Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2265/13.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IRS
AJUDAS DE CUSTO
DEFICE INSTRUTORIO
Sumário:I. O julgador embora livre no exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
II. O principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo aos trabalhadores por conta de outrem é a existência de deslocação do trabalhador em serviço para local diferente do seu domicílio necessário.
III. A comprovação das ajudas de custo que a Impugnante pretende ver relevadas fiscalmente recai sobre ela, pois não estando devidamente documentadas, não beneficia da presunção de veracidade.
IV. Se a Impugnante coloca em crise a inexistência das deslocações, impõe-se esclarecer, designadamente, os termos do contrato celebrado com a Recorrida mulher, sendo pertinente a prova através de quaisquer meios admitidos em Direito.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A... e J..., contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2013 4..., relativa ao exercício de 2010.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que declarou procedente a Impugnação deduzida por A... (e outro) na sequência da liquidação adicional de IRS nº 20134... (e respetivos juros compensatórios), referente ao ano de 2010, no montante total de € 3.526,97

B) O valor daquelas verbas foi regular e periodicamente ou mensalmente processado nos recibos inexistindo, para além dos Mapas das Ajudas de Custo” (alguns deles duplicados parecendo para os mesmos dias daqueles meses de janeiro e abril, diferentes locais de prestação de serviço e diferentes montantes apostos) quaisquer documentos que evidenciem ou indiciem a efetivação dos serviços supostamente extraordinários e o suportar desses custos por conta da entidade patronal, não incorporáveis no rendimento do trabalho

C) Ora, as ajudas de custo (o seu caráter retributivo ou não retributivo) enquanto conceito jurídico, têm a sua génese no direito civil/laboral e foi densificado em termos doutrinários e jurisprudenciais por aquela jurisdição, existindo, a nosso ver, tanto quanto o conhecimento que este RFP tem (ou não tem) da matéria marcadas divergências de entendimento dignas de registo que contendem com a natureza ontológica e/ou dogmática, como seja, por exemplo, a natureza presuntiva do rendimento e da perceção regular e permanente dos montantes pagos ainda que se desconheçam os motivos que impedem o próprio direito tributário, as suas especificidades, e, os fins por este prosseguidos de aderir posição sufragada pela jurisdição comum.

D) Esta caraterística antiabusiva das tributações autónomas de que as ajudas de custo são um exemplo paradigmático, se verificadas, adere à natureza “anti-sistémica”, e presuntiva, apontada pelo Prof. Saldanha Sanches e pela jurisprudência do Colendo STA que o cita.

E) Ora, paradoxalmente, aquela jurisprudência que segue a posição sufragada relativamente às tributações autónomas (de que as ajudas de custo são um exemplo) e que comungam dos receios ali manifestados relacionados com a fraude e evasão fiscais por via de artificiosos mecanismos de redução do lucro tributável expressos na concessão de vantagens ou remunerações em espécie aos trabalhadores incrementando desta forma o rendimento destes com menor oneração da empresa e defraudando, assim, a Fazenda Pública e da necessidade sentida pelo legislador em prevenir estas situações…, é a mesma jurisprudência que relativamente à prova dos pressupostos relativos às ajudas de custo/remuneração e à sua natureza ressarcitória ou remuneratória, no fundo:

- menospreza o devido preenchimento dos mapas das ajudas de custo legalmente previstos no CIRC, permitindo que quem procede ao preenchimento dos boletins itinerários não precise de justificar o motivo que está na base da sua realização concedendo que a irregularidade dos mesmos, por si só, não descaracteriza a natureza compensatória dos mesmos, bastando-se, in casu, com documentos internos que se limitam a inscrever um montante e o nome do Impugnante ( na maior parte das vezes não há datas…, não há motivos…)

- se basta com a apresentação de meros documentos internos impondo à AT que ouse provar a falsidade daquela documentação irregularmente preenchida entendendo, aliás, que aquela documentação prova uma despesa efetuada… e isto não obstante se evidenciar, nomeadamente, dando por provado em 1. e através da documentação que já decorria do RIT entretanto trazida pelo Impugnante e sem perder de vista a natureza jurídica deste tipo de despesas, que:

- Menospreza que os valores contabilizados a título de “despesas de representação” não se encontram devidamente documentados – desconhecendo-se a que título o montante foi recebido.

- Menospreza a contabilização mensal destes montantes ofendendo a própria ideia de imprevisibilidade e/ou ocasionalidade que caracteriza as ajudas de custo aceite pela própria jurisprudência dos nossos tribunais superiores.

- Ignora o facto de entre janeiro a dezembro de 2010 (excecionando julho) terem sido processados à Impugnante mensalmente dois recibos um com o vencimento e subsídio de refeição e outro com a descrição “Ajudas de Custo”, em que, nesses recibos verifica-se que o subsídio de alimentação foi processado na íntegra (dias úteis), bem como o valor referente às “ajudas de custo” também é relativo a todos os dias úteis – no que se traduz, na ótica da Fazenda Pública, na evidente duplicação de gastos de semelhante natureza sem que se alcance ou o mesmo tenha dado uma justificação para o efeito.

- Menospreza a circunstância de não existir um único documento externo relativamente às alegadas despesas.

F) Parece, pois, no mínimo, incompreensível que os tribunais superiores aparentemente preocupados com o tipo de dispêndios sujeitos a tributação autónoma (assumidamente criada como norma anti-abuso) de que as ajudas de custo são um exemplo (não nos cansamos de o referir) sejam tão permissivos na hora de tomar posição sobre a realidade fiscal da pessoa singular que, tratando-se de uma realidade decorrente de uma relação bilateral – faz dela um interveniente indispensável na prefigurada fuga à tributação…

G) A RFP não se conforma com o entendimento vertido na douta sentença recorrida, por entender que a orientação deve reclamar, por um lado, uma qualificação jurídico-tributária distinta da julgada no Tribunal a quo, global e mais adequada aos receios que as alegadas ajudas de custo

H) Com facilidade damos conta que aos tribunais superiores deve ser reclamada uma maior intervenção na salvaguarda do eventual interesse público que o legislador entendeu proteger mediante a introdução da tributação autónoma não raras vezes instrumentalizada para efeitos fiscais. Não se deixando cair num tipo de fundamentação alicerçada em motivos extrajurídicos, de natureza conjuntural e que perante a sua volatividade tendem rapidamente a ser foco de injustiças na apreciação do caso concreto impedindo, tal a malha apertada em termos probatórios, a Administração Fiscal de prosseguir as suas atribuições neste particular.

I) Assume caráter de retribuição a prestação regular e periódica realizada pelo empregador ao trabalhador, em dinheiro ou em espécie, relacionada com o trabalho prestado pelo trabalhador, presumindo-se como tal qualquer prestação do empregador ao trabalhador.

J) As características da regularidade e da periodicidade consagradas pelo legislador na norma constante do n.º 2 do artigo 258.º do Código do Trabalho constituem manifestações de uma vinculação prévia da entidade patronal ao pagamento desses valores ao trabalhador. Visão partilhada pela jurisdição comum e pela jurisprudência do TCA Norte citada supra.

K) Os conceitos de “remuneração” e de “ajudas de custo” constantes do Código do IRS não podem ser interpretados desligados do contexto do Direito Laboral do qual provêm.

L) E à imposição legislativa de recorrer aos conceitos de outros ramos do Direito na interpretação da norma tributária que os preveja, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária.

M) Nem de outra forma poderia ser, atendendo a que o Direito Tributário pretende tributar as operações materiais, atendendo à sua substância, não à sua forma, cf. o n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária.

N) O procedimento inspetivo apurou valores contabilizados como sendo alegadas ajudas de custo tendo por base meros documentos internos e irregularmente preenchidos, sem que se alcance os motivos da alegada despesa, nomeadamente, a ausência do objetivo da deslocação facto que decorre da análise da própria documentação e que o tribunal simplesmente olvidou evidenciar.

