Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12656/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/02/2017
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE ESCOLAR
Sumário:I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos de gestão pública assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil – artigos 483º a 510º e 562º a 572º, do Código Civil – com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilização de entes públicos previstas actualmente na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho (anteriormente no Decreto-Lei n.º 48051).

II - Assim, a efectivação desta responsabilidade pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos (cfr. artigo 483º do Código Civil):
a) O acto voluntário de um órgão ou seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas, que pode revestir a forma de acção ou omissão;
b) A ilicitude, que advém da ofensa, por esse facto, de direitos ou de disposições legais que se destinam a proteger interesses alheios;
c) A culpa, como nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto à vontade do agente, que na forma de mera culpa se afere pela diligência que teria naquelas circunstâncias um funcionário ou agente típico. Pressupõe uma censura de ordem jurídica ao comportamento do lesante;
d) O dano, prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica do lesado. Só havendo direito a indemnização, no caso desta última, quando o dano, pela sua gravidade, avaliada segundo um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos, mereça a tutela do direito (cfr. artigo 496º, nº 1 do Código Civil);
e) O nexo de causalidade entre o facto (acto ou omissão) e o dano, a apurar segundo a teoria da causalidade adequada (cfr. artigo 563º do Código Civil), que pressupõe que os danos se apresentem como consequência normal, provável e típica do facto ilícito.

III- Não existe ilicitude da conduta dos agentes da Ré Escola e consequentemente obrigação de indemnizar os danos ocorridos com a morte de um estudante de 15 anos que, contra as instruções fornecidas pelos professores que acompanhavam a visita de estudo e sem o seu conhecimento e autorização, foi tomar banho nas águas da Lagoa da Ervideira, vindo a morrer por afogamento
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Goreti …………….. intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria uma acção administrativa comum, sob a forma ordinária, contra o Estado Português, pedindo que na sua procedência o R. fosse condenado, com base no Decreto-Lei n.º 35/90 e Portaria 413/99 de 8 de Junho, a pagar-lhe a quantia de EUR 75.000,00, acrescida de juros legais, a título de danos não patrimoniais em decorrência de acidente escolar de que resultou a morte do seu filho menor Diogo ……………………..

O Ministério Público em representação do Estado contestou a acção por excepção, suscitando a sua ilegitimidade passiva por a causa de pedir assentar em normas próprias do seguro escolar, mais se defendendo por impugnação.

Por decisão de 5.01.2010 o Tribunal recorrido julgou o Estado português parte ilegítima na acção e parte legítima o Ministério da Educação, ordenando a sua citação. Decisão esta que transitou em julgado.

O Ministério da Educação contestou a acção defendendo a improcedência do pedido. Alegou, em síntese, que os invocados Decreto-Lei nº 35/90, de 25 de Janeiro e a Portaria nº 413/99, de 8 de Agosto, em que a A. assenta a causa de pedir e o pedido e, consequentemente, a obrigação de indemnizar, não conferem a pretensa indemnização por danos morais e que mesmo fazendo incidir a pretensão da A. no regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, também não se encontram reunidos os pressupostos constitutivos do dever de indemnizar, nomeadamente a prática de qualquer acto que se possa reputar de ilícito.

Por sentença de 25.05.2015 o TAF de Leiria julgou a acção procedente e, em consequência, condenou o Réu a pagar à Autora a indemnização de EUR 50.000,00, no tocante ao dano morte do menor Diogo ………., e de EUR 25.000,00 à Autora no tocante aos danos não patrimoniais por ela sofridos, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

Inconformada com o assim decidido, veio o Ministério da Educação, ora Recorrente, interpor recurso de apelação para este Tribunal Central, culminando a sua alegação com as seguintes conclusões:

I – Não obstante tudo quanto alega e conclui, o Recorrente não prescinde, da análise em sede de recurso de tudo o que na parte dispositiva da Douta Decisão for desfavorável ao Recorrente, nos termos do regime jurídico estabelecido no CPC.

