Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05665/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:05/21/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. PROVA TESTEMUNHAL.
NORMAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CARÁCTER SUBSTANTIVO.
DEFINIÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL.
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA CONSAGRADO NO ARTº.24, DA L.G.T.
CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ÓNUS DA PROVA DO EFECTIVO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO COMPETE À A. FISCAL.
PROVA DA GERÊNCIA DE FACTO NÃO SE BASTA COM A PRÁTICA DE UM ACTO ISOLADO.
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
5. Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
6. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).
7. As contribuições para a segurança social podem definir-se, actualmente, como prestações pecuniárias de carácter obrigatório e definitivo, afectas ao financiamento de uma ampla categoria de despesas do sistema previdencial de segurança social e de outras (designadamente das políticas activas de emprego e de formação profissional), pagas a favor de uma entidade de natureza pública e tendo em vista a realização de um fim público de protecção social. O montante das contribuições (da entidade empregadora em relação aos trabalhadores por conta de outrem) e quotizações (dos trabalhadores por conta de outrem) é determinado de acordo com a incidência da taxa contributiva na remuneração auferida pelo trabalhador, pertencendo a responsabilidade do seu pagamento à entidade empregadora, enquanto substituto tributário.
8. O prazo de pagamento voluntário das contribuições, ou quotizações, para a segurança social terminava no dia quinze do mês seguinte àquele a que diziam respeito (cfr.artº.18, do dec.lei 140-D/86, de 14/6; artº.10, nº.2, do dec.lei 199/99, de 8/6). Actualmente, esse prazo decorre entre o dia dez e o dia vinte do mês seguinte àquele a que dizem respeito (cfr.artº.43, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16/9, e que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/2011).
9. Às contribuições/quotizações para a segurança social, as quais se devem considerar verdadeiros impostos, aplica-se o princípio da responsabilidade subsidiária consagrado no artº.24, da Lei Geral Tributária (cfr.anteriormente o artº.13, do C.P.Tributário).
10. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.
11. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
12. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.
13. Ao abrigo do regime examinado é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
14. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de actos isolados, mas antes pela existência de uma actividade continuada. De um acto isolado praticado pelo oponente, em que terá agido em representação da executada originária num momento temporal concreto, sendo que tal acto de representação da sociedade nada tem a ver com o objecto social da empresa, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o revertido exerceu, de facto, a gerência da sociedade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X

O "INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, IP" deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Almada, exarada a fls.276 a 283 do presente processo que julgou procedente a oposição intentada por António...................., visando a execução fiscal nº…………………… e apensos, a qual corre seus termos na Secção de Processo Executivo de Setúbal da entidade recorrente, contra aquele revertida e instaurada para a cobrança de dívidas de contribuições para a segurança social referentes a Setembro de 2003, Setembro de 2004, Agosto a Dezembro de 2005, 2006 e Janeiro a Maio de 2007, no montante global de € 397.778,45.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.310 a 320 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls. dos presentes autos, nos termos do qual o Tribunal a quo determinou a oposição judicial por provada considerando parte ilegítima o recorrido;
2-O recorrente considera que douta sentença incorre em erro de julgamento quanto à matéria de facto, ao dar como provado que o oponente ora recorrido não exerceu a gerência efetiva na devedora originária nos períodos que constam dos títulos executivos que servem de base à presente execução;
3-O douto Tribunal a quo formou a sua convicção na prova testemunhal em prol da documental;
4-No caso sub júdice foram nomeados gerentes à data da constituição da sociedade ………………………… Lda., o recorrido, Carlos ………………… e Manuel ………………….;
5-A devedora originária vinculava-se com a assinatura de dois dos seus gerentes ou com a assinatura de um ou mais mandatários da sociedade;
6-O recorrido alega que, em 17 de Dezembro de 1979, outorgou um instrumento publico a favor de Manuel ………………… e Carlos…………………… nos quais delegou todos os seus poderes de gerente da sociedade e que, em 16 Março de 1983 outorgou nova procuração a favor de Manuel ……………………..;
7-Em 21 de Abril de 1982, foram designados gerentes da devedora originária, Carlos…………………….., Manuel…………………….., o recorrido e Fernando………………………., vinculando - se a sociedade com a intervenção de qualquer dos gerentes Carlos…………………….., António…………….. e Fernando………………………… ou por um ou mais mandatários da sociedade;
8-Por respeito ao princípio da pessoalidade, a gerência não é transmissível por ato entre vivos, a não ser para a prática de determinados atos ou categorias de atos, nos termos do art.252 n.° 4 e 5 do Código das Sociedades Comerciais;
9-O Sr. Manuel ………………………….. vem afirmar que nunca exerceu a gerência da devedora originária aliás fundamento arguido em sede oposição judicial;
10-O Sr. Fernando…………………………, também deduziu oposição judicial;
11-O Sr. Carlos…………………………. é o único gerente que não contesta o exercício desse cargo na sociedade durante o período do incumprimento contributivo;
12-A sociedade, à data do incumprimento contributivo vinculava-se com duas assinaturas;
13-A douta sentença enferma de erro de julgamento ao considerar que o recorrido deixou de praticar atos de gerência a partir de Março de 2002;
14-Em 29 de Dezembro de 2005, o recorrido celebrou uma escritura publica de compra e venda que consubstancia a prática de um ato de gerência efetiva, não isolado como parece crer o douto Tribunal a quo, mas sim no exercício e investido dos poderes de representação da devedora originária;
15-As partes que outorgaram a escritura de compra e venda do imóvel, propriedade da devedora originária fizeram-no com legitimidade e com poderes para o ato;
16-O douto Tribunal a quo desvalorizou a prova documental produzida pelo exequente, ora recorrente que lhe legitimava o direito à reversão da execução fiscal contra o recorrido;
17-Constituem atos de gerência os que são praticados em representação da sociedade e que a vinculam, e que só os gerentes ou as pessoas em que as pessoas deleguem poderes para tanto o podem praticar;
18-A alienação de uma imóvel pertença da sociedade traduziu-se num ato de disposição e administração;
19-É unânime considerar que são os gerentes de facto quem exterioriza a vontade das sociedades nos seus negócios jurídicos, são eles quem manifesta a capacidade de exercício de direitos da sociedade, praticando atos que produzem efeitos na esfera jurídica desta e não na sua própria;
20-São os gerentes de facto que vinculam a sociedade, em atos escritos apondo a sua assinatura com a indicação dessa qualidade nos termos do art.260 n.°4 do Código das Sociedades Comerciais (CSC);
21-A lei não exige, que os gerentes para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade exerçam uma administração de forma continuada, apenas exige que eles pratiquem atos vinculativos da sociedade exercitando dessa forma a gerência de facto;
22-No caso sub júdice, existe a designação de três gerentes, ora não bastava ao recorrido vir alegar a sua ausência das instalações da sociedade, porque interveio em vários momentos da sua gestão;
23-Não atendeu o douto tribunal a quo à prova testemunhal quando pelo Sr. Rogério ……………………….. afirmou que o recorrido "...ia às reuniões dos sócios." e que nessas reuniões foi dito que existia divida à segurança social;
24-No depoimento do Sr. Fernando………………………., foi mencionado que "quem estava a representar a ………….. era o Sr. Fernando……………... e o Sr. Alves .............. Esta situação foi discutida em a assembleia e foi decido que eles representariam a sociedade ……………., o Sr. ………. e o Sr. …………….. sabiam que estavam a vender um bem da …………………..";
25-Não valorou o douto Tribunal estes depoimentos que indiciam claramente, e porque se estava perante uma empresa familiar, que o recorrido acompanhava e participava nos destinos que eram dados à sociedade;
26-O Tribunal a quo considerou o depoimento da testemunha Luís……………… convincente. Dirá o recorrente que o mesmo veio aclarar toda a matéria que se dirimia deixando de forma inequívoca que o recorrido encontrava-se de saúde, houve sim zangas familiares, que levaram ao seu afastamento das instalações da sociedade;
27-E, que ele tinha conhecimento das dividas à Segurança Social, e isso sim levou a que a sua saúde piorasse;
28-Não pode o douto Tribunal a quo deixar de tomar em convicção que os gerentes de facto e de direito tem acesso a toda a realidade económica e fiscal em que a sociedade se encontra inserida e caso não lhe seja facultada essa informação, tem mecanismos legais aos seu dispor;
29-No caso em apreço foi sem dúvida um desinteresse manifestado pelo recorrido na condução dos destinos da sociedade após zangas familiares;
30-Da análise efetuada à prova testemunhal produzida em sede audiência resulta um evidente articulado de factos direcionados para a desculpabilização do recorrido pela sua ausência por doença e como tal não revela gestão de facto;
31-Mas é evidente que o Tribunal a quo não formou a sua convicção em todas as provas produzidas e não encetou diligências a fim de as dúvidas que poderiam ter ficado por solucionar fossem esclarecidas;
32-Existiu omissão de pronúncia por parte do douto Tribunal e consequente considerou tal facto irrelevante para efeitos de formação da sua convicção para decidir, a renuncia à gerência por parte do recorrido apenas em 29 de Junho de 2007;
33-Decorre dos depoimentos das testemunhas Rogério……………………. e Manuel………………………………. que em assembleias da empresa foi comunicada a existência de dívida à Segurança Social;
34- Ora, estando presente o recorrido, não deixou o mesmo de ter conhecimento do contexto em que se encontrava inserida a situação económica e financeira da executada, nomeadamente a existência de dívidas;
35-E, não nos afastando do depoimento da testemunha Luís………………….. que afirma "Ele só ficou pior quando soube da penhora das Finanças em 2007. Ele só soube da divida em 2007.";
36- Foi este o momento em que o recorrido considerou que tinha que renunciar à gerência e como tal redigiu a carta que se encontra a instruir os autos;
37- Para quem não efetiva quaisquer poderes de gestão e administração desde 2002 até 2007, só nesta altura lançar mão da renúncia é deveras estranho;
38-O art.258 nº.1 do CSC, consagra que a renuncia só se torna efetiva oito dias depois da sua comunicação, sendo que esta é obrigatoriamente sujeita a registo nos termos do art.3.° n.°1 alínea m) do Código de Registo Comercial;
39-De harmonia com o disposto nos artigos 166 do CSC art.3 n.°1 alínea m), 14 n.°2, 15 e 70 do Código de Registo Comercial estão sujeitos a registo e publicação obrigatórios, além do mais a cessação de funções de gerência por renúncia, facto esse que só produz efeitos contra terceiros depois da data da publicação do registo;
40- Perante tal enquadramento legal não deve o recorrido ser considerado parte ilegítima na execução fiscal uma vez que a data da renúncia só pode ser oponível após o seu registo?
41-A interpretar de forma diferente seria colocar em questão a celebração do contrato de compra e venda do imóvel da ………………., Lda uma vez que o recorrido praticou um ato negocial em nome da sociedade quando de facto já não o era;
42-O recorrido é parte legítima na execução fiscal, tendo o exequente ora recorrente bem andado quando o chamou à execução e provou que o mesmo era gerente de facto e de direito da devedora originária;
43-No âmbito do Principio do Inquisitório, nunca equacionou o douto Tribunal a quo a possibilidade, através dos poderes que se encontra investido de solicitar as atas das Assembleias ou demais documentação que lograsse alcançar a verdade material;
44-O recorrente não dispõe de poderes, que não sejam os que resultam da instrução dos processos executivos e que sejam de domínio público, para efetuar prova que permita descobrir a verdade material;
45-Da instrução dos autos de execução resulta claramente que a gestão e administração desta sociedade foi realizada de uma forma quase oculta uma vez que só existe um gerente a assumir essa categoria, os restantes deduziram oposição judicial, sendo que a executada originária necessitava de se vincular com assinatura de dois intervenientes;
46-Existiu nitidamente um desinteresse por parte do recorrido nos destinos da sociedade, não usou da diligencia de um bónus pater familiae, não tendo este também ilidido tal presunção que sobre ele recaía;
47-Mais, verificou-se uma violação clara do princípio da proteção de credores ao venderem património da sociedade a gerentes da mesma;
48-Não provou o recorrido, porque não tinha como, que não foi por sua culpa que o património se dissipou;
49-Nestes termos, e nos que mais V.Exas doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e consequentemente, ser revogada a douta sentença recorrida.
X

Na sequência do falecimento do oponente, correu termos por apenso aos presentes autos o incidente de habilitação de herdeiros, no qual e por sentença de 28/10/2010, Maria………………………., Maria …………………………., Bruno…………………………. e Ricardo ………………………….. foram declarados habilitados no lugar do oponente.

X
Os herdeiros do opoente e ora recorridos produziram contra-alegações (cfr.fls.321 a 331 dos autos), nas quais pugnam pela manutenção do julgado, formulando as seguintes Conclusões:
1-Os períodos das dívidas de contribuições para a Segurança Social são referentes a Setembro de 2003, Setembro de 2004, Agosto a Dezembro de 2005, 2006 e Janeiro a Maio de 2007;
2-Assentam as alegações da recorrente em que a douta sentença incorre em erro de julgamento quanto à matéria de facto, (ao dar como provado que o oponente não exerceu a gerência efectiva na devedora originária a partir de Março de 2002), que o Tribunal formou a sua convicção na prova testemunhal em prol da prova documental, pois em 29.12.2005 o oponente celebrou uma escritura pública de compra e venda que consubstancia a prática de um acto de gerência efectiva, não isolado;
3-Assentam ainda, as alegações da recorrente que, o oponente interveio em vários momentos da gestão da devedora originária, (que não invoca sequer quais), que o oponente participou em reuniões de sócios, e que só em 2007 teve conhecimento da existência da dívida;
4-Decorre com evidência dos factos dados como provados, que a convicção do douto Tribunal a quo, se fundamentou tanto na prova testemunhal, como na prova documental produzida nos autos, pois, em cada alínea do probatório a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo faz referência aos diferentes e vários documentos juntos aos autos;
5-A recorrente pretende com o presente recurso que, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo se alheie de toda a prova documental e testemunhal produzida, e dê relevância a um só documento que juntou, a escritura pública de compra e venda de 29.12.2005 e sobre o qual se pronunciou na douta sentença:
"Trata-se, no entanto, de facto que o tribunal não considera suficientemente relevante para, de per si, afirmar a existência da gerência de facto. Na verdade, não se trata de facto integrante da gestão diária, corrente e regular de uma empresa. Pelo contrário, é acto que, na actividade da sociedade em causa, que se dedicava ao comércio de automóveis, tem carácter isolado e que, por esse motivo, não pode ter qualquer virtualidade para caracterizar uma actividade cuja natureza tem de resultar de uma dinâmica diferente, na natureza e no tempo.";
6-A sociedade tinha como objecto o comércio de veículos automóveis, actividade à qual se dedicava exclusivamente tendo em consideração que era concessionária dos veículos automóveis da marca Ford, pelo que, a compra e venda do imóvel, consubstanciou um acto estranho ao objecto social e foi, como ficou provado, um acto isolado;
7-A recorrente alegou, que o oponente interveio em vários momentos da gestão da devedora originária, mas não invocou a intervenção do oponente em qualquer acto da gestão da devedora originária após o mês de Março de 2002;
8-O oponente, participou nas reuniões de sócios, as assembleias gerais, por ser sócio da devedora originária, qualidade esta que não se confunde com a de gerente de uma sociedade;
9-São os sócios (e não os gerentes) que constituem e deliberam nas assembleias gerais das sociedades por quotas;
10-Foi numa das assembleias gerais, conforme ficou provado e a recorrente alega no seu recurso, que o oponente, como sócio, tomou conhecimento da existência da dívida à Segurança Social;
11-Saliente-se que, a própria recorrente reforça à evidência o entendimento da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, constante da douta sentença, quando alega e conclui que o oponente só teve conhecimento da dívida em 2007, pois se o oponente fosse gerente efectivo da devedora originária, teria necessariamente conhecimento da dívida desde Setembro de 2003 e não somente em 2007;
12-A saúde do oponente, (conforme ficou provado pela declaração médica junta a fls. 98 e não impugnada pela recorrente), desde o início de 2002, consubstanciou um factor incapacitante de uma gerência efectiva, pois manifestou um quadro de encefalopatia arteriosclerótica, traduzida por perdas de equilíbrio, com queda e lacunas de memória com agravamento;
13-O oponente apresentou prova testemunhal relevante, nomeadamente a prestada por três testemunhas que exerceram, durante dezenas de anos, funções muito importantes no desenvolvimento normal e diário da actividade da sociedade, e de que da sua gestão teriam necessariamente conhecimento (O Sr. Dr. …………….., o Sr. ……………….. e o Sr…………………) e por uma testemunha que com frequência contactava o oponente, quanto ao tratamento fiscal e declarativo dos seus rendimentos (o Sr. ………………..), as quais confirmaram que o oponente, desde Março de 2002, deixou de exercer a gerência efectiva, e de facto, da sociedade ……………., Lda.;
14-Não logrou a recorrente fazer prova nos autos do exercício pelo oponente das funções de gerência, como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária, e isto somente, porque ela não existiu;
15-Dos autos resultam provados os factos que demonstram o não exercício das funções de gerência por parte do ora oponente, no período a que respeitam as dívidas contributivas reclamadas na presente execução, sendo o mesmo parte ilegítima na execução;
16-Resultou provado que na data da celebração da escritura de compra e venda, em 29.12.2005, já com problemas graves de saúde a nível físico e mental, e com "alheamento grande", o oponente não tinha conhecimento da existência de quaisquer dívidas da ……………., Lda. e concretamente, das dívidas à Segurança Social, das quais só teve conhecimento em 2007;
17-Deve manter-se a douta decisão de que oponente é parte ilegítima na presente execução por não ter exercido de facto, as funções de gerência na sociedade ……………., Lda., a partir de Março de 2002;
18-Face ao exposto, nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., requer-se que seja negado provimento ao presente recurso, assim se fazendo a costumada e necessária JUSTIÇA.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.343 e 344 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.346 e 347 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.277 a 280 dos autos - numeração nossa):
1-Em 17/12/1979 foi constituída a sociedade "…………………………., Lda." (cfr.documento junto a fls.41 a 55 dos presentes autos);
2-A sociedade "…………………….., Lda.", dedicava-se ao exercício da indústria e comércio de veículos automóveis (cfr.documento junto a fls.41 a 55 dos presentes autos);
3-Na data da constituição da sociedade foram nomeados gerentes Carlos …………………, Manuel ………………….. e António ………………. (cfr. documento junto a fls.41 a 55 dos presentes autos);
4-A sociedade obrigava-se validamente com as assinaturas de dois de quaisquer dos gerentes Carlos………………………….., Manuel…………………………… e António……………….. ou com a assinatura de um ou mais mandatários da sociedade (cfr. documento junto a fls.41 a 55 dos presentes autos);
5-Em 17/12/1979, data da celebração da escritura de constituição da sociedade, o oponente outorgou um instrumento público, pelo qual declarou que: "(...] com reserva para ele outorgante de iguais poderes, ao abrigo do disposto no artigo décimo primeiro do pacto social da sociedade (...) delega todos os seus poderes de gerente da mesma sociedade, a favor de seus consócios: - a) Manuel …………………….. (...); e, b) - Carlos ……………………………., (...) podendo, assim, qualquer dos procuradores ora constituídos intervir como mandatário dele outorgante e em nome próprio, nos actos de gerência daquela sociedade, de conformidade com o disposto no pacto social" (cfr. documentos juntos a fls.75 a 80 dos presentes autos);
6-O artigo 11 do pacto social mencionado no número anterior, tinha a seguinte redacção: "Qualquer dos gerentes poderá delegar todos ou parte dos seus poderes noutro gerente ou em terceiros, mediante procurações bastantes" (cfr.documento junto a fls.41 a 55 dos presentes autos);
7-Em 21/04/1982 a sociedade foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Setúbal e na qual consta como gerentes: Carlos………………………, Manuel……………………, António………………….. e Fernando …………………………., obrigando-se a sociedade com a intervenção necessária de dois de qualquer dos gerentes: Carlos………………………., António………………….. e Fernando……………… ou por um ou mais mandatários da sociedade (cfr.certidão do registo comercial junta a fls.61 a 67 dos presentes autos);
8-Nos meses de Janeiro de 2000 a Março de 2002 o oponente auferiu uma remuneração mensal na "…………………………, Lda.", a título de técnico avaliador, emitindo mensalmente os respectivos recibos (cfr.documentos juntos a fls.82 a 94 dos presentes autos);
9-As remunerações referidas no número anterior, correspondentes aos anos de 2000 a 2002, foram reflectidas nas respectivas declarações de rendimentos (cfr.documentos juntos a fls.176 a 184 dos presentes autos);
10-No dia 3/07/2001 faleceu a filha do oponente, Ana …………………………………., com 46 anos de idade (cfr.documento junto a fls.95 dos presentes autos);
11-No início de 2002 o oponente manifestou um quadro de encefalopatia arteriosclerótica, traduzida por perdas de equilíbrio, com queda e lacunas de memória com agravamento (cfr.declaração médica junta a fls.98 dos presentes autos);
12-A partir de Março de 2002 o oponente deixou de ir às instalações da "…………………………, Lda." (cfr.depoimento da testemunha Luís ………………., conjugado com o documento junto a fls.94 dos presentes autos);
13-O oponente deixou de ir às instalações da "………………………., Lda.", depois de se ter zangado com o cunhado Carlos………………………….. e demonstrado a intenção de abandonar a gerência daquela sociedade (cfr. depoimento da testemunha Luís…………….);
14-O oponente teve conhecimento da situação de dívidas face à Segurança Social através das informações prestadas em Assembleia Geral da " ………………. , Lda." (cfr.depoimento da testemunha Rogério………………..);
15-Em 29/12/2005 o oponente outorgou, na qualidade de sócio e gerente da " …………………………….., Lda.", a escritura de compra e venda de um prédio urbano propriedade daquela sociedade (cfr. documento junto a fls.211 a 215 dos presentes autos);
16-O oponente subscreveu uma carta, com data de 29 de Junho de 2007, dirigida à "……………………………., Lda." com o seguinte teor: "Como é do vosso conhecimento, desde 2001 que não exerço quaisquer funções nessa sociedade nem por ela ou nela pratico quaisquer actos, só agora me tendo apercebido de que continuo a figurar como gerente da mesma. Tal situação é profundamente desagradável, dado que, desde a referida data, não tive qualquer intervenção, directa ou indirecta, na gestão da ……………... Venho por isso formalizar, por escrito, a minha renúncia às funções de gerente da ……………., LDA., agradecendo que V. Exas. promovam o imediato registo desta renúncia" (cfr.documento junto a fls.81 dos presentes autos);
17-A renúncia foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Setúbal, em 19/07/2007 (cfr.certidão do registo comercial junta a fls.61 a 67 dos presentes autos);
18-Em data não identificada nos autos nem no processo apenso foi instaurado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., contra a sociedade "……………, Lda.", o processo de execução fiscal nº…………………. e apensos, para a cobrança coerciva das dívidas relativas a contribuições para a Segurança Social dos anos de 2003 (Setembro), 2004 (Março e Setembro), 2005 (Junho e Agosto a Dezembro), 2006 e 2007 (Janeiro a Setembro), no montante global de € 424.178,43 (cfr.documentos juntos a fls.1 a 4 do processo de execução fiscal apenso);
19-O oponente foi citado, por reversão, relativamente às dívidas respeitantes a Setembro de 2003, Setembro de 2004, Agosto a Dezembro de 2005, 2006 e Janeiro a Maio de 2007, no montante global de € 397.778,45 (cfr.documentos juntos a fls.71 a 76 do processo de execução fiscal apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal quanto aos factos provados alicerçou-se nos documentos juntos aos autos e acima expressamente referidos em cada alínea do probatório, atenta a fé que merecem e ao facto de não terem sido impugnados pelas partes, bem como do depoimento das testemunhas melhor identificadas na acta de inquirição de fls. 216/220.
Tal como Abrantes Geraldes refere in Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, Coimbra, pag.243: " Quer relativamente aos factos provados quer quanto aos factos não provados, deve o tribunal justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento, garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 655° do CPC), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos particulares (...)".
Quanto aos factos resultantes da prova testemunhal, o tribunal considerou que o depoimento da testemunha Luís…………………., mostrou-se fluido, sem respostas condicionadas pelo modo como as questões lhe foram formuladas, depoimento que o tribunal julgou convincente ao descrever pormenores que tornaram mais sustentado o seu depoimento.
Tratou-se de um depoimento de quem tinha um contacto regular com o oponente e que, no tocante ao aparente estado de saúde deste, contradiz o depoimento da testemunha Vasco………………., a qual, o tribunal considerou pouco convincente, procurou criar a ideia da existência de alguma incapacidade do oponente. Pelo contrário, a testemunha Luís…………… descreve o oponente como homem lúcido, não fazendo notar qualquer diferença comportamental até 2007. Não estão em causa, obviamente, as consequências resultantes da morte de uma filha, que o senso comum reconhece como dramáticas, e às quais os testemunhos nada de singular acrescentaram.
A testemunha Rogério……………… afirmou que o oponente não aparecia para praticar actos de gerência. Tendo em conta a qualidade profissional em que actuou, seria de exigir a concretização de factos dos quais pudesse retirar tal conclusão, o que não foi feito…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte matéria de facto que se reputa igualmente relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
20-A reversão do opoente António……………….., identificada no nº.19 supra, baseou-se no artº.24, da L.G.T. (cfr. documentos juntos a fls.71 a 74 do processo de execução fiscal apenso).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, em virtude da prova da ilegitimidade do opoente, em consequência do que determinou a extinção da execução contra o mesmo revertida.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente alega, em primeiro lugar e em síntese, que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento quanto à matéria de facto, ao dar como provado que o oponente ora recorrido não exerceu a gerência efectiva na devedora originária nos períodos que constam dos títulos executivos que servem de base à presente execução. Que no depoimento do Sr. Fernando ……………………., foi mencionado que "quem estava a representar a ……………… era o Sr. Fernando…………… e o Sr. ……………... Esta situação foi discutida em a assembleia e foi decido que eles representariam a sociedade …………………., o Sr. ………… e o Sr. ………….. sabiam que estavam a vender um bem da ……………...". Que não valorou o Tribunal "a quo" estes depoimentos que indiciam claramente, e porque se estava perante uma empresa familiar, que o recorrido acompanhava e participava nos destinos que eram dados à sociedade. Que o Tribunal "a quo" não formou a sua convicção em todas as provas produzidas e não encetou diligências a fim de as dúvidas que poderiam ter ficado por solucionar fossem esclarecidas. Que o Tribunal "a quo" considerou irrelevante a renuncia à gerência por parte do recorrido apenas em 29 de Junho de 2007 para efeitos de formação da sua convicção para decidir. Que o Tribunal "a quo" tinha a possibilidade, através dos poderes que se encontra investido, de solicitar as actas das Assembleias ou demais documentação para que lograsse alcançar a verdade material (cfr.conclusões 2, 24, 25, 31, 32 e 43 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, segundo percebemos, consubstanciar erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
Por outro lado, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, recorde-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7689/14).
Revertendo ao caso dos autos, no que se refere ao exame da produção de prova testemunhal, o Tribunal "a quo" alicerçou devidamente a decisão tomada, conforme se encontra exposto supra, na fundamentação da decisão da matéria de facto, mais concordando este Tribunal com a decisão tomada.
No que diz respeito à prova documental, recorde-se que faz parte do probatório a participação do opoente revertido, enquanto representante da sociedade executada originária, na escritura de venda de imóvel (cfr.nº.15 da factualidade provada).
Quanto ao pedido de junção das actas das assembleias da sociedade executada originária, não vislumbra este Tribunal qualquer relevo de tal produção de prova documental, desde logo, porque nas assembleias participam os sócios e não os gerentes das sociedades.
Por último, sempre se deverá vincar que a decisão do Tribunal "a quo" quanto à ilegitimidade do opoente se baseou no exame de toda a prova produzida, sendo de relevar todos os indícios de falta de exercício efectivo da gerência da sociedade executada originária, começando pela passagem de procuração para o exercício de tais poderes logo em 17/12/1979, data de constituição da sociedade (cfr.nº.5 do probatório), continuando pela remuneração mensal, a título de técnico avaliador, que auferiu da mesma empresa (cfr.nº.8 do probatório), o qual se não coaduna com o efectivo exercício de funções de gerência, segundo as regras da experiência.
Em conclusão, não vislumbra este Tribunal qualquer erro de julgamento da matéria de facto cometido pela decisão recorrida, assim se negando provimento ao presente esteio do recurso.
Aduz, por último e em sinopse, o apelante que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao considerar que o recorrido deixou de praticar atos de gerência a partir de Março de 2002. Que em 29 de Dezembro de 2005, o recorrido celebrou uma escritura publica de compra e venda que consubstancia a prática de um acto de gerência efectiva, não isolado como parece crer o douto Tribunal "a quo", mas sim no exercício e investido dos poderes de representação da devedora originária. Que a data da renúncia só pode ser oponível após o seu registo. Que o oponente não ilidiu a presunção que sobre o mesmo impendia, nos termos do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T. Que o recorrido é parte legítima na execução fiscal (cfr.conclusões 4 a 22 e 36 a 42 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Antes de mais, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).
As contribuições para a segurança social podem definir-se, actualmente, como prestações pecuniárias de carácter obrigatório e definitivo, afectas ao financiamento de uma ampla categoria de despesas do sistema previdencial de segurança social e de outras (designadamente das políticas activas de emprego e de formação profissional), pagas a favor de uma entidade de natureza pública e tendo em vista a realização de um fim público de protecção social (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5760/12; Nazaré da Costa Cabral, Contribuições para a Segurança Social, Natureza, Aspectos de Regime e de Técnica e Perspectivas de Evolução num Contexto de Incerteza, Cadernos do IDEFF, nº.12, 2010, pág.81 e seg.).
Mais se dirá que o prazo de pagamento voluntário das contribuições, ou quotizações, para a segurança social terminava no dia quinze do mês seguinte àquele a que diziam respeito (cfr.artº.18, do dec.lei 140-D/86, de 14/6; artº.10, nº.2, do dec.lei 199/99, de 8/6). Actualmente, esse prazo decorre entre o dia dez e o dia vinte do mês seguinte àquele a que dizem respeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2013, proc.4416/10; artº.43, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16/9, e que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/2011).
Às contribuições/quotizações para a segurança social, as quais se devem considerar verdadeiros impostos (cfr.Nazaré da Costa Cabral, ob.cit., pág.83; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/2/2011, proc.4395/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5760/12), aplica-se o princípio da responsabilidade subsidiária consagrado no artº.24, da Lei Geral Tributária (cfr.anteriormente o artº.13, do C.P.Tributário).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração o período temporal (anos de 2003 a 2007) a que respeitam as dívidas que constituem o débito exequendo revertido - cfr.nºs.19 e 20 do probatório (cfr.por todos ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C.P.C.Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C.P.Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C.P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L.G.Tributária, o qual é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L.G.Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b), do artº.24, da L.G.Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
No caso dos autos, a sentença recorrida concluiu pela procedência da oposição, em consequência de a Segurança Social, ora recorrente, não ter efectuado a prova da gerência de facto do opoente António ……………….. relativamente à sociedade executada originária.
O recorrente, pelo contrário, entende que se verifica a prova da gerência de facto, desde logo, consubstanciada na participação na escritura datada de 29/12/2005.
Examinando a matéria de facto provada (cfr.nº.15 do probatório), somente se encontra a prova de um acto isolado de exercício de poderes de gerência face à sociedade executada originária e por parte do oponente António…………………. que se exprime pela outorga, na qualidade de sócio e gerente da sociedade executada originária, de escritura de compra e venda de um prédio (acto de representação de acordo com a classificação de actos de gerência supra descrita).
Apesar da demonstração probatória deste acto, a decisão recorrida conclui pela falta de prova do efectivo exercício da gerência por parte do mesmo opoente, tudo porque tal exercício não se basta com a prática de um acto isolado.
Teremos de concordar com a decisão do Tribunal "a quo".
É que, para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de actos isolados, mas antes pela existência de uma actividade continuada. De um acto isolado praticado pelo oponente, em que terá agido em representação da executada originária num momento temporal concreto, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da sociedade (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 6/11/2012, proc.5666/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.6191/12; ac.T.C.A.Norte-2ª.Secção, 2/2/2012, proc. 00273/09.3BEPNF).
Voltando ao caso concreto, deve decidir-se, com o Tribunal "a quo", que a prova da prática de um concreto acto de gerência (o constante do nº.15 do probatório) por parte do opoente António…………………, não pode servir para demonstrar o exercício efectivo da gerência da sociedade executada originária durante os anos de 2003 a 2007, aqueles a que se reportam as dívidas exequendas revertidas, desde logo, porque o concreto acto de representação da sociedade, em escritura de compra e venda de imóvel, nada tem a ver com o objecto social da mesma sociedade, o exercício da indústria e comércio de veículos automóveis (cfr.nº.2 do probatório).
Nestes termos, conclui-se que, no caso concreto, a Segurança Social não estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente António……………….., ao abrigo do artº.24, nº.1, da L.G.T., devido a falta de prova da gerência de facto do mesmo quanto à empresa executada originária "………………., Lda." e no âmbito do processo de execução fiscal nº…………………. e apensos, assim se devendo confirmar a decisão recorrida, também neste segmento.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 21 de Maio de 2015



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)