Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04042/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/17/2011
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:2.ª AVALIAÇÃO. ERRO NOS PRESSUPOSTOS.
Sumário:1. Independentemente da possível e conforme com a lei, classificação do prédio a avaliar como “terreno para construção”, a 2.ª avaliação do mesmo é ilegal por assentar em errados pressupostos de facto, dado não haver versado e, eventualmente, valorado, a circunstância, invocada pelo requerente da diligência, de ser destinado, em exclusivo, a logradouro de um prédio urbano já constituído e como tal inscrito na matriz.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
A..., contribuinte n.º 124134025 e com os demais sinais dos autos, deduziu impugnação judicial contra acto de fixação de valor patrimonial (2.ª avaliação).
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, foi proferida sentença julgando, entre o mais, a impugnação procedente, por provada, quanto ao acto de 2.ª avaliação, anulando-o, veredicto que a FAZENDA PÚBLICA adversou no presente recurso jurisdicional, cuja alegação integra as seguintes conclusões: «
A. Entendeu a sentença sob recurso que o acto de avaliação em causa enfermava de erro de facto nos seus pressupostos, determinando a sua anulação, uma vez que o impugnante havia abundantemente declarado, mediante a declaração modelo 129 entregue à AF, a escritura de compra e venda e o requerimento de 2ª avaliação, que a parcela de terreno em causa tinha como único destino a ampliação do logradouro do prédio inscrito na matriz sob o artigo 3281, não detendo aptidão construtiva.
B. Desde logo, os autos evidenciam documentos que permitem estabelecer factos pertinentes à boa decisão da causa que não foram fixados no probatório e a este devem acrescer, a saber:
• Por escritura pública de compra e venda de 12/3/1992, do Cartório Notarial da Batalha, B...e mulher adquiram à sociedade “C..., Lda.” uma parcela de terreno para construção coma área de 1264 m2, sita no lugar de Paraíso, freguesia e concelho de Leiria, omisso na matriz e a destacar do prédio rústico descrito na CRP de Leiria sob o n° 193/Leiria e inscrito na matriz sob o artigo 159.
• Quanto ao mesmo imóvel foi emitido o Alvará de Loteamento n° 16/2000, de 30/11/2000, em nome de C..., Lda., sendo licenciado o Loteamento n° 11/91 (5 lotes) e as respectivas obras de urbanização.
C. Estabelecidos este novos factos, importam trazer à colação as noções do art. 6° do Código do IMI, designadamente, o disposto no n° 3 do art. 6° do CIMI (na redacção vigente á data dos factos): “Terrenos para construção são os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos.”
C. Ora, segundo o CIMI, constituem assim terrenos para construção aqueles situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos.
D. Impondo concluir que detém essa qualidade de terreno para construção a realidade que inicialmente estava inscrita na matriz rústica sob o artigo 159 e, consequentemente, a parcela do mesmo desanexada.
E. Tendo a sentença sob recurso aderido à tese de que mediante a entrega da declaração modelo 129 pretenderia o impugnante servir uma dupla finalidade: por um lado, em termos de matriz, “oficializar” a desanexação/destaque da parcela de terreno do R-159/Leiria e, por outro, rectificar o alegado erro do alvará de loteamento.
F. Mas a adopção do expediente adoptado junto da AF não tem idoneidade para servir o propósito de rectificar um alvará de loteamento.
G. Assim como as meras alegações produzidas na presente não podem deter a virtualidade de contrariar a realidade que os documentos evidenciam e o respectivo valor probatório, também os argumentos trazidos à impugnação não podem, pura e simplesmente, afastar tal realidade, sob pena da violação das regras do ónus da prova e do valor probatório dos documentos autênticos.
H. Tanto que no alvará de Loteamento n° 16/2000, a área total do “lote 5” é de 1,811,90 m2, correspondente à soma da área total de 1.264,00 m2 do prédio U-3281 e da parcela de terreno de 547,90m2, o que contraria o alegado erro do loteamento que vem invocado e, portanto, a tese do impugnante a que a douta sentença veio a aderir.
