Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05618/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/11/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
CONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO EM PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IMPOSTO MUNICIPAL DE SISA COMO TRIBUTO DE OBRIGAÇÃO ÚNICA.
REGIMES DE SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO.
APLICAÇÃO DE DIFERENTES REGIMES DE PRESCRIÇÃO NO QUE RESPEITA ÀS CAUSAS DE SUSPENSÃO OU INTERRUPÇÃO. ARTº.297, Nº.1, DO C.CIVIL. ARTº.12, Nº.2, DO C.CIVIL.
ARTº.49, Nº.3, DA L.G.T., NA REDACÇÃO DA LEI 53-A/2006, DE 29/12.
SUJEITO PASSIVO DA RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA DE SISA. MATÉRIA COLECTÁVEL DO IMPOSTO DE SISA.
ARTº.2, § 2, DO C.I.M.S.I.S.S.D. TRADIÇÃO FICCIONADA OU PRESUMIDA DE IMÓVEL.
AJUSTE DE REVENDA. CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL.
MATÉRIA COLECTÁVEL CORRESPONDE AO VALOR DO PRÉDIO OU AO PREÇO CONVENCIONADO.
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr.artº.655, nº.1, do C.P.Civil). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário).
5. No que diz respeito ao processo de impugnação judicial, vem entendendo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, à qual se adere, que a prescrição da obrigação tributária pode ser do conhecimento do Tribunal no âmbito da identificada espécie processual, embora para retirar do eventual provimento da mesma excepção não a procedência da impugnação e consequente anulação da liquidação objecto do processo (vertente dos requisitos de validade do acto), mas antes a declaração de extinção da instância devido a inutilidade superveniente da lide, dado que estamos perante acto tributário ineficaz, porque inexigível. Verificando-se a prescrição, a lide impugnatória não tem qualquer utilidade.
6. De acordo com os ensinamentos da doutrina e jurisprudência, o Imposto Municipal de Sisa deve considerar-se um tributo de obrigação única, dado que dá origem somente a uma obrigação tributária que não se renova. O período de imposto é, precisamente, o critério temporal pelo qual a lei fragmenta no tempo um facto duradouro, via de regra correspondente ao período anual. O período de imposto surge, assim, como elemento essencial do facto tributário, de tal modo que nos factos duradouros periódicos a cada período (anual) corresponde uma obrigação nova e autónoma, tudo por contraposição aos impostos de obrigação única que têm por base facto tributário instantâneo.
7. Como se retira do preceituado nos artºs.318 a 320, do C.Civil, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo. Os factos suspensivos são de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, como se infere dos citados artºs. 318, 319 e 320, do C.Civil. Nas leis tributárias prevêem-se factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas as regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária (cfr.v.g.artº.49, nº.4, da L.G.Tributária). Concluindo, para além da especificidade dos factos a que é atribuído efeito suspensivo, o regime da suspensão da prescrição da obrigação tributária não tem especialidades no domínio do direito tributário, pelo que, face a qualquer facto com natureza suspensiva, enquanto este surtir efeitos, a prescrição não começa nem corre.
8. Por sua vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de toda o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr.artº.326, nº.1, do C.Civil). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr.artº.327, nº.1, do C.Civil).
9. A aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais, em resultado da previsão normativa do artº.297, nº.1, do C.Civil, não impõe a aplicação de um ou outro regime em bloco, pois só se refere tal normativo à lei que altere o prazo e não aos termos em que se conta, nem a tudo o que releva para o seu curso. O texto do artigo e a respectiva epígrafe revelam que se tem em vista apenas as leis que alteram prazos e não as que alteram os efeitos das causas interruptivas ou suspensivas da prescrição. Por isso, as leis que alteram causas de suspensão ou interrupção não sendo leis sobre “alteração de prazos”, não estão abrangidas na previsão do referido artº.297, do C.Civil. Estas leis seguem a regra de aplicação no tempo do artº.12, nº.2, do mesmo diploma. Nos termos do disposto no artº.12, nº.2, do C.Civil, a lei aplicável aos factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição será, portanto, a vigente no momento em que os mesmos ocorreram.
10. Com a revogação operada pela Lei 53-A/2006, de 29/12, do artº.49, nº.2, da L.G.T., a qual se aplica a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo (cfr.artº.91, da Lei 53-A/2006, de 29/12), não pode ter cessado o efeito duradouro do respectivo acto interruptivo, o qual se manterá, assim, até ao trânsito em julgado da decisão final do processo de impugnação.
11. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de sisa era o transmissário, ou seja, aquele que recebia os bens imóveis transmitidos (no caso de venda é o comprador) e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) era constituída pelo valor do imóvel, correspondendo o conceito fiscal de transmissão ao do direito privado, isto é, só é transmissão a perda relativa e a aquisição derivada de direitos, exceptuando os casos em que a lei fiscal dispuser o contrário (artºs.7 e 19, do C.I.M.S.I.S.D.).
12. De acordo com o artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., o legislador basta-se com uma tradição ficcionada ou presumida do imóvel em causa, verificados que estejam os pressupostos em que a mesma assenta, a saber: o ajuste pelo promitente-comprador da revenda do imóvel a terceiro; a posterior realização da escritura de venda entre este terceiro e o primitivo promitente-vendedor.