O) Ou seja, não há uma única fatura. Nada. Um único elemento externo que prove que os gastos se efetivaram e que coloque a Impugnante naqueles locais. Que aquele montante foi-lhe atribuído, não há dúvidas. A própria reconhece. Mas que a mesma tenha incorrido em despesas enquanto esteve alegadamente deslocada inexiste evidência formal desses factos.

P) Verificou a AT que sobre esse valor mensal atribuído inexiste documentação externa relativa às despesas incorridas pela Impugnante tratando-se alegadamente de ajudas de custo.

Q) Os SIT constataram ainda (a douta sentença dá isso como assente levando ao probatório) que os valores em causa apresentam evidente regularidade ao longo do período em que é imputado ofendendo a imprevisibilidade e a ocasionalidade que caracteriza as próprias ajudas de custo no que constitui mais um indício que o Tribunal a quo simplesmente ignourou.

R) Não se pretende que o tribunal se vá convencendo da verdade material mediante uma visão separada dos factos, pelo contrário. Este tipo de fundamentação para além de insuficiente denota evidente erro intelectual na apreciação dos factos – pois que faz precisamente o raciocínio oposto do que se impunha fosse feito, à luz, aliás, da jurisprudência dos nossos tribunais superiores.

S) Em abstrato, pode haver quantias duplicadas para um único fim perfeitamente identificado inexistindo uma realidade distinta no que respeita à alimentação diária do trabalhador. E isso configura um indício evidente que carece de justificação especialmente por parte do trabalhador que auferiu aqueles montantes supostamente por contrapartida de despesas para as quais não há prova cabal apresentada.

T) Acresce que em sede inspetiva estava em causa montantes inscritos a título de “despesas de representação” que são, no fundo, todas as efetuadas para representação da empresa junto de terceiros não se alcançando em que medida se justifica a atribuição à Impugnante, contratada para o desempenho de funções meramente administrativas, dos referidos montantes para esse efeito mesmo que formalmente e segundo se alega o contrato previsse a hipótese de prestar outro tipo de trabalho que não apenas administrativo mas que não se especifica qual…

U) Para os SIT a efetividade da despesa incorrida pelo trabalhador, enquanto ajuda de custo, tinha desde logo de estar suportada num documento externo. Se o trabalhador arrendou um quarto, se almoçou e/ou jantou em determinado restaurante, se se deslocou de táxi ou de transporte público etc… e pretende que o seu empregador o compense por despesas efetuadas ao serviço e em favor daquele e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo empregado diz-nos a experiência comum que no mínimo o trabalhador deveria trazer os documentos que evidenciavam a efetividade dessa despesa…, faturas, recibos, talões de mesa, bilhetes, etc.. doutro modo como é que o empregador o compensa? Como é que sabe que o mesmo incorreu, de facto, naquele gasto e por aquele montante? A menos, cá está, que se entenda que o fito não seja compensar, mas, remunerar e, aí, a documentação, dita externa, compreendemos que seja dispensável.

V) Motivo pelo qual seria expectável que na escrita da sociedade para além do documento interno figurasse a documentação que cabalmente prova a natureza do tipo de despesa. Ou, se o empregador sabe que a despesa é indispensável e como tal dedutível – entendendo que a mesma não precisa de ser junta à documentação contabilística, no mínimo, cuidava de a devolver ao trabalhador (que não se esqueceria de solicitar que lhe fosse devolvida) dada a natureza fiscal da sua classificação para efeitos de IRS

X) Esta documentação em particular não constava da contabilidade da sociedade nem foi apresentada pela Impugnante no que configura, evidentemente, mais, um indício do carater remuneratório daquele montante auferido

Z) A questão que está por detrás da discussão do documento interno não contende necessariamente com o preenchimento dos boletins itinerários, sobre a sua insuficiência ou indispensabilidade

AA) Precisamente porque muitas vezes se mostram irregularmente preenchidos ao ponto de se desconhecerem as vicissitudes inerentes à atribuição das “ajudas de custo” é que se impõe que as despesas se mostrem cabalmente justificadas, seja, para determinar a natureza dos dispêndios seja para apurar quantitativamente o montante efetivamente dispendido.

BB) Não se alcança de que forma a justificação dada pelo Tribunal a quo coloca em causa a pertinência do indício recolhido especialmente se conjugado com os demais.

CC) Os SIT lograram obter fruto do seu labor inspetivo dois mapas de ajudas de custo referentes aos meses de janeiro e abril de 2010, assinados pelo Sujeito Passivo (facto que o próprio não impugna) onde se mencionam para as mesmas datas – valores e locais diferentes.

DD) As declarações de um contribuinte que não tem pudor em assinar mapas de “ajudas de custo” que tendo por objeto as mesmas datas de serviços que se desconhecem, apondo os locais e montantes diferentes – não merecem credibilidade e inquinam a presunção de boa fé declarativa que decorre do art. 75º, nº 2, da LGT.

EE) A jusante desta questão e perante a conduta ilícita quem nos garante em termos de credibilidade que o que a Impugnante afirma e declara à data dos factos ou na presente ação é verdade?

FF) Não se pretende que o tribunal se vá convencendo da verdade material mediante uma visão separada dos indícios, pelo contrário. Este tipo de fundamentação para além de insuficiente denota evidente erro intelectual na apreciação dos factos – pois que faz precisamente o raciocínio oposto do que se impunha fosse feito, à luz, aliás, da jurisprudência sufragada pelos nossos tribunais superiores.

GG) Impõe-se fazer a seguinte pergunta. Saber se era lícito aos SIT entender que estávamos perante quantias auferidas a título compensatório tendo em conta que:

- a contribuinte A... foi contratada como administrativa, ou seja, exercendo funções permanentemente na sede do empregador e desconhecendo-se em concreto que outras funções pudesse ter desempenhado e que motivos comprovados a poderiam ter levado a exercer funções fora do local de trabalho (indício não apurado pelo Tribunal);

- auferindo prestações mensais (que à exceção de julho mês em que não estava sequer ao serviço) se provaram regulares e periódicas ofendendo a ocasionalidade e a imprevisibilidade que caracteriza as próprias ajudas de custo; (indício menosprezado pelo Tribunal)

- prestações essas que contemplando a alimentação do trabalhador nas alturas em que supostamente está deslocado acrescidas de um subsídio destinado ao mesmo fim (alimentação) já contemplado na fixação da “ajuda de custo” constituem evidente indício da perceção de um rendimento duplicado em termos de alimentação (irrelevando as considerações que faz para efeitos do art.23º do CIRC porquanto para além de inaplicáveis à luz das regras e princípio que norteiam o IRS obviamente não contendem com o objeto dos autos)

- especialmente por parte do sujeito passivo que auferiu aqueles montantes supostamente por contrapartida de despesas para as quais não há prova cabal apresentada de que as tenha suportado (meros documentos internos) pois que não assentes em documentos externos, como sejam faturas, recibos, talões de mesa, bilhetes referentes à deslocação, etc.. que de alguma forma nos permitissem convencer da efetividade das mencionadas despesas que supostamente deveriam ser compensadas pelo empregador e que se nem o empregador nem o empregado os têm ou se preocupam em os obter ou guardar a única conclusão a retirar é que a confessada dispensabilidade da sua apresentação e guarda indicia claramente a natureza remuneratória das supostas ajudas de custo.

- facto que se mostra reforçado também através de Boletins Itinerários insuficientemente preenchidos não se alcançando os motivos das deslocações, a natureza da despesa ou o montante.

- Tendo-se detetado ainda, para além de toda a imaterialidade dos serviços, o preenchimento de dois mapas de ajudas de custo referentes ao meses de janeiro e abril de 2010, ambos assinados pela Impugnante, em que para as mesmas datas são assumidos valores e locais diferentes – no que para além do eventual ilícito penal faz gorar a presunção de boa fé declarativa pois que não se alcança, em termos fiscais e à luz daquela que é a situação tributária, onde começa a verdade nisto tudo, se é que começa. Não sabemos.

