Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10627/13
Secção:CA -2º. JUÍZO
Data do Acordão:11/06/2014
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:PERSONALIDADE JUDICIÁRIA – RESPONSABILIDADE CIVIL - ESTADO – ARTIGO 10º N.º 2, DO CPTA – ARTIGO 11º N.º 2, DO CPTA
Sumário:I - Na acção que tem por objecto uma relação de responsabilidade civil, assente na alegada morosidade excessiva de processo crime, a qual terá causado ao autor danos patrimoniais e não patrimoniais, o Ministério da Justiça não tem personalidade judiciária.
II - Da conjugação dos arts. 51º do ETAF, e 10º n.º 2 e 11º n.º 2, ambos do CPTA, resulta que, nos processos que tenham por objecto relações contratuais e de responsabilidade, quem tem personalidade judiciária é o Estado Português, representado pelo Ministério Público
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:J…… intentou no TAC de Lisboa acção de responsabilidade civil extracontratual, sob a forma de processo ordinário, contra o “Estado Português, Ministério da Justiça”, na qual peticionou a condenação do réu a indemnizá-lo, a título de danos patrimoniais, no valor a apurar em sentença, o qual à data de entrada da petição inicial se consubstancia em € 34 245,16, ao qual deverá ser acrescido o montante correspondente aos juros moratórios legais, desde a citação até efectivo e integral pagamento, e, a título de danos não patrimoniais, num valor não inferior a € 40 000.

Citado o Ministério da Justiça, veio o mesmo apresentar contestação na qual, e para além de peticionar a improcedência da presente acção, arguiu as excepções de incompetência em razão da matéria, ilegitimidade passiva e nulidade da citação.

O autor apresentou réplica no qual se pronunciou no sentido da improcedência das excepções invocadas pelo Ministério da Justiça.

Em 17 de Setembro de 2009 foi proferido despacho saneador no qual foram julgadas improcedentes as excepções arguidas pelo Ministério da Justiça, bem como seleccionada a matéria de facto.

Inconformado, o Ministério da Justiça interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul do despacho saneador, na parte em que foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:

”.


O recorrido, notificado, apresentou contra-alegações, onde pugnou pela improcedência do recurso.

Por despacho de 27.1.2010 foi admitido o referido recurso, com subida diferida com o primeiro recurso que depois dele haja de subir imediatamente.

Foi realizada audiência de discussão e julgamento.

Por sentença de 31 de Outubro de 2012 do referido tribunal foi julgada improcedente a presente acção, absolvendo-se o Ministério da Justiça do pedido.

Inconformado, o autor interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as conclusões constantes de fls. 360 a 366, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que dê provimento ao pedido indemnizatório.

O Ministério da Justiça, notificado, apresentou contra-alegações, onde pugnou pela improcedência deste recurso.

A DMMP junto deste TCA Sul emitiu parecer, no qual sustentou a procedência do recurso interposto do despacho saneador – por entender que só o Estado, como pessoa colectiva, detém, neste caso, legitimidade passiva e capacidade judiciária para estar por si em juízo, tal não acontecendo com os Ministérios e, neste caso, o Ministério da Justiça -, com a baixa dos autos à primeira instância para ser determinada a citação do Ministério Público, ficando prejudicada a apreciação do segundo recurso jurisdicional. A este parecer respondeu o Ministério da Justiça, acompanhando a posição defendida pelo Ministério Público.



II - FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:






(…)








Nos termos do art. 712º n.º 1, al. a), do CPC de 1961, ex vi art. 140º, do CPTA, e com interesse para a decisão do recurso interposto do despacho saneador, procede-se ao aditamento dos seguintes factos à factualidade dada como provada:
17. O autor alegou o que consta da petição inicial de fls. 2 a 14, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual se consignou designadamente o seguinte

(…)


(…)


(…)



(…)







(…)”.
18. Na sequência da apresentação da petição inicial descrita em 17. a entidade citada para a presente acção foi o Ministério da Justiça (cfr. fls. 120 a 122).
*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos dos recursos jurisdicionais interpostos do despacho saneador de 17.9.2009 e da sentença de 31.10.2012.

Será apreciado em primeiro lugar o recurso interposto do despacho saneador, já que, em caso de procedência do mesmo, ficará prejudicado o conhecimento do recurso interposto da sentença de 31.10.2012.