13. O “ajuste de revenda” é um contrato inominado, ou seja, não se acha expressamente previsto e regulado na lei que não o consagra, nem lhe dá denominação, não tem “nomen júris”. Dentro daquilo que se pode chamar “ajuste de revenda” poderão ser encontradas diversas figuras contratuais, como o contrato de agência, o contrato de concessão, o contrato de mediação ou a cessão da posição contratual, sendo esta última definida, nos termos do artº.424, nº.1, do Código Civil, como a possibilidade que as partes, num contrato com prestações recíprocas, têm de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente consinta na transmissão.
14. A teleologia da tributação destes factos tributários (artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D.), igualmente levando em consideração o estatuído no artº.19, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., determinam que o valor a ter em conta seja o preço convencionado. E compreende-se a opção do legislador, já que o que se pretende tributar é a revenda ou agenciação de bens alheios feita ao promitente-comprador, pelo que a matéria colectável corresponderá ao valor do prédio ou ao preço convencionado, caso aquele seja menor, mais não fazendo sentido a interpretação de que deva consubstanciar-se nos montantes já pagos a título de sinal, a qual não encontra qualquer correspondência na letra da lei e também não vimos que a encontre no seu espírito.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A...(E OUTRA), com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.137 a 152 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação pelo recorrente intentada, visando acto de liquidação de Sisa e juros compensatórios, no montante total de € 31.004,42.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.166 a 200 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Segundo jurisprudência do S.T.A. o Tribunal tem poder para conhecer da prescrição (assumida como a capacidade de se opor à cobrança coactiva de um direito de crédito tributário - artº.304, do C.Civil) a todo o tempo. O artº.48, da L.G.T., por remissão do artº.180, do CIMSISD, define que as dívidas fiscais resultantes de imposto de SISA "...prescrevem...no prazo de oito anos contados,....nos impostos de obrigação única a partir da data em que o facto tributário ocorreu”;
2-Para efeitos de contabilização do prazo, este começa assim que se dá o facto tributário complexo, o que no caso de este resultar de uma presunção da tradição imposta pelo §2, do artº.2, do CIMSISD, corresponde ao momento da constituição da escritura de venda;
3-A escritura de venda da posterior cessão de que agora se recorre foi celebrada entre o Dr. B... e a “C..., Ldª.” com a data de registo de 27/03/2002;
4-Sendo o prazo prescritivo de 8 anos, o efeito da prescrição deverá ter iniciado a 27/03/2010. Passaram portanto dois anos desde a data estabelecida na lei;
5-Discorda-se, salvo o devido respeito, da interpretação da matéria de facto. Elementos houve, de extrema importância para a motivação das partes mas que foram desconsiderados pela Exª. Juíza do Tribunal do qual agora se recorre. Entre eles contam-se: o juízo de valor relativo à testemunha, o testemunho do Dr. B..., o recibo de SISA pago pelo Sr. A...relativo ao ano de 2002;
6-Não se compreende o raciocínio por detrás da desconfiança atribuída ao Sr. B.... O facto de este ter por sua vez cedido a sua posição, não é justificação suficiente e daí que se estranhe também a desconsideração por completo nos autos da importância do testemunho do Sr. B...;
7-Este desde logo permite descobrir que a relação entre os Recorrentes e o Sr. B... é meramente circunstancial. Ela é o resultado da actividade de uma promotora imobiliária que em face das respetivas declarações (Sr. A...pretende a desvinculação do contrato prometido e o Sr. B... pretende conseguir uma fração melhor não disponível no momento em que assinou a promessa), procede à preparação da cessão;
8-Assim conseguimos perceber o carácter subsidiário e instrumental da cessão. O que os recorrentes pretendiam com o contrato de cessão era a desvinculação do contrato promessa e não a cessão em si mesma;
9-Isto é comprovado com o valor pago com a cedência da posição: o valor pedido na cessão equivaleu aos valores pagos pelo Sr. A...à “C..., Ld.ª” por efeito do contrato promessa, não tendo obtido para si nenhum lucro;
10-Permita-me igualmente discordar da desconsideração do recibo de pagamento de Imposto Municipal SISA com o nº. de código 236/2002 e com a data de 29/09/2002 efectuado pelo Sr. A...relativo à transmissão da fração CX, 2º andar, letra A, do nº 7, sito na rua .... Este permite avaliar das reais intenções do agora recorrente e caracterizá-lo como cumpridor das obrigações fiscais;
11-Se os agora recorrentes pagaram a SISA relativa ao imposto que haviam adquirido posteriormente, então estes com a cessão, não queriam uma qualquer venda encoberta, mas apenas uma desvinculação contratual, sem contudo perderem o que havia sido pago;
12-Assim, a juíza do Tribunal recorrido, deveria ter dado como provado: que a promoção do contrato de cessão foi efectuada por um terceiro e não pelo cedente ou cessionário e que a relação existente entre as partes ao momento da propositura da cessão era meramente circunstancial; Que a cessão se dá por desinteresse do Sr. A...no contrato prometido, e surge como mecanismo para obviar à desvinculação pura e simples do contrato prometido e à perda do que havia sido prestado. Que o bem em causa (a fração com o artigo matricial urbano nr. 3391-DS da freguesia ...), ainda não se encontrava concluído à altura da cessão; Que o Sr. A...e Esposa, nada lucraram com a cessão; Que o Sr. A...procedeu ao pagamento de SiSA relativa ao imóvel que adquiriu após a cessão, como o comprova o recibo de pagamento de Imposto Municipal SISA com o nº de código 236/2002 e com a data de 29/09/2002;