II – No âmbito da decisão recorrida não foi operacionalizado corretamente o processo subsumptivo dos factos dados como provados aos preceitos legais aportados à colação, designadamente no conceito de ilicitude.

III – A sentença parte do determinado raciocínio e, a dado momento, faz como que uma “revolução copernicana” porquanto, os factos que considerados provados apontavam (e apontam) para um único desfecho possível - a inexistência de qualquer facto ilícito por parte da Escola - e, a dado momento, o “facto ilícito” surge de forma inusitada.

IV - A Escola providenciou todas medidas de segurança para que caso algum fortuito não viesse a suceder.

V - No plano anual de atividades e respetivo projeto curricular de turma dos alunos envolvidos da Escola EB 2/3 da Carreira constava, para o dia 09 de junho de 2006, uma visita de estudo para a Lagoa da Ervideira, autorizada pelos órgãos da Escola, pelo Governo Civil de Leiria e com comunicação à GNR, Bombeiros e Junta de Freguesia do Coimbrão.

VI – Visita que incluía passeio de bicicleta, com saída da escola até à referida Lagoa da Ervideira e piquenique, sendo os alunos autorizados pelos pais e/ou encarregados de educação.

VII - Estamos ante uma visita/passeio a uma lagoa, na qual se iria fazer um piquenique mas a ida à água, não constituía uma certeza mas sim e apenas uma possibilidade incluída nas atividades lúdicas a realizar na lagoa, portanto, uma possibilidade a decidir in locu.

VIII - Os professores deram instruções aos alunos a serem observadas, na sala de aula, no percurso e no local onde iriam instalar-se.

IX - Relativamente à, eventual, ida à água, foram transmitidas diversas indicações pelos professores, e em vários momentos, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa, concretamente, que os alunos só poderiam ir à água, caso tal possibilidade se concretizasse, quando todos os professores estivessem presentes.

X - Um conjunto de alunos tomou a dianteira e todo o grupo começou a desmembrar- se formando sub-grupos, favorecidos quer pelo tipo de acessibilidade ao local – passadiço estreito - quer pelo modo de deslocação, de bicicleta ou a pé.

XI – No grupo da dianteira, o primeiro a chegar à segunda praia, integrava-se o Diogo A........... tendo este entrado na água à revelia das orientações dos professores, violando o dever de obediência e incorrendo em infração disciplinar – artº 15º alíneas f) e o) e art 23º da Lei nº 30/2002 de 20 de dezembro, vigente à data dos factos.

XII - Da matéria de facto dada como provada, desde logo reverte que a visita à lagoa foi programada devidamente pela Escola, da qual constava de um piquenique, sendo certo que a ida à água seria não uma certeza mas, sim, uma possibilidade.

XIII – Em vários momentos, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa caso se consolidasse a ida à água, os alunos só poderiam fazê-lo quando todos os professores estivessem presentes, contudo o Diogo A........... à revelia das orientações dos professores, logo que chegou ao local onde se instalou, de imediato correu para a água!

XIV – A sentença recorrida não considerou determinados fatores como a idade do aluno falecido, (nascido em 09/07/1990 e falecido a 9/06/2006), a quem faltava, apenas um mês para completar 16 anos de idade, com as decorrências correlativas – sentido de responsabilidade, imputabilidade criminal, possibilidade de contrair casamento e de gerir a sua pessoa e bens.

XV - Um cidadão com 16 anos de idade, no sistema jurídico português, já é imputável criminalmente e, por conseguinte, portador do discernimento necessário para aferir o que deve e aquilo que não deve fazer, o que lhe é permitido e o que lhe está vedado.

XVI - Na perspetiva legislador, dado assente há muitos anos no sistema jurídico português, um cidadão com 16 anos já é portador de um poder cognoscitivo e valorativo que o conduz a optar pelo caminho considerado correto do ponto de vista legal e de se afastar de condutas ilícitas.

