Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:580/18.4BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:02/21/2019
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
IMPUGNAÇÃO DO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO
PERICULUM IN MORA
INSTRUÇÃO E PROVA
Sumário:
I - Não se pode imputar um erro à decisão recorrida, no seu julgamento da matéria de facto, por ser omissa relativamente a determinados factos, que se dizem essenciais para o bom conhecimento da causa, se as partes não cumpriram cabalmente o seu ónus do dispositivo e não alegaram especificadamente, em artigos individualizados, os tais factos que dizem que deviam ser dados por provados;
II - A fundamentação do acto administrativo tem por finalidade dar a conhecer ao destinatário o percurso cognitivo e valorativo do autor daquele mesmo acto, de modo a permitir uma defesa adequada e consciente dos direitos e interesses legalmente protegidos do particular lesado. Para tanto, a fundamentação tem que ser suficiente, clara e congruente. Tem de permitir ao destinatário médio ou normal, colocado na posição do real destinatário do acto, compreender a motivação que subjaz ao raciocínio decisório. Não é necessário – desde logo porque iria contra os princípios de eficiência e celeridade administrativa – que em cada acto administrativo se proceda a uma fundamentação completa e exaustiva das razões de facto e de direito que motivaram a decisão;
III - A adopção de fundamentos que pela sua obscuridade, contradição ou insuficiência não esclareçam concretamente a motivação do acto, equivale à correspondente falta fundamentação;
IV – É provável a existência de um erro nos pressupostos de facto quando o acto suspendendo se baseia na circunstância de o A. e Recorrido não ter iniciado e mantido a sua actividade, quando dos factos indiciariamente provados e nomeadamente das conclusões de um controlo efectuado se retira realidade inversa;
V- Se na PI se alegam, de forma especificada, diversos factos relativos a danos e prejuízos que decorrem de uma eventual não procedência do pedido cautelar, para conhecimento do critério periculum in mora exigia-se ao Tribunal que apreciasse dessas alegações e, sendo tais factos controvertidos, que os submetesse a instrução e prova.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, interpôs recurso da sentença do TAF de Beja, que julgou procedente o pedido de suspensão de eficácia do despacho do Presidente do Conselho Directivo (CD) do IFAP, que determinou a rescisão unilateral do contrato de atribuição de apoio financeiro e ordena a devolução do apoio concedido.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: “A. O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença, datada de 22 de novembro de 2018, proferida nos autos à margem identificados, a qual julgou procedente a presente providência cautelar dando por verificados ambos os requisitos previstos nos nºs 1 e nº 2 do artigo 120º do CPTA e, consequentemente determinou a suspensão de eficácia da decisão final proferida pelo IFAP, I.P. constante de ofício nº 5717/2018 DAI-UREC que havia determinado a rescisão unilateral do contrato de atribuição de ajudas, com a exigência de devolução das verbas indevidamente recebidas, no montante total de 178.144,45 EUR.
B. A decisão recorrida encontra-se ferida de error in judicando, determinada pela incorreta decisão sobre a matéria de facto e pela incorreta interpretação e aplicação das normas legais e processuais aplicáveis ao caso sub judice.
C. Efetivamente, o ora Recorrente, não se conforma com a referida decisão, sendo que a necessária procedência do presente recurso passa, no essencial, pela omissão, aditamento dos factos B.2), B.3), D.2), D.3) e D.4) e erro notório na avaliação da matéria de facto subjacente aos factos B), D), E) e F).
D. Importa desde logo salientar que, a sentença proferida é omissa e tendenciosa no facto B) da matéria de facto dada como provada, porque o Tribunal a quo identifica corretamente a existência de «(3.2.2.) Objetivos específicos (…) venda de produtos próprios e para terceiros», mas omite deliberadamente que estavam identificadas a capacidade de produção, com metas de vendas, estabelecidas logo desde o 1º ano (cfr. documento nº 3 junto com o requerimento inicial, cujo teor se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
E. No pedido de apoio/projeto apresentado pela requerente, a própria identificava a capacidade de produção, com metas de vendas estabelecidas desde o 1º ano.
F. Não é admissível a afirmação da requerente, subscrita pelo Tribunal a quo, que o objetivo do investimento não fosse a obtenção de receitas, na medida em que são estas que vão determinar o lucro ou prejuízo da unidade fabril, e a viabilidade ou não dos investimentos, ignorando o Tribunal deliberadamente matéria de facto com relevância para a decisão da causa, cujo aditamento se propõe como factos B.2) e B.3).
G. Propõe-se aditamento dos factos B.2) e B.3) com o seguinte teor:
B.2) Do pedido de apoio apresentado pela Requerente consta na Caracterização do Pedido de Apoio, no ponto 3.2.2., os objetivos específicos a que a requerente se candidatou, designadamente, «Adquirir máquinas que permitam a produção até 150kg/hora de pralines ou barras de chocolate, formulações e sistema de frio que garantam até 18 meses de validade em prateleira; apostar na produção e venda de produtos próprios e para terceiros, representando estes 27% em volume de vendas no 1º ano, 28%. 26%. 24%. 22% e 19% no 6º ano; apostar essencialmente na exportação através de tradings, representando esta 55% das vendas no 1º ano e, sucessivamente, 62%, 69%, 75%, 80% e 83%. Atingir o volume de vendas de €247 500,00 no 1º ano, €385 mil. €593 mil, €911mil, €1,351 Milhões, €1,92M, €2,43M, representando crescimentos de 55% a 27% anuais, derivados da exportação e diversificação sequencial de mercados. Esta facturação significa uma Quota de Mercado em Portugal, para o mercado estrito de tabletes e bombons, de 0.31%, 0.48%. 0.73%. 1,10%. 1.62% e 2.28% Garantir a aplicação mínima de 10% a 18% da facturação anual em Publicidade e Comunicação como um Factor Critico de Sucesso.: cfr doc. 3 junto com o RI;
B.3) Resulta do ponto 2. do formulário do pedido de apoio apresentado pela requerente que a mesma tem “mais de 3 anos” de “experiência técnica na área de investimento em causa” e no ponto 4 - Caracterização da Actividade Desenvolvida, consta como histórico da entidade promotora que a “...................... – ........ está na fase de investimento inicial. A formação desta empresa prende-se com a aposta num dos poucos mercados com bons indicadores a nível mundial, como se verá. Com um investimento global bastante reduzido em função do potencial de produção e de mercado, será possível montar uma empresa exportadora de bens transacionáveis, com um grande grau de automação e uma produção inicial capaz de responder ao potencial de mercado identificado e picos sazonais. A capacidade produtiva inicial permite a produção até 150kg/hora de chocolate e o espaço fabril permite, futuramente, pelo menos a duplicação desta capacidade produtiva.”: cfr doc. 3 junto com o RI.
H. Deste modo, tendo em consideração, que resulta do pedido de apoio/projeto apresentado pela própria requerente a identificação que a mesma fez da capacidade de produção no âmbito do mesmo, com metas de vendas estabelecidas desde o 1º ano, na ordem dos 55% e que, na candidatura, a requerente não disse que não estava em condições de exercer a atividade e garantir o início de produção após a realização do investimento, é legalmente inadmissível a afirmação da requerente, subscrita pelo Tribunal a quo, de que o objetivo do investimento não era a obtenção de receitas, na medida em que são estas que vão determinar o lucro ou prejuízo da unidade fabril, o cumprimento dos indicadores de realização material do projeto, bem como a viabilidade ou não dos investimentos.
I. Por outro lado, a sentença proferida é omissa e tendenciosa também na concretização do facto D) da matéria de facto dada como provada, porque refere que o espaço está em funcionamento, mas omite a inexistência de receitas em 2015, 2016 ou 2017, razão pela qual se propõe o aditamento dos factos D.2) e D.3) com o seguinte teor:
D.2) Na vistoria de controlo efetuada pela G....«não foram verificados documentos de despesa» - cfr. doc. 22 junto com o RI e PA;
D.3) No controlo de qualidade efetuado à contabilidade/documentação entregue pela requerente consta que «Não foram apresentados elementos que permitam validar a existência de receitas em 2015, 2016 ou 2017 decorrentes do exercício da atividade objeto de apoio. Não foram apresentados quaisquer elementos previsionais que permitam suportar a possibilidade de exercício da atividade. Foi apresentado um contrato com uma grande superfície que não vincula quantidades, valores e que salvaguarda a ausência de obrigação de compra por parte desse potencial cliente.» - cfr. fls. 110 a 112 do PA (Processo de Recuperação de Verbas),
J. No facto E), o Tribunal a quo insere como facto dado por provado a pronúncia da requerente em sede de audiência prévia, mas olvida e não inclui na matéria de facto dada por provada, o ofício de audiência prévia ao qual a requerente respondeu, razão pela qual se propõe o seguinte aditamento:
D.4) Através do Ofício 2875/2018, a entidade requerida notifica a requerente para efeitos de audiência prévia, nos termos dos artigos 121º e 122º do Código do Procedimento Administrativo, do seguinte:
«1. De acordo com as conclusões de uma ação de controlo qualidade, verificou-se uma situação de incumprimento da legislação aplicável à Ação “Criação e Desenvolvimento de Microempresas”, do PRODER - Programa de Desenvolvimento Rural do Continente, que se enquadra no Regulamento (CE) n.° 1698/2005, de 20 de setembro, regido a nível nacional peia Portaria n° 520/2009, de 14 de maio e subsequentes alterações.
2. Com efeito, candidatou-se à operação supra identificada, não tendo sido apresentados elementos que permitam validar a existência de receitas entre os anos 2015 e 2017, decorrentes do exercício de atividade objeto de apoio.
3. Atenta a informação constante da contabilidade, verifica-se o incumprimento da obrigação de manutenção da atividade durante o período de cinco anos a contar da data da celebração do contrato (28/01/2014) ou até ao momento do termo da operação (27/03/2019).
4. Face ao exposto, e de acordo com os artigos 9.° e 11.°, do Decreto-Lei n.° 37-A/2008, de 5 de março e, bem assim, ao clausulado nos pontos E.1 e F.1 das "Condições Gerais” do Contrato de Financiamento, nomeadamente em caso de incumprimento pelo Beneficiário, o IFAP, pode proceder à rescisão unilateral do contrato, constituindo-se o beneficiário na obrigação de reembolso das importâncias indevidamente recebidas.
5. Assim, e para os efeitos do disposto nos arts. 121° e 122° do Código do Procedimento Administrativo, fica essa Sociedade notificada da intenção deste instituto de determinar a rescisão unilateral do contrato com a devolução de 178.144,45€». (cfr. fls. 103 e ss. da Pasta do PA, referente ao Processo de recuperação de verbas do IFAP, cujo teor se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
K. Ora, resulta expressamente da análise da documentação entregue pela requerente (cfr. documento nº 22 junto com o requerimento inicial e fls. 110 a 112 do PA, que não foram cumpridos os indicadores materiais do projeto, sendo incorreto concluir da verificação do registo contabilístico que a requerente não teve conhecimento, das metas de vendas estabelecidas desde o 1º ano, na ordem dos 55%, e seguintes, estabelecidas pela própria requerente no estudo de viabilidade entregue.
L. Assim, o ora recorrente entende que o Tribunal “a quo” errou na apreciação da decisão da matéria de facto, tendo julgado incorretamente os factos B), D), E) e F) da matéria de facto dada como provada, face à errada apreciação da prova produzida a respeito de cada um deles, uma vez que da própria decisão final/ato administrativo suspendenda constava expressamente que a ora requerente estava obrigada a concluir o investimento e as metas nos termos inicialmente definidos e conforme estudo de viabilidade apresentado pela própria requerente, ou seja, ressalta dos documentos juntos pela própria requerente e da decisão final proferida que a recorrente não cumpriu os indicadores de realização material do projeto a que se propôs, metas e indicadores/aprovados em candidatura, não podendo ser abertos precedentes em tão sensível domínio.
M. Deste modo, propõe-se o aditamento dos factos B.2), B.3), D.2), D.3) e D.4) à matéria de facto dada por provada, face à errada apreciação da prova produzida a respeito de cada um deles.
N. A decisão recorrida faz uma incorreta interpretação dos factos e do direito aplicável quanto ao fumus boni iuris. Com efeito, por si só, a extensão da sentença (17 páginas), bem como do requerimento apresentado (182 artigos), são reveladoras de que as alegadas ilegalidades assacadas ao ato não se apresentam como ostensivas, antes obrigando o Tribunal a proceder a uma tarefa de escrutínio e a um trabalho de análise.
O. Quer isto dizer que o fumus boni iuris respeitante ao direito a exercer na ação principal não está evidenciado, tudo apontando para o claudicar da pretensão formulada.
P. Caso assim não se entenda, o que só por mero dever de patrocínio se admite, sempre se dirá que em sede de processo cautelar, não fez o Tribunal a quo uma correta apreciação dos factos, concluindo que a requerente logrou provar que é provável que o ato suspendendo venha a ser anulado com fundamento nos vícios de falta de fundamentação, de violação de lei por alegada falta de identificação da data do ato suspendendo e erro nos pressupostos de facto e de direito (alegada divergência de pressupostos).
Q. Concluir afirmativamente, nos presentes autos cautelares, pela probabilidade - que, de acordo com o artigo 381º do CPC, terá que ser probabilidade séria - da existência do direito a que se arroga a ora recorrida, atenta a matéria de cuja apreciação depende a formulação de tal juízo, e com a necessária superficialidade com que o mesmo é, nestes, efetuado, revela-se incompatível!
R. Incontornável, é o facto da beneficiária, ora requerente, não ter apresentado receitas para 2015, 2016 e 2017, incumprindo as metas de venda anuais estipuladas pela própria requerente no projeto apresentado e aprovado.
S. É hoje pacífico a nível jurisprudencial, que o beneficiário de uma ajuda concedida com base em declarações, que posteriormente, através de uma ação de controlo efetuado dentro do prazo legal, se verifique não terem sido corretas, não pode beneficiar da aparência de boa-fé nem da consequente legítima confiança na manutenção do ato.
T. Os factos dados como provados nos pontos A), B), C), E) e F) da sentença comprovam que a recorrida teve conhecimento das irregularidades e pronunciou-se sobre as mesmas.
U. Com efeito, a aqui recorrida demonstra que entendeu corretamente o ato que lhe foi dirigido e que conseguiu percorrer o iter cognoscitivo e valorativo do autor do ato, para o compreender e perceber as razões que justificaram a ordem de reposição, conseguindo reconstituir o raciocínio da entidade requerida e, em consequência, ter as condições necessárias para o sindicar.
V. De facto, resulta da matéria de facto dada como provada nas alíneas C), E) e F), bem como das alíneas dos factos B.2), B.3), D.2), D.3) e D.4), cujo aditamento se propõe, que basta uma análise perfunctória ao teor do requerimento apresentado pela requerente e à decisão final em causa, para se constatar que o ato está devidamente fundamentado e que, se há algo que é provável, é que o ato impugnado não seja ilegal, encontrando-se devidamente fundamentado, não tendo violado qualquer dos vícios invocados, sendo por demais evidente que o projeto financiado pelo IFAP não foi integralmente executado, nem se mostrou viável do ponto de vista económico e financeiro.
W. No respeitante aos restantes vícios imputados ao ato e quanto à alegada violação de lei por erro nos pressupostos de facto, não vemos que esteja demonstrada a respetiva verificação o que sempre seria necessário para o Tribunal dar por verificado o fumus boni juris.
X. Salvo o devido respeito resulta evidente da decisão final, ao contrário do que decidiu o Tribunal, que a requerente incumpriu a obrigação contratual de manutenção do exercício da atividade, face ao incumprimento das metas materiais anuais estabelecidas, que consta do contrato subscrito pela ora requerente, cláusula 2. Condições Específicas, parágrafos A.1, A.6.1 e A.7 do contrato (cfr. DOC. 5 junto ao RI e fls. 323 a 333 da Pasta I do PA, cujo teor se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) – documento mencionado no facto constante da alínea C) da matéria de facto dada por provada.
Y. Ora, basta uma análise perfunctória ao teor da sentença, para se constatar que, se há algo que é provável é que o ato impugnado não é ilegal, encontrando-se devidamente fundamentado e não violou qualquer dos vícios invocados pela requerente.
Z. Com efeito, por si só, a extensão do requerimento apresentado e da sentença proferida são reveladoras que os vícios assacados ao ato suspendendo, obrigaram o Tribunal a proceder a uma tarefa peculiar de escrutínio e a um trabalho de análise, em manifesta violação do artigo 120.º do CPTA.
AA. Assim, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, a decisão final do IFAP indica expressamente as obrigações legais e contratuais violadas pela requerente, sendo certo que a mesma não pode olvidar que apresentou projeto que foi aprovado e validado e que esteve na génese do contrato celebrado.
BB. Resultou da análise à contabilidade da requerente que não foram atingidos os objetivos específicos a que se candidatou (cfr. ponto 3.2.2 da caracterização do pedido de apoio constante do PA e do documento nº 3 junto ao RI, cujo teor se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), sendo evidente que a requerente violou os objetivos fixados por si própria para a operação em causa.
CC. Aliás, ao contrário do que resulta da sentença ora recorrida, a requerente não só tomou conhecimento do controlo, como juntou aos presentes autos, como Documento nº 22, o Relatório da Visita de 09/01/2018, da qual resulta expressamente que não foram verificados documentos de despesa.
DD. Como tal, o pedido de anulação do ato administrativo com fundamento na omissão das garantias da requerente, revelar-se-á inútil, porquanto estas eram do seu conhecimento e foram por ela utilizadas, relembrando-se que conforme resulta do facto E) da matéria dada por provada, a requerente pronunciou-se em sede de audiência prévia sobre a não existência de receitas em 2015, 2016 e 2017, confirmando a referida inexistência!
EE. Assim, resulta claramente da decisão final, que o plano empresarial apresentado no âmbito do projeto apresentado pela própria requerente não foi cumprido, ocorrendo o incumprimento do plano empresarial e das metas físicas e financeiras a que a requerente legal e contratualmente se comprometeu ao apresentar o pedido de apoio, verificando-se que as alegadas “vicissitudes” relativas aos prazos de execução são da exclusiva responsabilidade da requerente e serão matéria para ser objeto de análise no âmbito de um processo principal e não no âmbito dos presentes autos cautelares.
FF. Importa ainda referir que resulta expressamente do Contrato de Financiamento, na Cláusula I.1, que todos os pagamentos efetuados pelo IFAP são realizados sob a condição da sua elegibilidade e conformidade com as normas nacionais e comunitárias aplicáveis, bem como as Cláusulas E.1 e F.1 das Condições Gerais que determinam respetivamente, que em caso de resolução contratual, constitui-se na obrigação de reembolsar as importâncias já recebidas a título de apoio (cfr. DOC. 5 junto ao RI e fls. 323 a 333 da Pasta I do PA, cujo teor se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
GG. Face ao exposto, a ora requerente estava obrigada a concluir o investimento e as metas por si definidas conforme melhor resulta do PA e do próprio DOC. 3 junto ao RI, no âmbito do qual a requerente procedeu à junção de estudo de viabilidade, conforme aliás resulta da decisão final.
HH. Deste modo, é manifesto que não ocorreram os vícios de violação de lei invocados e que da prova produzida e dos elementos juntos aos autos, em nosso entender, não pode retirar-se a conclusão acerca da probabilidade de procedência da ação principal, como é exigido no artigo 120º nº 1 do CPTA, razão pela qual o Tribunal a quo ao concluir pela verificação do requisito do fumus boni iuris, não fez uma correta interpretação dos factos e da legislação aplicável ao caso, violando o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, porque o ato suspendendo encontra-se devidamente fundamentado e não padece de vício nenhum.
II. Com efeito, por si só, a extensão do requerimento apresentado e da sentença proferida são reveladoras que os vícios assacados ao ato suspendendo, obrigaram o Tribunal a proceder a uma tarefa peculiar de escrutínio e a um trabalho de análise, em manifesta violação do artigo 120.º do CPTA, razão pela qual o Tribunal a quo ignorou e valorou incorretamente a matéria fáctica, em manifesto erro de julgamento e violação do disposto no artigo 120.º n.º 1 do CPTA, não se verificando o fumus boni juris.
JJ. Face ao exposto, uma vez que não se mostrava verificado o requisito do fumus boni iuris, a providência cautelar não podia ser decretada, devendo ser julgada improcedente, tomando-se inútil o conhecimento dos restantes requisitos do artigo 120° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, porque cumulativos.
KK. Ainda assim, diremos que, quanto ao periculum in mora, a requerente não alegou factos demonstrativos da sua verificação, limitando-se a alegar que o ato suspendendo lhe irá causar graves prejuízos de difícil reparação, não carreando para o processo elementos que permitissem ao Tribunal concluir como fez.
LL. Salvo melhor entendimento, na situação em apreço, o Tribunal a quo, não quantificou o impacto que a execução do ato teria na situação económica da recorrida, nem identificou em que medida torna impossível a execução do projeto, limitando-se a acolher os argumentos invocados pela recorrida, que mais não são do que meros juízos ou conclusões, recorrendo a generalidades e a conceitos indeterminados.
MM. Com efeito, nunca se concretizaram os específicos prejuízos que lhes advirão da prática do ato que se pretendem suspender.
NN. Ora, neste caso, o montante em causa seria de novo devolvido à ora recorrida. Relembra-se que a recorrida conseguiu manter-se em funcionamento, conforme resulta da matéria de facto dada por provada, sem apresentar quaisquer receitas em 2015, 2016 e 2017, já antes da ordem de reposição, razão pela qual não existe nexo de causalidade entre o prejuízos que invoca e aquela ordem.
OO. Por outro lado, não sendo a não apresentação de resolução fundamentada critério para julgar verificado o periculum in mora, o próprio Tribunal admite que a avaliação dos prejuízos de difícil reparação é feita de forma deficiente ao escrever: “são identificados e identificáveis por força da matéria indiciariamente assente, prejuízos decorrentes para a Requerente do não decretamento da providência requerida, os quais, face à sua invocada incapacidade financeira, mostram-se reconduzíveis à cobrança coerciva da quantia considerada em divida e reclamada pela Entidade Requerida, no montante de €178.722,37, à venda forçada das máquinas de produção de chocolates da Requerente, nomeadamente na sequência de penhora no âmbito da execução fiscal que o IFAP venha a promover: cfr. alínea A) a J) supra.
Se tal ocorrer, pode a Requerente ficar sem meios para desenvolver a sua atividade e terá de encerrar o seu estabelecimento, assim, o início de um processo de execução fiscal e a penhora dos equipamentos, a ocorrer, mostram-se, por si só, susceptíveis de comprometerem irremediavelmente a continuação dos postos de trabalho da Requerente e associados à continuidade da sua atividade comercial, que assenta em grande medida numa imagem inovadora e numa marca nova que tem vindo a promover e que será negativamente afetada com a execução do ato suspendendo, comprometendo as ações e os investimentos feitos na sua promoção: cfr. alínea A) a J) supra».
PP. Tal significa que nem o Tribunal, nem a requerente concretizaram, de forma rigorosa, os prejuízos irreparáveis que alegam, não resultando da matéria fáctica citada pela Tribunal a quantificação e/ou indicação de quaisquer prejuízos financeiros irreparáveis.
QQ. A verdade é que a requerente não juntou qualquer documento comprovativo das despesas que refere, nem, para comprovar de forma real e efetiva os lucros/prejuízos, a última declaração de IRC e/ou modelo 22 apresentada no ano anterior; nem certidão da AT com a lista de todos os imóveis propriedade da requerente, nem indicou contas bancárias com depósitos em seu nome noutras instituições, nem qualquer outro património (designadamente, outros imóveis ou veículos automóveis, ou rendimentos respeitantes a rendas de imóveis).
RR. Porém, da análise da providência em apreço e da própria sentença verifica-se que nada de concreto e quantificado foi alegado que permita concluir pelo “periculum in mora”, limitando-se a requerente a alegar a existência de prejuízos de difícil reparação, sem no entanto, comprovar essa situação.
SS. Com efeito, não foi carreado para os autos qualquer elemento probatório comprovativo da existência real de prejuízos de difícil reparação, conforme aliás resulta da matéria de facto dada por provada nos presentes autos.
TT. No entanto, salienta-se que ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, o alegado prejuízo não se traduz num prejuízo efetivo, pois caso venha a ser declarada improcedente a ação principal, o que só por mera hipótese de patrocínio se refere, sem conceder, esse montante ser-lhe-ia restituído.
UU. Face ao exposto, salvo o devido respeito, ao contrário do que julgou o Tribunal a quo, a requerente não fez pertinente prova, como legalmente lhe competia, para comprovar o alegado periculum in mora, razão pela qual o Tribunal a quo ao decidir pela verificação do periculum in mora, incorreu em manifesto erro de avaliação da matéria fáctica e erro de julgamento, por violação do disposto na parte inicial do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, não tendo ficado sequer indiciariamente provado o periculum in mora.
VV. A jurisprudência tem entendido, com base na lei e na doutrina, que apenas se verificará facto consumado quando se consolide, entretanto, situação factual impossível de reintegrar de acordo com a legalidade, surgindo a futura sentença de provimento, quanto a ela, como absolutamente inútil.
WW. Considerando que no âmbito do processo cautelar não foram alegados factos concretos e objetivos (conforme aliás resulta de forma contraditória da própria motivação do Tribunal), que permitam ao Tribunal recorrido fazer esse enquadramento, e dele retirar essa conclusão em termos de grande probabilidade, o tribunal a quo deveria ter indeferido a providência cautelar por falta de articulação de factos concretos que consubstanciem periculum in mora.
XX. Não basta portanto que a requerente alegue que irá ter um prejuízo, esta tem de demonstrar que esse montante se irá efetivamente traduzir num prejuízo de difícil reparação, não bastando um mero juízo de probabilidade, mas a existência de um receio fundado, o que salvo melhor opinião não sucedeu no caso concreto.
YY. Face ao exposto, a decisão ora recorrida enferma de erro de julgamento relativamente à interpretação e aplicação da primeira parte do nº 1 do artigo 120º do CPTA, não se podendo considerar verificado o requisito do “periculum in mora”, uma vez que não se encontra objetiva e concretamente provado nos autos, nem é possível extrair qualquer ilação sobre a repercussão que terá na “vida” da empresa o pagamento da quantia a repor.
ZZ. Por último, no nosso entendimento, o Tribunal recorrido não procedeu à ponderação objetiva dos interesses públicos e privados em presença, limitando-se a dar primazia aos interesses privados, sendo evidente que os prejuízos atuais, graves e de difícil reparação que alegadamente se produzirão para a recorrida no caso de denegação da providência de suspensão de eficácia não devem prevalecer sobre os prejuízos para o interesse público que poderão advir da sua concessão.
AAA. Assim, o Tribunal a quo incorre igualmente em violação do disposto no n.º 2 do artigo 120.º do CPTA, porque, caso a providência cautelar viesse a ser decretada e a requerente estivesse efetivamente com graves dificuldades financeiras, se a ação principal viesse a ser declarada improcedente, como se nos afigura provável, o Instituto ver-se-ia na impossibilidade de repor a legalidade da situação, sendo que estão em causa dinheiros públicos, atribuídos por subsídios concedidos por Fundos da União Europeia, os quais, independentemente de obter o pagamento da quantia indevidamente paga através da Requerente, o Instituto terá sempre de suportar, nos termos legais, perante a União Europeia.
BBB. Resulta patente que a suspensão do prosseguimento da execução do ato suspendendo, nos termos requeridos, traduz grave prejuízo para o interesse público, designadamente, porque se a requerente não tem comprovadamente capacidade financeira e económica para pagar o valor em dívida/recuperação, tal provocará inevitavelmente um grave prejuízo económico para o IFAP e para o erário público, constituindo este facto uma lesão concreta do interesse público.
CCC. Neste segmento, em nosso entender, o tribunal a quo interpretou e aplicou incorretamente a lei aplicável; como bem salienta o Prof. Mário Aroso de Almeida (in O Novo Regime … 3ª Edição Revista, pág. 292,…) “a justa comparação dos interesses em jogo, passa, …, a exigir que o tribunal proceda em cada caso, à ponderação equilibrada dos interesses, contrabalançando os eventuais riscos que a concessão da providência envolveria para o interesse público (e para interesses privados contrapostos) com a magnitude dos danos que a sua recusa com toda a probabilidade poderia trazer para o requerente.”.
DDD. Desde logo refere-se que, recaía sobre a recorrida o ónus da prova, carreando para o processo elementos que permitissem ao Tribunal concluir como fez, o que não sucedeu.
EEE. No caso em apreço nos autos, estão em causa dinheiros públicos, atribuídos por subsídios concedidos por Fundos da União Europeia, pelo que o crivo do que pode justificar o incumprimento pelos beneficiários, não pode deixar de ser rigoroso, atento o primado do direito comunitário, previsto no artigo 8° da CRP, e tal como tem sido definido de modo constante pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (nesse sentido cita-se o Acórdão Van Gend en Loos, o Acórdão Costa/Enel e o Acórdão Simmenthal, e a nível nacional - Acórdãos do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, de 6/10/2005, 6/12/2005, 29/3/2007, proferidos no âmbito dos Proc.s n.º 2037/02, 328/02 e 61/05, respetivamente).
FFF. Ora, na situação em apreço, na ponderação entre interesse privado e interesse público, estando em causa ajudas comunitárias, salvo melhor opinião, deveria ter prevalecido o interesse público, nomeadamente através da recuperação de montantes indevidamente pagos, uma vez que, há sempre o risco de perda da quantia cuja devolução foi exigida.
GGG. Sobretudo, porque o Instituto está legalmente vinculado, através dum sistema de responsabilização financeira, a recuperar os montantes devidos a irregularidades, nos prazos legalmente estipulados, da ponderação de interesses em causa resulta que se deverá salvaguardar os interesses financeiros da União Europeia e do orçamento nacional relativamente aos interesses particulares em causa, negando provimento à presente providência cautelar, mal andou o Tribunal a quo, ao decidir em manifesta violação do disposto no n.º 2 do artigo 120.º do CPTA.
HHH. Razão pela qual se assume como forçosa a conclusão de que a douta sentença recorrida se encontra ferida de error in judicando, determinada pela errónea/incorreta apreciação e decisão sobre a matéria indiciariamente provada e, em consequência, pela incorreta interpretação e aplicação das normas legais e processuais aplicáveis ao caso sub judice, por violação do princípio da boa-fé, e violação dos nºs 1 e 2 do CPTA, o que implica que a decisão em crise padeça de uma clamorosa injustiça.
III. Face ao exposto, deve ser alterada a sentença recorrida, concedendo-se provimento ao presente recurso, por provado, uma vez que não se verificam os pressupostos exigidos pelo artigo 120º do CPTA para que a requerida suspensão de eficácia deva ser concedida e, em consequência, ser proferido acórdão levantando a suspensão da decisão final proferida pelo IFAP, I.P.”

O Recorrido nas suas alegações apresentou as seguintes conclusões: ”A) Contrariamente ao defendido pelo IFAP, a Decisão recorrida, que decreta a providência cautelar, não merece qualquer reparo ou crítica, pelo que deve manter-se no ordenamento jurídico.
B) A matéria de facto considerada na Sentença recorrida não omite qualquer facto que fosse necessário à Decisão, não devendo por isso ser admitido o aditamento dos pontos pretendidos pelo IFAP, por se afigurarem desnecessários à boa decisão da causa.
C) Com efeito, os dois pontos que o Recorrente pretende que sejam aditados ao Facto B) consistem apenas nas estimativas de produção e de vendas para o lançamento do novo projecto da ........., constante da Candidatura e que, como tal, se afiguram desnecessários à boa decisão de causa, uma vez que não são relevantes à apreciação do cumprimento dos pressupostos de que depende o decretamento da providência cautelar.
D)Os dois pontos que o IFAP pretende aditar ao Facto D) são igualmente desnecessários à boa decisão dos autos cautelares, uma vez que, não se encontrando a Requerente obrigada a apresentar receitas, é irrelevante que na vistoria de controlo do G....não tenham sido verificados documentos de despesa ou que num alegado controlo à contabilidade não tenham sido apresentados documentos comprovativos das mesmas;
E) O cumprimento da obrigação de manutenção em actividade do projecto, assumida no Contrato, foi demonstrado pela ......., nomeadamente, através dos múltiplos investimentos que tem realizado para o lançamento da nova marca, desde a remodelação do espaço e a aquisição das máquinas necessárias à produção dos chocolates (despesas, aliás, consideradas elegíveis pelo IFAP), à contratação e formação interna e externa dos seus trabalhadores, ao desenvolvimento de raiz de 16 novas receitas e à aquisição das melhores matérias-primas;
F) Também não merece qualquer censura o facto de a Sentença recorrida não ter transcrito entre os factos provados o Ofício n.º 2875/2018, uma vez que o mesmo é apenas o projecto de decisão, mero acto instrumental e provisório que, como tal, nem auxilia à decisão sobre a validade do acto suspendendo, que para ele não remete, nem à decisão a proferir nos autos cautelares.
G) A Sentença recorrida não merece qualquer reparo quando conclui pela verificação do requisito fumus boni iuris, uma vez que é provável a procedência dos vícios assacados ao acto, entre os quais, a falta de fundamentação, a falta de indicação da data do acto e o erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
H) O IFAP não identifica em que erro de julgamento a Sentença recorrida alegadamente incorreu na apreciação do fumus boni iuris, limitando-se a alegar que o acto se encontra devidamente fundamentado e que o Tribunal a quo extravasou os seus poderes ao realizar uma análise acima do nível perfunctório, o que não afecta a validade da Decisão recorrida.
I) Todavia, basta uma avaliação puramente perfunctória do acto administrativo suspendendo para concluir que o mesmo é absolutamente omisso quanto aos seus fundamentos de direito, não indicando uma única disposição contratual, legal ou regulamentar que habilitasse o IFAP a resolver unilateralmente o Contrato e, em consequência, a ordenar a restituição do apoio concedido à .......
J) A Sentença recorrida também não merece qualquer reparo quando conclui que se encontra verificado o requisito do periculum in mora, pois, como alegado de artigos 84.º a 114.º do RI e no Documento n.º 23 do RI, a ........ não só alegou, como demonstrou, que a execução do acto suspendendo traduzir-se-ia numa situação de facto consumando ou de prejuízo de muito difícil reparação.
K) Com efeito, inexistindo por parte da ....... possibilidade financeira para devolver o montante do apoio ao IFAP, já utilizado na aquisição de maquinaria, a não suspensão do acto conduziria a uma cobrança coerciva por parte do IFAP, que condenaria a ....... a vender os equipamentos de produção de chocolate, que constituem os seus activos e logo, a encerrar o seu estabelecimento, com necessária afectação dos postos de trabalho entretanto criados no interior do País.
L) Quanto à ponderação de interesses públicos e privados, a Sentença recorrida também não merece qualquer reparo por não ter recusado a providência, desde logo, porque as invocadas razões de interesse público não se encontram minimamente densificadas, nem concretizadas por reporte ao concreto contrato de atribuição de apoio financeiro celebrado com a Requerente (p. 11 da Decisão recorrida).
M) Com efeito, o IFAP não logrou demonstrar que a alegada possibilidade de redução ou suspensão dos pagamentos comunitários aos Estados-membros em causa decorresse da suspensão do acto aqui em causa, nem se pode aceitar que as regras comunitárias prevejam tal cenário, quando está em causa o exercício de um direito por um particular, com previsão constitucional nacional e comunitária, contra um acto inválido da Administração.
N) O receio do IFAP de poder vir a não receber o reembolso do apoio atribuído, se a execução do acto não tiver lugar neste momento, não constitui por si só um interesse superior quando comparado com os interesses invocados do lado da ........ e com os prejuízos irreparáveis que a execução do acto pode causar.”

O DMMP não apresentou a pronúncia.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na decisão recorrida foram dados por indiciariamente provados os seguintes factos, que se mantém:
A) Em 2013-02-28, a Requerente apresentou junto do Órgão de Gestão do Grupo de Acção Local (“G…”) M…. (M…. – Desenvolvimento Alentejo Central, ACE), candidatura destinada a obter financiamento do IFAP no âmbito do PRODER – Ação 3.1.2 – Criação e Desenvolvimento de Microempresas, para se lançar na atividade de fabrico e produção de chocolates do segmento de luxo: cfr. doc. 3 junto com o Requerimento Inicial - RI e PA;
B) Do pedido de apoio apresentado pela Requerente, ressalta, além do mais: “…(2/2.3) não se identificam necessidades suplementares de formação especifica para a produção e comercialização de chocolates premium…(…) (4.1) … está na fase de investimento inicial… (2) … todo o packaging, imagem institucional, site, etc, serão desde logo definidos (…) (3)… estratégia de diferenciação (3.2.1) Imagem Palacete na caixa … (3.2.2.) Objetivos específicos (…) venda de produtos próprios e para terceiros (…) (3.3) … escolha criteriosa do melhor e mais fiável produtor de formação de chocolate e recheios de alta qualidade (…)packaging de alta qualidade que permita diferenciação (…) com identificação clara do Palacete … (3.10) … Formação relacionada com formulações de chocolate é efetuada pela B....através da ............... (…) Estudo de Viabilidade económica e financeira… (2.) Porque não fazer a própria formulação de chocolate? (…) é muito onerosa (..) Qual o racional para a escolha dos fabricantes de máquinas a adquirir? (…) a B… também fornece o recheio, incluindo bases de recheio em que basta juntar um único ingrediente para definir sabor, mantendo a boa textura e a consistência de base do recheio. O custo do recheio é sempre inferior ao preço do chocolate…”: cfr. doc. 3 junto com o Requerimento Inicial - RI e PA;
C) Em 2014-01-28, as partes acordaram entre si e assinaram o contrato de investimento referente à candidatura ao PRODER – Ação 3.1.2 – Criação e Desenvolvimento de Microempresas: cfr. doc. 5 junto com o RI e PA;
D) Em 2018-01-19, na sequência de vistoria de controlo efetuada pela G…, foi reportado à Entidade Requerida que: “…atualmente o espaço encontra-se aberto, todos os equipamentos estão em bom estado apesar de apresentarem sinais de uso…” (…) “…a operação encontra-se em situação regular e o espaço está em funcionamento…” : cfr. doc. 22 junto com o RI e PA;
E) Em 2018-05-30, a Requerente pronunciou-se em sede de audiência prévia, pugnando pela alteração da proposta de rescisão unilateral e de devolução da quantia referente ao apoio concedido: cf. PA.
F) Em 2018-07-30, a Requerente foi notificada do ato suspendendo, que se transcreve:
(“texto integral no original; imagem”)

: cfr. doc. 1 junto com o RI e PA;
G) As máquinas de produção de chocolates constituem ativos da Requerente: cfr. doc. 23 junto com o RI e PA;
H) A Requerente tem trabalhadores a seu cargo: cfr. doc. 6 junto com o RI;
I) Em 2018-09-07, a Requerente intentou, neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, a presente providência cautelar: cfr. fls. 1 a 280;
J) Em 2018-10-17, a Requerente, ali A. intentou, neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, a ação principal a que os presentes autos se encontram apensos e que corre termos sob o n.º 648/18.7BEBJA: cfr. fls. 1507.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro no julgamento relativamente aos factos B), D), E) e F), porque o requerente, ora Recorrido, estava obrigado a concluir o investimento, as metas e os indicadores aprovados no projecto de candidatura e não o cumpriu, havendo que proceder à alteração fáctica da matéria indicada nestas alíneas, designadamente, havendo que alterar a seguinte matéria fáctica:
1) o facto B), porque omite a indicação relativa à capacidade de produção do Recorrido, com metas de vendas, facto provado através do doc. 3 junto à PI, e designadamente a indicação de que “Do pedido de apoio apresentado pela Requerente consta na Caracterização do Pedido de Apoio, no ponto 3.2.2., os objetivos específicos a que a requerente se candidatou, designadamente, «Adquirir máquinas que permitam a produção até 150kg/hora de pralines ou barras de chocolate, formulações e sistema de frio que garantam até 18 meses de validade em prateleira; apostar na produção e venda de produtos próprios e para terceiros, representando estes 27% em volume de vendas no 1º ano, 28%. 26%. 24%. 22% e 19% no 6º ano; apostar essencialmente na exportação através de tradings, representando esta 55% das vendas no 1º ano e, sucessivamente, 62%, 69%, 75%, 80% e 83%. Atingir o volume de vendas de €247 500,00 no 1º ano, €385 mil. €593 mil, €911mil, €1,351 Milhões, €1,92M, €2,43M, representando crescimentos de 55% a 27% anuais, derivados da exportação e diversificação sequencial de mercados. Esta facturação significa uma Quota de Mercado em Portugal, para o mercado estrito de tabletes e bombons, de 0.31%, 0.48%. 0.73%. 1,10%. 1.62% e 2.28% Garantir a aplicação mínima de 10% a 18% da facturação anual em Publicidade e Comunicação como um Factor Critico de Sucesso”;
2) o facto B), porque omisso na parte relativa ao que resulta do formulário do pedido de apoio apresentado pela requerente e designadamente ao que resulta do ponto 2. do formulário, que refere que a Requerente tem “mais de 3 anos” de “experiência técnica na área de investimento em causa” e no ponto 4 - Caracterização da Actividade Desenvolvida, de onde “consta como histórico da entidade promotora que a “................................ – .......... está na fase de investimento inicial. A formação desta empresa prende-se com a aposta num dos poucos mercados com bons indicadores a nível mundial, como se verá. Com um investimento global bastante reduzido em função do potencial de produção e de mercado, será possível montar uma empresa exportadora de bens transacionáveis, com um grande grau de automação e uma produção inicial capaz de responder ao potencial de mercado identificado e picos sazonais. A capacidade produtiva inicial permite a produção até 150kg/hora de chocolate e o espaço fabril permite, futuramente, pelo menos a duplicação desta capacidade produtiva.”. Mais indica o Recorrido que este facto está provado pelo doc. 3 junto com a PI;
3) o facto D), porque omissa a referência à “inexistência de receitas em 2015, 2016 ou 2017”, devendo ser acrescentados os seguintes factos:
- “Na vistoria de controlo efetuada pela G....“não foram verificados documentos de despesa”, provado pelo doc. 22 junto com a PI e constante do PA;
- “No controlo de qualidade efetuado à contabilidade/documentação entregue pela requerente consta que “Não foram apresentados elementos que permitam validar a existência de receitas em 2015, 2016 ou 2017 decorrentes do exercício da atividade objeto de apoio. Não foram apresentados quaisquer elementos previsionais que permitam suportar a possibilidade de exercício da atividade. Foi apresentado um contrato com uma grande superfície que não vincula quantidades, valores e que salvaguarda a ausência de obrigação de compra por parte desse potencial cliente”, provado pelo doc. de fls. 110 a 112 do PA (Processo de Recuperação de Verbas);
4) o facto E), porque nele omissa a referência ao teor do ofício de audiência prévia, ao qual a requerente respondeu, devendo dar-se por provado o seguinte: “Através do Ofício 2875/2018, a entidade requerida notifica a requerente para efeitos de audiência prévia, nos termos dos artigos 121º e 122º do Código do Procedimento Administrativo, do seguinte:
«1. De acordo com as conclusões de uma ação de controlo qualidade, verificou-se uma situação de incumprimento da legislação aplicável à Ação “Criação e Desenvolvimento de Microempresas”, do PRODER - Programa de Desenvolvimento Rural do Continente, que se enquadra no Regulamento (CE) n.° 1698/2005, de 20 de setembro, regido a nível nacional peia Portaria n° 520/2009, de 14 de maio e subsequentes alterações.
2. Com efeito, candidatou-se à operação supra identificada, não tendo sido apresentados elementos que permitam validar a existência de receitas entre os anos 2015 e 2017, decorrentes do exercício de atividade objeto de apoio.
3. Atenta a informação constante da contabilidade, verifica-se o incumprimento da obrigação de manutenção da atividade durante o período de cinco anos a contar da data da celebração do contrato (28/01/2014) ou até ao momento do termo da operação (27/03/2019).
4. Face ao exposto, e de acordo com os artigos 9.° e 11.°, do Decreto-Lei n.° 37-A/2008, de 5 de março e, bem assim, ao clausulado nos pontos E.1 e F.1 das "Condições Gerais” do Contrato de Financiamento, nomeadamente em caso de incumprimento pelo Beneficiário, o IFAP, pode proceder à rescisão unilateral do contrato, constituindo-se o beneficiário na obrigação de reembolso das importâncias indevidamente recebidas.
5. Assim, e para os efeitos do disposto nos arts. 121° e 122° do Código do Procedimento Administrativo, fica essa Sociedade notificada da intenção deste instituto de determinar a rescisão unilateral do contrato com a devolução de 178.144,45€». Diz o Recorrente que este facto está provado através do doc. de fls. 103 e ss. da Pasta do PA, referente ao Processo de recuperação de verbas do IFAP.
5) o facto F), porque omisso relativamente à matéria que resulta expressamente da análise da documentação entregue pela requerente, designadamente do documento nº 22 junto com o a PI, doc. também constante de fls. 110 a 112 do PA, que leva a ter-se por assente que não foram cumpridos os indicadores materiais do projecto e as metas de vendas desde o 1º ano, na ordem dos 55%, e seguintes;
- aferir do erro no julgamento de Direito, por inexistir fumus boni iuris, pois frente à matéria de facto provada em A), B), C), E) e F), decorre que o A. e Recorrido compreendeu correctamente o acto que lhe foi dirigido e as razões porque decisão suspendenda foi tomada, não padecendo tal acto do vício de falta de fundamentação;
- aferir do erro no julgamento de Direito, por inexistir fumus boni iuris, porque o acto suspendendo também não padece de um vício de violação de lei ou de qualquer irregularidade de notificação e porque o requerente incumpriu a obrigação contratual de manutenção do exercício da actividade, face ao incumprimento do plano empresarial e das metas materiais anuais estabelecidas;
- aferir do erro no julgamento de Direito, por não estar igualmente verificado o requisito periculum in mora, porque o A., ora Recorrido, não alegou factos demonstrativos da sua verificação e o Tribunal julgou com base em meros juízos, conclusões, generalidades e conceitos indeterminados, não quantificando o impacto que a execução do acto teria para a situação económica do Recorrido, nem identificando em que medida se tornou impossível a execução do projecto, assim como, porque não concretizou específicos prejuízos. Alega também o Recorrente, que o Tribunal deu por provados os prejuízos invocados pelo Recorrido sem ter por base qualquer prova. Mais indica o Recorrente, que o Recorrido se manteve em funcionamento sem apresentar receitas nos anos de 2015, 2016 e 2017, já antes da ordem de reposição, pelo que tal ordem não alterou a situação económica do Recorrido e que a ordem de reposição não é um prejuízo efectivo porque se o processo principal for decidido em sentido desfavorável ao Recorrido, este terá sempre de devolver o montante do subsídio;
- aferir do erro decisório por a decisão recorrida também ter errado na ponderação de interesses, porque o Recorrido não tem comprovadamente capacidade financeira e económica para pagar o valor em dívida e se a presente providência for concedida o IFAP nunca irá receber essa mesma quantia, que terá de devolver à União Europeia, assim como, porque estão em causa dinheiros públicos e ajudas comunitárias, que são valores que devem prevalecer sobre os interesses privados.

Nos termos dos art.ºs 636.º, n.º 2 e 640.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art.º 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), podem as partes, nas respectivas alegações, impugnar a decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto.
Mas o artigo 640.º do CPC estabelece como ónus a cargo da parte que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a necessidade de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, sobre os diversos pontos da matéria de facto impugnados.
Por seu turno, os art.ºs 640.º e 662.º do CPC, permitem a reapreciação e a modificabilidade da decisão de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância apenas nas situações em que o tribunal recorrido apresente um julgamento errado, porque fixou factos de forma contrária às regras da prova, ou os fixou de forma inexacta, ou porque os valorou erroneamente.
Aqui vale o princípio da livre apreciação da prova, remetendo-se para uma íntima convicção do julgador, formada no confronto dos vários meios de prova, que uma vez exteriorizada através de uma fundamentação coerente, razoável, plausível, que obedeça às regras da lógica, da ciência e da experiência comum, torna-se uma convicção inatacável, salvo para os casos em que a prova deva ser feita através de certos meios de prova, que apresentem uma determinada força probatória.
Nestes termos, a impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no tribunal superior daquela que teve o tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada (cf. art.º 662.º do CPC).
Portanto, para a modificação da matéria de facto é necessário que haja uma dada matéria de facto que foi identificada e apreciada pelo tribunal de 1.ª instância e que este tenha exteriorizado a sua convicção na fixação da matéria provada e não provada. Só depois, se face às provas produzidas e para as quais o Recorrente remete, se impuser forçosamente decisão diversa da tomada pela 1.ª instância, há que alterar aquela. Mas terá que se tratar de uma prova firme, indiscutível ou irrefutável, que necessariamente abala a convicção que o tribunal de 1.ª instância retirou da prova produzida.

Vem o Recorrente invocar um erro na fixação da matéria de facto relativamente aos factos B), D), E) e F), porque o requerente, ora Recorrido, estava obrigado a concluir o investimento, as metas e os indicadores aprovados no projecto de candidatura e não os cumpriu, havendo que proceder-se à alteração fáctica da matéria indicada nestas alíneas, para se provar tal incumprimento. Considera, assim, o Recorrente que há que acrescentar ao facto B) a indicação relativa a capacidade de produção do Recorrido, com metas de vendas, facto provado através do doc. 3 junto à PI, e designadamente a indicação de que “Do pedido de apoio apresentado pela Requerente consta na Caracterização do Pedido de Apoio, no ponto 3.2.2., os objetivos específicos a que a requerente se candidatou, designadamente, «Adquirir máquinas que permitam a produção até 150kg/hora de pralines ou barras de chocolate, formulações e sistema de frio que garantam até 18 meses de validade em prateleira; apostar na produção e venda de produtos próprios e para terceiros, representando estes 27% em volume de vendas no 1º ano, 28%. 26%. 24%. 22% e 19% no 6º ano; apostar essencialmente na exportação através de tradings, representando esta 55% das vendas no 1º ano e, sucessivamente, 62%, 69%, 75%, 80% e 83%. Atingir o volume de vendas de €247 500,00 no 1º ano, €385 mil. €593 mil, €911mil, €1,351 Milhões, €1,92M, €2,43M, representando crescimentos de 55% a 27% anuais, derivados da exportação e diversificação sequencial de mercados. Esta facturação significa uma Quota de Mercado em Portugal, para o mercado estrito de tabletes e bombons, de 0.31%, 0.48%. 0.73%. 1,10%. 1.62% e 2.28% Garantir a aplicação mínima de 10% a 18% da facturação anual em Publicidade e Comunicação como um Factor Critico de Sucesso”.
Este facto foi efectivamente alegado pelo R. e Recorrente no n.º 13 da contestação (que é apresentada numerada e não articulada, como determina o art.º 147.º do CPC - ex vi art.ºs 1.º e 23.º do CPTA).
O A. e Recorrido alicerça o fumus boni iuris que está na base do seu pedido cautelar num vício de falta de fundamentação, numa irregularidade de notificação e num vício de violação de lei, por existir um erro nos pressupostos de facto, por ter inexistido qualquer incumprimento da sua parte da obrigação de se manter em actividade.
Por conseguinte, os factos que possam suportar uma eventual obrigação do Recorrido de ter que concluir o investimento, as metas e os indicadores aprovados no projecto de candidatura, ou os factos que suportem o incumprimento de tal obrigação, são factos sem relevo nestes autos, pois aqui não se discute da ilegalidade do acto suspendendo, por estes fundamentos. Ou seja, neste processo cautelar para efeitos do fumus boni iuris apenas interessa averiguar da provável procedência da acção principal, por a pretensão aí formulada aparentar bons fundamentos. Porque o A. e Recorrido imputa diversas ilegalidades ao acto suspendendo há que averiguar dessas mesmas ilegalidades, da sua provável procedência. Ora, a discussão acerca do cumprimento – ou não - por banda do A. e Recorrido, de uma obrigação de ter que concluir o investimento, as metas e os indicadores aprovados no projecto de candidatura, é algo que se aparta à discussão trazida à lide. O que o A. e Recorrido invoca é que sempre esteve em actividade e, por isso, o acto suspendendo errou quando conclui em sentido contrário.
Ou seja, o Recorrente diz estarem em falta factos que não tem relevo para o que ora se discute, pois os fundamentos e razões constantes do acto suspendendo, que vêm impugnadas pelo A. e Recorrido, são relativos à sua inactividade.
Assim, por esta simples razão, as alegações do Recorrente quanto ao erro na fixação da matéria de facto têm de claudicar.
Mais se indique, que o facto que se diz estar omisso também não releva para a apreciação do periculum in mora, pois é relativo a uma mera estimativa ou programa de negócio, que não colide com a invocação dos prejuízos que é feita pelo Recorrido.
Pelas mesmas razões claudica a invocação do erro decisório por não ter sido acrescentado o facto que vem alegado no n.º 12 da contestação e que é relativo ao ponto 2. do formulário do pedido de apoio apresentado pelo Recorrido, na parte em que se escreve que o Requerente tem “mais de 3 anos” de “experiência técnica na área de investimento em causa” e no ponto 4 - Caracterização da Actividade Desenvolvida, de onde “consta como histórico da entidade promotora que a “R….– R…. está na fase de investimento inicial. A formação desta empresa prende-se com a aposta num dos poucos mercados com bons indicadores a nível mundial, como se verá. Com um investimento global bastante reduzido em função do potencial de produção e de mercado, será possível montar uma empresa exportadora de bens transacionáveis, com um grande grau de automação e uma produção inicial capaz de responder ao potencial de mercado identificado e picos sazonais. A capacidade produtiva inicial permite a produção até 150kg/hora de chocolate e o espaço fabril permite, futuramente, pelo menos a duplicação desta capacidade produtiva.”.
Também este facto não tem relevância tem para a aferição do fumus boni iuris ou do periculum in mora.
Vem o Recorrente invocar um erro no julgamento da matéria de facto porque no facto D) se omitiu a referência à “inexistência de receitas em 2015, 2016 ou 2017” e que “Na vistoria de controlo efetuada pela G....«não foram verificados documentos de despesa” e que “No controlo de qualidade efetuado à contabilidade/documentação entregue pela requerente consta que «Não foram apresentados elementos que permitam validar a existência de receitas em 2015, 2016 ou 2017 decorrentes do exercício da atividade objeto de apoio. Não foram apresentados quaisquer elementos previsionais que permitam suportar a possibilidade de exercício da atividade. Foi apresentado um contrato com uma grande superfície que não vincula quantidades, valores e que salvaguarda a ausência de obrigação de compra por parte desse potencial cliente”.
Diz o Recorrente que este facto está provados pelo doc. 22 junto com a PI e constante do PA e pelo doc.de fls. 110 a 112 do PA (Processo de Recuperação de Verbas).
Apreciada a contestação, verifica-se que este facto vem alegado no n.º 14.
Porém, apreciado o doc. n.º 22 junto à PI em suporte de papel, constata-se que as referidas indicações não constam de tal documento. Ou seja, as inscrições que o Recorrente diz estarem em falta, por constarem do doc. n.º 22 junto à PI, são inscrições que não constem do indicado documento.
O que vem referido nesse documento é precisamente o que foi dado por provado no facto D) da sentença recorrida.
Depois, apreciado o doc. de fls. 110 a 112 do PA (Processo de Recuperação de Verbas), em suporte de papel, constata-se que tal documento corresponde a parte de um caderno de encargos apresentado pela ................, que não ostenta nenhuma das referências que o Recorrente diz aí estarem inscritas.
Portanto, pela simples razão de o doc. n.º 22 junto à PI, ou o doc. de fls. 110 a 112 do PA, não indicarem o que o Recorrente diz que indicam, esse mesmo facto não está, obviamente, provado, nem poderia estar dado por provado na decisão recorrida.
Ou seja, também quanto a esta parte o recurso improcede, pois nenhum dos documentos que o Recorrente indica ostenta aquilo que o mesmo afirma.

Diz o Recorrente que existe, ainda, um erro no julgamento da matéria de facto porque no facto E) omite-se o teor do ofício de audiência prévia, devendo dar-se por provado o seguinte: “Através do Ofício 2875/2018, a entidade requerida notifica a requerente para efeitos de audiência prévia, nos termos dos artigos 121º e 122º do Código do Procedimento Administrativo, do seguinte:
«1. De acordo com as conclusões de uma ação de controlo qualidade, verificou-se uma situação de incumprimento da legislação aplicável à Ação “Criação e Desenvolvimento de Microempresas”, do PRODER - Programa de Desenvolvimento Rural do Continente, que se enquadra no Regulamento (CE) n.° 1698/2005, de 20 de setembro, regido a nível nacional peia Portaria n° 520/2009, de 14 de maio e subsequentes alterações.
2. Com efeito, candidatou-se à operação supra identificada, não tendo sido apresentados elementos que permitam validar a existência de receitas entre os anos 2015 e 2017, decorrentes do exercício de atividade objeto de apoio.
3. Atenta a informação constante da contabilidade, verifica-se o incumprimento da obrigação de manutenção da atividade durante o período de cinco anos a contar da data da celebração do contrato (28/01/2014) ou até ao momento do termo da operação (27/03/2019).
4. Face ao exposto, e de acordo com os artigos 9.° e 11.°, do Decreto-Lei n.° 37-A/2008, de 5 de março e, bem assim, ao clausulado nos pontos E.1 e F.1 das "Condições Gerais” do Contrato de Financiamento, nomeadamente em caso de incumprimento pelo Beneficiário, o IFAP, pode proceder à rescisão unilateral do contrato, constituindo-se o beneficiário na obrigação de reembolso das importâncias indevidamente recebidas.
5. Assim, e para os efeitos do disposto nos arts. 121° e 122° do Código do Procedimento Administrativo, fica essa Sociedade notificada da intenção deste instituto de determinar a rescisão unilateral do contrato com a devolução de 178.144,45€”.
Diz o Recorrente que este facto está provado através do doc. de fls. 103 e ss. da Pasta do PA, referente ao Processo de Recuperação de Verbas do IFAP.
Apreciada a contestação, verifica-se que o facto que ora se diz estar em falta na decisão sindicada – o teor do ofício de audiência prévia - não vem especificadamente alegado nessa contestação.
Compulsada a PI, constata-se que tal facto também não vem aí alegado especificadamente.
Ou seja, o facto que ora se quer acrescentado – o teor do ofício de audiência prévia – é um facto que não foi alegado especificamente por nenhuma das partes.
Ao A. e ao R. cumpre alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir da acção e os fundamentos da defesa – cf. os art.ºs 78.º, n.º 2, al. f), 83.º, n.º 1, als. b) e c), 3, do CPTA, para a acção administrativa e 114.º, n.º 3, al. g) e 117.º, n.º 1, do CPTA, para o requerimento cautelar.
Por seu turno, para além dos factos articulados pelas partes, ao juiz apenas é lícito considerar os factos instrumentais, que resultem da instrução da causa, os factos complementares ou concretizadores dos factos já alegados e os factos notórios, ou que o Tribunal tenha conhecimento em virtude das suas funções – cf. art.º 5.º, n.º 2, do CPC.
Por conseguinte, não se pode imputar um erro à decisão recorrida, no seu julgamento da matéria de facto, por ser omissa relativamente a determinados factos, que se dizem essenciais para o bom conhecimento da causa, se as partes não cumpriram cabalmente o seu ónus do dispositivo e não alegaram especificadamente, em artigos individualizados, os tais factos que dizem que deviam ser dados por provados.
Mais se note, que o indicado teor do ofício de audiência prévia irreleva para a decisão a tomar, pelo que também não havia de ser considerado oficiosamente pelo juiz e entendido como facto complementar ou concretizador face aos que foram alegados pelas partes.
O teor de tal ofício não tem nenhum interesse para aferir das invocadas ilegalidades do acto suspendendo ou para contrariar a sua verificação. O teor desse ofício não serve de complemento para a fundamentação do acto sindicado, pois tal acto não remeteu para esse ofício.
O facto em questão irreleva, ainda, para a aferição do periculum in mora.
Em suma, claudica a alegação do Recorrente quando imputa à decisão um erro no julgamento da matéria de facto por não ter dado por provado o teor do ofício de audiência prévia.

Diz o Recorrente que ocorreu um erro no julgamento da matéria de facto porque o facto F) é omisso relativamente à matéria que resulta expressamente da análise da documentação entregue pela requerente, designadamente do documento nº 22 junto com o a PI, doc. também constante de fls. 110 a 112 do PA, e que leva a ter-se por assente que não foram cumpridos os indicadores materiais do projecto. Diz o Recorrente que desses documentos também se retira que o Recorrido tinha conhecimento das metas de vendas estabelecidas desde o 1º ano, na ordem dos 55%, e seguintes, pois foi ele próprio que estabeleceu tais metas no estudo de viabilidade entregue.
Esta invocação correlaciona-se com a inicialmente apreciada. Vale aqui o que acima dissemos.
Nestes autos apenas interessa averiguar do eventual erro nos pressupostos de facto por o A. e Recorrido estar em actividade, não de outras razões relativas ao projecto apresentado e aos objectivos alcançados com o projecto, que não terão sido a razão para a tomada do acto suspendendo, nem vêm discutidas nesta acção.
Falece, portanto, esta alegação.

Vem o Recorrente invocar um erro no julgamento de Direito por não estar verificado o fumus boni iuris. Diz o Recorrente que o acto suspendendo está devidamente fundamentado, pois frente à matéria de facto provada em A), B), C), E) e F), decorre que o A. e Recorrido compreendeu correctamente o acto que lhe foi dirigido e as razões porque a decisão suspendenda foi tomada. Afirma ainda o Recorrente que tal acto não padece de qualquer irregularidade ou de um vício de violação de lei, porque o requerente incumpriu a obrigação contratual de manutenção do exercício da actividade, face ao incumprimento do plano empresarial e das metas materiais anuais estabelecidas.
Determina o art.º 120.º, n.º 1, do CPTA, que para o decretamento de qualquer providência cautelar devem verificar-se de forma cumulativa dois requisitos: o periculum in mora e o fumus boni iuris. Ou seja, terá de ficar indiciariamente provado nos autos que existe um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e, ainda, que é provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
Quando dos factos concretos alegados pelo Requerente se antever que uma vez recusada a providência será, depois, impossível, ou muito difícil, a reconstituição da situação de facto, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, ter-se-á por preenchido o requisito periculum in mora.
Ainda aqui, o critério não é o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas, sim, o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar.
Quanto ao fumus boni iuris que ora se exige, encontra-se na sua formulação positiva, requerendo-se que haja uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal, que seja "provável" a aparência do bom direito. Por seu turno, esta apreciação deve ser feita em termos de summario cognitio, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações (indiciários) que são trazidos pelo Requerente para os autos.
A falta de qualquer um daqueles requisitos faz logo claudicar a providência cautelar que tenha sido requerida
Mas ainda que se preencherem os dois requisitos referidos, haverá, depois, que ponderar os interesses em confronto, nos termos do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA.
Por imposição do n.º 3 do art.º 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos devem ser expressamente fundamentados. Concretizando a imposição constitucional, o art.º 152º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) determina que a fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir na mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, os quais ficarão a fazer, neste caso, parte integrante do respectivo acto (cf. também o artigo 153.º do CPA).
A fundamentação do acto administrativo tem por finalidade dar a conhecer ao destinatário o percurso cognitivo e valorativo do autor daquele mesmo acto, de modo a permitir uma defesa adequada e consciente dos direitos e interesses legalmente protegidos do particular lesado.
Para tanto, a fundamentação tem que ser suficiente, clara e congruente. Tem de permitir ao destinatário médio ou normal, colocado na posição do real destinatário do acto, compreender a motivação que subjaz ao raciocínio decisório. Não é necessário – desde logo porque iria contra os princípios de eficiência e celeridade administrativa – que em cada acto administrativo se proceda a uma fundamentação completa e exaustiva das razões de facto e de direito que motivaram a decisão.
O STA “vem, desde há muito, entendendo que a fundamentação é um conceito relativo, que varia consoante o tipo legal de acto administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dados a funcionalidade do instituto e os objectivos essenciais que prossegue. Objectivos esses de habilitar o destinatário a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesividade, caso com a mesma não se conforme (objectivo endoprocessual) e de assegurar a transparência, a serenidade, a imparcialidade e reflexão decisórias (objectivos exa ou extra-processuais)” (In Ac. da 1.º Secção do STA Rec. 39.316, de 18-06-1996, n Apêndice ao DR de 23.10.1998, vol. III – Junho).
Ora, apreciada a fundamentação do acto tal como decorre do facto E), a existência de um vício de falta de fundamentação, por fundamentação insuficiente e contraditória, afigura-se provável, tal como se julgou na decisão recorrida.
Entre as razões de facto para a tomada da decisão suspendenda, refere-se as “conclusões do controlo administrativo”, sem se indicar quando, onde e em que termos ocorreu tal controlo, ou quais as suas conclusões, que justificam a decisão tomada. A simples referência à existência de certas conclusões de um alegado “controlo administrativo”, não permite a um destinatário médio compreender que controlo foi esse, quando ocorreu ou quais as conclusões ali formuladas.
Depois, a decisão suspendenda também não indica os fundamentos de Direito, sendo totalmente omissa neste aspecto.
Sem embargo, do teor da decisão suspendenda é ainda possível compreender que a prática do acto radica num alegado incumprimento por banda do requerente, ora Recorrido, em desenvolver e manter a actividade, demostrando a sua viabilidade efectiva, por anos de 2015 a 2017, por não ter apresentado elementos que permitam validar a existência de receitas durante esses anos. Compreende-se, também, que os fundamentos de facto da decisão suspendenda basearam-se na “análise das demonstrações financeiras”, de onde “ressalta ainda, a inexistência de compras, de custos com matérias consumidas, não existindo inventários, nem de matérias primas, nem de produção”, apesar de existirem “depreciações relativas aos ativos tangíveis, nomeadamente equipamento básico, não havendo evidência da data de inicio de utilização”. Diz-se também que “As despesas com Fornecimento e serviços Externos são pontuais e não reflectem o normal exercício de uma atividade”.
Todavia, as últimas razões, por si só, não preenchem os requisitos exigidos para a fundamentação de um acto administrativo como o que ora está em causa. Atendendo à gravidade do acto, ou à sua onerosidade, exigia-se ao IFAP que indicasse, de forma completa, porque é que a não apresentação de receitas nos anos de 2015 a 2017 implica necessariamente que o A. e Recorrido não iniciou e manteve a sua actividade, ou em que termos isso implica a inviabilidade da empresa. Da mesma forma, cumpria ao IFAP explicitar a que anos se referem as tais demonstrações financeiras, porquanto se omite por completo essa indicação.
Depois, como acima assinalamos, a fundamentação do acto suspendendo é totalmente omissa quanto a razões de Direito.
A fundamentação adoptada é incompleta e um tanto obscura, ficando-se sem saber concretamente quais as precisas razões de facto que motivaram o acto suspendendo. Quanto às razões de Direito, a fundamentação é totalmente omissa.
Com a fundamentação adoptada, o destinatário do acto – entendido enquanto destinatário ou homem médio - não ficará habilitado a conhecer o percurso cognitivo e valorativo do autor do acto e a construir uma defesa adequada e consciente.
A adopção de fundamentos que pela sua obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto equivale à correspondente falta fundamentação.
Assim, é provável que proceda o indicado vício de falta de fundamentação.
Apreciado o teor do acto suspendendo, verifica-se que também será provável a procedência do indicado vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto.
Conforme decorre da matéria factual apurada, em 19-01-2018, na sequência de vistoria de controlo efectuada pela G....verificou-se que “espaço encontra-se aberto, todos os equipamentos estão em bom estado apesar de apresentarem sinais de uso…” (…) “…a operação encontra-se em situação regular e o espaço está em funcionamento…”.
As conclusões desse controlo contradizem, pois, a afirmação feita no acto sindicado.
Igualmente, como se aponta na decisão recorrida, ainda que a propósito do vício de falta de fundamentação, o teor da de controlo efectuada pela G…., “a par da existência dos contratos de trabalho e dos ativos indiciariamente assentes, contribui para o entendimento de que o ato suspendendo não fundamenta devidamente a invocada asserção de incumprimento da obrigação de manutenção de atividade, que terá justificado a decisão de rescisão unilateral do contrato celebrado e, bem assim a ordem de devolução do subsídio atribuído”.
Ou seja, frente aos factos indiciariamente provados há uma forte probabilidade de existir um erro nos pressupostos de facto, por o acto suspendendo se basear na circunstância de o A. e Recorrido não ter iniciado e mantido a sua actividade, quando essa actividade efectivamente ocorreu e mantém-se.
Na decisão suspendenda afirma-se que o A. e Recorrido não iniciou e manteve qualquer actividade. Depois, declara-se a inviabilidade da mesma com base na inexistência de receitas durante 3 anos e com base em demonstrações financeiras relativas a um ano, ou a anos, que se desconhecem quais sejam.
Neste enquadramento, é provável a existência do invocado erro nos pressupostos de facto, pelo menos no que se refere à afirmação da inexistência de qualquer actividade.

No que concerne à falta de identificação da data do ato suspendendo, também se verificará. Porém, como se julga na decisão recorrida, essa falta apenas conduz a uma simples irregularidade, que não inquina a validade do acto suspendendo.

Em suma, no caso está verificado o requisito fumus boni iuris, pelo que claudicam as alegações de recurso quando imputam um erro à decisão recorrida por assim entender.

Diz o Recorrente que a decisão recorrida também errou o julgamento de Direito porque inexiste periculum in mora, pois o A., ora Recorrido, não alegou factos demonstrativos da sua verificação e o Tribunal julgou com base em meros juízos ou conclusões, generalidades e conceitos indeterminados. Diz o Recorrente que o Tribunal não quantificou o impacto que a execução do acto teria para a situação económica do Recorrido, nem identificou em que medida se tornou impossível a execução do projecto, assim como, não concretizou específicos prejuízos. Alega também o Recorrente que o Tribunal deu por provados os prejuízos invocados pelo Recorrido sem ter por base qualquer prova. Mais indica o Recorrente, que o Recorrido se manteve em funcionamento sem apresentar receitas nos anos de 2015, 2016 e 2017, já antes da ordem de reposição, pelo que tal ordem não alterou a sua situação económica e que a ordem de reposição não é um prejuízo efectivo porque se o processo principal for decidido em sentido desfavorável ao Recorrido este terá sempre de devolver o montante do subsídio.
Na decisão recorrida ficou provado no que ser refere a danos e prejuízos concretos alegados pelo A. e Recorrido, que “As máquinas de produção de chocolates constituem ativos da Requerente” (facto G) e que “A Requerente tem trabalhadores a seu cargo” (facto H).
Não obstante, remetendo-se globalmente para os factos A) a J), na decisão recorrida entendeu-se verificado o periculum in mora, por estar invocado pelo Recorrido que a cobrança de €178.722,37, associada à sua incapacidade financeira implicará “a venda forçada das máquinas de produção de chocolates da Requerente, nomeadamente na sequência de penhora no âmbito da execução fiscal que o IFAP venha a promover”. Entendeu-se, ainda, na decisão recorrida que se “tal ocorrer, pode a Requerente ficar sem meios para desenvolver a sua atividade e terá de encerrar o seu estabelecimento, assim, o início de um processo de execução fiscal e a penhora dos equipamentos, a ocorrer, mostram-se, por si só, susceptíveis de comprometerem irremediavelmente a continuação dos postos de trabalho da Requerente e associados à continuidade da sua atividade comercial, que assenta em grande medida numa imagem inovadora e numa marca nova que tem vindo a promover e que será negativamente afetada com a execução do ato suspendendo, comprometendo as ações e os investimentos feitos na sua promoção
Ora, nesta parte o recurso terá de proceder.
Os factos indiciariamente provados não permitem concluir pela verificação de quaisquer danos ou prejuízos para o A. e Recorrido, caso o acto impugnado não fique suspenso.
A circunstância de as máquinas constituírem activos ou o Recorrido ter a seu cargo trabalhadores, por si mesmo, não implica os indicados prejuízos.
Nos art.ºs 96.º a 107.º e 178.º a 180.º da PI o A. e Recorrido alegou os danos e prejuízos que decorrerão da execução do acto impugnado. Diz o A. que com a não suspensão do acto terá que “suspender a produção de bombons, rejeitar todas as matérias primas adquiridas que não tiverem sido utilizadas e vender as máquinas de produção de chocolates, para obter liquidez”. Mais alega o A. e Recorrido, que terá que encerrar o seu estabelecimento e que extinguir dois postos de trabalho, pois não dispõe de liquidez e as máquinas de chocolates são os únicos activos relevantes, acabando por ter que apresentar a sua insolvência. Alega o A., também, que a venda das máquinas não iria realizar o activo de €178.722,37, pois tratam-se agora de máquinas usadas. Mais alega o A., que perderá o total do seu investimento, que ora monta a €297.870,00. Invoca ainda o A. danos de imagem na marca.
Ou seja, a decisão recorrida decidiu mal nesta parte, pois aceitou em sede de matéria de Direito que estavam assentes algumas das invocações feitas na PI, pelo A., ora Recorrido, e com base nesse julgamento decidiu estar verificado o periculum in mora.
Contudo, as alegações que vinham feitas na PI não foram sujeitas a instrução e prova e não foram levadas, em sede de julgamento da matéria de facto, a matéria indiciariamente provada.
Mais se note, que a decisão recorrida também se alheou dos restantes danos e prejuízos que vinham alegados nos art.ºs 96.º a 107.º e 178.º a 180.º da PI.
Para conhecimento do critério periculum in mora exigia-se ao Tribunal recorrido que atentasse em todas as alegações que sobre esse mesmo critério fossem especificamente feitas na PI e que as submetesse a instrução, quando controvertidas.
Isto é, porque controvertida a matéria alegada nos art.ºs 96.º a 107.º e 178.º a 180.º da PI, teria a mesma que ser sujeita a prova.
Ora, tal momento de instrução e prova não ocorreu nestes autos.
Ou seja, para a decisão da presente causa, na parte relativa à aferição do requisito periculum in mora, é essencial submeter a instrução e prova os factos que foram alegados pelo A. na PI, nos art.ºs 96.º a 107.º e 178.º a 180.º, que permanecessem controvertidos. Só após essa instrução é que se poderá concluir pela verificação – ou não – de tal factualidade e decidir em conformidade com a mesma.
Procede, pois, o recurso, quando se invoca o erro decisório por se ter julgado o periculum in mora com base em meras conclusões, não alicerçadas em qualquer factualidade que tenha sido julgada como indiciariamente provada.
Esta circunstância, porém, implicará a baixa dos autos para que sejam sujeitas a instrução e prova as alegações feitas na PI pelo A. e Recorrido, quando relativas ao periculum in mora, e não, necessariamente, pela improcedência da providência que vem requerida.
Quanto ao conhecimento do invocado erro decisório, por terem ser sido erradamente ponderados os interesses em presença, fica prejudicado face à procedência do recurso pela razão acima indicada.
Não obstante, assinale-se, que o facto de estarem em causa dinheiros públicos e de existir uma obrigação de devolução de montantes à União Europeia, daí não deriva necessariamente que os interesses públicos sejam os prevalecentes.
Na ponderação de interesses do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA há que avaliar, no mesmo patamar, os interesses em presença, públicos e privados, havendo que afastar-se a ideia de que o interesse público é prevalecente.
Como refere Vieira de Andrade, com o art.º 120.º, n.º 2, do CPTA, não se pretende “ponderar exclusivamente o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar da concessão ou a recusa da concessão para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados.
Na realidade, o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar” (In ANDRADE José Carlos Vieira de – A Justiça Administrativa, (Lições). 15a ed. Coimbra: Almedina, 2016. ISBN 978-972-40-6731-5, p. 323).
Em suma, o presente recurso procede, havendo que revogar-se a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos para que seja aberta uma fase de instrução, para prova dos factos alegados pelo A. e Recorrido nos art.ºs 96.º a 107.º e 178.º a 180.º da PI, após o que se decidirá novamente acerca dos requisitos periculum in mora e da ponderação de interesses, se a tal nada mais obstar.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida e determinando a baixa dos autos para que seja aberta uma fase de instrução, para prova dos factos alegados pelo A. e Recorrido nos art.ºs 96.º a 107.º e 178.º a 180.º da PI, após o que se decidirá, se a tal nada mais obstar;
- custas pelo Recorrido (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.ºs 1, 2, 4 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA).

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2019.

(Sofia David)
(Helena Telo Afonso)
(Pedro Nuno Figueiredo)