de que os Gays são inimigos
da Rússia e quem é gay é preso, mas só soube desta lei em abril de 2016. No dia
09.07.2016, o cunhado do V... de nome K... que trabalha nas FSB, falou com
o V... e disse que tinha provas para me meter a mim e ao V... na prisão e quando o V… voltou para casa disse-me que tínhamos que preparar as malas para sair da Rússia.
P:Que provas eram essas que o K... tinha?
R: Não sei, só o K... sabe;
P: Pessoalmente foi ameaçado ou agredido pelo K...?
R: Não, eu nunca falei com o K... sobre estes problemas.
P: Como é que isso afetou a si e /ou o seu dia-a-dia, a sua rotina?
R: Dia após dia tornava-se mais perigoso porque a Rússia estava contra os Gays e
por causa dos problemas no meu local de trabalho quando trabalhei na área da
medicina, o contabilista disse-me para eu me despedir por ser Gay.
P:Alguém na Rússia alguma vez o ameaçou ou perseguiu pelo facto de ser Gay?
R: Desconhecidos na rua mandavam bocas e falavam mal de mim e dos Gays que
entravam num café para Gays em Moscovo que eu também frequentava com o
V....
P:Alguma vez foi detido na Rússia por ser Gay?
R:Não
P:Tem alguma prova ou documento dos factos que alega?
R: Não.
P:Tentou obter ajuda de alguma organização? Porque não?
R: não. Porque não existe organização que ajude os Gays na Rússia, já houve mas
agora não existe.
P: E receia voltar então a que país ou países?
R: Rússia.
P: O que poderia acontecer se regressasse?
R: É certo que me iriam prender.
P:Tem receio de quem?
R: Do governo russo e da polícia. Também tenho medo do K... e o cunhado do
V....
(…)”

2.9 A sentença recorrida enfrentando o invocado pelo autor em sede de ação, e atentando nas declarações por ele prestadas, quer em sede de procedimento, quer em sede judicial, considerou que para fundar o seu pedido de proteção internacional o autor alegou sua «opção sexual», explicitando em sede de aferição do pressuposto enunciado no artigo 3º nº 2 da Lei nº 27/2008 para a concessão de asilo, a respeito da “perseguição em virtude de (…) integração em certo grupo social”, o seguinte:
«(…)um grupo social é, como a própria palavra diz, um conjunto duradouro e organizado de pessoas que desempenham papéis recíprocos na sociedade e que atuam em conformidade com os mesmos valores e objetivos acordados, que são necessários ao bem comum do grupo e à prossecução dos seus objetivos.
A orientação sexual das pessoas não as insere automaticamente num grupo social (Mesmo nos casos em que existem lobbies de homossexuais – o que não é o caso dos autos – os mesmos não configuram grupos sociais).
Assim, o caso configurado pelo A. não tem enquadramento no artigo 3º da Lei nº 27/08, de 30.06, que, portanto, não tem aplicação ao caso».
E mais à frente, debruçando-se sobre os requisitos vertidos no artigo 7º da Lei 27/08 para a concessão de autorização de residência por razões humanitárias (proteção subsidiária), entendeu que «(…)Os factos invocados pelo A. para o pedido de proteção resumem-se a um alegado receio de perseguição devido à sua orientação homossexual, por causa, por um lado, de uma lei que foi publicada na Rússia e que, invoca o A. genericamente, é discriminatória em relação a homossexuais e, por outro, por causa da hostilização que ele e o seu companheiro têm vindo a sofrer, designadamente, por parte das respetivas famílias e da sociedade russa em geral». Tendo mencionado, entre o demais, o seguinte, a tal respeito: «(…)É do conhecimento público que, na Rússia, apesar de a homossexualidade não ser proibida, existem situações de perseguições a homossexuais, por vezes com contornos violentos, na região da Chechénia. Contudo, estas situações não sucedem na Rússia de forma generalizada e sistemática. Das informações juntas pelo Autor aos autos, não se pode retirar esta conclusão. Das alegações e declarações prestadas pelo Autor e pelo seu companheiro, em sede de audiência final, também não se pode extrair tal conclusão. Não denotam, igualmente, essas declarações que o Autor tenha sido objeto de qualquer ato persecutório por parte da sociedade russa que possa pôr em causa a sua vida, a sua liberdade, ou a sua integridade física devido à sua orientação sexual, na Rússia. O que ressalta das declarações do A. é um sentimento de hostilização por parte da sociedade russa relativamente a si e ao seu companheiro, que lhes tem dificultado a vida, quer no campo profissional (tendo o A. perdido o posto de trabalho, como médico), quer a nível da convivência social (que obriga o casal a mudar frequentemente de casa). Existe também um mau estar familiar por causa desse facto, sendo a homossexualidade do A. e do seu companheiro usadas pela família como modo de os “chantagear”, para proveito próprio.»
2.10 A primeira observação que se impõe fazer é a que não se pode subscrever o entendimento feito pelo Tribunal a quo a respeito do conceito de «grupo» para estes efeitos.
Lembre-se que nos termos do artigo 2º nº 1 alínea n) iv) da Lei nº 27/2008, deve ser entendido como «Grupo», um «grupo social específico nos casos concretos em que os membros desse grupo partilham de uma característica inata ou de uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham de uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem e que esse grupo tenha uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia».
E atenha-se, simultaneamente, que a legislação nacional que constitui a Lei nº 27/2008, resulta das Diretivas nºs 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, 2013/32/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, que transpõe, e que conjuntamente visa implementar, a nível nacional, o Regulamento (UE) n.º 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho para efeitos de aplicação efetiva do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho.
2.11 Ora, aquela noção de «grupo», constante da Lei nº 27/2008, resulta da definição dada a esse respeito pela Diretiva nº 2011/95/EU (que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida) no seu artigo 10º nº 1 alínea d) nos seguintes termos:

“Um grupo é considerado um grupo social específico nos casos concretos em que:

- os membros desse grupo partilham uma característica inata ou uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem; e

- esse grupo tem uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.

Dependendo das circunstâncias no país de origem, um grupo social específico poderá incluir um grupo baseado numa característica comum de orientação sexual. A orientação sexual não pode ser entendida como incluindo atos considerados criminosos segundo o direito nacional dos Estados-Membros. Poderão ser tidos em consideração os aspetos relacionados com o género, embora este por si só não deva criar uma presunção para a aplicabilidade do presente artigo”

O que já vem, também, na decorrência do então previsto na anterior Diretiva 2004/83/CE.
2.12 Tudo sem que se possa perder de vista a circunstância de Portugal ser subscritor de diversos tratados e convenções internacionais em matéria de direitos humanos e refugiados, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção de Genebra relativa ao Estatuto de Refugiados, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos ou a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
2.13 A respeito daquele conceito, no que se refere a requerimentos de asilo por homossexuais, com invocação de perseguição em virtude da sua orientação sexual, pronunciou-se o Tribunal de Justiça da União Europeia, em sede de reenvio prejudicial, no seu acórdão de 07/11/2013 (ECLI:EU:C:2013:720), Processos C-199/12, C-200/12, C-201/12, disponível in,
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30dd27276b3484704d76bd75d9079ac094a7.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxyNbxz0?text=&docid=144215&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=373233
Ali haviam sido colocadas, designadamente, as questões de saber se os estrangeiros com uma orientação homossexual constituem um grupo social específico na aceção do artigo 10º nº 1 alínea d) da diretiva; de saber quais as práticas homossexuais abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva; de saber se a existência de atos de perseguição relativos a estas práticas pode, se forem satisfeitos os demais requisitos, levar à concessão do estatuto de refugiado; de saber se pode esperar-se dos estrangeiros com uma orientação homossexual que, no país de origem, ocultem a sua orientação das outras pessoas, a fim de evitarem a perseguição; de saber se pode esperar-se dos estrangeiros com uma orientação homossexual que demonstrem contenção no exercício dessa orientação no país de origem, a fim de evitarem a perseguição, e, em caso afirmativo, em que medida; de saber se pode esperar-se dos homossexuais uma maior contenção a esse respeito do que dos heterossexuais; de saber se, neste contexto, puder distinguir-se entre as formas de expressão que se referem e as que não se referem ao núcleo essencial da orientação, o que se deverá entender por núcleo essencial da orientação, e de que modo poderá este ser definido; de saber se a criminalização das práticas homossexuais e a ameaça com pena de prisão por estas práticas, conforme previsto [na Lei de 1861 dos Crimes contra a Pessoa, da Serra Leoa (processo C-199/12), no Código Penal [de 1950] ugandês (processo C-200/12) ou no Código Penal senegalês (processo C-201/12)], constituem um ato de perseguição, na aceção do artigo 9.°, n.° 1, alínea a), lido em conjugação com o [n.°] 2, […] alínea c), [do artigo 9.°] da diretiva.
Enfrentando-as, este acórdão do TJUE, de 07/11/2013 Processos C-199/12, C-200/12, C-201/12 (ECLI:EU:C:2013:720), concluiu declarando o seguinte, nos seguintes termos:

«1) O artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida, deve ser interpretado no sentido de que a existência de legislação penal como a que está em causa em cada um dos processos principais, que visa especificamente os homossexuais, permite concluir que se deve considerar que essas pessoas formam um determinado grupo social.

2) O artigo 9.°, n.° 1, da diretiva 2004/83, lido em conjugação com o artigo 9.°, n.° 2, alínea c), da mesma, deve ser interpretado no sentido de que a mera criminalização das práticas homossexuais não constitui, por si só, um ato de perseguição. Em contrapartida, uma pena de prisão que puna práticas homossexuais e que seja efetivamente aplicada no país de origem que adotou uma legislação desse tipo deve ser considerada desproporcionada ou discriminatória, pelo que constitui um ato de perseguição.

3) O artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2004/83, lido em conjugação com o artigo 2.°, alínea c), da mesma, deve ser interpretado no sentido de que só as práticas homossexuais criminosas segundo a legislação nacional dos Estados-Membros estão excluídas do seu âmbito de aplicação. Na apreciação de um pedido de concessão do estatuto de refugiado, as autoridades competentes não podem razoavelmente esperar de um requerente de asilo que, para evitar o risco de perseguição, dissimule a sua homossexualidade no seu país de origem ou mostre uma certa reserva na expressão dessa orientação sexual.»