XVII - O legislador reconhece a um cidadão de 16 anos de idade o sentido de responsabilidade, a maturidade para cumprir os comandos normativos, para pugnar pelos seus direitos e para cumprir as suas obrigações, sendo portador do discernimento para acatar as ordens e/ou orientações de quem de direito e não infringir as instruções que lhe são transmitidas.

XVIII - O legislador assumiu a idade de 16 anos como aquele marco a instâncias do qual o ser humano já se revela como detentor de sentido de responsabilidade para contrair matrimónio, gerir a sua pessoa e bens e de aferir a conduta criminalmente punível.

XIX - O crescimento do ser humano, com vista à sua integração plena na sociedade, só poderá ocorrer, de forma salutar, a instâncias de todo um processo formativo, valorativo e de desenvolvimento a vários níveis, caso se incuta sentido de responsabilidade aos adolescentes.

XX – “Acorrentar” um qualquer aluno com quase 16 anos de idade para impedir qualquer eventual ocorrência, no fito de evitar a 100% qualquer violação dos seus deveres, seria impedi-lo de crescer para a liberdade, para o sentido de responsabilidade, para o saber acatar as orientações de quem de direito, numa palavra de crescer salutar e responsavelmente.

XXI - Seria (e é) espectável que um cidadão de 16 anos de idade acate as orientações do pessoal Docente abstendo-se de, sem o respetivo consentimento, entrar na água, à revelia e contra o que lhe fora transmitido, violando um dever do aluno – acatar as ordens e/ou orientações do Docentes – comportamento que resulta em responsabilidade disciplinar (artº 15º alíneas f) e o) e art 23º da Lei nº 30/2002 de 20 de dezembro, vigente à data dos factos).

XXII – O Acórdão do STA, no processo nº 0557/03, datado de 04/12 de 2003, da 1ª subsecção, decidiu que determinados alunos contando já 16 e quase 15 (14 anos e 8 meses) de idade, estão numa faixa etária, em que uma pessoa com desenvolvimento normal, dispõe da capacidade para se orientar e, de um modo geral, evitar os perigos da via pública.

XXIII - O Acórdão do STA, no processo nº 01504/13, de 15/05/2014 da 1ª secção entendeu que determinada Escola apenas pelo facto de ter organizado uma passeio não praticou um ato ilícito, não obstante um aluno de 14 anos de idade ter caído a uma mina, porquanto a Escola informou especialmente os alunos da perigosidade da mina, perigosidade esta que estava claramente assinalada em “placard” que o aluno em causa leu, mas sem ligar à respetiva informação.

XXIV – Nos presentes autos, e tomando as palavras do Acórdão do STA, a instâncias do processo nº 01504/13, de 15/05/2014 da 1ª secção, os alunos, incluindo a vítima, foram informados, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa que caso se consolidasse a ida à água, os alunos só poderiam fazê-lo quando todos os professores estivessem presentes e caso o permitissem.

XXV - Caso se tratasse de um passeio promovido por um grupo de famílias amigas, que decidiram fazer um passeio à lagoa em causa, será que deveriam ter providenciado pela presença no local de meios humanos e técnicos de socorro e auxílio específicos, de modo a prevenir e evitar possíveis ocorrências, tal como se alude na sentença?

XXVI - O conceito de ilicitude não foi subsumido corretamente no factualidade dada por assente, pois, os factos, a lei e a jurisprudência, indicam que o MEC NÃO violou, nem ilícita, nem culposamente, nem a qualquer outro título, as regras de prudência comum próprias do bonus pater famílias – numa palavra, a esta parte atuou, prudente e criteriosamente, segundo as regras do bonus pater famílias.

XXVII – Não havendo ilicitude por parte da Escola, pois não violou nem ilícita, nem culposamente, as regras de prudência comum próprias do bonus pater famílias, considerando que este é um dos elementos de verificação cumulativa com os demais para que impenda qualquer obrigação de indemnizar, fica prejudicada a apreciação dos demais requisitos.