HH) Respondendo à questão formulada supra, a conclusão, na ótica da Fazenda Pública afigura-se óbvia. A AT reuniu fortes indícios, alguns deles evidenciando evidente conduta delituosa, que apontam à fortíssima imaterialidade dos serviços e das despesas alegadamente suportadas, pelo que, à luz da persuasão racional e da apreciação conjugada da prova recolhida é possível afirmar que as quantias declaradas a título de ajudas de custo são, em bom rigor, quantias pecuniárias de natureza remuneratória auferidas pela Impugnante enquanto trabalhadora da sociedade M... e não, como parece fazer crer a Impugnante, de despesas que alegadamente terá suportado a favor da sua entidade patronal posteriormente compensadas

II) Mostram-se, pois, verificados os pressupostos que determinaram a correção. Foi abalada a presunção de boa- declarativa, impondo-se a inversão do ónus da prova nos termos do art. 75º, nº 2, da LGT.

JJ) Se os indícios recolhidos apontam à natureza remuneratória das quantias auferidas e se a impugnante não faz prova das despesas que efetuou por conta da entidade patronal que careça de compensação, não há como concluir, perante a carga indiciária, que os montantes que o próprio nunca colocou em causa que recebeu - assumem natureza compensatória

KK) As alegações produzidas pelo Impugnante para além não credíveis e não provadas ofende o juízo de experiência comum que deve presidir à apreciação do objeto dos autos, sendo certo que não tendo sido apresentada prova documental que titule uma despesa que demonstre ter sido incorrida pelo Impugnante a sorte dos autos contra si terá de reverter.).

LL) Entende-se, ainda, que o douto tribunal a quo incorreu em erro de julgamento:

Por má apreciação dos factos provados (Facto 1) e do direito na sua fundamentação no que concerne à prova e à distribuição do ónus que impende sobre as partes face ao entendimento sufragado pelo Colendo STA e pelos Venerandos TCA Sul e Norte, já aqui citados que, por um lado, não exigem a prova direta dos fatos relativamente ao ónus que impende sobre a AT, por outro, e cumprido o ónus por parte da AT, em virtude da Impugnante não ter logrado abalar os fundamentos da correção.

MM) A sentença recorrida, ao entender de forma diferente, enferma de erro na apreciação da prova e em manifesto rota de colisão com a jurisprudência produzida pelos Venerandos TCA Norte e TCA Sul cuja factualidade melhor se adequa à dos presentes autos, violando o disposto no artigo 2.º do CIRS, art. 75º, nº 1 e 2, da LGT e arts. 607º, nº 4 e 5 do CPC, aplicável ex vi da alínea e), do art. 2º, do CPPT não podendo, por isso, ser confirmada.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença.

V/Exas, porém, melhor decidirão, como é de Direito e Justiça.

3. Os recorridos, notificados para o efeito, vieram apresentar as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

1) Por economia e comodidade de exposição e de confronto a presente resposta seguirá as conclusões da Recorrente, e tentar-se-á ser tão breve quanto o conteúdo das conclusões o permita. Por isso que, sem explanações inúteis, se entra directamente na matéria do recurso.

2) Com a presente apelação o apelante apenas têm em vista alterar a verdade dos factos, absolutamente provados em sede de audiência discussão e julgamento, não aceitando assim esta Douta Sentença que decretou a anulação do acto impugnado, considerando a acção interposta pelo ora Recorrido totalmente procedente por provada, que aliás, estamos certos, que este Venerando Tribunal não deixará de confirmar.

3) Nas conclusões da motivação do recurso, o apelante alega em síntese que os valores auferidos não se integram no conceito de ajudas de custo, tendo feito uma errónea interpretação do artigo 2.º do CIRE.

4) Ora salvo melhor opinião, nenhuma razão assiste ao ora apelante, sendo certo que muito bem andou a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” quando proferiu a supra referida Sentença.

5) Ora tendo em atenção a matéria de facto provada e a legislação em vigor resulta do art. 2.° n.° 3 al. e) e 6 do CIRS, que não se consideram rendimentos do trabalho dependente as ajudas de custo recebidas pelos trabalhadores dependentes, em serviço da entidade patronal, na parte em que estas não excedam os limites legais, considerando-se como tais os anualmente fixados para os servidores do Estado.

6) As ajudas de custo são pagas para fazer face a despesas de alojamento, alimentação e deslocação das pessoas, quando estas se encontrem, temporariamente, deslocados por conta da entidade empregadora e/ou contratadora, com vista a realizar as suas funções de serviço.

7) O que significa que as ajudas de custo não visam fazer face a outro tipo de despesas para além daquelas e, por conseguinte, são cumuláveis com outras despesas, na medida em que não se verifique uma duplicidade no ressarcimento ou compensação da mesma realidade.

8) Ora conjugadas estas circunstâncias não se retira que no ano de 2010 (até pelo contrario ficou provado exactamente o contrario) o impugnante não se tenha deslocado, de forma esporádica, ao serviço da entidade pagadora, sendo certo que a existência de controle documental interno por parte da empresa justificativo das declarações prestadas nos boletins de ajudas de custo pelo trabalhador à empresa, tão só pode significar que tenha efectivamente havido deslocações, como de facto ocorreu.

9) Assim em face deste quadro factológico, é de concluir que a Administração Tributária não coligiu os elementos mínimos, isto é, indícios sérios e objectivos, reveladores de uma probabilidade elevada de que as ajudas de custo pagas ao Impugnante no ano 2010 não corresponderam à mera reposição ou reembolso de despesas incorridas por esta ao serviço e a favor da sua entidade patronal, por motivos de deslocações, ou de que foram ultrapassados os limites legais quantitativos previstos no Código do IRS.

10) Cabia-lhe, com supra ficou claro, desenvolver as diligências instrutórias necessárias a abalar a credibilidade das declarações do contribuinte, designadamente por forma a enquadrar-se nas disposições legais aplicáveis e constantes no Código do IRS, não o tendo feito.

11) E mesmo que o Impugnante nesta matéria não tenha sido cabalmente esclarecedor (o que só hipoteticamente se concebe), certo é que, perante o regime de presunção de veracidade das declarações acima descrito, e não tendo sido violados quaisquer deveres formais ou de colaboração por parte deste, o ´non liquet` se tem de revelar desfavorável à Administração Tributária, importando, por consequência, a ilegalidade do acto tributário sindicado.

12) Dito isto, forçoso se torna concluir que, não deve ser questionada a qualificação dos montantes atribuídos a título de ajudas de custo ao Impugnante, no ano 2010, com a consequente procedência da impugnação, por vício de violação de lei derivado de erro nos pressupostos.

13) Mais se refira que a eventual inexistência de elementos de prova que permitam concluir, à AT no exercício do seu poder - dever de controlo do cumprimento da legalidade fiscal, por parte dos contribuintes, pela realização das deslocações justificativas do pagamento das ajudas de custo, será suficiente para que englobe os respectivos montantes nos restantes rendimentos remuneratórios sujeitos a tributação.

14) Para que assim não suceda caberá, então, ao contribuinte, demonstrar que tais quantitativos correspondem, efectivamente, à compensação por despesas de deslocação que suportou em substituição da sua entidade patronal.

15) A forma mais directa de se proceder a tal demonstração é, como temos, por evidente, através da prova documental, designadamente, através dos respectivos boletins de itinerário o que ocorreu, falhando assim a AT na demonstração do que pretendia.

16) Por outro lado, o art. 2º dispõe que se considera domicílio necessário a localidade onde o trabalhador aceitou o lugar, se aí ficar a prestar trabalho ( al. a) ), a localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa da referida na alínea anterior ( al. b) ) e a localidade onde se situa o centro da sua actividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções ( al. c) ).

17) A partir daqui, tem de entender-se que existiu deslocação do domicílio necessário, na medida em que a impugnante foi contratado para exercer funções no escritório da empresa pagadora e deslocou-se em 2010 para Espanha e Lisboa, para aí trabalhar ao serviço da M..., Lda.

18) Não deixa, assim, de haver deslocação do domicílio necessário a partir do momento em que o impugnante vai trabalhar para Espanha na medida em que o seu domicílio necessário era a área correspondente à sede da empresa, isto é, nos escritórios desta no Carregado.