E ali se explanou, entre o demais, na respetiva fundamentação, que «(…) nos termos do artigo 2.°, alínea c), da diretiva, o refugiado é, nomeadamente, o nacional de um país terceiro que se encontra fora do país de que é nacional, pois receia com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, e que não pode ou, em virtude daquele receio, não quer pedir a proteção desse país.
Deste modo, o nacional em questão deve, em razão de circunstâncias existentes no seu país de origem e do comportamento dos agentes das perseguições, estar confrontado com o receio fundado de ser perseguido devido a, pelo menos, um dos cinco motivos enumerados na diretiva e na Convenção de Genebra, entre os quais a sua «filiação em certo grupo social».
O artigo 10.°, n.° 1, da diretiva define em que consiste um grupo social específico que, quando a ele se pertença, pode criar um receio real de se ser perseguido.
Nos termos desta definição, um grupo é considerado «grupo social específico» quando, designadamente, forem cumpridos dois requisitos cumulativos. Por um lado, os membros do grupo devem partilhar de uma característica inata ou de uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham de uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade que não se pode exigir que a ela renunciem. Por outro lado, esse grupo deve ter uma identidade distinta no país terceiro em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.
No que respeita ao primeiro dos referidos requisitos, é pacífico que a orientação sexual de uma pessoa constitui uma característica de tal forma essencial para a sua identidade que não se pode exigir que a ela renuncie. Esta interpretação é corroborada pelo artigo 10.°, n.° 1, alínea d), segundo parágrafo, da diretiva, do qual decorre que, em função das condições preponderantes no país de origem, um grupo social específico pode ser um grupo cujos membros tenham como característica comum uma orientação sexual.
O segundo requisito pressupõe que, no país de origem em causa, o grupo cujos membros partilham da mesma orientação sexual tem uma identidade própria, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.
A este respeito, há que admitir que a existência de legislação penal como a que está em causa em cada um dos processos principais, que visa especificamente os homossexuais, permite concluir que essas pessoas constituem um grupo à parte, encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.
Consequentemente, há que responder à primeira questão submetida em cada um dos processos principais que o artigo 10.°, n.° 1, alínea d), da diretiva deve ser interpretado no sentido de que a existência de legislação penal como a que está em causa em cada um dos processos principais, que visa especificamente os homossexuais, permite concluir que se deve considerar que essas pessoas formam um determinado grupo social.»
2.14 A consideração da pertença a um grupo, para efeitos de proteção internacional com fundamento na perseguição baseada na orientação sexual, foi também objeto de atenção por parte do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, através das Directrizes que estabeleceu a tal respeito –GUIDELINES ON INTERNATIONAL PROTECTION NO. 9: Claims to Refugee Status based on Sexual Orientation and/or Gender Identity within the contexto of Article 1A(2) of the 1951 Convention and/or its 1967 Protocol relating to the Status of Refugee, HCR/GIP/12/09, 23 October 2012, disponível in, http://www.unhcr.org/50ae466f9.pdf – entre as quais, as de que a orientação sexual e/ou identidade de género são consideradas como características inatas e imutáveis ou como características tão fundamentais para a dignidade humana que a pessoa não deve ser forçada a abandoná-las; de que não é uma razão válida para negar o estatuto de refugiado a consideração de que o requerente pode ser capaz de evitar a perseguição escondendo ou sendo discreto sobre a sua orientação sexual ou identidade de género, ou se já o fez anteriormente, nem se podendo exigir que altere ou oculte a sua identidade, opiniões ou características a fim de evitar a perseguição; que as pessoas LGBTI têm tanto direito à liberdade de expressão e associação como os outros.
2.15 E antes disso a Assembleia do Conselho da Europa havia emitido a Recomendação nº 1470 (2000) sobre a situação dos gays e lésbicas e seus parceiros em matéria de asilo e imigração nos estados membros do Conselho da Europa («Situation of gays and lesbians and their partners in respect to asylum and immigration in the member states of the Council of Europe»), disponível in, http://assembly.coe.int/nw/xml/XRef/Xref-XML2HTML-en.asp?fileid=16822&lang=en , no sentido de dever ser reexaminada a questão do reconhecimento dos homossexuais como membros de um determinado grupo social na compreensão da Convenção de Genebra de 1951, com vista a assegurar que a perseguição em razão da homossexualidade seja reconhecida como motivo de asilo e de serem desenvolvidas diretrizes para o tratamento de homossexuais que são refugiados ou membros de uma parceria binacional, recomendando especialmente aos estados membros do Conselho da Europa, entre o demais, a reexaminarem os procedimentos e políticas de determinação do estatuto de refugiado com vista a reconhecer como refugiados os homossexuais cuja reivindicação ao estatuto de refugiado se baseia num receio fundado de perseguição por motivos enumerados na Convenção de Genebra de 1951 e no Protocolo de 1967 relativo ao Estatuto de Refugiados e a assegurarem que as autoridades responsáveis pelo procedimento de determinação do estatuto de refugiado estejam bem informadas sobre a situação geral nos países de origem dos requerentes, em particular no que se refere à situação dos homossexuais e à sua possível perseguição por parte de agentes estatais e não estatais.