XXVIII – Como a ida à água era apenas uma possibilidade – a decidir in locu -, e não um facto consumado, nada justificava que a Escola acautelasse os riscos inerentes a essa atividade, (possibilidade de ida à água) pois, caso se decidisse que ninguém iria a banhos, não se correria o risco, aludido na sentença, de: “ …na aparente tranquilidade da(s) lagoa(s) escondem-se sempre grandes perigos, como seja, o seu nível de profundidade (tão depressa a água está pelo joelho, como se fica sem pé), os bancos de areia e as correntes …”

XXIX - O facto (morte) ocorreu, antes de o pessoal Docente ter convertido a tal possibilidade – a ida à água - num facto real!

XXX – A sentença parte de um pressuposto errado, dando como assente aquilo que era uma possibilidade (ida à água) e, por conseguinte, omite que o acidente se verificou por desobediência por parte da vítima, que foi informada de que não poderia ir à água.

XXXI – Analisando a realidade numa ótica fáctico-jurídica concreta quem cometeu um facto ilícito (de natureza disciplinar), postergando orientações do professores foi o próprio aluno ( cfr. artº 15º alíneas f) e o) e art 23º da Lei nº 30/2002 de 20 de dezembro, vigente à data dos factos) e não a Escola que deu orientações objetivas, concretas e precisas, designadamente caso a ida à água se consolidasse, os alunos só poderiam fazê-lo quando todos os professores estivessem presentes e caso o permitissem!

XXXII – Se no aludido Ac. do STA nº 01504/13 se entendeu não haver por banda da Escola a prática de qualquer facto ilícito porquanto informou os alunos da perigosidade da mina, a qual estava expressamente assinalada em “placard” que a vítima leu, não ligando à respetiva informação;

XXXIII - Por maioria de razão, na presente relação material controvertida também não pode haver por banda da Escola a prática de qualquer facto ilícito porquanto, os alunos, incluindo a vítima, foram informados, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa que caso se consolidasse a ida à água, os alunos só poderiam fazê-lo quando todos os professores estivessem presentes e o permitissem, sendo que a vítima violou as determinações dos Docentes.

XXXIV - Se a ida à água era apenas uma possibilidade, que, obviamente, enquanto possibilidade, viria a ser decidido apenas no local, não se justificava que a Escola ter acautelasse os riscos inerentes a essa atividade, pois, caso tais riscos se verificassem os Docentes não permitiriam que os alunos fossem à agua!

Normas jurídicas violadas:

Nesta conformidade a decisão recorrida, considerando a subsunção jurídica que fez dos preceitos legais aos factos, atendendo à exegese perfilhada da lei, assim como à forma como decidiu, violou designadamente, os seguintes preceitos legais:

Artº 6º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967;

Art.s artigos 2.º a 8.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967; Artº 483º do Código Civil;

Artº 487º do Código Civil;

Nº 2, do artigo 492º do Código Civil;

Arts. 487º e 497º do C. Civil; Art. 570º, 2 do C. Civil.

Termos em que:

a) - Deve ser dado provimento ao Recurso.

b) – Deve revogar-se a sentença ora impugnada e determinar-se a total improcedência da ação.



A Recorrida, Goreti Ferreira da Costa, contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, nada disse.


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.



I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, reconduzem-se a apreciar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao dar como preenchido o pressuposto da ilicitude e assim ter julgado a acção procedente por via do instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado.



II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos, em decisão que aqui se reproduz ipsis verbis:

A) A Autora GORETI …………. é mãe do menor Diogo ............. falecido a 9 de Junho de 2006, e nascido em 09 de Julho de 1990 – cfr. assento de nascimento junto como Doc. nº 1, com a p.i. e assento de óbito junto com o requerimento da A. de 30/09/2009.

B) A A. era detentora do poder paternal do menor Diogo A..........., nos termos do acordo do exercício do poder paternal, homologado por sentença do 5º juízo do Tribunal Judicial de Leiria – cfr. doc. nº 1, junto com a p.i..