13-A interpretação, da juíza da decisão recorrida, da matéria de direito é algo que, muito respeitosamente, também não podemos acompanhar;
14-Um contrato promessa é um contrato em que as partes se obrigam a contratar. Mas se estas não contratam imediatamente é porque não podem (por ex. por inexistência do objecto à altura) ou não querem contratar. O contrato promessa assume-se como um contrato que prepara o contrato definitivo e assegura posições que à altura ainda não se encontram plenamente garantidas. Este contrato no entanto, não tem por predefinição efeitos translativos. Reforçamos: para as partes nasce uma posição obrigacional de facto;
15-Sendo um tipo contratual especialmente sujeito a alterações de vontade das partes, é natural que a possibilidade de desistência seja uma das suas características. A esta faculdade das partes a desistir opõe-se (quando o haja) a existência de um sinal. Nos contratos promessa tudo o que for prestado é considerado sinal por efeito do artº.441, do C.Civil;
16-O Sr. A...se tivesse simplesmente desistido do contrato prometido, perderia tudo o que havia pago por força da promessa constituída com a empresa “C... Ldª.”. No entanto ao ceder a sua posição ao Sr. B... Gonçalves pelo valor do que já havia pago (o sinal), consegue assim desvincular-se sem perder o valor já despendido;
17-Foi precisamente a cessão agora em causa quando confrontada com o artº.2, do CIMSISD que serviu de base à ação inspetiva realizada em 2003 e à consequente notificação para a liquidação de imposto municipal de SISA;
18-Artigo caracterizado pela sua incidência real, uma vez que pressupõe como facto da tributação as transmissões imobiliárias onerosas;
19-O parágrafo §1, do art.2 estende a incidência real a situações onde apesar de não haver a transferência de um direito de propriedade, existe contudo uma transmissão de facto da coisa. Assim a Administração fiscal consegue tributar situações que à primeira vista não seriam aptas a ser tributadas;
20-O nº.2 deste artigo refere-se em específico ao contrato promessa tributando de SISA sempre que este seja acompanhado da tradição ou usufruto da coisa;
21-O parágrafo §2, do artº2, leva esta extensão ainda mais longe ao taxar situações onde nem sequer se verifica uma tradição económica do bem. Existe assim uma ficção da transmissão que é justificada por razões de combate à evasão fiscal (basta pensar numa atividade especulativa que ficaria por taxar). Razões explanadas no acórdão do TCA Sul 00698/05 de 22/11/2005;
22-Para que esta norma possa ser convocada e a tradição da coisa ficcionada é necessário no entanto a verificação de dois requisitos: a existência de um ajuste de revenda entre o cessante e cessionário e a posterior verificação de uma escritura pública entre o promitente vendedor originário e o cessionário;
23-Não se pense contudo que esta norma é de aplicação automática, não admitindo prova em contrário após a verificação destes requisitos. Não. Esta é, por força do artº.72, da LGT uma presunção ilidível (artº.350, nº.2, do C.Civil) admitindo prova em contrário. Logo não podendo a presunção da transmissão basear-se por sua vez noutra presunção (de ajuste de revenda), conclui-se que a presunção da tradição só poderá basear-se em prova efectiva ainda que obtida por meios indirectos (artº.351, do C.Civil). Logo o ajuste terá de ser sempre de demonstrado;
24-No entanto admite-se a existência uma presunção de ajuste revenda mas configurada com um conteúdo simples ou natural (sujeita às regras da prova testemunhal) onde bastará, para fazer cessar os efeitos da prescrição, colocar dúvidas que abalem a convicção da sua existência. Não é necessário por isso fazer prova contrária;
25-O acórdão do S.T.A. 0924/09 de 21/04/2010: "...Isto sem embargo de ele (o impugnante afetado pela ficção) poder demonstrar, logo no procedimento tributário ou posteriormente, no meio impugnatório dirigido contra o ato de liquidação, que não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu qualquer ajuste de revenda, esclarecendo as razões que o levaram à cessão da posição contratual, afastando, por essa via, a existência da presunção de tradição jurídica e de transmissão para efeitos de liquidação do imposto de sisa.";
26-Compreende-se assim que a existência de uma cláusula de cessão contratual no contrato promessa, apesar de se configurar como uma presunção de ajuste, é no entanto uma presunção natural, não sendo necessário constituir prova em contrário e bastando para isso lançar uma dúvida razoável sobre a mesma para que esta caia. Foi precisamente isto que se fez através da apresentação de várias provas documentais presentes nos autos;
27-Foi este entendimento que o legislador veio agora consagrar no C.I.M.T., ao permitir ao cedente opor-se à tributação do I.M.T., declarando no prazo de 30 dias que a quantia paga pela cessão correspondeu ao valor pago como sinal ou princípio de pagamento. (artº.4, al.g), do C.I.M.T.);
28-Mesmo que não se ataque a presunção de ajuste, esta ainda assim, não é aplicável. Segundo acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul 05959/01, de 01/06/2004, a Administração tributária enquanto detentora do crédito fiscal e sujeita ao princípio da legalidade, terá que os provar (artº.342, nº.1, do C.Civil). Sendo o ónus repartido a falta de prova aproveita ao impugnante (artº.100, do C.P.P.T.);
29-Procedeu mal o Tribunal “a quo” recorrido, ao aplicar uma presunção “iuris tantum” onde só existiria uma presunção natural impondo o correspondente ónus da prova contra os recorrentes e baseando a aplicação de um acto tributário a actos que não se deram como verificados;
30-Nestes termos, requer-se provimento ao presente recurso:
(A) Extinguindo o processo, por inutilidade superveniente da instância;
(B) Revogando-se a decisão recorrida e em sua substituição ser proferida outra que julgue o pedido de impugnação do acto e o pedido reconvencional procedente.