2.16 A sentença recorrida não desconsiderou a circunstância de ter sido aprovada na Rússia, em 2013, a Lei Federal nº 135-F2, aprovada em 29 de junho de 2013, a que o autor se referiu. Mas considerando que aquela lei não proíbe a homossexualidade, antes se limitando, nas suas palavras, «a impedir a promoção e a propaganda da homossexualidade junto dos menores», entendeu que o autor não reunia os pressupostos necessários para a concessão de asilo, porque, a seu ver, seria necessário que a homossexualidade fosse proibida na Rússia para que o receio do autor fosse fundado.
2.17 A legislação vigente na Rússia a respeito da homossexualidade, em especial quanto à restrição/proibição de atividades de promoção da homossexualidade entre menores, foi amplamente percorrida no Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 20/06/2017, caso BAYEV (e outros) v. RUSSIA, Proc.s nºs 67667/09, 44092/12 e 56717/12disponível, in, https://hudoc.echr.coe.int/eng#{"sort":["kpdate Descending"],"appno":["67667/09"],"documentcollectionid2":["JUDGMENTS"],"itemid":["001-174422"]}. Tendo aquele Tribunal julgada verificada a violação dos artigos 10º e 14º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, atinentes, respetivamente, à liberdade de expressão e à proibição da discriminação – Artigo 10°- Liberdade de expressão: 1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia. 2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.”; “Artigo 14° - Proibição de discriminação: O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser assegurado sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertença a uma minoria nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação.”por ter entendido, designadamente, que tal legislação não estava legitimada pela visada proteção da moral ou por medidas destinadas à proteção da saúde ou de direitos de outros e, simultaneamente que dado o caráter vago da terminologia nela utilizada e o potencial ilimitado da sua aplicação, as suas previsões normativas permitiriam o abuso em casos individuais (como aquele de que o acórdão se ocupou), e por acima de tudo, adotando legislação daquela natureza, as autoridades reforçam o estigma e preconceito, encorajando a hemofobia, incompatíveis com os conceitos de igualdade, pluralismo e tolerância inerentes a uma sociedade democrática (no original: «In the light of the above considerations the Court finds that the legal provisions in question do not serve to advance the legitimate aim of the protection of morals, and that such measures are likely to be counterproductive in achieving the declared legitimate aims of the protection of health and the protection of rights of others. Given the vagueness of the terminology used and the potentially unlimited scope of their application, these provisions are open to abuse in individual cases, as evidenced in the three applications at hand. Above all, by adopting such laws the authorities reinforce stigma and prejudice and encourage homophobia, which is incompatible with the notions of equality, pluralism and tolerance inherent in a democratic society»).
2.18 Situação que foi, também, objeto de atenção pelo Comissário do Conselho da Europa para os Direitos Humanos, designadamente na sua comunicação de 31/08/2017 - «The long march against homophobia and transphobia», disponível in https://www.coe.int/sq/web/commissioner/-/the-long-march-against-homophobia-and-transphobia.
2.19 Assim, como mereceu referência no Relatório de Informações do País de Origem do Gabinete Europeu de Apoio ao Asilo (EASO - European Asylum Support Office), de Março de 2017 - disponível in,
https://coi.easo.europa.eu/administration/easo/PLib/EASOCOI_Russia_State_actors_of_protection.pdf - onde se refere que a adoção da lei federal russa de “propaganda” anti-LGBT em junho de 2013 foi seguida por um aumento na violência contra pessoas LGBT e que de acordo com a organização não-governamental Human Rights Watch as autoridades russas falharam na sua obrigação de prevenir e processar a violência homofóbica na Rússia, tendo aquela lei legalizado efetivamente a discriminação contra pessoas LGBT.
2.20 Assim, à luz destas considerações, não se pode subscrever o entendimento feito na sentença recorrida a respeito de o requerente do asilo, aqui recorrente, não pertencia no seu país de origem, a Rússia (Federação Russa), a um grupo social, na aceção do artigo 2º nº 1 alínea n) da Lei nº 27/2008.