19) Assim, porque o ónus da prova de que os montantes percebidos pelo trabalhador não têm finalidade compensatória, antes consubstanciando rendimentos que proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva, assim sendo susceptíveis de tributação, compete à AT e porque, no vertente caso, da matéria de facto provada nem resulta provada a falta de finalidade compensatória do referido montante nem, por outro lado, que o mesmo exceda os limites consagrados até pelo contrário resulta por confissão da AT que tais montantes não excedem os limites previstos, não pode esse mesmo montante configurar-se como um rendimento de trabalho dependente, tributável em sede de IRS.

20) Decorre, pois, do que se vem de referir, que, no caso, a AT não fez a indispensável demonstração de que as quantias que estão na base da impugnada liquidação, foi pagos a título remuneratório, falecendo, por isso, o pressuposto essencial à realização daqueles actos tributários.

21) Note-se como refere, e bem, a Douta sentença ora recorrida que a “convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PA apenso aos autos.”

22) Ademais a AT não apresenta qualquer recurso quanto à matéria de facto razão pela qual única matéria da facto dada como provada é a que consta da Douta sentença e nada mais ee esta já se encontra assente por falta de recurso, sendo certo que da douta sentença não resulta provado que as quantias pagas pela sociedade a titulo de ajudas de custo à recorrente não são ajudas de custo e sim retribuições, assim como não resulta provado que não houve deslocações constantes nos mapas de ajudas de custo junto aso autos pela Recorrente.

23) De facto, como refere, e bem, a Douta sentença ora recorrida “(…) decorre do artigo 75.º da LGT, é à AT, na medida em que se afasta da declaração apresentada pelo sujeito passivo, que recai o ónus de demonstrar a verificação dos requisitos que lhe permitem alterar o rendimento coletável declarado, ou seja, demonstrar que os montantes recebidos, pelo sujeito passivo, da sua entidade patronal, a título de ajudas de custo, não reúnem as características essenciais destas. E, cabendo à AT o referido ónus, compete-lhe demonstrar a existência e conteúdo do facto tributário, ou seja, e no que ao caso interessa, provar que essas prestações não traduziram um embolso por despesas que o trabalhador teve de suportar ao serviço da entidade patronal, devendo a dúvida ser resolvida pelo Tribunal contra ela por força do estipulado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT. Aplicando o exposto aos autos, resulta do RIT assente como provado em 1), que as quantias recebidas pela Impugnante, aqui em discussão, não excedem os limites legais tal como definidos para os servidores do Estado no Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril, conjugado com a Portaria n.º 1553- D/2008, de 31 de dezembro, para o ano de 2010.”

24) Acrescenta igualmente a Douta sentença ora recorrida, e muito bem que “Também se extrai do RIT, e não é nunca colocado em causa, que a Impugnante foi deslocada do seu local de trabalho habitual na sede da sociedade para prestar serviços e apoio às várias obras que a entidade patronal possuía em Espanha e em Lisboa.

25) De facto a sentença recorrida refere: “Ora, quanto ao facto de as ajudas de custo serem pagas regularmente, não releva in casu. Na verdade, o que seria decisivo era demonstrar que esses valores ou não se destinavam a compensar o trabalhador por despesas por este suportadas em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ao serviço desta, ou que excediam o valor destas despesas e, neste caso, só o valor do excesso poderia ser considerado como remuneração. (…) Aliás, verifica-se que as ajudas de custo, embora regulares, não foram pagas ao longo de todo o ano e não são diárias, existindo diversos picos. Por outro lado, o facto de a Impugnante receber, em simultâneo, subsídio de refeição não descaracteriza as quantias em causa como sendo referentes a ajudas de custo nem, por outro lado, as caracteriza como remuneração. Sublinhe-se ainda que se tratam de quantias abonadas para fazer face a despesas com alimentação, deslocação e estadia, enquanto que o subsídio de refeição abrange somente o almoço, pelo que são realidades distintas, não se podendo falar concretamente na existência de duplicação (a este propósito vejam-se, p.e., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.º 01236/05, de 29-03-2006, e n.º 0774/09, de 21-04-2010). Quanto ao argumento de os documentos relativos às ajudas de custo serem documentos internos, diga-se, desde já que, a lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes ao previstos para os funcionários do Estado, quer para qualificar as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem, pela respetiva entidade patronal, como ajudas de custo, quer para fazer prova de que tais prestações têm aquela natureza. Neste aspecto, a jurisprudência tem sido unânime no entendimento segundo o qual «A prova dos factos necessários para concluir sobre a natureza de ajudas de custo de pagamentos efectuados a trabalhadores por conta de outrem pode ser efectuada por qualquer meio admissível em direito, não sendo imprescindível que sejam emitidos boletins itinerários com conteúdo semelhante aos previstos para os funcionários do Estado.» (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 06910/02, de 13-05-2003, disponível em www.dgsi.pt).

26) Ora, se os boletins itinerários não são indispensáveis, isto é, se não é essencial para a prova das ajudas de custo pagas à ora Impugnante um documento formal donde constem todas as vicissitudes inerentes às deslocações, por maioria de razão, não se pode extrair a conclusão que algumas das irregularidades detectadas na contabilidade da entidade patronal, apontadas pela AT, como seja o facto de a rubrica ajudas de custo possuir mais do que uma designação - ajudas de custo e despesas de representação - impliquem a inexistência das descritas deslocações. Mais se diga que os documentos internos, anexos ao RIT, contêm como título “AJUDAS DE CUSTO”, pelo que não constitui motivo suficiente a abalar a declaração dos Impugnantes o facto de o campo “Serviço Efectuado” conter a descrição “Despesas de representação”.

27) Importava, pois, como vimos, que a AT apontasse elementos de prova que indiciassem, segundo juízos de razoabilidade e de normalidade, que as deslocações não haviam ocorrido ou que, tendo ocorrido, os quantitativos abonados eram totalmente independentes das deslocações aí descritas e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esses abonos excediam as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal.

28) Tal não tendo ocorrido, a motivação da AT é claramente insuficiente para pôr em causa a qualificação das quantias em discussão como sendo ajudas de custo, não existindo qualquer elemento que prove que as importâncias em causa tinham carácter remuneratório e que visavam, de forma dissimulada, compensar a prestação de trabalho. Ou seja, in casu a AT não logrou provar, em sede de ação inspetiva, como lhe competia, o caráter remuneratório dos valores recebidos pela Impugnante, limitando-se a considerar que os valores eram remuneração. Não o tendo feito e, de acordo com os princípios e disposições legais suprarreferidos, os atos tributários de fixação da matéria tributável e consequente liquidação são ilegais.

29) Pelo exposto, resulta claro, que o entendimento do apelante é totalmente desprovido de fundamento, pois a Douta Sentença recorrida valorizou e considerou devidamente toda a prova oferecida nos autos e decidiu em conformidade com a mesma.

30) A sentença recorrida, pelos motivos atrás invocados é a única possível para a questão em apreço, pois cumpre e respeita todos os requisitos impostos por lei, e processo civil.

TERMOS EM QUE DEVERÁ SER NEGADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, MANTENDO-SE INTEGRALMENTE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA. ASSIM FARÃO V. EX.ª COMO SEMPRE E MAIS UMA VEZ JUSTIÇA!

4. Com este recurso subiu um outro recurso, que os Impugnantes interpuseram do despacho interlocutório que indeferiu a diligência de prova testemunhal, no entendimento que não são alegados quaisquer factos concretos susceptíveis de serem provados através de prova testemunhal.

Neste recurso foram formuladas as seguintes conclusões:

«1) Vem o presente recurso interposto da do douto despacho proferida em 20/05/2019, de fls…., e por mera cautela dado que não sabem os Recorrentes, nesta fase, qual foi o entendimento do Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” quando proferiu o despacho de que ora se recorre, que determinou, por desnecessária, a não audição das testemunhas indicadas pelos Recorrentes

2) Não podendo os recorrentes, por mera cautela e dever de patrocínio, concordar com tal despacho, nomeadamente com que determinou a não audição das testemunhas indicadas pelo recorrente por desnecessária, vem os Recorrentes impugnar a decisão proferida pelo tribunal “a quo”, no que respeita à matéria de direito e à aplicação da lei processual, designadamente, quando faz errada aplicação do direito violando a lei substantiva e processual.

3) Os Recorrentes aquando a apresentação da impugnação judicial indicaram e requereram que fossem ouvidas, para prova da matéria de facto alegada no âmbito dos presentes autos quatro testemunhas.

4) Em 31/05/2019 são notificados do despacho proferido em 20/05/2019 de que ora se recorre que refere o seguinte: “Compulsados os autos, considerando o pedido formulado pela Impugnante e os fundamentos respetivos, bem como os documentos juntos aos autos, assim como a contestação apresentada, conclui-se que não são alegados quaisquer factos concretos suscetíveis de serem provados através de prova testemunhal, motivo pelo qual se indefere a diligência de prova.”

5) Ora tendo em atenção que invocou a Recorrente a seguinte matéria de facto na impugnação que apresentou, nomeadamente que: a recorrente foi contratado para trabalhar para a sociedade em causa por contrato de trabalho sem termo, na sede da empresa na localidade do Carregado, que foi deslocada para Espanha e Lisboa por ordem da entidade patronal, que só recebeu as ajudas de custo por efeitos dessas deslocações que tinham por finalidade fazer face as despesas de alojamento, deslocação e alimentação e que em consequência nunca a entidade patronal disponibilizou alojamento, deslocação ou alimentação sendo estas da responsabilidade da recorrente, tudo conforme consta nos artigos 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º,20.º, 21.º, 22.º, 27.º, 54.º, 55.º, 56.º todos da P.I., cumpre referir:

6) Como se sabe, processo judicial tributário é, pelo menos desde a Lei Geral Tributária, um processo de partes, pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais.

E, por isso, o juiz só pode dispensar a fase de instrução dos autos «se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários» (artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115, n.º 1 e 119.º do CPPT.

7) O direito à prova no procedimento e no processo tributário existe e é objecto de uma tutela muito forte, mas não constitui um direito absoluto, pois que o legislador ordinário estabeleceu limites e indicou critérios precisos de restrição do uso de meios de prova em relação a factos determinados, como acontece com o artigo 392.º do Código Civil, onde se estabelece que “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada”, e com o disposto nos artigos 393.º, 394.º e 395.º desse Código, que prevêem as situações em que é inadmissível a prova testemunhal.

8) No caso vertente, o Mmº Juiz do Tribunal “a quo” decidiu que em face da natureza da matéria invocada não havia necessidade de produção da prova testemunhal, expressando, assim, a sua opção pelo imediato conhecimento do pedido.

9) Todavia, da leitura da petição inicial resulta que a Impugnante imputou ao acto de liquidação impugnado vários vícios, invocando que a liquidação foi mal efectuada na medida em que a ajudas de custo recebidas pela Recorrente são verdadeiras ajudas de custo e consequentemente não podem ser tributadas.

10) Com efeito, na perspetiva da impugnante, não se verificam os pressupostos para a tributação das quantias em causa na medida em que o recorrente invoca expressamente que efectivamente foi contratado para trabalhar para a sociedade em causa por contrato de trabalho sem termo, na sede da empresa na localidade do Carregado, que foi deslocada para Espanha e Lisboa por ordem da entidade patronal, que só recebeu as ajudas de custo por efeitos dessas deslocações que tinham por única finalidade fazer face as despesas de alojamento, deslocação e alimentação e que em consequência nunca a entidade patronal disponibilizou alojamento, deslocação ou alimentação sendo estas da responsabilidade da recorrente.

11) O que significa que a Recorrente pretende retirar relevantes efeitos jurídicos dessa alegada factualidade. Torna-se, assim, patente que as questões colocadas nesta impugnação não são apenas de direito, mas, também, de facto. E uma vez que a demonstração de que efectivamente a recorrente foi contratado para trabalhar para a sociedade em causa por contrato de trabalho sem termo, na sede da empresa na localidade do Carregado, que foi deslocado para Espanha e Lisboa por ordem da entidade patronal, que só recebeu as ajudas de custo por efeitos dessas deslocações que tinham por finalidade fazer face as despesas de alojamento, deslocação e alimentação e que em consequência nunca a entidade patronal disponibilizou alojamento, deslocação ou alimentação sendo estas da responsabilidade do recorrente (artigos 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 20.º, 21.º, 22.º, 27.º, 54.º, 55.º e 56.º todos da P.I.), pode ser feita por todos os meios de prova admissíveis, torna-se evidente a necessidade de inquirição das testemunhas arroladas, de forma a possibilitar à Recorrente a prova dessa factualidade.

12) Além de que a selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa deve ser feita segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (artigo 511.º do CPC) e, como vimos, a tese sufragada pela impugnante é juridicamente sustentável e plausível à luz da jurisprudência sobre a matéria.

13) Não se podendo, pois, afirmar, como se afirmou no despacho impugnado, que atenta a matéria em causa nos presentes autos não ser necessária a produção de prova testemunhal, não se podendo assim afiançar que a inquirição das testemunhas não tem interesse para a boa decisão da causa.

14) Pelo que ao decidir como decidiu violou o Meritíssimo juiz do “Tribunal a quo” o disposto nos artigo 113.º, 114.º, 115.º e 119.º todos do C.P.P.T, 392.º, 393.º, 394.º, 395.º todos do Código Civil e 596.º do C.P.C.

15) Assim sendo e salvo melhor entendimento, impõe-se revogar o despacho de que agora se recorre, o qual terá de ser substituído por outro que admita a produção da prova testemunhal oferecida, com a consequente anulação de todo o processado posterior à fase de instrução (que cumpre completar), seguindo-se, depois, os posteriores trâmites processuais e a prolação de sentença.

Termos em que deverá, com o douto suprimento de V. Ex.ª ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho de que agora se recorre, o qual terá de ser substituído por outro que admita a produção da prova testemunhal oferecida, com a consequente anulação de todo o processado posterior à fase de instrução (que cumpre completar), seguindo-se, depois, os posteriores trâmites processuais e a prolaçãode sentença.

Assim farão V. Ex.ª como sempre e mais uma vez

JUSTIÇA

5. Não foram apresentadas contra-alegações.

6. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, foi oferecido parecer no sentido da procedência do recurso.

7. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas pela Recorrente, Fazenda Pública, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida incorreu em (i) erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto, por erro na apreciação da prova e (ii) em erro de julgamento de direito no que concerne à distribuição do ónus da prova.

Quanto ao recurso do despacho interlocutório, apresentado pelos Impugnantes, importa indagar se a decisão recorrida ao desconsiderar a prova testemunhal apresentada pelos Impugnantes no âmbito da petição inicial é ilegal.

Cumpre decidir tais recursos, iniciando-se a apreciação pelo recurso jurisdicional da sentença por ter sido invocado erro de julgamento na apreciação da prova, em detrimento do conhecimento do recurso do despacho interlocutório (que visa a revogação do despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal), por se entender que é a forma que melhor assegura os direitos das partes.

*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1) Em 27-05-2013, os serviços da AT elaboram um relatório de inspeção tributária (RIT) em nome da Impugnante que incidiu sobre IRS do ano de 2010 e no qual consta, além do mais, o seguinte:

«[...] 1. INTRODUÇÃO

No decurso de ação inspetiva à entidade pagadora “M...”, verificámos que, durante o ano de 2010, foram pagas/colocadas à disposição do sujeito passivo em análise, quantias mensais a título de “ajudas de custo”.

Neste sentido, para uma melhor perceção da situação global, especificam-se os seguintes factos:

- É uma sociedade com sede na Praceta I... - Escritório, Carregado;

- A atividade exercida consiste nomeadamente, em trabalhos de serralharia e soldadura, decapagem e pintura de barcos;

- Contrata os trabalhadores para as diversas obras existentes em Portugal e em países da Comunidade: Espanha (a maioria), França e Holanda; para cada obra é celebrado um contrato, isto é, para um trabalhador se deslocar para outra obra, é elaborado novo contrato com esse mesmo trabalhador;

- Suporta custos com os trabalhadores contratados, como sejam,

- Despesas de transporte contabilizadas nas contas 62.1 - Subcontratos, 62.2.26 - Transporte de Pessoal,

- Despesas com eletricidade e água, contas 62.2.11.2 e 62.2.13.2,

- Rendas e alugueres contabilizadas na conta 62.2.19,

- Despesas com alimentação e Alojamento contabilizadas na conta 62 2.27,

- Despesas com “Ajudas de Custo" e Subsidio de Refeição contabilizadas em sub contas da conta 64 - Custos com o Pessoal.