Fazendo desta forma V. Exª., mais uma vez, JUSTIÇA!
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.228 a 233 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.236 e 237 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.139 a 142 dos autos):
1-Por ofício de 2/08/2006, do 10º. Serviço de Finanças de Lisboa, foram os ora impugnantes notificados da liquidação adicional de SISA, do ano de 2002, no valor de € 28.680,88 (a que acrescem € 2.323,54 de juros compensatórios), respeitante à “cedência da posição contratual que V. Exa. detinha junto à empresa C... - Soc. Imb., SA, cedida por escritura em 1/02/2002, e relativo ao imóvel posterior inscrito sob o artigo matricial urbano nr. 3391-DS da freguesia ... (cfr.documento junto a fls.38 dos presentes autos);
2-A referida liquidação de SISA resultou de acção inspectiva levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, no termo da qual foi elaborado o relatório constante de fls.71 a 75 do processo administrativo apenso;
3-Sob a epígrafe DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL/IMPOSTO, pode ler-se no relatório inspectivo o seguinte:

“(…)
O SP celebrou com a empresa C... - Sociedade Imobiliária SA, contrato promessa de compra e venda, cujo objecto era a compra e venda de fracção autónoma na urbanização "...", localizada na Rua ..., 351, Lisboa.
No entanto viria a ceder a sua posição a B... Vicente Serrão, conforme contrato de cessão de posição contratual celebrado em 01-02-2002.
Assim, e por força do § 2° do art° 2° do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, aprovado pelo Dec. Lei (...), deveria ter solicitado o pagamento da Sisa devida, no Serviço de Finanças referido no artigo 46° e no prazo referido no art.° 115°, n°4, todos do mesmo código, o que não fez em devido tempo, nem até à presente data.

Exercícios Valor Sujeito a Sisa Taxa Parcela a Abater Imposto
1999
2000
2001
2002 € 286.808,79 0,1 € 28.680,88
(…)”
4-Em 11/5/99, foi celebrado, entre a “C..., Sociedade Imobiliária, SA” e os ora impugnantes, um contrato promessa de compra e venda, através do qual a C... prometeu vender, e os impugnantes prometeram comprar, a fracção autónoma que viesse a corresponder à habitação tipo T3, letra B, sita no 14° piso, do edifício III, (...), da qual farão parte dois lugares de estacionamento e uma arrecadação, pelo preço de 57.500.000$00, fracção esta que será parte de um projecto de edificação de um empreendimento imobiliário para habitação, terciário e estacionamento, a construir no imóvel correspondente a duas parcelas de terreno para a construção, propriedade da C... (cfr.documento junto a fls.6 a 9 verso dos presentes autos);
5-No contrato melhor identificado no número anterior, ficou estipulado na cláusula sétima: “o promitente-comprador poderá ceder a sua posição contratual neste contrato (...).” (cfr.documento junto a fls.6 a 9 verso dos presentes autos);
6-Em 1/02/2002, os ora impugnantes, e a “C... - Sociedade Imobiliária, SA”, celebraram um contrato de cessão da posição contratual, através do qual os ora impugnantes cederam a B... Vicente Serrão a sua posição contratual no contrato promessa, melhor identificado no ponto 4 supra, tendo a C... prestado o seu consentimento à cessão da posição acordada (cfr.documento junto a fls.79 a 81 do processo administrativo apenso);
7-Em 27/03/2002, foi celebrada, entre a C... e B... Vicente Serrão, escritura pública de compra e venda da fracção autónoma designada pela letra DS, correspondente ao 14° piso, letra B, pertencente ao prédio urbano descrito na 8a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n° 3084, sito na Rua .../ Av. ...(Edifício III, ...), em Lisboa, fracção esta correspondente ao objecto do contrato promessa melhor identificado em 4 supra (cfr.documento junto a fls.52 a 54 verso dos presentes autos);
8-De acordo com os registos constantes da base de dados da Administração Fiscal (AF), à referida fracção autónoma, inscrita na matriz em 2001, correspondia um valor patrimonial inicial de € 129.456,00, o qual foi alterado, em 2004, para € 138.673,27 (cfr.documentos juntos a fls.100 e 101 do processo administrativo apenso).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem outros factos não provados com interesse para a decisão da causa…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos constantes dos autos e do PAT, não impugnados, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório. O depoimento da testemunha não se mostrou relevante em face da matéria controvertida nos presentes autos, e de qualquer modo, o testemunho não foi credível em virtude da testemunha, sendo o cessionário no contrato sobre o qual versa o presente caso, ter assumido a posição contratual de cedente, noutro contrato de cessão de posição contratual, em relação a outra fracção do mesmo empreendimento, conforme afirmou no depoimento…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso este Tribunal julga provada a seguinte matéria de facto que se reputa igualmente relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
9-A p.i. que originou o presente processo deu entrada no 10º. Serviço de Finanças de Lisboa no pretérito dia 26/10/2006 (cfr.data de entrada aposta a fls.1 dos presentes autos).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente improcedente a impugnação que originou o presente processo, em virtude do insucesso dos fundamentos da mesma.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o recorrente, em primeiro lugar e em síntese, que houve elementos de extrema importância para a motivação das partes mas que foram desconsiderados pela Exª. Juíza do Tribunal do qual agora se recorre. Que entre eles se contam o juízo de valor relativo à testemunha, o testemunho do Dr. B..., tal como o recibo de sisa pago pelo Sr. A...relativo ao ano de 2002. Que o Tribunal recorrido, deveria ter dado como provado: que a promoção do contrato de cessão foi efectuada por um terceiro e não pelo cedente ou cessionário e que a relação existente entre as partes ao momento da propositura da cessão era meramente circunstancial; Que a cessão se dá por desinteresse do Sr. A...no contrato prometido, e surge como mecanismo para obviar à desvinculação pura e simples do contrato prometido e à perda do que havia sido prestado. Que o bem em causa (a fração com o artigo matricial urbano nr. 3391-DS da freguesia ...), ainda não se encontrava concluído à altura da cessão; Que o Sr. A...e Esposa, nada lucraram com a cessão; Que o Sr. A...procedeu ao pagamento de SiSA relativa ao imóvel que adquiriu após a cessão, como o comprova o recibo de pagamento de Imposto Municipal SISA com o nº de código 236/2002 e com a data de 29/09/2002 (cfr.conclusões 5 a 12 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, segundo percebemos, a eventual existência de erro de julgamento da matéria de facto da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.655, do C.P.Civil; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2012, proc.6011/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul, 27/11/2012, proc.6011/12; ac.T.C.A.Sul, 20/12/2012, proc.4855/11).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios que deveriam fundamentar o alegado erro de julgamento da matéria de facto cometido pelo Tribunal “a quo”.