2.21 Mas será que lhe assistia direito ao pretendido asilo, nos termos do artigo 3º da Lei nº 27/2008, ou pelo menos à proteção subsidiária consistente na autorização de residência por razões humanitárias, ao abrigo do artigo 7º do mesmo diploma?
2.22 Aqui somos defrontados de novo com a circunstância de, no caso, o pedido de proteção internacional apresentado pelo ora recorrente ter sido considerado infundado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ao abrigo da alínea e) do nº 1 do artigo 19º da Lei do Asilo (Lei nº 27/2008), conforme expressamente vertido no despacho impugnado da Diretora do SEF de 08-09-2016 e na Informação nº 1860/GAR/2016 em que se suportou. E foi-o por se ter considerado que o requerente invocou apenas questões «não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado» (vide 3. e 4. do probatório).
Ora, tendo por referência o enquadramento já efetuado supra acerca da situação da comunidade homossexual na Rússia (Federação da Rússia), não poderiam os serviços do SEF considerar que as invocações feitas pelo ora recorrente eram «apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária» a que alude a alínea e) do nº 1 do artigo 19º da Lei nº 27/2008, e assim, submetendo o pedido a tramitação acelerada considerá-lo, sem mais, infundado, sem que se procedesse a mais averiguações. Sobretudo quando, na própria informação em que se suportou a decisão do SEF se fez consignar sumariamente que «…relativamente à informação recolhida sobre o país de origem, podemos verificar que, apesar de existir alguma intolerância na sociedade russa relativamente aos homossexuais, verificamos que os casos existentes são esporádicos e isolados e envolvem pessoas da sociedade civil que por convicções pessoais se opõem às pessoas com este tipo de orientação sexual, nomeadamente quando os mesmos se manifestam publicamente sobre a sua orientação sexual» e que «…apesar de não proibirem explicitamente a discriminação com base na orientação sexual ou identidade de género, existem leis na Rússia contra este tipo de discriminação» - (vide 3. e 4. do probatório).
Não, pode, pois, manter-se a decisão proferida pelo SEF, contra a qual se insurgiu o recorrente, de considerar infundado ao abrigo do artigo 19º da Lei nº 27/2008 o pedido de proteção internacional que ele apresentou.
2.23 Contudo, e não obstante o novo julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo, com respetiva ampliação, no seguimento do anterior acórdão de 05-07-2017 deste TCA Sul, o Tribunal não está em condições de substituir aquela decisão administrativa por outra que reconheça ao recorrente o direito ao pretendido asilo ou, pelo menos, à autorização de residência por razões humanitárias.
O que se impõe é determinar aos serviços do SEF que procedam ao que lhes era exigido, com apreciação do pedido ao abrigo do disposto no artigo 18º da Lei nº 27/2008, efetuando as averiguações para tanto necessárias e a análise de todos os elementos pertinentes e toda a informação disponível (nº 1), tendo em conta especialmente: “…os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação” (cfr. nº 1 alínea a)); a “…situação e circunstâncias pessoais do requerente, por forma a apreciar, com base nessa situação pessoal, se este sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave” (cfr. nº 1 alínea b)) ou da “…possibilidade de proteção interna se, numa parte do país de origem, o requerente: i) Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou ii) tiver acesso a proteção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 7.º, puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar-se” (cfr. nº 1 alínea e)), sem prejuízo de outras averiguações a que deva haver lugar.
Significando que o SEF deve voltar agora a enfrentar o pedido de proteção internacional apresentado pelo recorrente, submetendo-o aos tramites do artigo 18º da Lei nº 27/2008, à luz do sobredito, apreciando-o e ponderando-o, após adequada averiguação, mormente quanto à concreta situação no país de origem do recorrente no que tange a situações de discriminação e perseguição dos homossexuais e à sua particular situação.
O que se decide.


*
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em, concedendo provimento ao recurso:
- revogar-se a sentença recorrida, julgando-se procedente a impugnação dirigida à decisão da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de 08-09-2016;
- condenar o SEF a submeter o pedido de proteção internacional apresentado pelo recorrente aos tramites do artigo 18º da Lei nº 27/2008, nos termos sobreditos.
~
Sem custas – artigo 84º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho.
*
Notifique.
D.N.
Lisboa, 19 de abril de 2018


______________________________________________________
Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)




______________________________________________________
Maria Cristina Gallego dos Santos




______________________________________________________
Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho