Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:361/09.6BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:07/11/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:FALTA DE OBJETO
INEXISTÊNCIA DE ATO
DERROGAÇÃO SIGILO
VIOLAÇÃO 26.º CRP
Sumário:I- A nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto exige, para se julgar verificada, uma absoluta falta da sua especificação, isto é, tem de existir uma total ausência dos fundamentos de facto e de direito.
II- A fixação da matéria de facto deve ser norteada por todos os factos que se apresentem como potencialmente úteis para a decisão, porém o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo Autor e consignar se a considera provada ou não provada.
III- Coadunando-se o objeto da ação com a declaração de nulidade da decisão de acesso a informações e documentos bancários do contribuinte, e não resultando provada a existência de uma decisão de levantamento do sigilo bancário, resultando, inclusive, que os elementos foram obtidos no âmbito e por recurso à ação inspetiva, resulta evidente a inexistência de ato.
IV- O sigilo bancário não é um direito absoluto, podendo sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente realização da justiça.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

l – RELATÓRIO

V......,LTD deduziu, contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, Ação Administrativa Especial de impugnação contra o ato praticado no âmbito de Inspeção Tributária, que determinou o acesso a informações e documentos bancários seus, bem como os atos administrativos, tributários e/ou penais posteriores, pedindo a declaração de nulidade daquele e, subsidiariamente, a notificação do relatório final de inspeção, na sua versão integral, e a anulação de todos os atos administrativos, tributários e/ou penais posteriores.

Por decisão de fls. 139 foi julgada procedente a exceção do erro na forma do processo, a qual foi revogada por acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 29 de maio de 2012, tendo sido decidido que: “A acção administrativa especial é o meio adequado à apreciação do pedido de declaração de nulidade da referida decisão de acesso a elementos protegidos pelo sigilo bancário, porquanto se trata da impugnação de decisão administrativa em matéria tributária que não comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação”, ordenando-se “a consequente tramitação do processado, se mais nenhuma questão prévia a tal obstar”.

Após trânsito do aludido Acórdão, e competente baixa ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé e uma vez assegurado o contraditório relativamente à inexistência de ato impugnado, foi proferido despacho saneador, o qual julgou procedente a exceção dilatória da falta de objeto, absolvendo o Réu da instância.

A fls. 343 dos autos, foi interposto recurso contra essa decisão tendo a fls. 477 dos autos sido proferida decisão na qual foi determinada a convolação do requerimento de interposição de Recurso em Reclamação para a Conferência nos termos do n.º 2 do artigo 27.º do CPTA e ordenada a baixa dos autos à 1.ª instância.

Nessa conformidade, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por decisão de 26 de abril de 2017, indeferiu a Reclamação e, mantendo o despacho saneador reclamado, julgou procedente a exceção dilatória da falta de objeto, absolvendo o Réu da instância.

Inconformada, a V………, LTD, veio interpor recurso contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«I. O Acórdão “sub-judice” enferma de deficiência no que se refere à matéria probatória dada como provada.

II. O Tribunal “a quo” não deu como provado que tenha havido lugar a uma decisão de levantamento de sigilo bancário.

III. Desconsiderou, porém, o fato da Autoridade Tributária ter acedido à informação bancária de carácter sigiloso sem dar cumprimento às disposições legais que regulam a matéria.

IV. Esse facto resulta evidente do ponto 2.3.7.4 do relatório de inspecção onde, sob a epígrafe “Informação Bancária” se refere “pela informação bancária recolhida, nomeadamente extractos de conta corrente do Banco …………, Conta DO …………. e cópias de cheques referentes a pagamentos a terceiros, em Anexo VIII, conclui- se que: “Nos extractos bancários é identificado como titular da conta a empresa V……..; Nas cópias de cheques é identificado como titular N………..; Têm poder para movimentar a conta o Srº N………., o Srº R………. e a Srª P………….”

V. Sem prejuízo do referido, considerou o Tribunal “a quo” como facto não provado (pág. 6 do Acórdão) que “no âmbito da acção inspectiva referida em 1. tenha havido uma decisão de levantamento de sigilo bancário”.

VI. Tal decisão padece, de (i) fundamentação insuficiente e, por outro lado, (ii) erro no julgamento da matéria de facto.

VII. O artigo 653.º do Código do Processo Civil, aplicável ao processo tributário por força do artigo 2.º do CPPT, estabelece o dever de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, impondo que o julgador especifique os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.

VIII. No Acórdão sub iudicio não justificou o Tribunal “a quo” a sua posição mencionando, nomeadamente, porque considera que não existiu decisão de derrogação do sigilo bancário.

IX. Com efeito, e analisando a prova documental junta aos autos não resulta qualquer informação quanto ao poder para movimentar as contas (fls. 62 a 66 dos autos).

X. Não constando a referida informação nos autos, ter-se-á de concluir que a Administração tributária acedeu a ela de outro modo, nomeadamente através de um pedido específico dirigido à entidade bancária para o efeito.

XI. Acresce que, erradamente, não deu o Tribunal “a quo” como provado que a Autoridade Tributária não obedeceu ao procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT, nomeadamente ao dever de fundamentar a decisão e de conceder contribuinte a possibilidade de exercer o direito de audição.