Por outro lado, também se deve mencionar que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul, 16/4/2013, proc.6280/12; ac. T.C.A.Sul, 7/5/2013, proc.6418/13).
Apesar de tudo o aludido supra, entremos pela análise concreta da factualidade chamada à colação pelo recorrente.
Quanto ao juízo de valor emitido pelo Tribunal “a quo” relativo ao testemunho do Dr. B... (na fundamentação da decisão da matéria de facto supra mencionada) não constitui o mesmo factualidade passível de prova e, muito menos, com relevo para a decisão da causa.
Já no que se refere ao recibo de sisa pago pelo Sr. Fernando Gonçalves, relativo ao ano de 2002 e incidente sobre outro imóvel que adquiriu após a cessão, consubstancia o mesmo factualidade igualmente sem qualquer relevo para a decisão da causa.
Por último, o mesmo se dirá relativamente aos elementos subjectivos de cariz psicológico atinentes à pessoa do recorrente, nomeadamente o seu alegado desinteresse pelo contrato prometido, factualidade de natureza conclusiva e sem qualquer relevo para a decisão da causa, levando em consideração a norma de incidência constante do artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D.
Concluindo, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de facto, assim sendo forçoso julgar improcedente este fundamento do recurso.
Mais alega o recorrente que o Tribunal tem poder para conhecer da prescrição. Que a escritura de venda da posterior cessão de que agora se recorre foi celebrada com a data de registo de 27/03/2002. Que sendo o prazo prescritivo de 8 anos, o efeito da prescrição deverá ser declarado em 27/03/2010 (cfr.conclusões 1 a 4 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Desde logo, se dirá que tal excepção não foi alegada pelas partes em 1ª. Instância, somente surgindo como fundamento do recurso deduzido para este Tribunal.
No que diz respeito ao processo de impugnação judicial, vem entendendo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, à qual se adere, que a prescrição da obrigação tributária pode ser do conhecimento do Tribunal no âmbito da identificada espécie processual, embora para retirar da eventual procedência da mesma excepção não a procedência da impugnação e consequente anulação da liquidação objecto do processo (vertente dos requisitos de validade do acto), mas antes a declaração de extinção da instância devido a inutilidade superveniente da lide, dado que estamos perante acto tributário ineficaz, porque inexigível. Verificando-se a prescrição, a lide impugnatória não tem qualquer utilidade. Por outras palavras, a questão não radica na inclusão da prescrição da obrigação tributária no universo de análise da ilegalidade da liquidação mas, em termos processuais, da utilidade da lide impugnatória que, assim, não pode ter qualquer reflexo na relação substancial respectiva, pelo que a sua continuação seria inútil (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/2/2005, proc.939/04; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/6/2007, proc.291/07; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/1/2008, proc.451/07; ac.T.C.A.Sul, 28/5/2013, proc.6114/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.279 e seg.).
O prazo de prescrição das obrigações tributárias em geral é actualmente de oito anos (cfr.artº.48, da L.G.Tributária), sendo anteriormente de dez anos (cfr.artº.34, do C.P.Tributário), e antes de vinte anos nos termos do artº.27, do C.P.C.Impostos. Embora mais favorável ao contribuinte, o prazo actual não é de aplicação retroactiva, devendo, em tal situação, lançar-se mão dos princípios consagrados no artº.297, do C. Civil, no que diz respeito ao cômputo do mesmo. Nestes termos, o prazo de dez anos consagrado no artº.34, do C. P. Tributário, ou o prazo de oito anos consagrado no artº.48, da Lei Geral Tributária, somente se contam a partir da entrada em vigor dos respectivos diplomas (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/4/93, Acórdãos Doutrinais, nº.385, pág.461; ac.T.T.2ª.Instância, 29/10/91, C.T.F.365, pág.243 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.98; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2010, pág.94 e seg.).
O termo inicial do prazo de prescrição conta-se em função da ocorrência do facto tributário (sendo computado a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos, ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, se o regime aplicável for o previsto na L.G.T.- cfr.artº.48, nº.1, da L.G.Tributária).
“In casu”, o facto tributário objecto do presente processo é relativo a Imposto Municipal de Sisa e data de 1/02/2002 (cfr.nº.1 da matéria de facto provada).
De acordo com os ensinamentos da doutrina e jurisprudência, o Imposto Municipal de Sisa deve considerar-se um tributo de obrigação única, dado que dá origem somente a uma obrigação tributária que não se renova. O período de imposto é, precisamente, o critério temporal pelo qual a lei fragmenta no tempo um facto duradouro, via de regra correspondente ao período anual. O período de imposto surge, assim, como elemento essencial do facto tributário, de tal modo que nos factos duradouros periódicos a cada período (anual) corresponde uma obrigação nova e autónoma, tudo por contraposição aos impostos de obrigação única que têm por base facto tributário instantâneo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/10/2011, rec.354/11; ac.T.C.A.Sul, 8/8/2012, proc.5857/12; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, Rei dos Livros, volume I, 1996, pág.130 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2010, pág.45 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, no exame de direito transitório incidente sobre o regime de prescrição aplicável deve concluir-se pelo constante da L.G.T., atenta a data do facto tributário objecto do presente processo (1/02/2002), regime esse aplicável ao imposto de sisa a partir do dia 13 de Novembro de 1999, data da entrada em vigor do dec.lei 472/99, de 8/11, diploma que alterou o artº.180, do C.I.M.S.I.S.S.D., nesse sentido (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/6/2011, rec.117/11).
Analisemos agora os factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição.
Como se retira do preceituado nos artºs.318 a 320, do C.Civil, a suspensão da prescrição tem como efeito que esta não comece a correr ou não corra, depois de iniciado o prazo, enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo. Os factos suspensivos são de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem, como se infere dos citados artºs. 318, 319 e 320, do C.Civil. Nas leis tributárias prevêem-se factos especiais a que é atribuído efeito suspensivo, pelo que serão essas as regras a aplicar em matéria de prescrição da obrigação tributária (cfr.v.g.artº.49, nº.4, da L.G.Tributária, na redacção resultante da Lei 53-A/2006, de 29/12 - O.E. de 2007). Concluindo, para além da especificidade dos factos a que é atribuído efeito suspensivo, o regime da suspensão da prescrição da obrigação tributária não tem especialidades no domínio do direito tributário, pelo que, face a qualquer facto com natureza suspensiva, enquanto este surtir efeitos, a prescrição não começa nem corre.
Por sua vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr.artº.326, nº.1, do C.Civil). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr.artº.327, nº.1, do C.Civil). Resultam, assim, destes artºs.326 e 327, do C. Civil, dois conceitos de interrupção da prescrição: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição). Nas leis tributárias prevêem-se factos a que é atribuído efeito interruptivo da obrigação tributária, pelo que não há que fazer apelo às normas do C.Civil, no que concerne a determinar os factos interruptivos. Porém, os efeitos da interrupção da prescrição não estão completamente regulados, assim devendo aplicar-se, quanto a estes, subsidiariamente o regime do Código Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.52 e seg.).
Mais se dirá, que a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais, em resultado da previsão normativa do artº.297, nº.1, do C.Civil, não impõe a aplicação de um ou outro regime em bloco, pois só se refere tal normativo à lei que altere o prazo e não aos termos em que se conta, nem a tudo o que releva para o seu curso. O texto do artigo e a respectiva epígrafe revelam que se tem em vista apenas as leis que alteram prazos e não as que alteram os efeitos das causas interruptivas ou suspensivas da prescrição. Por isso, as leis que alteram causas de suspensão ou interrupção não sendo leis sobre “alteração de prazos”, não estão abrangidas na previsão do referido artº.297, do C.Civil. Estas leis seguem a regra de aplicação no tempo do artº.12, nº.2, do mesmo diploma (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/2/2011, rec.807/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.92).
Nos termos do artº.49, nº.1, da L.G.T., a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição, a que acresce a citação como facto interruptivo por força da redacção dada à referida norma pela Lei 100/99, de 26/7, cuja vigência se iniciou em 1/8/1999.
“In casu”, atenta a factualidade provada (cfr.nº.9 do probatório), tendo sido deduzida impugnação judicial contra o acto de liquidação de sisa em 26/10/2006, ocorreu nessa data um acto interruptivo do prazo de prescrição à luz das normas contidas no citado artº.49, da L.G.T., na redacção então vigente, interrupção que, por definição e expressa consagração do artº.326, do C. Civil, significa que todo o tempo decorrido até ao acto interruptivo é inutilizado para efeitos de prescrição, iniciando-se uma nova contagem do prazo, conforme mencionado supra.
Enquanto vigorou o nº.2, do artº.49, da L.G.T. (até 31/12/2006, dada a sua eliminação pela Lei 53-A/2006, de 29/12), este acto interruptivo não espoletava o imediato início de contagem de um novo e integral prazo de prescrição (como aconteceria caso fosse aplicável a regra contida no nº.1, do artº.326, do C. Civil, para as obrigações em geral), já que, segundo essa norma, o efeito interruptivo se prolongava no tempo, só cessando se sobreviesse uma paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao devedor, havendo então que somar ao tempo que viesse a decorrer após o ano de paragem todo aquele que decorrera até à data da autuação do processo. Era a chamada degradação em suspensivo do efeito interruptivo da dedução de impugnação judicial.