O Ministério da Justiça recorre do despacho saneador de 17.9.2009, na parte em que foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva, pelo que cumpre determinar se tal despacho, nesse segmento, enferma de erro de julgamento (cfr. alegações de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).

No despacho saneador considerou-se que o Ministério da Justiça era parte legítima, face ao estatuído no art. 10º n.º 2, do CPTA [“Quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.”].

Entende o Ministério da Justiça que o despacho saneador, nesse segmento, infringiu o referido art. 10º n.º 2, do CPTA, na medida em que deveria ter sido demandado o Estado Português. Invoca também a obscuridade desse despacho, por não se perceber como se chegou à conclusão de que o réu, Ministério da Justiça, é parte legítima.

Defende o autor que intentou a presente acção contra o “Estado Português, Ministério da Justiça”, pois, de acordo com o disposto no art. 10º n.º 2, do CPTA, a legitimidade passiva pertence ao Estado Português, na pessoa do Ministério cujo órgão praticou o acto em que assenta esta acção de responsabilidade civil extracontratual, ou seja, ao Ministério da Justiça.


Apreciando.

Cumpre, desde logo, salientar que o despacho saneador, no segmento em julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva, não enferma de qualquer obscuridade, já que no mesmo é indicado o normativo legal (art. 10º n.º 2, do CPTA) que permitiu alcançar tal decisão de improcedência. Questão distinta respeita ao eventual erro na interpretação desse normativo legal, a qual nada tem a ver com a obscuridade do despacho recorrido, mas com o facto de o mesmo enfermar de erro de julgamento, o que cumpre averiguar.

Tanto as partes como o despacho recorrido enquadraram a questão de saber se a presente acção devia ter sido proposta contra o Ministério da Justiça ou, ao invés, contra o Estado Português, no âmbito do pressuposto processual da legitimidade passiva, mas o que está em causa é antes uma questão relativa ao pressuposto processual da personalidade judiciária.

Com efeito, e como esclarece Esperança Mealha, Personalidade Judiciária e Legitimidade Passiva das Entidades Públicas, Publicações Cedipre Online - 2, http://www.cedipre.fd.uc.pt, Coimbra, Novembro de 2010:
- nas págs. 6 e 7, «A questão de saber qual a entidade pública que deve ser indicada como réu numa acção administrativa é muitas vezes encarada apenas como um problema de legitimidade passiva, desde logo, porque é o artigo 10.º CPTA que, sob a epígrafe “legitimidade passiva”, estabelece os critérios que permitem determinar a entidade pública a demandar.
Mas a epígrafe do artigo 10.º CPTA é enganadora. Na verdade, este preceito não consagra apenas o critério de determinação da legitimidade passiva, mas também os critérios de atribuição de personalidade judiciária às entidades públicas.
(…)
A cabal compreensão dos pressupostos processuais da legitimidade e da personalidade judiciária das entidades públicas é essencial à correcta identificação da entidade pública a demandar, (…)» (sublinhados nossos);
- na pág. 8, «A legitimidade em sentido processual exprime uma relação entre um determinado sujeito e o objecto do processo. Não é um atributo do sujeito, em si mesmo, mas antes uma qualidade desse sujeito em relação a uma determinada acção com um certo objecto.
É a “susceptibilidade de ser parte numa acção aferida em função da relação dessa parte com o objecto daquela acção”; e destinase a assegurar “a coincidência entre os sujeitos que, em nome próprio, conduzem o processo e aqueles em cuja esfera jurídica a decisão judicial vai directamente produzir a sua eficácia.”»;
- na pág. 9, «Contrariamente à legitimidade processual, que é um “conceito de relação” entre a parte e um determinado processo, a personalidade e a capacidade judiciárias, à semelhança da personalidade e capacidade jurídicas, são “qualidades pessoais das partes”. Ou seja, são “requisitos abstracta ou genericamente exigidos para que a pessoa ou a organização possa estar em juízo ou possa actuar autonomamente em relação à generalidade das acções ou a certa categoria de acções”»;
- na pág. 10, «Pode concluirse que só o sujeito com personalidade judiciária pode ser parte legítima numa determinada acção, embora aquele atributo, por si, não lhe garanta a legitimidade como sujeito de um determinado litígio processual.»;
- na pág. 13, «Nos n.ºs 2 a 6 do artigo 10.º estabelecese um conjunto de regras relativas à “identificação” da entidade pública que deve ser demandada nos processos que tenham por objecto uma acção ou omissão de entidade pública, bem como nos litígios interorgânicos.
Serão estes critérios especiais de determinação da legitimidade passiva dos entes públicos no âmbito daquelas acções? Embora a epígrafe do preceito seja “legitimidade passiva”, julgamos que o confronto entre estas normas e o conceito técnicojurídico de legitimidade, acima referido, não permite uma resposta nesse sentido.
Partindo de um conceito (simples) de legitimidade, enquanto pressuposto processual que expressa a relação entre a parte e o concreto objecto de uma determinada acção, justificase um novo olhar sobre estas normas para nelas encontrar, não regras de legitimidade passiva, mas antes critérios de atribuição de personalidade judiciária.
Estes critérios dão resposta a um problema, prévio ao da legitimidade, que é o de saber se determinado ente público pode ser parte em juízo. E só depois de verificada a personalidade (e capacidade) judiciária desse ente público é que, por recurso ao critérioregra contido no artigo 10.º/1, se pode apurar a sua legitimidade (a sua posição de contraparte na relação controvertida, tal como configurada pelo autor)» (sublinhados e sombreado e nossos).

Assim sendo, e face ao estatuído no art. 664º, do CPC de 1961 [“O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (…)”], será a presente questão tratada como relativa ao pressuposto processual da personalidade judiciária.

Cumpre, então, apurar se o Ministério da Justiça, na presente acção, tem personalidade judiciária.

A personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte (cfr. art. 5º n.º 1, do CPC de 1961).

A presente acção foi intentada nomeadamente contra o Ministério da Justiça [pois, na petição inicial, afirma-se que esta acção é intentada contra o “Estado Português, Ministério da Justiça”] e a mesma tem por objecto uma relação de responsabilidade civil, assente na alegada morosidade excessiva e desrazoável do processo crime n.º 1294/00.7 TALRS, a qual terá causado ao autor danos patrimoniais e não patrimoniais.

Neste tipo de acções os Ministérios - cúpulas da administração pública - não têm personalidade judiciária, sendo que a personalidade jurídica e judiciária radica na pessoa colectiva Estado, conforme se passa a demonstrar.

Como explica Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 2ª ed.:

- nas págs. 213-214, “o Estado-administração é uma pessoa colectiva pública autónoma, não confundível com os governantes que o dirigem, nem com os funcionários que o servem, nem com as outras entidades autónomas que integram a Administração, nem com os cidadãos que com ele entram em relação.”;

- na pág. 221, “(…) apesar da multiplicidade das atribuições, do pluralismo dos órgãos e serviços, e da divisão em ministérios, o Estado mantém uma personalidade jurídica una. Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito, não são sujeitos de direito distintos: os ministérios e as direcções-gerais não têm personalidade jurídica. Cada órgão do Estado – cada Ministro, cada director-geral, cada governador civil, cada chefe de repartição – vincula o Estado no seu todo, e não apenas o seu ministério ou o seu serviço”.

Dos trechos ora transcritos decorre que os ministérios, na organização do Estado, mais não são que meros departamentos de organização dos órgãos e serviços do seu órgão central Governo, dirigidos pelos respectivos ministros, sem qualquer tipo de personalidade jurídica (neste sentido, Ac. do STA de 21.9.2004, proc. n.º 351/04).

O Estado, tendo personalidade jurídica e de acordo com o disposto no art. 5º n.º 2, do CPC de 1961 (o qual estabelece a equiparação ou coincidência entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária), tem personalidade judiciária.

Pode haver personalidade judiciária sem personalidade jurídica, mas estes casos estão expressamente elencados, sendo certo que a personalidade judiciária do Ministério da Justiça não é reconhecida para efeitos de acção relativa a responsabilidade civil.

Com efeito, da conjugação dos arts. 51º [“Compete ao Ministério Público representar o Estado (…) exercendo, para o efeito, os poderes que a lei processual lhe confere.”], do ETAF, e 10º n.º 2 e 11º n.º 2 [“Sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objecto relações contratuais e de responsabilidade (…)”], ambos do CPTA, resulta que, nos processos que tenham por objecto relações contratuais e de responsabilidade, quem tem personalidade judiciária é o Estado Português, representado pelo Ministério Público.

Esclarecem a este propósito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª Edição, 2010, págs. 85 e 86, em anotação ao art. 10º n.º 2, que “A norma parece dever ser, porém, objecto de uma interpretação restritiva, mediante a qual será de entender que ela não abrange todo o tipo de processos intentados contra entidades públicas, mas apenas as situações que anteriormente correspondiam ao recurso contencioso de anulação e à impugnação de normas (agora enunciadas nos artigos 50.° e segs. e 72.°), e a que há a acrescentar agora as pretensões dirigidas à condenação na prática de acto devido e à declaração de ilegalidade por omissão de normas (artigos 66.° e 77.°), bem como as acções de reconhecimento de direitos e as acções de condenação à adopção ou abstenção de comportamentos, designadamente as que tenham em vista a condenação da Administração à não emissão de um acto administrativo (artigo 37.°, n.° 2, alíneas a), b), c), d) e e)). Trata-se, portanto, dos processos que seguem a forma de acção administrativa especial e uma parcela dos processos que seguem a forma da acção administrativa comum.

Nesse sentido aponta, desde logo, a letra da lei, que se reporta a processos que tenham por objecto "a acção ou omissão de uma entidade pública", determinando que a identificação do ministério que deverá ser demandado (no caso do Estado) deverá ser efectuada por referência aos órgãos a que "seja imputável o acto jurídico impugnado" ou sobre os quais "recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos" - isto, em contraponto com a cláusula geral do n.° 1 do artigo 10.°, que confere a legitimidade passiva à outra parte na relação material controvertida, sugerindo que pretende referir-se, por regra, a pessoas jurídicas e não a entidades (como seria o caso dos ministérios) que beneficiem de uma mera extensão da personalidade judiciária, o que assume sempre um carácter excepcional (cfr . artigo 5.° do CPC). No mesmo sentido concorre também o disposto no artigo 11.°, n.° 2, que, de harmonia com o artigo 20.° do CPC, no âmbito do patrocínio judiciário, ressalva a possibilidade da representação do Estado (e não dos ministérios) pelo Ministério Público, nos processos que tenham por objecto relações contratuais ou de responsabilidade.” (sublinhados e sombreado nossos) – também nestes sentido, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Vol. I, 2006, pág. 167, Pedro Gonçalves, A acção administrativa comum, in Studia Iuridica, n.º 86, BFDUC, págs. 160 e 161, e Esperança Mealha, cit., págs. 25 a 33 [referindo, a págs. 32 e 33, que, “Em suma, em nosso entender, os ministérios (e os órgãos administrativos) só não têm personalidade judiciária para serem demandados nas acções administrativas comuns sobre contratos ou de responsabilidade civil, que envolvam o Estado, uma vez que a regra da representação obrigatória do Estado, pelo Ministério Público, tem como efeito colateral que o demandado, nessas acções, tenha que ser a própria pessoa colectiva Estado.” (sublinhados nossos)].

Os tribunais superiores têm-se pronunciando reiteradamente neste mesmo sentido, entre outros:

- Ac. do STA de 3.3.2010, proc. 0278/09 [“I - A personalidade judiciária (inerente à personalidade jurídica) consiste na susceptibilidade de ser parte traduzindo-se na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio nome, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei. II - Os Ministérios não possuem personalidade jurídica para os termos de uma acção com vista a efectivar responsabilidade civil extracontratual”];

- Acs. do TCA Sul de 22.4.2010, proc. n.º 05901/10 [“I -A acção de responsabilidade civil extracontratual da Administração intentada nos termos do art. 37º, nº 2, al. f), do CPTA, deve ser proposta contra o Estado Português e não contra o Ministério a quem é imputado o facto, que não pode ser parte neste tipo de acções”], 19.1.2012, proc. n.º 07015/10, e 10.1.2013, proc. n.º 09283/12;

- Acs. do TCA Norte de 22.2.2007, proc. n.º 02242/04.0BEPRT, 24.5.2007, proc. n.º 00184/05.1BEPRT, 19.7.2007, proc. n.º 00805/05.6BEPRT [“I- A personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte. II- Quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária. III- Os processos que seguem a forma da Acção Administrativa Comum e digam respeito a relações contratuais e de responsabilidade civil extracontratual, devem ser interpostas contra o Estado, que se deve fazer representar em juízo pelo Ministério Público. IV- Tendo sido instaurada acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, decorrente de delongas processuais, em que se peticiona o pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, a tal acção corresponde processo sob a forma da Acção Administrativa Comum e respeita a relação jurídica de responsabilidade civil extracontratual. V- Tratando-se de Acção que deva ser processada sob a forma de Acção Administrativa Comum e que diga respeito a relação jurídica de responsabilidade civil extracontratual, a mesma deve ser interposta contra o Estado e não contra o Ministério da Justiça, o qual não possui nem personalidade judiciária, nos termos gerais, nem legitimidade processual passiva para este tipo de acção” (sublinhados nossos)], 30.10.2008, proc. n.º 01170/05.7 BEBRG, 11.11.2011, proc. n.º 161/07.8 BEBRG [I – Os Ministérios não possuem personalidade jurídica para os termos de uma acção com vista a efectivar responsabilidade civil extracontratual], 25.11.2011, proc. n.º 03586/10.8 BEPRT, 7.12.2012, proc. n.º 02696/11.9BEPRT, 19.4.2013, proc. n.º 00106/12.3BEVIS, e 13.6.2014, proc. n.º 00748/12.7BEAVR [“I-A personalidade e a capacidade judiciárias, são “qualidades pessoais das partes”, ao passo que a legitimidade tem a ver com a posição relativa das partes face à relação material controvertida tal como a mesma é configurada pelo autor na petição inicial. II- O art.º 10.º, n.º2 do CPTA atribui personalidade judiciária às pessoas coletivas de direito público, estabelecendo, porém, no que à pessoa coletiva Estado respeita, uma importante restrição ao princípio da coincidência, atribuindo personalidade judiciária aos ministérios a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos. III- Para as ações que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade em que seja parte o Estado, só este detém personalidade judiciária para ser demandado como réu, atento o disposto no art.º 11.º, n.º 2 do CPTA. (….) VI- Em tais situações, a competente ação administrativa comum deve ser instaurada contra a pessoa coletiva Estado e não contra um seu ministério. VII- Verificada a falta de personalidade judiciária do réu, o mesmo tem de ser absolvido da instância”].

Conclui-se, assim, que o Ministério da Justiça não tem personalidade judiciária, pelo deverá ser revogado o despacho recorrido e o Ministério da Justiça absolvido da instância (cfr. arts. 288º n.º 1, al. c), 493º n.ºs 1 e 2 e 494º, al. c), todos do CPC de 1961, ex vi arts. 35º n.º 1 e 42º n.º 1, ambos do CPTA), assim ficando prejudicado o conhecimento do recurso interposto da sentença de 31.10.2012.

De todo o modo, verifica-se que a presente acção também foi intentada contra o Estado Português [pois, na petição inicial, afirma-se que esta acção é intentada contra o “Estado Português, Ministério da Justiça” (sublinhado nosso)], o qual, como decorre do acima exposto, tem personalidade judiciária e, de acordo com o disposto no art. 51º, do ETAF, é representado pelo Ministério Público.

Ora, o Estado Português nunca foi citado para a presente acção (cfr. n.º 18), dos factos provados).

Assim, deverá ser determinar a baixa dos autos ao tribunal recorrido, a fim de os mesmos aí prosseguirem os seus ulteriores termos com a citação do réu Estado Português, através do seu representante (Ministério Público).


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O recorrente J…… ficou vencido, pelo que deverá suportar as custas em 1ª instância, na proporção a fixar a final, e nesta instância de recurso por inteiro - art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013 ex vi art. 1º, do CPTA -, sem prejuízo do apoio judiciário que foi concedido, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo (cfr. fls. 116 a 118).
III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:

I – Conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto do despacho saneador, revogando-o no segmento em que considerou o Ministério da Justiça parte legítima e, em consequência:

- Julgar procedente a excepção de falta de personalidade judiciária do Ministério da Justiça e absolver o mesmo da instância.

- Determinar a baixa dos autos ao tribunal recorrido, a fim de os mesmos aí prosseguirem os seus ulteriores termos com a citação do réu Estado Português, através do seu representante (Ministério Público).

II – Condenar o recorrente J…… nas custas em 1ª instância, na proporção a fixar a final, e nesta instância de recurso por inteiro, sem prejuízo do apoio judiciário que foi concedido, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
III – Registe e notifique.

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Lisboa, 6 de Novembro de 2014

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(Catarina Jarmela)

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(Conceição Silvestre)

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(Cristina Santos)