XII. Tal fato é relevante e devia constar do probatório como fato provado.

XIII. Do que decorre estarmos em presença de erro na matéria de fato identificado e evidente erro de julgamento.

XIV. Uma vez demonstrado que a Autoridade Tributária utilizou informação sujeita a sigilo fiscal sem respeito pelas regras legais estabelecidas para o efeito há que, daí, extrair todas as consequências legais.

XV. A regra geral vigente – em 2005 - era a de que o sigilo bancário só podia ser derrogado mediante autorização judicial, conforme o n.º 2 do artigo 63.º da LGT. Esta norma admite, no entanto, expressamente, casos em que a Autoridade Tributária pode aceder aos documentos cobertos pelo sigilo bancário sem dependência de tal autorização.

XVI. Relativamente ao acesso da Autoridade Tributária a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos, o artigo 63.º-B da LGT prevê que a Autoridade Tributária tem o poder de derrogar o sigilo bancário nas situações aí previstas.

XVII. Nestes casos estabelece a Lei que o acesso directo da Administração à informação (isto é, sem dependência de autorização judicial prévia), mas apenas nas situações aí expressamente enumeradas, mediante o preenchimento de determinados requisitos e assegurando algumas garantias ao contribuinte, nomeadamente, (i) a necessidade de fundamentação da decisão, «com expressa menção dos motivos concretos que as justificam» e audiência prévia do contribuinte visado.

XVIII. No caso em apreço, (i) nem se encontravam preenchidos os requisitos de que a lei faz depender o acesso da Autoridade Tributária aos documentos bancários da Recorrente; (ii) nem a Autoridade Tributária cumpriu os formalismos legais associados a essa consulta.

XIX. E, a situação patrimonial (relação entre activo e passivo), os bens, os créditos e os meios patrimoniais (relação entre activo e passivo), os bens, os créditos e os meios patrimoniais de existência, a respectiva origem, os débitos e respectivas circunstâncias são elementos da vida privada” pelo que “o sigilo bancário, embora não seja um valor jurídico absoluto e, como tal, esteja sujeito a limitações, encontra o seu fundamento último na reserva de intimidade da vida privada – cfr. Rabindranath Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 323.

XX. Este entendimento tem sido afirmado, de forma constante, pelo Tribunal Constitucional para quem a situação económica do cidadão, espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas, faz parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, condensado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia deste direito – por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 278/95, datado de 31 de Maio de 1995 e proferido no âmbito do processo n.º 510/91 (Alves Correia).

Nestes termos e no mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogar-se o douto Acórdão recorrido, substituindo-se por outro que considere totalmente procedente a presente Ação.

Só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”


***

A Recorrida FAZENDA PÚBLICA, veio apresentar as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«1.ª O Tribunal a quo teve o cuidado não apenas de fundamentar a matéria de facto dada como provada e não provada, como também a própria matéria de direito.

2.ª Nos termos do artigo 607.º e, n.º 4.º do CPC, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, tomando ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

3.ª É estranho que venha a Recorrente aduzir, de forma categórica, que existe falta de fundamentação, deixando nas entrelinhas do seu discurso escrito que, na elaboração da sentença, o Tribunal a quo não fundamentou a decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente por que deu como não provado que «No âmbito da acção inspectiva referida em 1. Tenha havido uma decisão de levantamento de sigilo bancário», sem, no entanto, ter escorado tal decisão com rigor e minúcia.

4.ª Na sua análise crítica, que conduziu à decisão sobre a matéria de facto e de direito, o Tribunal a quo explicou, sustentado no processo administrativo junto aos autos, por que razão os documentos bancários anexos ao procedimento inspectivo levado a cabo pelos Serviços da Autoridade Tributária não tiveram origem em informações prestadas directamente pelas entidades bancárias envolvidas.

5.ª A Recorrente nunca aludiu, nas suas alegações e conclusões de recurso, à total falta de fundamentação, mas antes à «fundamentação insuficiente» da decisão.

6.ª Só existirá nulidade da sentença por falta de indicação dos factos não provados relativamente a factos alegados que não tenham sido dados como provados nem não provados e que possam relevar para a decisão da causa.

7.ª Mesmo que tivesse existido - que não existiu - essa dita pretensa fundamentação insuficiente, isto é, essa eventual falta de cuidado, não poderia a mesma ser considerada como total omissão de fundamentação da matéria de facto considerada.

8.ª Sem que se verifique uma total falta de fundamentação da sentença, não enferma a mesma de nulidade, o que, como se bem percebe, vota o primeiro específico pedido deste recurso ao insucesso.

9.ª Tudo visto e ponderado, deve permanecer intacta a sentença recorrida, porquanto é válida e não enferma de quaisquer vícios sob o ponto de vista dos factos e do direito.

10.ª No que concerne ao alegado erro de julgamento, consequência de um erro na matéria de facto, alega a Recorrente que a Recorrida derrogou o seu sigilo bancário, obtendo informações sujeitas a sigilo fiscal, sem respeitar minimamente as regras legais estabelecidas previstas no artigo 63.º e 63.º-B da LGT.

11.ª A Recorrente não produz em sede de recurso a mínima prova de que a Recorrida tenha obtido informações bancárias, disponibilizadas pelas instituições de crédito de que a Recorrente era cliente.

12.ª O ónus dessa aludida prova competia-lhe, exclusivamente, a ela, Recorrente, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2 do CC e 74.º, n.º 1 da LGT, pois que é quem invoca um facto extintivo do direito alegado pela Recorrida.

13.ª É débil a alegação da Recorrente, ao basear todo o seu articulado recursivo numa tese que padece dos mais elementares alicerces de facto e sem que nunca apresente um vestígio que seja, ainda que remoto, de um pedido de informações bancárias objectivo, elaborado pela Recorrida, endereçado à competente instituição de crédito.

14.ª Não houve derrogação do sigilo bancário e tal não tinha que constar do probatório, pois que já decorria inexoravelmente do facto de não ter havido qualquer decisão de levantamento de sigilo bancário.

15.ª O sigilo bancário encontra-se estabelecido no artigo 78.º do RGICSF, que determina que estão sujeitos ao mesmo os órgãos de administração, fiscalização, empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que nessas instituições prestem serviço.

16.ª Esse sigilo abrange os factos ou elementos relativos à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes, cujo conhecimento lhes advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.

17.ª O artigo 79.º do RGICSF, por seu turno, estabelece excepções ao dever de segredo, abrangendo-se aí, designadamente, a revelação de elementos nos termos da lei e processo penais e as situações em que existam disposições legais que, expressamente, limitem o dever de segredo.

18.ª O procedimento de derrogação de sigilo bancário previsto na LGT regula o acesso pela Administração a "elementos cobertos pelo sigilo bancário" a que as instituições de crédito, sociedades financeiras e congéneres, estejam vinculadas.

19.ª Tal procedimento, no entanto, não regula, nem nunca regulou, o acesso pela Administração a elementos na posse dos contribuintes e que integram a sua contabilidade.

20.ª Na situação sub judice, foi aberta uma acção inspectiva ao sujeito passivo V………. LTD, de âmbito geral, com extensão aos exercícios de 2003 a 2005 e de âmbito parcial, em sede de IVA, para o exercício de 2006.

21.ª No decurso do procedimento inspectivo apuraram-se, designadamente, os factos relatados no ponto 2.3.7.4 do Relatório Final de Inspecção - ou seja, apurou-se a existência de extractos bancários onde é identificado como titular da conta correspondente a V………. Ltd.

22.ª Encontrando-se, no "anexo VIII", um extracto bancário de uma conta - DO n.º ……………-numa instituição bancária portuguesa, expressamente identificada como sendo da empresa inspeccionada.

23.ª E, como bem se faz notar, a propósito, na douta sentença o extracto de conta refere-se ao dia 19 de Agosto de 2005, portanto cerca de dois anos antes da realização da acção de inspecção sub judice.

24.ª Tal extracto, também segundo a sentença, foi impresso naquele mesmo dia, tendo-o sido através de "site seguro" ("https") da instituição bancária em causa.

25.ª Do mesmo impresso consta a assinatura de P…………, existindo aí, também, cópias de dois cheques da mesma conta da empresa, em que aparece como titular N…………, sendo que esses cheques foram emitidos por P………… e encontram-se à ordem de duas colaboradoras da empresa, existindo ainda, por último, um outro cheque da mesma conta da empresa, em que aparece como titular N…………...

26.ª Esse cheque foi emitido por N………… e por R………, e encontra-se à ordem de um fornecedor, a C………...

27.ª Não existia a obrigação contabilística de os contribuintes guardarem as cópias dos cheques dos pagamentos que efectuam como suporte dos registo contabilísticos e, assim, não existindo essa obrigação, a Recorrente resolveu fazê-lo voluntariamente, sem que para tal tivesse sido instado.

28.ª Todos estes elementos, conforme dado provado em sede de matéria de facto, constavam da contabilidade da Recorrente.

29.ª Todos esses elementos, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2, alínea b) e, em especial, alínea e) do artigo 29.º do RCPIT, a Inspecção Tributária podia e devia aceder em ordem a cumprir as funções de que foi incumbida.

30.ª Tudo visto e ponderado, bem andou a sentença ao decidir que no caso em apreço inexistiu qualquer decisão de levantamento de sigilo bancário, o que, como bem se vê, sustenta a excepção dilatória deduzida pela ora Recorrida de falta de objecto da acção administrativa intentada.

31.ª O acto impugnado pela Recorrente, a decisão de levantamento bancário, nunca existiu, o que faz concluir pela omissão de qualquer acto passível de impugnação.

32.ª Face ao que se infere que a Recorrida não violou, por forma alguma, o sigilo bancário, improcedendo tudo o que nesta matéria foi arguido pela Recorrente, devendo, em estrita consonância com a boa conduta adaptada pela Administração, ser a sentença mantida intacta na ordem jurídica.

Nestes termos e nos mais de Direito, requer-se a V. Exas. declarem a total improcedência do presente recurso, e, em consequência, mantenham a sentença válida na ordem jurídica, só assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA.”


***

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, promoveu a improcedência do recurso.

***

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

***

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“1. Entre 13 de Janeiro e 3 de Abril de 2007, V……….., LDA., foi sujeita a uma acção inspectiva ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI.2006.00…/../../.. – cfr. fls. 15 do processo administrativo.

2. Por acto do Director de Finanças Adjunto, de 16 de Maio de 2007, foi sancionado o Relatório de Inspecção Tributária relativo à acção referida em 1. – cfr. fls. 13 do processo administrativo.

3. Este Relatório, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tem, no que ora interessa, o seguinte teor:

“(…) II.3 Diligências efectuadas (…)

2.3.7. No âmbito das ordens de serviço identificadas no ponto II.1 do presente documento e no resultado das mais variadas diligências, apuraram-se os seguintes factos: (…)

2.3.7.4. Informação bancária

Pela informação bancária recolhida, nomeadamente extractos de conta corrente do Banco Totta e Açores conta DO …………. e cópias de cheques referentes a pagamentos a terceiros, em Anexo VIII, conclui-se que:

- Nos extractos bancários é identificado como titular da conta a empresa V………..;

- Nas cópias de cheques é identificado como titular da conta N………….;

- Têm poder para movimentar a conta o Sr. N……….., o Sr. R……….. e a Sra. P………..” – cfr. fls. 20 do processo administrativo.

4. Do Anexo VIII referido no ponto anterior, a fls. 62 e seguintes do processo administrativo, consta uma impressão efectuada a partir da plataforma electrónica do banco ……. (……… B@nco – https://www...........com), efectuada em 19 de Agosto de 2005, relativa a “Movimentos de Depósitos à Ordem” na conta DO ………. do cliente n.º ………. – V………, com os dizeres “P. ……….”.

5. Do mesmo anexo consta um documento assinado por S……….. em que esta declara ter recebido o original de um cheque ali fotocopiado, emitido à ordem de C………, no valor de € 1.363,40, sacado sobre a conta do Banco ………. n.º …………, ficando em dívida nessa data a quantia de € 109,77.

6. Do mesmo anexo constam fotocópias de outros três cheques, todos relativos à mesma conta …………, de N…………, assinados por N………., R………. e P………...


***

Consta na decisão recorrida como factualidade não provada a seguinte:

“A. No âmbito da acção inspectiva referida em 1. tenha havido uma decisão de levantamento de sigilo bancário.”


***

Em termos de motivação da matéria de facto consta o seguinte:

“Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.”


***

Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração. (1) .

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração por números efetuada em 1.ª instância:

5.Em 10 de abril de 2010, foi emitido o cheque nº …………, sacado sobre Banco ……….., relativamente à conta nº ……….., com aposição das assinaturas de N……… e R………, à ordem de C……….., no valor de €1.364,40 (cfr. anexo VIII, fls. 63 do PAT apenso);

6. Nos anos de 2005 e 2006 foram emitidos, designadamente, os cheques que infra se identificam sacados sobre a conta nº ……….. e com aposição de assinatura de Patrícia Nascimento:

Número de ChequeDataValor €À Ordem
……………….23.09.20053.205,30K………..
……………….27.06.20062.368,95C…………
(cfr. anexo VIII fls. 64 e 66 do PAT apenso);


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

7.Foram designados gerentes da sociedade com a denominação comercial “V………., LTD” N………. e R………. (facto que se extrai do teor do Relatório de Inspeção Tributária e não impugnado; facto expressamente confirmado no auto de declarações de P………. a fls. 18 do PAT apenso e não impugnado; facto que se extrai da documentação junta aos autos, nomeadamente, cheques identificados nos pontos 5 e 6);

8.A 24 de abril de 2004, S………. apôs em documento que contemplava cópia do cheque referido no ponto 5, a seguinte menção:” Recebi o original do cheque no dia 24/04/2004. Valor em dívida a esta data são €109,77” (cfr. anexo VIII, fls. 63 do PAT apenso);


***

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com o Acórdão prolatado em 26 de abril de 2017 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que indeferiu a reclamação apresentada e julgou procedente a exceção dilatória da falta de objeto, absolvendo o Réu da instância.

Importa, desde já, ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir, preliminarmente, se o Acórdão padece de nulidade por falta de fundamentação, improcedendo a mesma se a decisão incorre em erro de julgamento de facto e de direito. Competindo, assim, aquilatar se o Tribunal a quo valorou adequadamente a prova produzida nos autos, e por outro lado, se interpretou erradamente os pressupostos de direito, violando, nessa medida, o artigo 63.º B da LGT e bem assim o artigo 26.º da CRP.

Comecemos, então, pela arguida nulidade por falta de fundamentação.

A Recorrente alega que o artigo 653.º do CPC, estabelece o dever de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, impondo que o julgador especifique os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, sendo que no caso vertente o Tribunal a quo não justificou a sua posição mencionando, nomeadamente, porque considera que não existiu decisão de derrogação do sigilo bancário.

A Recorrida dissente referindo, para o efeito, que na sua análise crítica, que conduziu à decisão sobre a matéria de facto e de direito, o Tribunal a quo explicou, sustentado no processo administrativo junto aos autos, por que razão os documentos bancários anexos ao procedimento inspetivo levado a cabo pelos Serviços da Autoridade Tributária não tiveram origem em informações prestadas diretamente pelas entidades bancárias envolvidas.

Ademais, sustenta que a Recorrente nunca aludiu, nas suas alegações e conclusões de recurso, à total falta de fundamentação, mas antes à fundamentação insuficiente da decisão, sendo que só existirá nulidade da sentença por total ausência de fundamentação, o que não sucede no caso sub judice.

Vejamos, então, se a decisão padece da aludida nulidade.

De harmonia com o disposto na primeira parte da alínea b), do nº 1, do artigo 615.º do CPC: “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”.

De convocar, neste particular, o comando constitucional contemplado no artigo 205.º da CRP o qual prevê que: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Quanto à falta de fundamentação, a Doutrina (2) tem entendido que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito, o mesmo sucedendo com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores a qual aduz que “[P]ara que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário(3) ”.

No caso em apreço, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que vêm discriminados os fundamentos de facto. Com efeito, no item III estão elencados os factos provados deles constando, expressa e individualmente, o meio probatório que permitiu a fixação da aludida factualidade.

No concernente à factualidade não provada consta no Acórdão sub judice a enumeração de um facto não provado identificado como alínea A), com o seguinte teor: “No âmbito da acção inspectiva referida em 1. tenha havido uma decisão de levantamento de sigilo bancário.”

Constando, outrossim, uma menção individualizada relativamente à motivação da matéria de facto, ainda que sem qualquer epígrafe nesse sentido, onde resulta expressa menção que “os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade”.

Ora, em face do supra aludido entende-se que quanto à enumeração dos factos provados, não provados e à concreta motivação da decisão da matéria de facto, foram analisadas, criticamente as provas e especificados os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgado, permitindo a mesma dar a conhecer quais os suportes probatórios que justificam a prova dos factos considerados provados e não provados. No concernente à factualidade não provada, e conforme bem evidencia a Recorrida nas suas contra-alegações existe, de facto, uma explanação concreta para o Tribunal a quo ter inferido tal factualidade como não provada.

Com efeito, basta atentar no ponto III, onde é feita expressa evidência a um conjunto de documentação com correspondência direta com o acervo fático dos autos, existindo, in fine, a seguinte explicação quanto à factualidade não provada “Não há nenhum indício nos autos de que estes elementos tenham sido facultados pela entidade bancária; pelo contrário, resulta do RIT que estes elementos foram recolhidos pelos inspectores, na acção inspectiva, isto é, foram retirados dos elementos contabilísticos da Autora. Não havendo nos autos qualquer indício de que tenha havido levantamento do sigilo bancário”.

E por assim ser, o Acórdão não padece de falta de fundamentação, improcedendo, nessa medida, a arguida nulidade.

Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto.

A Recorrente aduz que o Tribunal a quo, erradamente, não deu como provado que a Autoridade Tributária não obedeceu ao procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT, nomeadamente ao dever de fundamentar a decisão e de ao conceder contribuinte a possibilidade de exercer o direito de audição, sendo que tal facto é relevante e devia constar do probatório como facto provado. Concluindo, assim, pela existência de erro na matéria de facto.

Apreciando.

Importa, desde já, relevar que o Tribunal a quo não está vinculado à fixação de toda a matéria de facto alegada pelas partes mas tão-só a que releva para o caso sub judice. Dito de outro modo, a fixação da matéria de facto deve ser norteada por todos os factos que se apresentem como potencialmente úteis para a decisão, mas a verdade é que o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr. artigos 596.º, nº.1 e 607.º, nºs.2 a 4, do CPC,) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigos 123.º, nº.2, do CPPT).

No caso vertente, e contrariamente ao evidenciado pela Recorrente não teria de constar no probatório que a Administração Tributária não obedeceu ao procedimento previsto no artigo 63.º-B da LGT, nomeadamente ao dever de fundamentar a decisão e de conceder ao contribuinte a possibilidade de exercer o direito de audição, desde logo, porque tal asserção tinha um conteúdo eminentemente conclusivo e com juízos de direito. Além, do mais, nem tão-pouco evidencia qual o concreto meio probatório que permitia assumir essa realidade fáctica como facto provado.

Acresce que atentando no teor do Acórdão em apreço verifica-se que o Tribunal a quo, entendeu que tal fixação seria absolutamente irrelevante para dirimir o litígio, não sendo conexo a uma solução plausível de direito. E isto porque do teor da decisão recorrida verifica-se que o Juiz do Tribunal a quo considerou que os elementos a que se fazem alusão no Relatório Inspetivo foram obtidos e recolhidos durante o procedimento de Inspeção Tributária, donde, sem recurso a qualquer procedimento específico de acesso a informações e a documentos bancários.

Ademais, o que teria de constar no probatório seria a evidência de factualidade que permitisse retirar qual a documentação carreada aos autos e respetivo suporte para se poder inferir o seu modo de obtenção. E a verdade é que tal factualidade, conforme dimana inequívoco do teor dos pontos 3 a 6 consta no acervo probatório em questão.

Acresce que, não se vislumbra qualquer erro no facto considerado como não provado, pois conforme bem evidenciou o Tribunal a quo, inexistem quaisquer elementos nos autos que permitam inferir o inverso, bem pelo contrário. De resto, nem a Recorrente os densifica e materializa em termos fáticos, como era seu ónus, não bastando meras presunções e suposições.

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil (artigo 640.º do CPC aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT, anterior artigo 685.º B do CPC) impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Tem, por isso, de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (4), o que, in casu, não foi cumprido.

De relevar, ainda neste particular, que a alusão da Recorrente no sentido de que a informação concernente à autorização para movimentar as contas não resultava de qualquer documento junto aos autos não configura qualquer erro de julgamento de facto, não se vislumbrando qualquer contradição com a matéria de facto dada como provada ou não provada, quando muito erro de julgamento de direito.

Ademais, da interpretação das suas alegações resulta que a Recorrente entende que da factualidade constante nos pontos 4 a 6 do probatório-que não impugna- não resulta qualquer informação quanto à legitimidade para movimentar as contas, razão pela qual entende que só se pode presumir que foi obtida por via de um pedido específico dirigido à Entidade Bancária.

Dir-se-á, portanto, que não impugna os aludidos pontos da factualidade, nem requer a sua substituição, apenas entende que desses elementos não se pode extrair a conclusão que o Meritíssimo Juiz a quo extrapolou.

Pelo que, não se afigura qualquer erro de julgamento da matéria de facto, não padecendo a mesma de qualquer deficit ou contradição. Quanto à demais factualidade assente, cumpre relevar que inexiste qualquer elemento documental nos autos que permita atestar o oposto da realidade fática constante do probatório-sendo certo que a factualidade que o Tribunal ad quem entendeu que carecia de ser, oficiosamente, reformulada já o foi- inexistindo, assim, qualquer erro de julgamento da matéria de facto que careça e possa ser objeto de alteração pelo Tribunal ad quem e de acordo com os seus poderes de cognição.

Questão diferente é se o Tribunal a quo extraiu as devidas ilações, entenda-se interpretou corretamente a factualidade dos autos, porém tal situação já radica em erro de julgamento de direito, o qual será apreciado em sede própria.

Aqui chegados, encontrando-se estabilizada a matéria de facto, importa, então, apurar se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito.

Para o efeito, importa aquilatar se o Tribunal a quo errou ao considerar que as informações e documentos bancários foram obtidos através do recurso à ação de inspeção Tributária, importando, nessa medida, ponderar se teria de recorrer ao expediente contemplado no artigo 63.º B da LGT atento os documentos em questão.

Apreciando.

A Recorrente entende que contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo atentando no teor da prova documental constante nos autos não resulta qualquer informação que permita extrair a conclusão de que obteve a informação por intermédio da ação de fiscalização, relevando na sua conclusão X que ter-se-á de concluir que a Administração Tributária acedeu a ela de outro modo, nomeadamente através de um pedido específico dirigido à entidade bancária para o efeito.

A Recorrida, por seu turno, aduz que a Recorrente não produz em sede de recurso a mínima prova de que a Recorrida tenha obtido informações bancárias, disponibilizadas pelas instituições de crédito de que a Recorrente era cliente, sendo que o ónus da prova lhe competia em exclusivo.

Mais sustenta que é débil a alegação da Recorrente, nunca apresentando um único vestígio, ainda que remoto, de um pedido de informações bancárias objetivo, elaborado pela Recorrida, endereçado à competente instituição de crédito.

Concluindo, desta feita, que não houve derrogação do sigilo bancário.

Importa, desde já, relevar que não se vislumbra qualquer erro de julgamento de direito por parte do Tribunal a quo, tendo o mesmo decidido com total acerto.

Senão vejamos. Para o efeito importa, desde já, atentar no discurso fundamentador da decisão recorrida.

O Juiz do Tribunal a quo entendeu que:

“Não há nenhum indício nos autos de que estes elementos tenham sido facultados pela entidade bancária; pelo contrário, resulta do RIT que estes elementos foram recolhidos pelos inspectores, na acção inspectiva, isto é, foram retirados dos elementos contabilísticos da Autora. Não havendo nos autos qualquer indício de que tenha havido levantamento do sigilo bancário.”

Mais evidenciando, para o efeito, que:

“[a] Autora não demonstra directamente a existência “ de um pedido específico dirigido à entidade bancária para o efeito” de acesso à sua informação bancária, designadamente com junção da sua cópia ou, tão pouco, com a mera indicação da sua data ou autor.

Antes presume a sua existência por inexistir nos autos um documento que demonstre quem são as pessoas autorizadas a movimentar as suas contas bancárias e a Administração as ter, ainda assim, identificado.

Mas não é assim, pois que não se verifica, sequer, a premissa de que parte.

Com efeito, foram recolhidos, durante a inspecção, na contabilidade da Reclamante, três cheques, todos relativos à conta ……… (do cliente n.º ………, a Reclamante), assinados por N………., R……….. e P……….. – cfr. pontos 4 a 6 do probatório.

Tendo sido a partir destas assinaturas, em cheque relativo a conta bancária da Reclamante, que a Inspecção concluiu que aquelas três pessoas “ Têm poder para movimentar a conta”.

Pelo que estando justificado o modo como a Administração operou na Inspecção, e à míngua de qualquer elemento probatório que suscite a mera possibilidade de ter sido contactada, directamente, a entidade bancária para fornecer os dados bancários identificados pela Reclamante, impõe-se concluir que a razão, aqui, não lhe assiste.”

E, de facto, a argumentação supra expendida não merece qualquer censura.

Atentemos, para o efeito, no recorte probatório dos autos.

Dimana do Relatório de Inspeção Tributária, enumerado no ponto 3 do probatório, que “Pela informação bancária recolhida, nomeadamente extractos de conta corrente do Banco ………. Conta DO …………. e cópias de cheques referentes a pagamentos a terceiros, conclui-se a seguinte factualidade:

“- Nos extractos bancários é identificado como titular da conta a empresa V………..;

- Nas cópias de cheques é identificado como titular da conta N………..;

- Têm poder para movimentar a conta o Sr. N……….., o Sr. R………. e a Sra. P………..”.

Mais constando dos pontos 4 a 8 do probatório que o Anexo VIII contempla os seguintes documentos:

Ø Impressão efetuada a partir da plataforma eletrónica do Banco …… efetuada em 19 de Agosto de 2005, relativa a “Movimentos de Depósitos à Ordem” na conta DO ……….. do cliente n.º ………. – V………., com os dizeres “P. ………..”;

Ø Em 10 de abril de 2010, foi emitido o cheque nº ………., sacado sobre Banco ………., com aposição das assinaturas de N………… e R…………, à ordem de C……….., no valor de €1.364,40;

Ø Documento assinado por S……….. em que esta declara ter recebido o original de um cheque ali fotocopiado, emitido à ordem de C……….., no valor de € 1.363,40, sacado sobre a conta do Banco ………… n.º …………., ficando em dívida nessa data a quantia de € 109,77;

Ø Nos anos de 2005 e 2006 foram emitidos, os cheques descritos em 6, sacados sobre a conta nº ………… e com aposição de assinatura de P……………;

Ø Foram designados gerentes da sociedade com a denominação comercial “V…………., LTD” N……….. e R…………..;

Ora, no sentido evidenciado pelo Tribunal a quo ter-se-á de extrair que a informação bancária a que se fez alusão foi obtida no decurso da ação de inspeção tributária.Contrariamente ao evidenciado pela Recorrente, mormente, na conclusão X não se pode inferir que a Administração Tributária acedeu à mesma “[a]través de um pedido específico dirigido à entidade bancária para o efeito”.

Neste particular, importa, desde logo, valorar a data constante na aludida impressão, concretamente, 19 de agosto de 2005, por confronto com a data de início e respetivo termo da ação de inspeção tributária, (entre 13 de janeiro e 3 de abril de 2007) constante no ponto 1 do probatório, para que a esteira de entendimento da Recorrente não logre provimento.

É certo que a Recorrente evidencia que da informação constante dos autos inexiste qualquer documento que permita extrair quem tinha poder para movimentar as contas, mas a verdade é que a asserção que a mesma retira no sentido de que a Administração Tributária obteve esses elementos por recurso a um pedido específico à Entidade Bancária não tem qualquer sustentação.

Note-se, ademais, que constando do cheque nº ……….. as assinaturas de N……….. e R………… e dos cheques nºs ……….. e ………… a assinatura de P…………. e tendo os mesmos sido designados gerentes da Recorrente é perfeitamente plausível que a Administração Tributária tenha inferido tal conclusão quanto à legitimidade para movimentar as contas, a qual, de resto, nunca foi contestada pela Recorrente.

Neste particular, convoque-se, desde logo, o seguinte excerto do Relatório Inspetivo: “Comprovou-se pela análise de diversa documentação, nomeadamente contratos de arrendamento, cheques assinados e comunicações electrónicas, reforçado com o declarado pelo s.p. P……….. NIF 202……….., conforme auto de declarações constante do anexo I/1, que são sócios-gerentes da empresa inglesa V………, Ltd os senhores N………… e o R………, sem NIF atribuído pelas autoridades portuguesas.”

Ora, em face do supra expendido não se vislumbra qualquer erro de julgamento tendo o Tribunal a quo de forma adequada e acertada concluído que as informações bancárias a que se fazem alusão no Relatório Inspetivo foram obtidos no seu decurso.

De resto, nos autos não consta qualquer evidência de que foram solicitados elementos às Entidades Bancárias, não alegando, tão-pouco, a Recorrente qualquer realidade que permita inferir tal conclusão, mormente, contactos estabelecidos com as aludidas entidades, não servindo, para o efeito, as presunções e prognoses por si alvitradas.

E por assim ser em nada releva a alegação da Recorrente no sentido de que a Administração Tributária desrespeitou o regime consignado no artigo 63.º B da LGT.

Aliás, atentando no teor das conclusões da Recorrente verifica-se que é a própria que qualifica tal exame como consequente, expressando que “[u]ma vez demonstrado que a Administração Tributária utilizou informação sujeita a sigilo fiscal sem respeito pelas regras legais estabelecidas para o efeito há que daí retirar todas as consequências legais”.

Dito de outro modo, não estando demonstrado que a Autoridade Tributária utilizou informação bancária e sigilosa por intermédio de quaisquer intercâmbios e pedidos de informações junto de Entidades Bancárias, dimanando, como visto, os elementos contemplados no Relatório de Inspeção Tributária dos seus poderes de fiscalização, aliás em conformidade com o preceituado no artigo 29.º do RCPIT, irrelevante se torna a análise de qualquer preterição do aludido normativo e inerente procedimento.

Na verdade, conforme evidenciado pelo Tribunal a quo “[a] Administração não iniciou tal procedimento, mas nada impunha que o fizesse, pois o objectivo de tal rito procedimental é permitir o acesso da Administração a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos, e, no caso dos autos, não resulta provado que qualquer informação ou documento bancário tenha sido solicitado a qualquer entidade bancária ou financeira titular do dever de sigilo.”

Acresce, outrossim, que tal asserção resulta da própria ponderação do objeto da presente ação. Como é bom de ver a Recorrente no preâmbulo da sua p.i. identifica a Ação como Impugnação de Ato Administrativo com vista à “declaração de nulidade da decisão de acesso a informações e documentos bancários do contribuinte (a Autora) para efeitos tributários-Doc nº1- e seus actos administrativos, tributários e/ou penais posteriores”.

Pelo que, se equacionarmos a questão enquanto silogismo verificamos que falha na sua base uma das premissas, redundado na irrelevância do exame se se encontravam preenchidos os requisitos que a Lei faz depender o acesso da Administração Tributária aos documentos bancários da Recorrente e bem assim se incumpriu os formalismos legais associados a essa conduta, visto a sua análise por não poder traduzir a cominação que a Recorrente lhe assaca.

Com efeito, o raciocínio expendido pela Recorrente tem na sua base uma premissa errónea, ou seja, de que os elementos foram obtidos por recurso a informações obtidas por via da Entidade Bancária, mediante derrogação do sigilo bancário, pelo que a análise de uma outra premissa, no caso, cumprimento do regime contemplado no artigo 63.º B da LGT, nunca poderia levar à conclusão que lograria obter, concretamente, a nulidade do ato.

Até porque, o procedimento contemplado no artigo 63.º B da LGT com a epígrafe “acesso a informações e documentos bancários” não regulamenta o acesso pela Administração Tributária a elementos na posse dos contribuintes e que integram a sua contabilidade e que a entidade fiscalizadora pode aceder mediante as prerrogativas contempladas no artigo 29.º do RCPIT.

O citado normativo 63.º B da LGT regula o procedimento referente às decisões da Administração Tributária de acesso a informações e documentos bancários, preceituando as situações em que tem o poder de aceder diretamente sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos e aquelas que dependem de autorização judicial para o efeito.

E por assim ser nenhum erro de julgamento pode ser assacado ao Acórdão recorrido.

Uma nota final quanto à alegação da violação do artigo 26.º da CRP.

Aduz a Recorrente, neste âmbito, que a situação económica do cidadão, espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações ativas e passivas nela registadas, faz parte do âmbito de proteção do direito à reserva da intimidade da vida privada, condensado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia deste direito, traduzindo a atuação da Administração Tributária uma devassa da vida privada com inerente violação do aludido normativo.

O Juiz do Tribunal a quo evidenciou neste particular que “[t]endo os dados sido obtidos no âmbito de uma acção inspectiva legalmente efectuada, não se vislumbra, também, qualquer violação do direito constitucional à reserva da vida privada, ao contrário do alegado” e de facto, mais uma vez, não merece qualquer censura a aludida valoração.

“O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (n° 1, in fine, e n° 2) analisa-se principalmente em dois direitos menores: (a) o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem (cfr. Ccivil, art. 80°) (5).

Em face de tudo o que vem sendo dito não se vislumbra de que forma a atuação da Administração Tributária pode consubstanciar violação da reserva da vida privada ou qualquer outra forma de discriminação. De todo o modo, conforme doutrinado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/2005, (Processo n.º 514/2005) o sigilo bancário não é um direito absoluto, podendo sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente realização da justiça (6).

Aqui chegados, não resultando provado de que tenha havido uma decisão de levantamento do sigilo bancário, e resultando, como visto, que os elementos foram recolhidos pelos inspetores, no âmbito da ação inspetiva, isto é, foram retirados dos elementos contabilísticos da Autora, dúvidas não subsistem que inexiste objeto, donde, ato impugnado, pelo que a decisão recorrida que assim o decidiu, com a consequente absolvição da instância do Réu deve ser integralmente confirmada.


***

IV- Decisão

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


LISBOA, 11 de JULHO de 2019

(PATRÍCIA MANUEL PIRES)




(CRISTINA FLORA)




(TÂNIA MEIRELES DA CUNHA)


________________________________________________________________________

(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286
(2) Neste sentido Alberto dos Reis-Código de Processo Civil Anotado: Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.

(3) Vide, designadamente, Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 09420/16, de 29 de junho de 2016.

(4) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.

(5) Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, págs 467-468.

(6) Vide, igualmente, Acórdão n.º 278/95, publicado na 2.ª série do Diário da República, de 28 de julho de 1995..