2. “AJUDAS DE CUSTO” atribuídas

Para melhor clarificar este ponto, a seguir abordar-se-ão: os Mapas de “Ajudas de Custo” e os Recibos de Remunerações e de “Ajudas de Custo”.

2.1. Mapas da “Ajudas de Custo”

Como já referido no decurso de uma ação inspetiva à entidade pagadora, constatou-se que foram adicionalmente pagas/colocadas à disposição do sujeito passivo, no ano de 2010, as seguintes quantias mensais, que perfazem o total anual de € 13.484,31, referente a Outros Abonos, a título de "Ajudas de Custo":

As quantias processadas mensalmente a título de "Ajudas de Custo", encontram-se suportadas por mapas de "ajudas de custo”, cujas fotocópias enviadas pela Mandatária do Sujeito Passivo na sequência da notificação descrita no ponto 3, se juntam em Anexo 1 (11 páginas).

Nos mapas das supostas “ajudas de custo", verificamos que:

- O serviço efetuado refere "Despesas de Representação”;

- O serviço foi prestado em diversas localidades, nomeadamente, Gijon, San Sebastian, Bilbao, Murueta, Santurce e Sestao, em Espanha e em Lisboa;

- O valor das “ajudas de custo” encontra-se inscrito em todos os dias sem interrupção alguma, sejam dias úteis ou não úteis.

De referir também que no ano de 2010 detetaram-se na “M...”, relativamente ao Sujeito Passivo “A...”, 2 mapas de ajudas de custo para o mesmo período, mencionando, para as mesmas datas, valores e locais diferentes, o que descredibiliza a natureza dos valores pagos a título de “Ajudas de Custo”, caracterizando-se estes rendimentos como de trabalho dependente.

Juntam-se a título exemplificativo, como Anexo 2 (4 páginas) os mapas de “Ajudas de Custo” respeitantes aos meses de janeiro e de abril de 2010, ambos assinados pelo Sujeito Passivo.

Nesta sequência, relativamente a Ajudas de Custo e a Despesas de Representação, evidenciamos o seguinte.

Ajudas de Custo

Pela análise aos referidos mapas constata-se que os valores processados não excedem os limites legais tal como definidos para os servidores do Estado no Decreto-Lei 106/98 de 24 de abril [...] conjugado, com a Portaria n.º 1553-D/2008 de 31 de Dezembro, para o ano de 2010. Este facto afastaria, “a priori", a sujeição de tal importância a tributação em sede de IRS na esfera pessoal do beneficiário, tal como é definido na al. d) do n.º 3 do art.º 2.º do CIRS.

Porém, subjacente a essa não sujeição consagrada no CIRS surge uma condição fundamental, como aliás é reconhecida pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 04/05/2004 - Processo n.º 01342/03: “A característica essencial das ajudas de custo é o seu caráter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que teve que suportar a favor da sua entidade patronal, por motivos de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspetividade entre a sua perceção e a prestação de trabalho".

O mesmo Acórdão refere ainda que a tributação em sede de IRS dos montantes auferidos a título de ajudas de custo e que se compreendam dentro dos limites legal mente estipulados, “só pode ser sustentada se se puder considerá-los como um complemento de remuneração, sem fim compensatório".

Despesas de Representação [...]

As despesas de representação são basicamente, todas as efetuadas para representação da empresa junto de terceiros.

Estas despesas devem ter como base um documento emitido de forma legal, por entidade externa, sendo que no verso do mesmo, esteja identificado o funcionário, bem como o cliente ou terceiro, que também integrem a despesa efetuada.

No caso em apreço como não existe documento justificativo das mesmas, uma vez que o documento base é um documento interno da entidade pagadora, devem ser consideradas como remunerações de trabalho dependente (art.º 2.º do CIRS).

Na entidade pagadora “M...", as referidas verbas foram contabilizadas como “Ajudas de Custo”, não tendo sido consideradas como “Despesas de Representação”.

2.2. Recibos de remunerações e de “Ajudas de Custo”

Em relação ao sujeito passivo “A...” são processados mensalmente dois recibos, conforme fotocópias que se juntam em Anexo 3 (12 páginas):

- um com o vencimento, subsidio de alimentação e

- outro com a descrição “Ajudas de Custo".

Nestes recibos verifica-se que o subsidio de alimentação foi processado na íntegra (dias úteis), e o valor referente às “ajudas de custo” foi processado em relação a todos os dias úteis e não úteis.

Tal procedimento, afasta-se do objetivo das ajudas de custo, uma vez que estas servem para cobrir despesas, nomeadamente despesas com a alimentação, desde que os trabalhadores efetuem deslocações em serviço; deste modo o trabalhador no mesmo dia recebe por um lado, o valor do subsídio de refeição e, por outro, o valor das “Ajudas de Custo".

O facto do trabalhador receber nos mesmo dias o subsidio de refeição e as alegadas “Ajudas de Custo”, comprova que aqueles valores lhe foram pagos extra vencimento e subsídio de refeição não tinham a natureza de ajudas de custo, mas antes um complemento de remuneração, sem qualquer fim compensatório.

De referir também que da análise dos recibos referentes às remunerações e às ajudas de custo recolhidos na empresa e aos enviados pelo Sujeito Passivo [...]

Os montantes atribuídos a título de ajudas de custo serviram para que, em conjunto com o vencimento mensal e com o subsídio de refeição, o Sujeito Passivo auferisse mensalmente a quantia de € 636,38, de janeiro a maio, e €2.973,17 a partir de junho (exceto o mês de julho, em que não auferiu rendimentos), reforçando a sua natureza como rendimentos de trabalho dependente. [...]»

(cf. RIT a fls. 46 a 73 do PA anexo aos autos);

2) Em 28-05-2013, a Chefe de Divisão de Inspeção da AT proferiu despacho do qual se extrai concordar com o RIT descrito em 1) (cf. RIT a fls. 46 a 73 do PA anexo aos autos);

3) Em 22-07-2013, os serviços da AT emitiram em nome dos Impugnantes a demonstração de acerto de contas relativa à liquidação de IRS de 2010 n.º 2013 4... e de juros compensatórios n.º 2013 00002016510, constando como saldo a pagar € 3.526,97 (cf. Doc. 1 junto à PI a fls. 1 a 31 do SITAF);

4) Em 22-11-2013, a petição da presente impugnação deu entrada nos serviços da AT (cf. registo a fls. 3 dos autos);

5) Em 04-12-2013, deram entrada os presentes autos neste Tribunal (cf. registo do SITAF).


*

Não existem outros factos, provados ou não, com interesse para a decisão da causa.

*

A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PA apenso aos autos.»

*

2. DO ERRO DE JULGAMENTO NA APRECIAÇÃO DA PROVA

A primeira questão que importa apreciar é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro na apreciação da prova.

Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11, proferido no processo 334/07.3 TBASL.E1): O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.

Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento. (disponível em www.dgsi.pt/).

O Tribunal ad quem aprecia apenas os aspectos sob controvérsia e não vai à procura duma nova convicção, pois o que visa determinar é se a motivação apresentada pelo Tribunal a quo encontra suporte razoável naquilo que resulta dos elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos (neste sentido vide Acórdão do TCAS de 10/10/2019, processo nº 2327/08.4BEBLS, disponível in: www.dgsi.pt.).

De salientar que o julgador embora livre no exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.

Importa recordar, nesta sede, que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341.º do Código Civil), e para esse efeito, o que releva e é exigível é que o julgador forme a sua convicção assente na certeza relativa do facto, devendo existir um alto grau de probabilidade da sua verificação.