Com a revogação operada pela Lei 53-A/2006, de 29/12 (do citado artº.49, nº.2, da L.G.T.), a qual se aplica a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo (cfr.artº.91, da Lei 53-A/2006, de 29/12; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. edição, 2012, pág.405 e seg.), não pode ter cessado o efeito duradouro do respectivo acto interruptivo, o qual se manterá, assim, até ao trânsito em julgado da decisão final do presente processo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/4/2013, rec.431/13).
Em conclusão, dúvidas não podem restar de que até ao presente a dívida de Imposto Municipal de Sisa objecto deste processo não se mostra prescrita, assim improcedendo este fundamento do recurso.
Alega o recorrente, por último e em síntese, que o parágrafo §2, do artº2, do C.I.M.S.I.S.S.D., visa taxar situações onde nem sequer se verifica uma tradição económica do bem. Que para esta norma poder ser convocada e a tradição da coisa ficcionada é necessário, no entanto, a verificação de dois requisitos: a existência de um ajuste de revenda entre o cessante e o cessionário e a posterior verificação de uma escritura pública entre o promitente vendedor originário e o cessionário. Que a presunção da tradição só poderá basear-se em prova efectiva, ainda que obtida por meios indirectos (artº.351, do C.Civil), sendo que o ajuste de revenda terá de ser sempre demonstrado. Que procedeu mal o Tribunal “a quo”, ao aplicar uma presunção “iuris tantum”, onde só existiria uma presunção natural, impondo o correspondente ónus da prova contra o recorrente e baseando a aplicação de um acto tributário a actos que não se deram como verificados (cfr.conclusões 13 a 29 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, se bem percebemos, consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O Imposto Municipal de Sisa (o dec.lei 308/91, de 17/8, alterou a designação do imposto de sisa para imposto municipal de sisa, tendo em vista a afectação das respectivas receitas aos municípios), criado pelo dec.lei 41969, de 24/11/58 (diploma que aprovou o Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações), podia definir-se como um imposto directo, de obrigação única, características reais e sobre o património, incidindo nas transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade, ou de figuras parcelares desse direito, relativamente a bens imóveis (cfr.preâmbulo e artº.2, do C.I.M.S.I.S.S.D.; ac.T.C.A.Sul, 8/8/2012, proc.5857/12; Pedro Soares Martinez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.588 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.285 e seg.).
O diploma em análise, encontra-se informado por um conjunto de regras ou princípios que se condicionam, restringem ou desenvolvem mutuamente. Entre esses princípios podemos citar o da irrelevância da forma do título translativo (cfr.artº.1, “in fine”) e o da prevalência do resultado económico sobre o rigor das figuras jurídicas susceptíveis de, nos termos do direito privado, operarem a transmissão de bens imóveis (cfr.v.g.artº.2).
O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de sisa era o transmissário, ou seja, aquele que recebia os bens imóveis transmitidos (no caso de venda é o comprador) e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) era constituída pelo valor do imóvel, correspondendo o conceito fiscal de transmissão ao do direito privado, isto é, só é transmissão a perda relativa e a aquisição derivada de direitos, exceptuando os casos em que a lei fiscal dispuser o contrário (artºs.7 e 19, do C.I.M.S.I.S.S.D.; Nuno Sá Gomes, Incidência da Sisa, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.6, pág.35 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/1/2012, proc.3197/09).
Como é sabido, a liquidação da sisa devia preceder o acto ou facto translativo dos bens (artº.47, do C.I.M.S.I.S.S.D.).
Porém, também é certo que só o facto transmissão (na acepção ampla do artº.1, do C.I.M.S.I.S.S.D.) concretiza o direito do Estado à percepção da correspondente sisa, ou seja, é no momento da transmissão que se subjectiva a obrigação de pagar tal imposto. Até lá, existe apenas, do lado do contribuinte, um projecto de transmissão e, do lado do Estado, mera expectativa, situação esta que não é influenciada pela circunstância de a lei considerar condição legal de realização do acto a antecipação do pagamento da sisa que só será devida se ele se realizar e se no momento dessa realização se verificarem os pressupostos da tributação do mesmo. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
“In casu”, o recorrente defende, desde logo, que a factualidade provada nos presentes autos se não deve enquadrar no artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., pois que tal factualidade não permite considerar que houve um ajuste de revenda.
Haverá, portanto, que fazer a exegese do citado artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D.
Dir-se-á que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.11, da L.G.T.; artº.9, do C.Civil; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
Prescrevia o artº.2, § 1, nº.2, do C.I.M.S.I.S.S.D., que se consideram transmissões de propriedade imobiliária, para efeito de incidência, as promessas de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente-comprador ou para os promitentes-permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens.
Por sua vez o artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., ditava que nas promessas de venda se entende também verificada a tradição se o promitente-comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda.
No caso dos autos, a A. Fiscal deu por verificados os pressupostos de aplicação do citado artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., em virtude do que efectuou a liquidação impugnada (cfr.nºs.1 e 3 da matéria de facto provada).
Na verdade, atenta a matéria de facto provada, deve concluir-se, como na decisão recorrida, que se encontram preenchidos os requisitos de incidência previstos no citado artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D.
De acordo com a norma em análise, o legislador basta-se com uma tradição ficcionada ou presumida do imóvel em causa, verificados que estejam os pressupostos em que a mesma assenta, a saber: o ajuste pelo promitente-comprador da revenda do imóvel a terceiro; a posterior realização da escritura de venda entre este terceiro e o primitivo promitente-vendedor. Nestes termos, independentemente da natureza que se atribua à presunção contida no citado preceito (a de que houve tradição do imóvel para o promitente-comprador), a mesma só releva desde que verificados os dois pressupostos mencionados, sendo que, quanto à prova destes a lei já não estabelece qualquer presunção, pelo que é à A. Fiscal que compete a prova dos mesmos (cfr.artº.342, nº.1, do C.Civil), enquanto factos constitutivos do seu direito à liquidação de imposto. Mas mais, será razoável presumir (presunção meramente judicial - cfr.artº.351, do C.Civil) a existência de um ajuste de revenda entre o primitivo promitente-comprador do imóvel e o terceiro que, afinal, vem a outorgar na escritura como comprador, provados que estejam os dois pressupostos a que se alude supra (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/3/1998, rec.20331; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/12/1998, rec.22820; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 31/10/2000, rec.24570; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 27/4/1999, proc.1557/98; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/10/2004, proc.61/03; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, C.I.M.S.I.S.S.D. anotado e comentado, Rei dos Livros, 4ª. Edição, 1997, págs.60).
Resulta da matéria de facto provada que o recorrente, mediante contrato-promessa de compra e venda, prometeu comprar a fracção autónoma identificada no probatório, podendo o mesmo ceder a sua posição contratual e direitos previstos do referido contrato promessa. Com efeito, no contrato promessa de compra e venda ficou prevista a possibilidade de o recorrente ceder a sua posição contratual (de comprador) a outrem (cfr.nº.5 do probatório).
Está também assente que o apelante celebrou, efectivamente, com terceiro, B... Vicente Serrão, um contrato a ceder-lhe a sua posição no contrato promessa de compra e venda (cfr.nº.6 do probatório), tendo o terceiro ficado a ocupar o lugar que ao primitivo promitente-comprador cabia naquele contrato. Resulta da matéria de facto, por último, que o terceiro veio a outorgar com o promitente vendedor, a “C..., Sociedade Imobiliária, SA”, a escritura pública de compra e venda do bem imóvel objecto do contrato promessa (cfr.nº.7 do probatório).
Mais se dirá que, contrariamente ao que decorre das palavras do recorrente, o “ajuste de revenda” é um contrato inominado, ou seja, não se acha expressamente previsto e regulado na lei que não o consagra, nem lhe dá denominação, não tem “nomen júris”.
Dentro daquilo que se pode chamar “ajuste de revenda” poderão ser encontradas diversas figuras contratuais, como o contrato de agência, o contrato de concessão, o contrato de mediação ou a cessão da posição contratual, sendo esta última definida, nos termos do artº.424, nº.1, do Código Civil, como a possibilidade que as partes, num contrato com prestações recíprocas, têm de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente consinta na transmissão (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/11/2011, proc.3130/09). Na verdade, e lançando mão da figura jurídica consistente na cessão da posição contratual, é habitual as partes celebrarem um contrato promessa de compra e venda sobre um imóvel e posteriormente, por motivos da mais diversa índole, o promitente-comprador ajustar com um terceiro a cessão da sua posição contratual assumindo assim este a posição daquele no referido convénio.
Ora, o legislador foi sensível precisamente a este tipo de operações, pelo que, no artº. 2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., decidiu submeter a tributação as mesmas. Neste caso, bastando-se o legislador com uma ficção jurídica, eram passíveis de tributação, quer a situação resultante do primeiro acordo constante do contrato de promessa originário, quer a situação em que o promitente-comprador ajustasse a revenda com um terceiro e entre este e o promitente-vendedor fosse depois outorgada a escritura de compra e venda.
Por que assim é, não colhe o argumento segundo o qual não existiu um ajuste de revenda. Como vimos, a figura da cessão da posição contratual insere-se, sem dúvida, no conceito amplo de ajuste de revenda e tem acolhimento claro no artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/3/1998, rec.20331; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 7/10/2003, proc.564/03).
Refira-se, igualmente, que para a incidência da sisa ao abrigo da norma do artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., não é necessário ocorrer o prévio ingresso do bem prometido comprar na esfera jurídica do promitente-comprador. Se assim fosse, então, a incidência de sisa já teria ocorrido por aquela outra norma de incidência prevista no §1, do mesmo artigo, onde, aí sim, se exige uma efectiva tradição dos bens para o promitente-comprador. Este §2 constitui, justamente, um alargamento da incidência da sisa a outras situações não contempladas nas regras anteriores, contentando-se a lei, neste caso, como acima se disse, com uma tradição ficcionada, a chamada “traditio ficta”, sendo por isso irrelevante que à data da cedência da posição contratual, a fracção prometida comprar ainda se encontrasse em fase de construção e se dever considerar um bem futuro (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/2/2009, rec.1005/08).
Por último, deve mencionar-se que a teleologia da tributação destes factos tributários (artº.2, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D.), mais levando em consideração o estatuído no artº.19, § 2, do C.I.M.S.I.S.S.D., determinam que o valor a ter em conta seja o preço convencionado. E compreende-se a opção do legislador, já que o que se pretende tributar é a revenda ou agenciação de bens alheios feita ao promitente-comprador, pelo que a matéria colectável corresponderá ao valor do prédio ou ao preço convencionado, caso aquele seja menor, mais não fazendo sentido a interpretação de que deva consubstanciar-se nos montantes já pagos a título de sinal, a qual não encontra qualquer correspondência na letra da lei e também não vimos que a encontre no seu espírito (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2007, proc.1878/07), assim devendo confirmar-se a sentença recorrida, também neste segmento.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 11 de Junho de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)


(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)



(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)