I. Ademais, também, não foi considerado que, contra o valor patrimonial fixado ao referido lote 5, o qual, segundo a tese do impugnante, corresponde ao U-3281 e à parcela em causa, foi instaurada a Impugnação Judicial n° 62/2003 (conforme informa a RFP na sua contestação).
J. Não cuidando a douta sentença sob recurso de apurar se naquele processo esta parcela de terreno com 547,90m2, apresentada aqui como logradouro do U-3281, também se constituiu como seu objecto, originando uma duplicação de processos, avaliações administrativas e apreciações judiciais que importa evitar.
K. Com todo o respeito, e é muito, a sentença sob recurso, fixando incompletamente a matéria factual e valorando imperfeitamente a prova produzida, veio a decidir de modo avesso à verdade material dos autos, fazendo errada interpretação das normais legais aplicáveis, em violação dos artigos 6° e 40°/4 do CIMI, 74°/1 da LGT, 342° e 371° do Código Civil, pelo que não deve manter-se.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente, com o que se fará como sempre JUSTIÇA. »
*
O Recorrido/Rdo concretizou a apresentação de contra-alegações, onde conclui: «
A) Do artigo rústico 159 da freguesia de Leiria foi vendida e destacada, em Março de 1992, uma parcela de terreno para construção urbana com 1264 m2, cuja respectiva edificação veio a ser inscrita na matriz sob o artigo 3281.
B) A referida parcela veio a corresponder ao lote n° 5 do processo de loteamento 11/91, pelo qual foi autorizada a operação de urbanização do artigo rústico 159, que em 1992 se encontrava pendente na Câmara de Leiria.
C) Porém, entre a parcela registada sob o artigo 3281 e o correspondente lote n° 5 do Alvará de Loteamento existia uma diferença de 547,9 m2.
D) Diferença de área essa que foi vendida para logradouro do artigo 3281 de forma a rectificar e harmonizar a construção já existente em tal artigo com o lote n° 5, do alvará de loteamento.
E) Por último, importa referir que a Impugnação Judicial 62/2003, cuja sentença se junta como documento um, invocada apenas agora pela recorrente em sede de recurso não origina qualquer duplicação de processos ou avaliações administrativas já que a mesma teve por objecto a falta de fundamentação de uma segunda avaliação realizada sobre os lotes 1, 2, 3, 4, e 5, junção de documento um que está dispensada do pagamento de multa.
F) Ou seja, o objecto e os fundamentos em que a mesma incidiu não são os mesmos que conduziram à sentença ora em crise.
G) São, assim, inconsistentes as questões suscitadas pela recorrente não tendo a douta sentença ora em crise valorado incorrectamente a prova produzida, não violando, nesses termos, os artigos 6° e 40°/4 do CIMI, 74°/1 da LGT, 342° e 371° do Código Civil.

Termos em que deve ser autorizada a junção do documento um, com dispensa de pagamento de multa, devendo ainda o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida. »
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A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.
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Apostos os vistos de lei, compete conhecer.
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II
Mostra-se consignado, na sentença: «
II. FUNDAMENTAÇÃO
i) DE FACTO
Assim, com interesse para a decisão, dão-se como provados os seguintes factos:
A) Em 23/06/2003, o impugnante apresentou a declaração modelo 129, com vista à inscrição na matriz, como novo, da parcela de terreno com a área de 547,9m2, para ampliação do logradouro do artigo urbano 3281, declarando, ainda, que a passagem do prédio em causa a urbano ocorreu em 23/06/2003 - fls. 56 a 57.
B) Através de escritura pública, outorgada no dia 25/06/2003, o impugnante e sua esposa venderam a D..., pelo valor de 2.500€, uma parcela de terreno com a área de 547,90m2, a confrontar do Norte com A..., Sul com D..., Nascente com Avenida Nossa Senhora de Fátima e Poente com Rua Joaquim Ribeiro Carvalho, para aumento do logradouro do prédio urbano do comprador inscrito na matriz sob o artigo 3281 - fls. 31 a 34.
C) Notificado do valor patrimonial fixado à parcela de terreno na 1.ª avaliação, o impugnante requereu 2.ª avaliação, conforme requerimento de fls. 14 a 18, que se dá por integralmente reproduzido.
