Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:70/19.8BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
PRONÚNCIA INDEVIDA.
QUESTÕES QUE DEVEM SER CONHECIDAS.
Sumário:1.Há omissão de pronúncia, geradora de nulidade, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar (cfr. art.º 615.º/1-d), do CPC).
2. As questões que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.
3.Mas só as primeiras conduzem à nulidade da sentença. As segundas constituem mero erro de julgamento, pois não“...seria razoável que se impusesse ao tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia e que não se afiguram como controvertíveis no caso concreto”.
4.A inconstitucionalidade invocada pelo Requerente da interpretação de uma determinada norma legal aplicada pela AT constitui uma verdadeira questão e não mero argumento.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
IMPUGNANTE: H....., SGPS, S.A.            
RECORRIDO: FAZENDA PÚBLICA
OBJECTO DO RECURSO:

Decisão proferida pelo CAAD que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral para apreciação da legalidade da demonstração de liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares ("IRS") n.° ......... de 30.04.2018 e das correspondentes demonstrações de liquidação de juros compensatórios n.°s ........., ......... e ........., referentes ao ano de 2013.


CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
“1. a A presente impugnação vem deduzida na sequência da decisão arbitral proferida no processo arbitral n.° 441/2018-T, notificada à ora Impugnante em 15.05.2019, a qual julgou improcedente o pedido pedido de pronúncia arbitrai deduzido contra a liquidação de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento (IR) n.° ........., de 30.04.2018 e correspondentes demonstrações de liquidação de juros compensatórios n.os ........., ......... e ......... referentes ao ano 2013;
2. a As liquidações em crise nos presentes autos foram emitidas na sequência da aplicação da cláusula geral anti-abuso prevista no artigo 38.°, n.° 2, da LGT, ao abrigo da qual os serviços de inspeção procederam à desconsideração dos montantes pagos a título de preço devido pela aquisição de ações pela ora Impugnante, tendo requalificado tais quantias como dividendos, o que originou uma tributação em sede de IRS, no montante total de € 982.899,13, a que acresceram juros compensatórios de € 175.630,66, a qual foi exigida à Impugnante;
3. a A Impugnante invocou no pedido de pronúncia arbitral, submetido junto do Centro de Arbitragem Administrativa, que a interpretação da norma consagrada no artigo 38.°, n.° 2, da LGT, na aceção de que os efeitos fiscais decorrentes da sua aplicação se estendem, não apenas ao beneficiário da vantagem fiscal mas também a um terceiro, na qualidade de substituto tributário, é inconstitucional, por violação do princípio da confiança e da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.° da CRP, na violação do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.° da CRP e na violação do princípio da capacidade contributiva, emanação dos artigo 13.° e 104.° da CRP (cfr. artigo 150.° do pedido de pronúncia arbitral);
4. a O Tribunal Arbitral configurou como um dos pedido a conhecer a “declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRS (retenção na fonte) n.° ......... de 30 de abril de 2018, com fundamento (...) na inoponibilidade à Requerente da desconsideração dos efeitos fiscais resultante da aplicação da cláusula geral anti-abuso aos actos em questão, por inconstitucionalidade material do artigo 38.°, n.° 2 da LGT, interpretado no sentido de ser apto a produzir efeitos fiscais sobre terceiros que não o contribuinte que agiu motivado para a obtenção de vantagem fiscal, face aos princípios da confiança e da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.° da CRP, e da proporcionalidade consagrado no artigo 18.° da CRP” (cf. página 2 da decisão arbitral);
5. a Não obstante identificar a inconstitucionalidade como questão a conhecer, o Tribunal Arbitral não se pronunciou sobre a mesma, nem apresentou qualquer justificação para não cumprir com tal ónus, tão pouco dando por prejudicado o seu conhecimento;
6. a A este respeito refira-se que JORGE LOPES DE SOUSA refere que “(...) impõe-se ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia. Esta só ocorrerá nos casos em que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada se disser sobre ela” (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, II Volume, 6.a Edição, 2011, Áreas Editora, p. 363);
7. a O Tribunal Arbitral não se pronunciou sobre a inconstitucionalidade suscitada, não tomou em absoluto posição sobre tal questão, pelo que é forçoso concluir que a presente decisão padece de omissão de pronúncia, razão pela qual deve ser julgada procedente a presente impugnação, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 28.° do RJAT, e anulada a decisão arbitral recorrida, com as demais consequências legais;