C) O menor Diogo A........... era aluno da Escola EB 2/3, Rainha ………., sita na Rua da Quinta, nº 148, em …………, …….. frequentando o curso de Educação e Formação T2 – acordo.

D) No âmbito do plano anual de actividades e do respectivo projecto curricular de turma dos alunos envolvidos, foi agendado pela Escola EB 2/3 da Carreira, para o dia 09 de Junho de 2006, uma visita de estudo para a Lagoa da Ervideira – acordo.

E) Tal visita, devidamente programada pela escola, foi autorizada pelo conselho executivo da escola, através do Conselho Pedagógico – acordo.

F) Com autorização do Governo Civil de Leiria – acordo.

G) E com comunicação à GNR, Bombeiros e Junta de Freguesia do Coimbrão – acordo.

H) A visita incluía um passeio de bicicleta com saída da escola até à referida Lagoa da Ervideira e piquenique – acordo/depoimento da testemunha Pedro …………...

I) Os alunos foram autorizados pelos respectivos encarregados de educação, o que sucedeu também em relação ao menor Diogo A........... – acordo.

J) No dia 9 de Junho de 2006, pelas 12h15m, o menor Diogo A..........., foi vítima de um acidente escolar – acordo.

K) O menor Diogo A........... integrou a referida visita de estudo, a qual se iniciou pelas 8:30m, junto à escola e términus previsto para as 17h – acordo.

L) A deslocação dos alunos foi feita em bicicleta desde a escola até à Lagoa da Ervideira – acordo.

M) Sendo que os restantes meios de apoio seriam transportados em carrinha da escola – acordo.

N) Desde a saída da escola até à chegada à Lagoa da Ervideira o percurso decorreu sem incidentes – acordo.

O) Seguindo o Diogo A........... e demais colegas, as instruções dadas pelos professores responsáveis pela visita de estudo – acordo.

P) A ida à água era uma possibilidade incluída nas actividades lúdicas a realizar na lagoa – acordo.

Q) Faziam acompanhamento à visita de estudo cinco professores, entre os quais Nuno ………, Manuela ……, Sérgio …….e Pedro ….. – acordo/depoimento das testemunhas Manuela ….. e Pedro …….

R) Os professores deram instruções aos alunos a serem observadas no percurso e no local onde iriam instalar-se – depoimento das testemunhas Edemero …………., Manuela … e Pedro ……….

S) Relativamente à ida à água, foram transmitidas diversas indicações pelos professores, e em vários momentos, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa – depoimento das testemunhas Edemero ……….., Manuela …….. e Pedro …...

T) Concretamente, que só poderiam ir à água quando todos os professores estivessem presentes – depoimento das testemunhas Edemero ……….., Manuela …….. e Pedro……. ...

U) Chegados à lagoa, professores e alunos acordaram instalar-se na designada segunda praia, por a areia estar mais limpa - depoimento das testemunhas Edemero ….. e Pedro ……….

V) O acesso ao local escolhido processou-se por um passadiço de madeira que ladeia a lagoa – depoimento das testemunhas Edemero ….. e Pedro ……….

W) Houve professores que permaneceram junto à carrinha a fim de recolher o equipamento e a verificar uma avaria ocorrida naquela durante a viagem – depoimento da testemunha Edemero ……..

X) Foi então que um grupo de alunos tomou a dianteira e todo o grupo começou a desmembrar-se formando sub-grupos, favorecidos quer pelo tipo de acessibilidade ao local – passadiço estreito -, quer pelo modo de deslocação, de bicicleta ou a pé – depoimento das testemunhas Edemero ….. e Pedro ………..

Y) O grupo onde se integrava o menor Diogo A........... foi o primeiro a chegar à segunda praia, tendo entrado na água – depoimento das testemunhas Edemero ….. e Pedro ……….

Z) O menor Diogo A........... foi para a água sem o conhecimento e consentimento dos professores envolvidos na actividade – depoimento das testemunhas Edemero …………., Manuela … e Pedro ……….