D) No dia 06/11/2003, a parcela de terreno supra identificada, foi objecto de 2.ª avaliação, conforme Termo de fls. 58, que se dá por integralmente reproduzido, do qual se destaca o seguinte:
«(...)
Lote de terreno p/ construção com a área de 547,9 m2, sito Paraíso da freguesia de Leiria, de acordo com a localização, situação, configuração do terreno, área e tipo de construção permitida, foi atribuído por maioria o valor de € 100 por metro quadrado de que resulta o valor patrimonial de € 54790.
Esta avaliação reporta-se à data da 1.ª avaliação.
(...)
E assim deram por finda a avaliação.
(…)»
E) A coberto do ofício n.º 1862, de fls. 19, que se dá por integralmente reproduzido, datado de 01/11/2003, o impugnante foi notificado, entre o mais do valor atribuído à parcela de terreno em 2.ª avaliação.

Factos não provados:
Com interesse para a decisão não se provaram outros factos.
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A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes. »
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Em função do conteúdo da conclusão B., a questão que, desde já, temos de solucionar prende-se com o julgamento factual efectivado na 1.ª instância, especificamente, avaliar da necessidade, para a correcta decisão da causa, segundo as várias cambiantes possíveis, de lhe aditar a factualidade proposta pela Recorrente/Rte.
Sem prejuízo de os elementos documentais disponibilizados a fls. 21 a 24 e 27 a 30 poderem permitir julgar provados os factos configurados na indicada conclusão de recurso, como melhor e mais aprofundadamente perceberemos pela exposição seguinte, são os mesmos desprovidos de qualquer interesse relevante e determinante para o julgamento do mérito. Na verdade, à discussão dos pertinentes aspectos jurídicos, apresenta-se neutra, anódina, a qualidade de terreno para construção, da parcela sujeita ao impugnado acto da 2.ª avaliação, que a impugnante, aliás, nunca põe em dúvida e a sentença recorrida de modo algum afasta. Assim, na medida em que a Rte, pelo aditamento factual apreciando, visa firmar, apenas, a comprovação dessa tipologia de prédio urbano – cfr. conclusões C. e D., não é necessário aditar outros factos aos, já, julgados provados, desatendendo-se, portanto, este fundamento de recurso.
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Estabilizada a matéria de facto provada, nos moldes decorrentes do judiciado pelo tribunal recorrido, a derradeira questão que se nos coloca, em função dos argumentos sintetizados nas demais conclusões de recurso, é a de saber se a versada sentença, violando, sobretudo, o disposto nos arts. 6.º e 40.º n.º 4 CIMI (1), errou no seu julgamento, ao decidir pela procedência da impugnação e, consequente, anulação do acto tributário objectado, por “erro nos pressupostos de facto da avaliação” (2). Para aceder a esta conclusão, foram eleitos os fundamentos que, de seguida, se transcrevem, objectivando melhor perceber a respectiva amplitude: «
(…), entende o impugnante que o acto de avaliação enferma de erro de facto nos seus pressupostos, porquanto não teve em consideração quer o destino do terreno quer as circunstâncias em que o mesmo foi alienado.
Ora, conforme resulta, quer da declaração modelo 129, quer da escritura de compra e venda, quer ainda do requerimento de 2.ª avaliação, a parcela de terreno em causa tinha como único destino a ampliação do logradouro do prédio inscrito na matriz sob o artigo 3281. Assim sendo, não tinha qualquer aptidão para a construção.
Contudo, no Termo de Avaliação, foi considerado como critério para a determinação do valor patrimonial do terreno o “tipo de construção permitida”; mas os senhores peritos não revelaram qual era a construção permitida, aliás, nem em sede de impugnação judicial, a AT veio demonstrar que no prédio aqui em causa, seja permitida alguma construção.