O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que tendo concluído que a motivação da Administração Tributária é claramente insuficiente para pôr em causa a qualificação das quantias em discussão como sendo ajudas de custo, não existindo qualquer elemento que prove que as importâncias em causa tinham carácter remuneratório e que visavam, de forma dissimulada, compensar a prestação de trabalho, anulou a liquidação de IRS de 2010, n.º 2013 4... e respectivos juros compensatórios.

A Recorrente não se conforma com o decidido por entender, em síntese, que a AT cumpriu o ónus que sobre si impendia de que os montantes em causa revestem natureza remuneratória de rendimento de trabalho dependente e que a Impugnante não logrou abalar os fundamentos da correcção.

Alega que a fundamentação do Tribunal a quo para além de insuficiente denota evidente erro intelectual na apreciação dos factos, realçando factos que retira do relatório de inspecção tributária, com o seguinte entendimento:

- a contribuinte A... foi contratada como administrativa, ou seja, exercendo funções permanentemente na sede do empregador e desconhecendo-se em concreto que outras funções pudesse ter desempenhado e que motivos comprovados a poderiam ter levado a exercer funções fora do local de trabalho (indício não apurado pelo Tribunal);

- auferindo prestações mensais (que à exceção de julho mês em que não estava sequer ao serviço) se provaram regulares e periódicas ofendendo a ocasionalidade e a imprevisibilidade que caracteriza as próprias ajudas de custo; (indício menosprezado pelo Tribunal)

- prestações essas que contemplando a alimentação do trabalhador nas alturas em que supostamente está deslocado acrescidas de um subsídio destinado ao mesmo fim (alimentação) já contemplado na fixação da “ajuda de custo” constituem evidente indício da perceção de um rendimento duplicado em termos de alimentação (…)

- especialmente por parte do sujeito passivo que auferiu aqueles montantes supostamente por contrapartida de despesas para as quais não há prova cabal apresentada de que as tenha suportado (meros documentos internos) pois que não assentes em documentos externos, como sejam faturas, recibos, talões de mesa, bilhetes referentes à deslocação, etc.. que de alguma forma nos permitissem convencer da efetividade das mencionadas despesas que supostamente deveriam ser compensadas pelo empregador e que se nem o empregador nem o empregado os têm ou se preocupam em os obter ou guardar a única conclusão a retirar é que a confessada dispensabilidade da sua apresentação e guarda indicia claramente a natureza remuneratória das supostas ajudas de custo.

- facto que se mostra reforçado também através de Boletins Itinerários insuficientemente preenchidos não se alcançando os motivos das deslocações, a natureza da despesa ou o montante.

- Tendo-se detetado ainda, para além de toda a imaterialidade dos serviços, o preenchimento de dois mapas de ajudas de custo referentes ao meses de janeiro e abril de 2010, ambos assinados pela Impugnante, em que para as mesmas datas são assumidos valores e locais diferentes – no que para além do eventual ilícito penal faz gorar a presunção de boa fé declarativa pois que não se alcança, em termos fiscais e à luz daquela que é a situação tributária, onde começa a verdade nisto tudo, se é que começa. (…)

Ora, resulta do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), que sustenta a correcção que suportou a liquidação impugnada, parcialmente transcrito no ponto 1 do probatório que a Impugnante, no ano de 2010, desempenhou funções de secretária na sociedade “M...”, que os mapas de ajudas de custo referem quanto ao serviço efectuado “Despesas de Representação” e nas deslocações a Lisboa “Trabalho administrativo”, sem que exista documento justificativo das mesmas, e que não se conhece comprovadamente qualquer facto susceptível de ser compensado sob a forma de ajuda de custo.

Com efeito, o RIT refere, no que respeita aos mapas de ajudas de custo, únicos elementos de prova aí apresentados, o seguinte:

- O serviço efectuado com direito a ajudas de custo apresenta como descrição Despesas de Representação”, não indicando nem identificando qualquer trabalho efectuado, cliente ou qualquer entidade relacionada com a sociedade.

- Foram detectados na sociedade “M...” dois mapas de ajudas de custo para os meses, indicando deslocações a locais diferentes e apresentando montantes complementares diferentes (anexo 2 – meses de janeiro e de abril, a título de exemplo). De referir que ambos os mapas se encontram assinados pelo Sujeito passivo e, relativamente a esta situação, nada foi referido no exercício do direito de audição.

Ou seja, de acordo com a fundamentação constante do RIT, a Administração Tributária não aceitou a efectividade das deslocações da Recorrida, para além do mais, por a Recorrida exercer funções administrativas e os mapas de ajudas de custo não identificarem qualquer trabalho efectuado, cliente ou qualquer entidade relacionada com a sociedade, e, ainda, por o sujeito passivo ter apresentado unicamente como elementos de prova os mapas de custo, em sede de audição prévia.

À luz das regras de experiência e da lógica, e sem qualquer documento de suporte, visto que como alegado pela Impugnante mulher não celebrou qualquer contrato escrito, não é usual que uma secretária, que presta serviço administrativo, auferindo um vencimento mensal perto do limiar do ordenado mínimo nacional, receba de ajudas de custo cerca do dobro da quantia anual que recebeu de ordenado.

Compulsado o RIT verifica-se ainda que a Impugnante, no âmbito da acção de inspecção interna, exerceu o direito de audição prévia, tendo afirmado que «(...) não existe nem nunca existiu qualquer contrato de trabalho, o único contrato que deteve … foi um contrato verbal, para desempenhar as funções de Secretária e com local de trabalho nas instalações da identificada sociedade… teve (…) de se deslocar em Portugal, e de se deslocar a Espanha, para prestar assistência aos trabalhadores aí deslocados mas também para prestar apoio aos clientes da identificada empresa. Igualmente nas referidas deslocações (…) teve de realizar em nome da entidade empregadora e por instruções directas desta, vários contactos para a prospecção ou angariação de clientes; estudos de mercado; logística relacionadas com as condições locais ou do local; várias reuniões; apoio administrativo à gerência e seus quadros superiores, controle de custos e outras actividades inerentes, etc… teve de se deslocar em Portugal e ainda teve de permanecer temporariamente em Espanha durante o período atrás referido, tendo de suportar os custos de se deslocar em Portugal e ainda os custos de vida substancialmente elevados das deslocações/permanências que efectuou a Espanha (estadia e deslocações substancialmente mais caras do que em Portugal)…»

Assim, em sede de audição prévia, a Recorrida afirmou não ter assinado qualquer contrato de trabalho escrito, tendo sido contratada para desempenhar as funções de Secretária, com local de trabalho nas instalações da sociedade, sitas no Carregado, cujas condições contratuais e remuneratórias foram acordadas verbalmente.

O principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo aos trabalhadores por conta de outrem é a existência de deslocação do trabalhador em serviço para local diferente do seu domicílio necessário.
Por outro lado, os documentos relativos a despesas de representação deverão conter os elementos necessários (v.g. identificação do cliente e justificação da despesa) para que seja determinável a própria causa destas despesas, para se aferir da sua relevância fiscal (artigo 2.º do CIRS).
In casu, é de salientar que não existe qualquer contrato formalizado junto aos autos, desde logo, como alegado, por o contrato ser verbal, nem foi feita qualquer prova das condições contratuais, nem existe qualquer suporte documental da factualidade descrita no exercício do direito de audição prévia, no que respeita aos objectivos das deslocações.
A sentença recorrida na decisão da matéria de facto não levou ao probatório a celebração de contrato de trabalho e condições relevantes, designadamente, local de trabalho acordado.
Não podemos deixar de registar que a forma como a decisão da primeira instância fixou a matéria de facto assente não é a mais consentânea com a boa prática processual emanada, designadamente dos artigos 607.º, n.º 3 do CPC e 125.º, n.º 1 do CPPT e a jurisprudência dos tribunais superiores (cfr. ac TCAS de 17/09/2015, proc. n.º 04848/04, disponível em www.dgsi.pt/).
Para além de não ter levado ao probatório o vínculo contratual, a decisão da matéria de facto também é omissa quanto às deslocações referidas nos mapas de ajudas de custo, uma vez que apenas levou ao probatório o RIT, do qual transcreveu parte substancial, a emissão da liquidação e apresentação da petição inicial de impugnação.
Porém, na apreciação fáctico-jurídica refere-se que não foi posta em causa que a Impugnante mulher prestava trabalho por conta de outrem ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro legalmente equiparado.
Assim, no que respeita ao contrato de trabalho, embora se possa aceitar que se mostra especificado na fundamentação fáctico-juridica, não está de forma suficiente, sendo necessário esclarecer os concretos termos da contratação.
No que respeita às deslocações, como já se deixou expresso, não se acompanhada a afirmação constante da fundamentação da discussão jurídica de que no RIT não é nunca colocado em causa que a Impugnante foi deslocada do seu local de trabalho habitual na sede da sociedade para prestar serviços e apoio às várias obras que a entidade patronal possuía em Espanha e em Lisboa, uma vez que, como se extrai do RIT, a Impugnante mulher exercia funções administrativas, inexiste contrato de trabalho escrito, os mapas de ajudas de custo, referem alguns “Despesas de Representação” e outros “Trabalhos administrativos” e não são perfeitamente esclarecedores quanto aos clientes, justificação das despesas e objectivos das deslocações de uma trabalhadora que exerce funções administrativas, desconhecendo-se qualquer facto documentado susceptível de ser compensado sob a forma de despesas de representação ou de ajuda de custo.
Com efeito, a própria Recorrida admite no ponto 11 das conclusões das contra-alegações que a Impugnante na matéria das deslocações não foi cabalmente esclarecedora.
Decorre dos autos que a administração tributária terá reunido alguns indicadores de que o abono das quantias em causa não observava os pressupostos da atribuição de despesas de representação e/ou de ajudas de custo, principalmente porque os documentos apresentados pela Impugnante no âmbito da inspecção, que se resumem aos mapas de ajudas de custo, pela sua genérica descrição do local, não permitem efectuar o controlo das deslocações, designadamente, saber com exactidão o trabalho efectuado pela trabalhadora (cfr. alínea f) do n.º 1 do art.º 42º do CIRC, ex vi do art.º 32º do CIRS).
A comprovação das ajudas de custo que a Impugnante pretende ver relevadas fiscalmente recai sobre ela, pois não estando devidamente documentadas, não beneficia da presunção de veracidade (neste sentido vide Ac. do TCAS de 05/11/2020, proc. n.º 755/09.7BEERLS, disponível em www.dgsi.pt/).
No entanto, a Impugnante, ora Recorrida, colocou em causa os factos objectivos descritos no relatório inspectivo, podendo, eventualmente, estar a falar-se de erro quanto aos pressupostos de facto apurados pela Administração Tributária.
Resulta, assim, do exposto que a Administração Tributária não aceitou a efectividade das deslocações e a Recorrida mulher veio reiterar, na sua petição inicial, a existência de deslocações para Espanha e Lisboa, tendo para prova de tais factos arrolado testemunhas.
Decorre dos autos que os impugnantes foram expressamente notificados para indicar quais os factos que carecem de prova testemunhal, tendo respondido que pretendiam que as testemunhas fossem inquiridas, designadamente aos factos constantes nos pontos 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 22, 27, 54, 55 e 56 da petição inicial.
Compulsada a petição inicial, verifica-se que os impugnantes alegaram factualidade tendente a demonstrar que a Recorrida mulher foi contratada pela sociedade M..., Lda. por contrato verbal sem termo para desempenhar as funções secretária e qualquer outra que lhe fosse atribuída pela sociedade empregadora, na sede da empresa em Portugal e que houve necessidade de fazer deslocações junto dos clientes da identificada sociedade a Espanha e a Lisboa para prestar apoio aos trabalhadores para aí deslocados e a clientes, para além de prospecção ou angariação de clientela, estudos de mercado, reuniões e apoio administrativo à gerência e quadros superiores, etc.; e que lhe foram pagas as quantias referidas nos mapas de ajudas de custo para fazer face aos custos das deslocações/permanências que efectuou a Espanha e nas deslocações a Lisboa (cfr. pontos 14, 15 e 16 da p.i.).
Porém, o Tribunal a quo entendeu que não são alegados quaisquer factos concretos susceptíveis de serem provados através de prova testemunhal, indeferindo, assim a diligência de prova.
Impõe-se, pois, concluir que a sentença recorrida incorreu em erro na apreciação da prova, bem como em errado juízo valorativo quanto à inexistência de factos concretos de serem provados através de prova testemunhal.
No presente caso, o que verdadeiramente releva é saber se a Administração Tributária bem fundou a correcção em causa. Ora, as afirmações constantes das conclusões do relatório de que a impugnante mulher foi contratada como administrativa e que não se conhece qualquer facto documentado susceptível de ser compensado sob a forma despesas de representação e de ajuda de custo (por ter sido como ajuda de custo que a entidade empregadora contabilizou as verbas indicadas como despesas de representação), associada à afirmação da impugnante que celebrou contrato de trabalho verbal e que prestou serviço à sua entidade patronal deslocada do seu local de trabalho, em Espanha e em Lisboa, acaba por abalar os indícios colhidos pela Administração Tributária
Contudo, mostrando-se imperioso saber se a Recorrida mulher foi contratada para exercer funções no Carregado como secretaria e qualquer outra função que lhe fosse atribuída e demais factos alegados quanto às deslocações, deparamo-nos com défice de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação, essencialmente porque a Recorrida mulher terá celebrado os termos do contrato verbalmente e não se mostra nos autos qualquer prova documental do mesmo.
Procede assim o recurso neste segmento, reconhecendo-se que a sentença padece do referido erro na apreciação da prova, bem como descurou a necessidade de fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspecto jurídico da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Concluindo, a Administração Tributária poderá ter razão, ao questionar estas despesas, quando afirma que as quantias pagas como “despesas de representação” e de “ajudas de custo” não o poderiam ter sido, por inexistirem deslocações e documentos comprovativos das deslocações, o que é reforçado pela contabilidade da entidade empregadora que apresentava custos com os trabalhadores contratados, designadamente, despesas de transporte, rendas e alugueres, alimentação e alojamento (ponto 1, do capítulo III e capítulo VIII).
Mas, os Impugnantes colocam em crise este facto, ou seja, a inexistência das deslocações, pelo que impõe-se esclarecer, designadamente, os termos do contrato celebrado com a Recorrida mulher, sendo pertinente a prova através de quaisquer meios admitidos em Direito.
Deste modo, não podendo sufragar-se o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular, oficiosamente, segundo o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC, a sentença, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, seja promovida a inquirição das testemunhas arroladas pelos impugnantes e efectivadas as demais diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, do aspecto apontado como deficitariamente instruído, nesta medida ficando, pelas razões supra expostas, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, bem como o conhecimento do recurso interposto do despacho interlocutório.
Pelo que a sentença recorrida não pode manter-se, por ora, e ao recurso deve ser concedido provimento.

*

Conclusões/Sumário:

I. O julgador embora livre no exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.

II. O principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo aos trabalhadores por conta de outrem é a existência de deslocação do trabalhador em serviço para local diferente do seu domicílio necessário.
III. A comprovação das ajudas de custo que a Impugnante pretende ver relevadas fiscalmente recai sobre ela, pois não estando devidamente documentadas, não beneficia da presunção de veracidade.

IV. Se a Impugnante coloca em crise a inexistência das deslocações, impõe-se esclarecer, designadamente, os termos do contrato celebrado com a Recorrida mulher, sendo pertinente a prova através de quaisquer meios admitidos em Direito.

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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em:

a) conceder provimento ao recurso interposto da sentença, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para que seja substituída por outra que decida após ampliação da matéria de facto, nos termos supra indicados.

b) não tomar conhecimento do recurso interposto do despacho interlocutório, por ter ficado prejudicado.

Custas pelos Recorridos.

Notifique.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2021.



Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Hélia Gameiro Silva – 2.ª Adjunta
(assinaturas digitais)