8. a Sem prejuízo do acima exposto, sempre deverá a presente decisão arbitral ser anulada no âmbito da presente impugnação com fundamento em pronúncia indevida, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 28.° do RJAT;
9. a Da análise do relatório de inspeção resulta que existem 2 negócios jurídicos que são postos em crise pelos serviços de inspeção, a saber: a constituição da Requerente e o parqueamento de 7.543.660 ações representativas do capital da sociedade N......... - SGPS, S.A, efetuada em 22.05.2013;
10. a É o que se infere das afirmações constantes do relatório de inspeção, em especial quando se diz “ (...) o conjunto de actos e negócios jurídicos acima analisados, concretamente a constituição da sociedade H..... para parqueamento por parte dos seus accionistas das acções da N......... SGPS que detinham directamente, foram essencial ou principalmente dirigido por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas, à redução de impostos que seriam devidos sem a utilização desses meios, que constituem fundamento para proceder à aplicação da norma legal antiabuso (CGAA) prevista no n.° 2 do artigo 38.° da Lei Geral Tributária (LGT)” (cf. página 14 do doc. n.° 1 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral, que consiste no Relatório de Inspeção);
11. a Igualmente, na decisão arbitral, no âmbito da análise dos negócios jurídicos abusivos, refere-se que “Neste ponto discute-se a aplicação da CGAA aos negócios jurídicos realizados pela Requerente: Constituição da H....., SGPS (ora, Requerente) e Compra das participações sociais da N........., SGPS, S.A., aos seus sócios;
12. a Neste sentido refere a decisão arbitral que “a Requerente invoca outras motivações além da questão fiscal, que parece evidente que existe e que, sublinhe-se, não é por si indiciador de abuso. Entre essas outras motivações estão: 1) viabilizar a compra de mais participações da N......... SGPS, S.A. e reforçar a capacidade de negociação relativamente aos accionistas individuais; 2) evitar a exposição à instabilidade dos Acordos Parassociais; 3) ficar desde logo munido por uma sociedade que sempre seria necessária para o lançamento de uma OPA à N........., SGPS, S.A; 4) potenciar as possibilidades de investimento noutras empresas tecnológicas, não concorrentes da N......... SGPS, S.A. (cf. página 30 da decisão arbitral);
13. a O Tribunal Arbitral deu como provado as motivações não fiscais subjacentes à constituição da Impugnante, retratadas no ponto denominado Reestruturação; por outro lado, o Tribunal não deu como não provada qualquer factualidade alegada pela ora Impugnante, o que significa além do mais que o Tribunal não ficou com dúvidas quanto às razões não fiscais que motivaram os negócios que estavam a ser considerados abusivos;
14. a Sucede que, não obstante, a matéria de facto ter sido dada como provada, o Tribunal ainda assim considerou improcedente o pedido de pronúncia arbitral, recentrando a aplicação da aplicação da cláusula geral anti-abuso numa distinta fundamentação;
15. a O Tribunal Arbitral considera pois que “O incumprimento das condições iniciais estabelecidas no contrato é o ponto nevrálgico, uma vez que esse não cumprimento foi feito de forma tal que era pago o preço das acções da H....., SGPS na (quase) exacta medida em que eram recebidos por esta os lucros distribuídos na N........., SGPS, S.A.”.É também indispensável, na análise do caso concreto, identificar de modo claro e preciso a existência de elementos abusivos. Relativamente à constituição da Requerente e actividade por si desenvolvida, não importa, neste caso, perceber se existe um estabelecimento real - com existência física comprovada -, com funcionários e equipamentos, capaz de reflectir uma realidade económica, dado que a actividade típica de uma SGPS não tem de implicar a existência de funcionários, equipamentos, etc.. Reforçamos a ideia de que a mera constituição da Requerente não é suficiente para aplicar a CGAA, porquanto integra a liberdade económica de cada contribuinte decidir acerca da melhor gestão do seu património, nomeadamente das suas participações sociais. Onde se encontra fundamento para aplicação da CGAA é no facto de o contrato de compra e venda das acções da N........., SGPS, S.A. ser uma configuração jurídica anómala - refira-se a falta de substracto económico na execução do contrato -, concluindo-se que se está perante uma construção fictícia, que não visa o verdadeiro e efectivo exercício de uma actividade económica, apresentando o carácter de expediente artificial. Reforce-se que o preço estipulado nunca foi pago na totalidade aos accionistas. Este é o ponto central que denuncia a falta de uma realidade económica subjacente e a preponderância da motivação fiscal da operação. Este elemento considera-se também preenchido”;
16. a Ora, do exposto decorre que o Tribunal Arbitral encontra-se a analisar a aplicação da cláusula geral anti-abuso à luz de fundamentação distinta daquela que havia sido invocado pelos serviços de inspeção na fundamentação dos atos e o qual consta do relatório de inspeção;