AA) O menor Diogo A........... e pelo menos outros três colegas tomavam banho sem terem a vigilância dos professores – depoimento das testemunhas Edemero …………., Manuela … e Pedro ……….

BB) Durante o banho, o Diogo A........... começou a bater os braços e, em conversa, os colegas sugeriram que ele estivesse na brincadeira – acordo.

CC) O Diogo A........... não mais apareceu à superfície – acordo.

DD) Um aluno foi avisar o professor Pedro .……….que se dirigia para o local e que integrava um grupo que precedia os que tinham chegado à lagoa – depoimento da testemunha Pedro ………….

EE) Já na presença do professor Pedro A.......... que entretanto tinha chegado ao local, este tenta apurar junto dos restantes alunos o que se passava, tendo estes referido que o Diogo A........... tinha desaparecido na água – acordo.

FF) Seguiu-se uma tentativa de resgate do menor Diogo A........... pelo aluno João ………..- depoimento da testemunha Pedro ……...

GG) Na tentativa de salvamento envolveu-se também o professor Nuno, que entretanto chegara ao local, e atirou-se à água a fim de localizar o Diogo, mas sem sucesso – acordo.

HH) Após várias tentativas, o professor Nuno encontra o corpo do Diogo A..........., tendo-o retirado para a margem, onde já se encontravam os bombeiros que entretanto tinham chegado – acordo.

II) Após a retirada do Diogo A........... da água os bombeiros começaram a reanimação – acordo.

JJ) Seguidos cerca de 5 minutos depois pelo INEM, que tentaram a reanimação, que durou até às 11h15m – acordo.

KK) Seguidamente, o Diogo A........... foi colocado na ambulância com destino ao hospital, tendo falecido no caminho – acordo.

LL) Resulta do relatório de autópsia que a morte do menor Diogo foi devida a afogamento – acordo/doc. nº 1, junto com a contestação do MP.

MM) Que esta foi causa de morte violenta – acordo/doc. nº 1, junto com a contestação do MP.

NN) Que as pequenas lesões traumáticas da face, denotam ter sido produzidas por objecto contundente ou actuando como tal, devendo estar relacionadas com o mecanismo da morte – acordo/doc. nº 1, junto com a contestação do MP.

OO) Que as lesões traumáticas torácicas encontradas e o sinal de picada no dorso da mão, denotam ter sido produzidas por objecto contundente e objecto perfurante ou actuando como tal, sugestivos de manobras de reanimação cardio-torácica – acordo/doc. nº 1, junto com a contestação do MP.

PP) A pesquisa de álcool, drogas, medicamentos no sangue foi negativa – acordo/doc. nº 1, junto com a contestação do MP.

QQ) O menor Diogo faleceu após ter mergulhado na Lagoa da Ervideira, não tendo conseguido voltar à superfície, acabando por falecer por afogamento – acordo.

RR) A Lagoa da Ervideira não era vigiada por nadadores salvadores – depoimento das testemunhas Edemero ………e Pedro ………...

SS) A A. estava ligada ao seu filho Diogo, por um forte amor filial, ficando privada do seu convívio, assistência, apoio, amizade e afecto – depoimento das testemunhas Acácio ……… e Maria ………..

TT) A A. sofreu e sofre um profundo desgosto com a morte do seu filho – depoimento das testemunhas Acácio ……….. e Maria …...

UU) Viveu uma relação feliz, durante quase 16 anos de relacionamento com o seu filho – depoimento das testemunhas Acácio S........... e Maria O............

VV) O Diogo A........... era menor, solteiro e sem filhos – cfr. doc. nº 1, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas Acácio S........... e Maria O............

WW) À data do acidente o menor Diogo era pessoa saudável – depoimento das testemunhas Acácio S........... e Maria O............

XX) Não sofria de qualquer patologia – depoimento das testemunhas Acácio S........... e Maria O............