Assim, não se encontrando alegado nem provado que, ao invés do abundantemente declarado pelo impugnante, o terreno tinha outro destino que não a ampliação do logradouro de outro prédio, temos de concluir que o acto impugnado enferma de erro nos seus pressupostos de facto, devendo ser anulado. »
Cumprindo, em primeiro lugar, mencionar a impossibilidade legal de este julgamento violar o estatuído nos arts. 6.º e 40.º n.º 4 CIMI, pela singela razão de o diploma em causa apenas haver iniciado vigência a 1.12.2003 (3), os motivos descortináveis na fundamentação transcrita elegem, como elemento central e decisivo de análise, a circunstância de os intervenientes e decisores, no acto de 2.ª avaliação, se haverem escudado no “tipo de construção permitida”, sem revelarem qual era a edificação possível, acrescendo o facto de a administração tributária/AT não ter, nomeadamente, no corrente processo, demonstrado que no prédio fosse permitida alguma construção, quando o impugnante, em várias, ocasiões (4), maxime, junto dos serviços tributários, sempre invocou e escreveu que o destino do terreno a avaliar era a ampliação do logradouro de um outro prédio urbano. Ou seja, o tribunal recorrido entendeu que, independentemente da possível e conforme com a lei, classificação do prédio a avaliar como “terreno para construção”, a 2.ª avaliação do mesmo é ilegal por assentar em errados pressupostos de facto, dado não haver versado e, eventualmente, valorado, a circunstância, invocada pelo requerente da diligência, de ser destinado, em exclusivo, a logradouro de um prédio urbano já constituído e como tal inscrito na matriz. Seria o mesmo que, por exemplo, tratando-se de um terreno para construção, fosse invocada a obrigatoriedade de se proceder a um tipo específico de edificação (moradia unifamiliar) e os peritos avaliadores determinassem o valor patrimonial no pressuposto de poder ser concretizada qualquer construção (edifício em propriedade horizontal).
O pomo da discórdia não reside, pois, na espécie de prédio que foi sujeito ao procedimento de avaliação, daí a inutilidade de valorar factualidade que permitisse afirmar, sem dúvidas, a tipologia de “terreno para construção”, acha-se, sim, nos elementos factuais considerados e tidos por suporte do valor patrimonial estabelecido pelos peritos avaliadores. Enquanto estes, baseados em que se tratava de um terreno para construção, pressupuseram o “tipo de construção permitida”, julgamos, para a zona territorial da implantação da parcela, no entendimento do impugnante, acolhido pelo tribunal a quo, a realidade era outra e implicava considerar, como elemento decisivo do juízo de avaliação, a circunstância de, por vontade expressa do proprietário, a porção de terreno em causa se destinar, exclusivamente, a logradouro de um outro prédio urbano. Por outras palavras, mesmo admitindo-se que, por critérios legais, o prédio avaliando fosse de classificar como pertencente ao tipo dos “terrenos para construção”, dado preencher algum dos critérios (5) estabelecidos no, à data vigente, art. 6.º n.º 3 CCA (6), a 2.ª avaliação de que foi objecto não podia deixar de versar e actuar (ou não) a possibilidade de o concreto destino, dado, em conformidade com a lei, pelo dono, implicar a inviabilidade definitiva de edificar, em toda a sua área.
Finalmente, importa mencionar não resultar desta forma de entender a situação julganda qualquer violação de regras do ónus da prova e da força probatória dos documentos autênticos, porquanto a solução preconizada apenas se atém aos moldes em que, concretamente, foi elaborado o juízo e estabelecido o resultado da avaliação, presentes os específicos fundamentos invocados pelo requerente da diligência, de modo algum prejudicados ou excluídos pela existência dos documentos coligidos pela Rte.
Posto isto, o acto impugnado, de fixação, em 2.ª avaliação, de valor patrimonial, padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, conducente, só por si, à respectiva anulação, como se decidiu na sentença recorrida.
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III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento ao recurso.
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Custas pela recorrente.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 17 de Maio de 2011
ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS
MAGDA GERALDES


1- Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
2- Tendo, previamente, rejeitado outros fundamentos coligidos pelo impugnante; “preterição de formalidade legal essencial, Falta de fundamentação, Falta de notificação do contribuinte antes do indeferimento parcial da avaliação”.
3- Art. 32.º n.º 1 DL. 287/2003 de 12.11.
4- Incluindo a alegação vertida no articulado inicial desta impugnação judicial.
5- V.g., a concessão de alvará de loteamento e/ou de licença de construção.
6- Código da Contribuição Autárquica.