17. a De facto, o juízo efetuado pelo Tribunal Arbitral sobre o qual alicerçou a sua decisão não era controvertido nesses termos, nem fundamentava a decisão dos serviços de inspeção, sendo que a Impugnante não tinha como antecipar tal fundamentação, designadamente para efeitos de se defender da mesma;
18. a Ao invés, no que toca à fundamentação da aplicação da cáusula geral anti-abuso constante do relatório de inspeção - a única válida para efeitos de tributação - a Impugnante demonstrou que a mesma não tinha base de sustentação, o que foi confirmado pelo Tribunal Arbitral que deu como provada a motivação da Impugnante. Não obstante, encontrou uma nova justificação para entender verificados os pressupostos de aplicação da cláusula geral anti-abuso - a execução do contrato de compra e venda de ações, em especial o pagamento (ou a falta de) do preço, em relação à qual a Impugnante nem teve oportunidade de esclarecer o Tribunal;
19. a O que está em causa na presente impugnação não é uma discordância com o julgamento da matéria de facto efetuado pelo Tribunal, nem com a subsunção jurídica promovida pelo Tribunal. O vício de que padece a decisão arbitral impugnada que nesta sede se pretende escalpelizar não se reconduz a um erro de julgamento de facto ou direito mas sim a uma nulidade que radica no facto de o sentido de decisão ser sustentado numa argumentação que claramente extrapola a fundamentação original dos atos em causa, o que consubstancia uma pronúncia indevida;
20. a Atendendo aos factos provados e à apreciação efetuada pelo Tribunal não ficam dúvidas que o Tribunal considera que a constituição da ora Impugnante não é um dos negócios abusivos (sendo que o era na fundamentação apresentada pelos serviços de inspeção), retirando, ao invés, tal caracter fraudulento do cumprimento do contrato de venda das ações da N........., SGPS, S.A., o que representa uma fundamentação distinta do ato;
21. a Conforme esse Supremo Tribunal tem vindo a entender uniformemente, “(...) no contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto. (...)” (cf. Acórdão do STA de 02.03.2011, proferido no recurso n.° 049/10; cf ainda, neste sentido, o Acórdão do Pleno de 02.03.2006, proferido no recurso n.° 51/03 e a abundante jurisprudência e doutrina nele citadas);
22. a O RJAT estabelece como causa de impugnação da decisão a pronúncia indevida vindo a ensinar a doutrina que“ o conceito de pronúncia indevida, utilizado na alínea c) do n.° 1, do artigo 28.° do RJAT, é diferente e potencialmente mais abrangentes do que o conceito de pronuncia sobre “questões de que não podia tomar conhecimento ” ou “questões que não deva conhecer” que é utilizado no artigo 668.°, n.° 1, alínea d) do CPCP e no artigo 125.° do CPPT. Mas, pronuncia indevida ocorrerá não só quando se conhecer questões de que não se podia mas também quando se conheceu de questões de que se podia conhecer mas ultrapassado qualquer limite legal a nível decisório - SOUSA, Jorge Lopes de (2013) “Guia da Arbitragem Tributária, 2013, Almedina, Coimbra, p. 234 e 235);
23. a Ora, “no confronto entre o princípio do inquisitório ou da investigação (...) a questão que se coloca é a de saber se perante uma acto tributável ilegal por fundamentação insuficiente ou erro de fundamentação, o tribunal arbitral poderá, ao abrigo daquele princípio, e por força do dever de descoberta da verdade material a que está sujeito, “corrigir” a fundamentação da Administração Tributária substituindo-se a esta. Tudo, porque, como se viu acima, os limites do princípio do inquisitório não são claramente expressos. Certo é que, se o tribunal ultrapassar a fronteira da inquisitoriedade, decidindo além dos seus poderes cognicistivos, ocorrerá uma pronúncia indevida, o que poderá fundamentar uma impugnação da decisão arbitral, ao abrigo dos artigos 27.° e 28.°, n.° 1, alínea c) (...) Crê-se a este propósito que o tribunal arbitral não se poderá substituir à Administração Tributária, sob pena de se tratar de uma decisão, viciada como se verá, por pronúncia indevida (...). (cf CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, 2016, p. 542 e 543);
24. a Por força da regra de proibição de conhecimento extra fundamentação original dos atos, o Tribunal Arbitral não pode ocupar-se de fundamentar os atos sindicados no âmbito da decisão a proferir em sede de pronúncia arbitral sob pena de proferir uma decisão viciada em excesso de pronúncia;
25. a Neste contexto, conclui-se que a presente decisão deverá ser anulada com fundamento em omissão de pronúncia, nos termos da alínea c) do n°. 1 do artigo 28.° do RJAT, com as demais consequências legais.
Termos em que e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve a presente impugnação ser julgada procedente, por provada, com a consequente anulação da decisão arbitral impugnada, com as demais consequências legais, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!
Sendo o valor da ação superior a € 275.000,00, requer-se que, verificando-se os pressupostos, seja a Impugnante dispensado do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no n.° 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais.”

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a decisão arbitral padece de nulidade por omissão de pronuncia e pronúncia indevida.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A decisão fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

A) A REQUERENTE - H....., SGPS S.A.

1. A Requerente foi constituída em 21 de Maio de 2013 como sociedade comercial anónima na modalidade de sociedade gestora de participações sociais, com o objecto social de «gestão de participações noutras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas», tendo como accionistas fundadores J........., L........., A........., J........., D......... com o capital social de EUR 50.000,00, representado por 50.000 acções com o valor nominal de €1 cada, distribuídas da seguinte forma (cfr. Anexo 2 ao doe. n.° 1 e doc. n.° 3 juntos à PI):


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2. No seu primeiro ano de actividade, em prossecução do seu objecto social, a Requerente adquiriu:

a) Em 22 de Maio de 2013, um total de 7.543.660 acções da N........., SGPS, S.A., correspondentes a uma participação de 24,02% no capital desta empresa, pelo preço total de € 22.630.980,00 (no valor de € 3,00 por acção), a pagar em três anos (cfr. Anexo 1 ao doc. n.° 1 e doc. 6 juntos à PI);

b) Em 28 de Maio de 2013, a Requerente adquiriu mais 29.920 acções da N......... SGPS, S. A, pelo valor de € 3,00 por acção (cfr. does. 6 e 7 juntos à PI);

c) Em 3 de Junho de 2013, adquiriu um lote de 433.344 acções da N......... SGPS, S.A., pelo valor de € 2,47 por acção (cfr. does. 6 e 8 junto à PI);

d) Em 28 de Junho de 2013, a Requerente recorreu a crédito bancário, concedido pelo B........., S.A., no montante de € 1.070.333,00 para aquisição das participações sociais referidas no ponto anterior (cfr. doc. n.° 11 junto à PI);

e) A 31 de Dezembro de 2013, a Requerente apenas participava no capital social da N......... SGPS, S.A. (cfr. doc. 1 junto à PI);

f) Desde Maio de 2013, a Requerente reforçou a participação accionista na N........., SGPS, S.A., passando de um percentagem inicial de detenção de 24,02%, para 32,68% em 2017 (cfr. does. 9 e 10 juntos à PI);

g) A Requerente tem quatro administradores e não tem colaboradores (cfr. doc. 1 junto à PI corroborado com as declarações de parte);

B) A SOCIEDADE - N.........- SGPS, S.A.

h) A N......... - SGPS, S.A. é a sociedade que lidera o Grupo N........., líder português em Tecnologias de Informação, entrando em bolsa no ano de 2000, sendo uma entidade cotada na Euronext Lisbon (https://www.bolsadelisboa.com.pt; http://www.N..........pt/pt);

i) À data da constituição da H..... - SGPS, S.A., quatro dos accionistas que a constituíram detinham na N......... - SGPS, S.A., as seguintes participações: (cfr. publicações juntas como doc. n.° 6 à PI e estrutura acionista constante do Relatório e Contas da N......... - SGPS, S.A. a 31.12.2012, doc. n.° 28 junto com as alegações): 


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j) Os referidos accionistas detinham assim conjuntamente 8.243.462 acções representativas de 26,25% do capital social da N......... - SGPS, S.A.;

k) No ano de 2011, a N........., SGPS, S.A. distribuiu dividendos, provenientes do resultado líquido do período e de reservas livres e resultados acumulados no montante total de € 4.082.181,22, correspondendo a € 0,13 por acção (cf. documento n.° 15 junto à PI e declarações da parte minutos 41:55 a 44);

l) Em 2012, a N........., SGPS, S.A. distribuiu dividendos, provenientes do resultado líquido do período e de reservas livres e resultados acumulados no montante total de € 942.041,82, correspondendo a € 0,03 por acção (cfr. documento n.° 16 junto à PI e declarações da parte minutos 41:55 a 44);

m) Em 7 de Fevereiro de 2013, a N........., SGPS, S.A., anunciou a aprovação, pelo Conselho de Administração, da intenção de propor à Assembleia Geral a distribuição de um dividendo de € 0,10 por acção, no total de € 3.140.139,40 (cfr. documento n.° 17 junto à PI e declarações da parte minutos 41:55 a 44);

n) Na Assembleia Geral da N........., SGPS, S.A., de 25 de Setembro de 2013, foi deliberada distribuição de resultados e reservas acumuladas correspondentes a € 0,50 por acção (cfr. documento n.° 18 junto à PI e declarações da parte, minuto 43);

C) “REESTRUTURAÇÃO”

o) Em Maio de 2000, por ocasião da entrada em bolsa desta sociedade (via 1PO), um grupo de accionistas da N......... — SGPS, S.A., subscreveu um Acordo Parassocial referente a esta sociedade, com 22 accionistas subscritores (cf. documento n.° 4 junto à PI), no âmbito do qual assumiram, entre outros, o compromisso de manutenção de uma determinada percentagem no capital social e nos direitos de voto daquela sociedade, para assegurarem a estabilidade da empresa e uma posição de controlo - cfr. documento n.° 4 junto à PI;

p) O cumprimento deste acordo parassocial e a necessária renovação/renegociação do mesmo a cada três anos, começou a suscitar questões geradoras de pressão sobre o núcleo central de accionistas, que, dos 13 iniciais, em 2013, já se restringia a 6. Essas questões prendiam-se com a:

(a) Saída de accionistas e divórcios, que suscitavam pressão e esforço financeiro dos accionistas individuais para adquirirem acções (dos que saíam ou dos cônjuges);

(b) Agitação do mercado nos meses antecedentes às renovações (de três em três anos) do acordo parassocial;

- cfr. declarações de parte aos minutos 9:00 a 16:00 e depoimento da primeira testemunha.

q) Na sequência de uma embrionária tentativa de OPA que não se revelou viável, a constituição da Requerente (em 21 de Maio de 2013) representou uma segunda alternativa [à OPA] que visou como objetivos estratégicos:

(a) Concentrar numa sociedade holding um lote significativo de acções da N........., SGPS, S.A., como meio de reforço da posição de quatro accionistas de referência, até perfazer 33,4% (um terço), como forma de assegurar o controlo indireto daquela sociedade (N.........] a esses quatro accionistas [da Requerente], sem que, para o efeito, tivessem de lançar uma OPA - cfr. declarações da parte aos minutos 47:40 a 47:55;

(b) Estabilizar a manutenção da posição accionista de controlo da N........., SGPS, S.A., tomando-a menos volátil a vicissitudes pessoais, como saídas e divórcios;

(c) Facilitar a compra das acções resultante dessas vicissitudes, pela via institucional (através de um veículo societário), e o respetivo recurso a financiamento bancário, cuja obtenção era mais vantajosa no caso de ser uma sociedade que juntava as quatro participações e que exercia uma “posição dominante” sobre a N........., SGPS, S.A.;

(d) Servir de instrumento para outros investimentos futuros,

- cfr. does. 11, 12 e 13 juntos à PI (contratos de mútuo bancário), declarações de parte aos minutos 9:00 a 30:00 e depoimento da segunda testemunha;

r) Em 22 de Maio de 2013, a Requerente adquiriu aos seus accionistas 7.543.660 acções da N......... - SGPS, S.A., correspondentes a uma participação de 24,02%, conforme referido na alínea a) supra;

s) A aquisição das acções da N........., SGPS, S.A. pela Requerente aos seus accionistas foi realizada a preços similares ao das cotações dos títulos em bolsa - cff. documento n.° 21 junto com as alegações da Requerente;

t) No exercício de 2013, a Requerente recebeu da N......... SGPS, S.A. € 4.760.815,00 relativos a lucros distribuídos (dividendos, distribuição de reservas e resultados acumulados), com uma retenção na fonte de € 1.190.203,75, resultando um valor líquido de € 3.570.611,25. O imposto retido foi reembolsado à Requerente em 1 Setembro de 2014, por via da autoliquidação da Mod.22 entregue em 30.05.2014 (cfr. documento n.° 1 junto à PI);

u) No exercício de 2013, a Requerente pagou aos seus accionistas € 3.510.354,02, por conta da dívida resultante da aquisição àqueles de acções da N......... SGPS, S.A.. Em 31 de Dezembro de 2013 estavam pagos e permaneciam em dívida os valores do quadro seguinte, discriminados por accionista (cfr. documento n.° 1 junto à PI):


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“ACÇÂO INSPECTIVA ”

A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a uma inspecção externa, de âmbito parcial, com início a 27 de Outubro de 2017, ao abrigo das ordens de serviço internas n.os 01201704785, com referência ao exercício de 2013, visando analisar operações e movimentos financeiros realizados entre os accionistas e a sociedade (cfr. documento n.° 1 junto à PI - RIT, p. 6);

No decurso daquela acção de inspecção foi projectada a aplicação da Cláusula Geral Anti- Abuso prevista no artigo 38.°, n.° 2, da LGT;

Consideraram, em suma, os serviços de inspecção tributária que, “(...) a constituição da sociedade H..... para parqueamento por parte dos seus accionistas das acções da N......... SGPS que detinham diretamente, foram essencial ou principalmente dirigidos por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas, à redução de impostos que seriam devidos sem a utilização desses meios” (cfr. documento n.° 1 junto à PI);

Em consequência, os serviços de inspecção tributária procederam à desconsideração e posterior requalificação como dividendos, para efeitos fiscais, dos montantes pagos a título de preço da aquisição das acções, quantificando a vantagem fiscal indevidamente obtida no montante total de € 982.899,13, a que acrescem juros compensatórios de € 175.630,66 (cfr. documento n.° 1 junto à PI);

Nesta sequência, através do Ofício n.° 6897, de 09.03.2018, a Requerente foi notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 63.°, n.° 4 e 5, do CPPT, para exercer o direito de audição prévia quanto ao projecto de decisão de aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso (cfr. doc. n.° 1 junto à PI);

No prazo legalmente previsto, a Requerente exerceu o direito de audição prévia (cfr. página 62 e seguintes do doc. n.° 1 junto à PI);

Em 23.04.2018, a Requerente foi notificada do relatório final de inspecção tributária (cfr. doc. n.° 1 junto à PI);

A Requerente foi notificada da demonstração de liquidações de retenção na fonte de IR e inerentes juros compensatórios, datadas de 30 de Abril de 2018, no montante total de € 1.158.529,79, que consubstanciam tais correcções, sendo a importância de € 982.899,13 relativa a imposto (liquidação n.° .........), e € 175.630,66 referente a juros compensatórios (liquidações n.°s ........., ......... e .........), com data limite de pagamento em 07-06-2018 (cfr. doc. n.° 2 junto à PI); dd) Posteriormente foi a Requerente citada para o processo de execução fiscal n.° ......... instaurado para cobrança coerciva dos atos tributários objeto de pronúncia arbitrai, (cfr doc. n.° 19 junto à PI);

ee) A Requerente ofereceu, para suspensão dos identificados processos de execução fiscal, garantia bancária, (cfr. doc. n.° 20 junto à PI);

ff) Em 5 de Setembro de 2018, a Requerente requereu a constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo do artigo 10.°, n.°s 1, alínea a), e 2° do RJAT visando a anulação da liquidação de IRS (retenção na fonte) n.° ......... de 30.04.2018, no montante de € 982.899,13 (novecentos e oitenta mil, oitocentos e noventa e nove euros e treze cêntimos) e das correspondentes demonstrações de liquidação de juros compensatórios n.° ........., ......... e ........., referentes ao ano de 2013, no montante de € 175.630,66 (cento e setenta e cinco mil, seiscentos e trinta euros e sessenta e seis cêntimos), tudo num total de € 1.158.529,79 (um milhão centos e cinquenta e oito mil, quinhentos e vinte e nove euros e setenta e nove cêntimos), e, bem assim, a condenação da Administração Tributária em indemnização pela prestação de garantia indevida.

13. A convicção do Tribunal sobre a factualidade dada como provada resultou do exame dos documentos que constam dos autos, incluindo o RIT relativamente aos elementos fácticos que não se mostram contrariados ou impugnados pela Requerente (cfr. art. 76°, n.° 1 da LGT e 115.°, n.° 2 do CPPT), bem como do reconhecimento de factos resultante da audição da parte e das testemunhas e, bem assim, do resultante de alegações, da PI que foram acolhidas pela Requerida, tudo conforme se especifica em cada um dos pontos do probatório acima enunciados.

IV. 2. FACTOS NÃO PROVADOS

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.°, n.° 2, do CPPT e o artigo 607.°, n.°s 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.°, n.° 1, alíneas a) e e), do RJ AT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.


FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Defende a Impugnante que a decisão arbitral é nula por omissão de pronúncia e por pronúncia indevida.
Por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre a inconstitucionalidade do art. º 38º/2 LGT na aceção de que os efeitos fiscais decorrentes da sua aplicação se estendem, não apenas ao beneficiário da vantagem fiscal mas também a um terceiro, na qualidade de substituto tributário, viola os princípios da confiança e da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no art.º 2º da CRP, do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18º da CRP e do princípio da capacidade contributiva, emanação dos artigos 13º e 104º da CRP.
Embora o Tribunal tenha identificado a inconstitucionalidade como questão a conhecer, não se pronunciou sobre a mesma, nem apresentou qualquer justificação para incumprir tal dever. Tão pouco deu por prejudicado o seu conhecimento.

E por pronúncia indevida, porque resultando do RIT que existem dois negócios jurídicos que são postos em crise pelos serviços de inspeção, a constituição da Requerente e o parqueamento de 7.543.660 ações representativas do capital social da sociedade N.........- SGPS, SA efetuada em 22.05.2013, o TA acabou por analisar a aplicação da CGAA à luz de fundamentação distinta daquela que havia sido invocado pelos SIT na fundamentação de anulação dos atos.

Sendo estas as questões que nos cumpre conhecer, passemos à sua análise tendo presente que nas impugnações das decisões proferidas pelo CAAD podem ser anuladas pelo TCA (art.º 27º/1 RJAT) com fundamento nos vícios previstos no art. 28º/1 RJAT:

a) Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b) Oposição dos fundamentos com a decisão;

c) Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

d) Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º.


Começando pela omissão de pronúncia, registe-se  que são de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, entre o mais,  as normas constantes do CPPT, do CPTA e do CPC (cfr. art.º 29.º/1-a)-c)-e), do RJAT).

Assim, nos termos do art.º 125.º/1, do CPPT, há omissão de pronúncia, geradora de nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar (cfr. art.º 615.º/1-d), do CPC).

As questões que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso, mas de acordo com a generalidade da jurisprudência do STA só as primeiras conduzem à nulidade da sentença; as segundas constituem mero erro de julgamento[1], pois não“...seria razoável que se impusesse ao tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia e que não se afiguram como controvertíveis no caso concreto”[2].

Mas é omissão de conhecimento de questão alegada que a Impugnante invoca, concretamente omissão de pronúncia sobre a inconstitucionalidade do art.º 38º/2 LGT   na interpretação de que os efeitos fiscais decorrentes da sua aplicação se estendem, não apenas ao beneficiário da vantagem fiscal mas também a um terceiro, na qualidade de substituto tributário, viola os princípios da confiança e da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no art.º 2º da CRP, do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18º da CRP e do princípio da capacidade contributiva, emanação dos artigos 13º e 104º da CRP.

O Tribunal Arbitral identificou este vício como questão[3], que lhe cumpria apreciar. Porém não o fez.

E não só não o fez como não justificou que dela não podia tomar conhecimento, nem indica razões para essa abstenção. E da decisão também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio[4].

Nestas condições, conclui-se que a decisão arbitral enferma de nulidade por omissão de pronúncia.

Mas para além desta nulidade, a Impugnante aponta outra, a de pronúncia indevida.

Não há dúvida de que o vício de pronúncia indevida inclui o clássico “excesso de pronúncia” - conhecendo de questões que não podia conhecer, ou condenando além do pedido - mas também situações em que o tribunal nem sequer podia decidir, por haver um vício que inquinou a sua constituição ou porque decidiu fora das suas competências[5], como também se depreende do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016, de 29/03/2016, que julgou inconstitucional a alínea c) do n.º 1 do art.º 28.º do RJAT, na interpretação normativa de que o conceito de “pronúncia indevida” não abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral[6].