YY) Não era portador de qualquer deficiência física ou psicológica – depoimento das testemunhas Acácio S........... e Maria O...........

ZZ) Era pessoa alegre e divertida – depoimento das testemunhas Acácio S........... e Maria O........... e Maria O............

AAA) Sendo afável no trato com outras pessoas e amigos, que fazia facilmente – depoimento das testemunhas Acácio S........... e Maria O............

BBB) Vivia com a mãe – depoimento das testemunhas Acácio S........... e Maria O............

CCC) Tendo à data do óbito 15 anos de idade – cfr. doc. nº 1, junto com a p.i..

DDD) Após o divórcio, nunca mais o pai contactou com a mãe, sendo esta o seu único apoio, moral, educacional e financeiro – depoimento das testemunhas Acácio S........... e Maria O............

EEE) O pai nunca mais procurou o Diogo, desconhecendo-se o seu paradeiro há largos anos – depoimento das testemunhas Acácio S........... e Maria O............

FFF) Era o Diogo a companhia regular da A., quer nas alegrias, quer nas tristezas – depoimento das testemunhas Acácio S........... e Maria O............

GGG) A A. após a morte do filho, ficou com grande desgosto e sofrimento – depoimento das testemunhas Acácio S........... e Maria O............

HHH) Deixou de ter vontade de trabalhar, falar ou conviver com outras pessoas – depoimento das testemunhas Acácio S........... e Maria O............

III) Passou e passa muitas horas a chorar a perda do seu filho – depoimento das testemunhas Acácio S........... e Maria O............

JJJ) E até hoje a perda do filho impede-a de dormir à noite – depoimento das testemunhas Acácio S........... e Maria O............

II.2. FACTOS NÃO PROVADOS

1. Que chegados à Lagoa da Ervideira, cerca das 10h do dia 9/06/2006, o Diogo A........... e demais colegas, seguindo as instruções dos formadores deslocam-se para a água, a fim de tomarem banho (19º, da p.i.)

2. Que a única contra indicação era não tomarem banho após as refeições (21º, da p.i.)

3. Que a Lagoa da Ervideira não faz parte das praias fluviais autorizadas a banho (artº 37º, da p.i.)

4. Que o Diogo A........... praticava desporto com regularidade (artº 62º, da p.i.)

O Tribunal a quo alicerçou a motivação da decisão da matéria de factos nos seguintes termos:

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados e não provados na apreciação global e crítica da prova produzida em sede de audiência final, bem como do teor dos documentos juntos aos autos e da posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, como vem referido em cada uma das alíneas do probatório.

Quanto à matéria das al. A), B) e CCC), o Tribunal valorou o teor dos respectivos documentos, que não foram impugnados.

A matéria das al. C), D), E), F), G), H), I), J), K), L), M), N), O), P), BB), CC), EE), GG), HH), II), JJ), KK) e QQ) mostra-se admitida por acordo.

A matéria da al. Q), foi confirmada pelas testemunhas Manuela D.......... e Pedro A.........., professores da escola e que acompanharam a visita de estudo.

Quanto à matéria das al. R), S) e T), o Tribunal valorou o depoimento da testemunha Edemero C......... então aluno da escola e que integrou a visita de estudo, e o depoimento dos professores Manuela D.......... e Pedro A.......... que acompanharam os alunos à visita de estudo. Pela testemunha Edemero ………. foi dito que antes de saírem da escola os professores disseram para terem cuidado e não irem à água enquanto os professores não estivessem presentes. Chegados à lagoa, os professores ficaram de volta da carrinha que se tinha avariado e avisam que podíamos ir para a praia mas que não podíamos entrar na água. “A primeira coisa que fizemos foi ir para a água” – disse a testemunha.

Também a testemunha Manuela D.......... referiu que os alunos foram avisados mais do que uma vez em contexto de sala de aula e à saída da escola que não podiam ir à água sem a presença dos professores.