Decidiu-se neste aresto que “as decisões de um tribunal arbitral tributário sobre a própria competência não podem deixar de estar submetidas a reapreciação por um tribunal do Estado, sob pena de serem as próprias atribuições deste em matéria tributária a ficar em risco”.

Assim, embora a nulidade por “pronúncia indevida” seja suscetível de apreciação por via de impugnação sob as duas modalidades referidas, é a primeira que somos chamados a apreciar.
Recordemos que os fundamentos invocados para esta nulidade se reconduzem à circunstância de haver dois negócios jurídicos que são postos em crise pelos serviços de inspeção, a constituição da Requerente e o parqueamento de 7.543.660 ações representativas do capital social da sociedade N.........- SGPS, SA efetuada em 22.05.2013. Todavia, o Tribunal acabou por analisar a aplicação da CGAA à luz de fundamentação distinta daquela que havia sido invocado pelos serviços SIT na fundamentação dos atos.

Sdr, afigura-se-nos que a Impugnante não tem razão, neste caso.
De facto, no RIT menciona-se expressamente que “...a constituição da sociedade H..... para parqueamento por parte dos seus accionistas das acções da N......... SGPS que detinham directamente, foram essencial ou principalmente dirigido por meios artificiosos e com abuso das formas jurídicas, à redução de impostos que seriam devidos sem a utilização desses meios, que constituem fundamento para proceder à aplicação da norma legal antiabuso (CGAA) prevista no n.° 2 do artigo 38.° da Lei Geral Tributária (LGT)”
Assim, no exercício de 2013, a H..... SGPS, recebeu da N......... SGPS 4.760.815.00 € relativos a lucros distribuídos (dividendos, distribuição de reservas e resultados acumulados) com uma retenção na fonte de 1.190.203,75 € (reembolsado em 2014/09 à H..... SGPS...) resultando um valor recebido líquido de 3.570.611,25, tendo sido pago aos accionistas 3.510.354,02 € por conta da dívida criada pela transferência para a H..... SGPS das ações da N......... SGPS”
É evidente que a similute de valores (lucros recebidos por um lado e valores transferidos para os accionistas do outro) da mesma forma que o plano de pagamento do preço das ações da N......... SGPS previa o pagamento de um valor (3.394.647,06 €) em consnância com o montante dos lucros (líquidos de IRC) a distribuir pelos accionistas da N......... SGPS em 2013 (0,60 € por acção) valor conhecido pelos accionistas da H..... SGPS (que simultaneamente eram membros do Conselho de Administração da N......... SGPS).
Os lucros distribuídos aos accionistas da N......... SGPS foram pagos da seguinte forma...”
(...)
“É por isso notória a vontade de concluir a transferência das ações da N......... SGPS para a H..... SGPS antes da distribuição dos lucros da N......... SGPS, de forma a obter a vantagem fiscal pretendida pelos accionistas da N......... SGPS/H..... SGPS, que receberam lucros provenientes da N......... SGPS sem tributação, como se de pagamento de preço se tratasse”
(...)
Durante o exercício de 2013, os valores transferidos da N......... SGPS, para os seus accionistas foram os constantes nos quadros abaixo
(....)
Tendo em conta os valores cnstantes di quadro acima, durante o exercício de 2013 os accionistas da H..... SGPS receberam a título de pagamento do valor em dívida respeitante à aquisição das ações da N......... SGPS – 3.510.354,02 (...)
Estas importâncias não foram objecto de qualquer tributação e tiveram origem nos lucros distribuídos pela N......... SGPS à H..... SGPS, que por sua vez corresponde à única fonte de liquidez da H..... SGPS.

As condições do negócio, bem como todos os actos praticados previamente, inserem-se na lógica do esquema desenhado pelos accionistas da H..... SGPS/N......... SGPS, e tiveram como objectivo a transformação do pagamento de dividendos no pagamento do preço acordado e consequente redução do crédito registado contabilisticamente.
Estas condições contratuais só foram possíveis porque os accionistas da H..... SGPS são os vendedores das ações da N......... SGPS...
(...)
Assim, durante o exercício de 2013 foram transferidos da H......... SGPS para os seus accionistas – 3.510.354,02€  quando no mesmo período a N......... SGPS distribuiu lucros  ao acionista H..... SGPS no montante bruto de  4.760.815,00€ sujeito à taxa de retenção na fonte (...) resultando um valor líquido efetivamente recebido de 3.570.611,25€
A similitude destes valores é indiciadora da intenção de eliminar a tributação, pretensão dos accionistas da H..... SGPS/N......... SGPS alcançada através dos actos e negócios jurídicos acima descritos.
(...)
É por isso evidente o resultado pretendido – receber lucros da N......... SGPS como se de outra realidade (pagamento de valor em dívida) se tratasse.
(...)
Face ao exposto, podemos concluir que os accionistas da H..... SGPS receberam efetivamente rendimentos da categoria E (...) sujeitos a retenção na fonte a título definitivo...
(...)
Por efeito da aplicação da norma antiabuso, os valores recebidos, a título de pagamento da dívida, são considerados rendimentos de capitais.

Enfim, outos exemplos poderiam ser extraídos, mas parece-nos desnecessário uma vez que resulta claro não ser apenas a constituição da H..... SGPS, ou/e parqueamento de ações, que é alvo de imputação ilegal por artificialidade.

De resto, cremos ser por essa razão que nos artigos 254º e segs. do requerimento inicial, a Impugnante alega que “...Não obstante sermos a concluir que o negócio diretamente colocado em crise pelos serviços de inspeção é a constituição da Requerente e só indiretamente ou sequencialmente a transmissão de ações, não deixaremos de revisitar ainda que sumariamente o mesmo em função do que foi dito pelos serviços de inspeção...” e que ...tendo-se esclarecido o contexto da criação da Requerente, esclareceu-se igualmente a transmissão das participações da N............” e que a “...aludida transmissão não tem como objetivo, contrariamente ao inferido pelos serviços de inspeção tributária, a ulterior obtenção de uma vantagem fiscal, pois o seu escopo foi e continua a ser outro”.

Assim, quando a decisão impugnada considera que a “...artificialidade exigida pela lei verifica-se não quanto à constituição da SGPS, mas relativamente ao negócio jurídico de compra e venda de ações aos acionistas da N........., SGPS, S.A. A execução deste negócio foi pensada e realizada de forma artificiosa, permitindo uma poupança fiscal que de outro modo não alcançaria...” (fls. 33 da decisão arbitral) e que ...”Onde se encontra fundamento para aplicação da CGAA é no facto de o contrato de compra e venda das acções da N........., SGPS, S.A. ser uma configuração jurídica anómala - refira-se a falta de substracto económico na execução do contrato -, concluindo-se que se está perante uma construção fictícia, que não visa o verdadeiro e efectivo exercício de uma actividade económica, apresentando o carácter de expediente artificial. Reforce-se que o preço estipulado nunca foi pago na totalidade aos accionistas. Este é o ponto central que denuncia a falta de uma realidade económica subjacente e a preponderância da motivação fiscal da operação. Este elemento considera-se também preenchido” (fls. 34 da douta decisão impugnada) está a apreciar a questão que lhe foi colocada, no âmbito dos seus poderes de cognição. E por assim ser, não emite pronúncia indevida.

Por conseguinte, a decisão impugnada não é ilegal com este fundamento.

A Impugnante requer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Porém, afigura-se-nos prejudicada a apreciação deste pedido uma vez que a anulação da decisão por omissão de pronúncia não está sujeita a tributação, na interpretação – não consensual - que fazemos do art.º 527/1 CPC.
 

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da segunda subsecção de contencioso Tributário deste TCAS em julgar procedente a presente impugnação e, em consequência, declarar a nulidade de decisão arbitral proferida no âmbito do processo 70/19.8BCLSB.

Os autos deverão ser remetidos ao CAAD para que seja proferida nova decisão, se nada mais obstar.

Custas pela Impugnada.

Lisboa, 25 de fevereiro de 2021.

[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]

(Mário Rebelo)

____________________________


[1] Cfr. Ac do STA n.º 0355/08 de 30-07-2008 Relator:  ANTÓNIO CALHAU
Sumário:
II – Embora o tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso, ainda que não suscitadas pelas partes (parte final do nº 2 do artigo 660.° CPC), a omissão de tal dever não constituirá, a nosso ver, nulidade, mas sim erro de julgamento.

E Ac. do STA n.º 0650/14 15-02-2017 - Relator:     FRANCISCO ROTHES    
Sumário:    I - Não pode falar-se de omissão de pronúncia relativamente a questão que, sendo do conhecimento oficioso, não foi suscitada pelas partes ao tribunal.
[2] Jorge Lopes de Sousa  in "Código de Procedimento e de Processo Tributário", vol. II, pp. 365 
[3] E não há dúvida de que se trata de uma questão e não de “mero” argumento cfr. Ac.do TCAS n.º 9207/15.5BCLSB      11-07-2019  Relator:        TÂNIA MEIRELES DA CUNHA           Sumário:             
II. As questões a apreciar pelo tribunal arbitral abrangem todas as que sejam suscitadas pelas partes.
III. A inconstitucionalidade da interpretação efetuada pelo sujeito passivo de uma determinada norma legal, invocada pela AT na sua resposta, constitui uma verdadeira questão e não um mero argumento.
IV. Apenas é possível ao julgador não conhecer as questões cujo conhecimento resulte prejudica do pelo conhecimento das demais.
V. Se o juízo de ilegalidade se fundou na interpretação que a AT reputou de inconstitucional e se não houve expressa apreciação dessa mesma inconstitucionalidade, verifica-se omissão de pronúncia.
[4]Ac. do TCAS n.º  33/19.3BCLSB 14-11-2019 - Relator:          VITAL LOPES       
Sumário:    2. Haverá omissão de pronúncia, susceptível de demandar a nulidade de sentença (artsº 125º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 615º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil) sempre que o tribunal não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras, nomeadamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento.
[5] Assim, Carla Castelo Trindade in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, Almedina, 2016, pp. 545.
[6] Outros vícios da decisão arbitral suscetíveis de impugnação são referidos em “Guia da Arbitragem Voluntária”, Almedina, pp. 245.