Também a testemunha Pedro A.......... referiu que antes de saírem da escola foi transmitido aos alunos que na lagoa não havia autorização para irem livremente à água.

Mais referiu que houve alunos que pedalaram e chegaram mais depressa à praia, tendo entrado na água sem autorização.

A matéria da al. U) e V) foi confirmada pelas testemunhas Edemero ……………e Pedro A...........

A matéria da al. W) foi confirmada pela testemunha Edemero C..........

A matéria da al. X) e Y) foi confirmada pelas testemunhas Edemero C......... e Pedro A........... Pela testemunha Edemero C......... foi dito que assim que chegaram à lagoa dirigiram-se com as respectivas bicicletas para a segunda praia e passados 3/4 minutos já lá estavam. Referiu que não vinham acompanhados pelos professores. Assim que chegaram foram logo para a água.

Também a testemunha Pedro A.......... referiu que assim que chegaram à lagoa decidiram ir para a segunda praia por estar mais limpa. Disse aos alunos para irem ordeiramente, sem andarem com as bicicletas no passadiço e esperassem no areal até que todos estivessem juntos. Houve alunos que passaram de bicicleta e assumiram a dianteira, tendo chegado mais depressa ao areal. Assim que chegou ao areal estavam alunos na praia a jogar à bola junto da água, tendo sido avisado por um aluno que não sabiam do Diogo.

A matéria da al. Z) e AA) foi confirmada pelas testemunhas Edemero C......... Manuela D.......... e Pedro A.........., conforme decorre do que já acima se referiu.

A matéria da al. DD) foi confirmada pelo próprio professor.

A matéria da al. FF) foi confirmada pela testemunha Pedro A.......... que referiu que o aluno em causa era atleta paralímpico e se atirou à água na tentativa de encontrar o Diogo.

A matéria das al. LL), MM), NN), OO) e PP) mostra-se admitida por acordo, resultando também do teor do relatório de autópsia, junto como doc. nº 1, junto com a contestação do MP.

A matéria da al. RR) resulta do depoimento da testemunha Edemero C......... que é bombeiro, e do professor Pedro A.........., que confirmaram que a praia não é vigiada, nem tem zonas de recreio vigiadas.

A matéria das al. SS), TT), UU), VV), WW), XX), YY), ZZ), AAA), BBB), DDD), EEE), FFF), GGG), HHH), III) e JJJ) valorou o depoimento das testemunhas que aí vêm referidas.

Pela testemunha Acácio S..........., ex-companheiro da A., foi dito que viveu com o menor Diogo A........... desde os 2 anos de idade, que se encontrava à guarda da mãe. Era um rapaz saudável e bem-disposto, era muito brincalhão. Tinha uma boa relação com a mãe.

Mais disse que a A. era uma pessoa alegre e que agora não tem vontade de nada, mostrando-se muito abalada e sob o efeito de medicação, sobretudo para dormir.

Mais referiu que o pai do Diogo depois da separação nunca mais viu o filho, nem quis saber dele.

Também a testemunha Maria O..........., cunhada da A., referiu que esta era muito ligada ao filho e que após a sua morte ficou uma pessoa triste e fechada, sempre a chorar, e que ainda hoje se percebe a sua dor. Referiu ainda que a A. toma antidepressivos, que associa ao que lhe aconteceu.

Mais referiu que o menor Diogo era um menino adorável e um rapaz saudável.



II.2. De direito

A Mma. Juiz a quo julgou a acção procedente e condenou o ora Recorrente no pagamento peticionado, com base no seguinte discurso fundamentador:

A A. fundamenta a sua pretensão, fazendo apelo às normas próprias do Seguro Escolar, concretamente o Decreto-Lei nº 35/90, de 25 de Janeiro e a Portaria nº 413/99, de 8 de Junho.

Ora, o seguro escolar, conforme consta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 35/90, de 25 de Janeiro, constitui uma das vertentes do apoio social e escolar aos alunos do ensino básico, destinando-se a garantir a cobertura financeira na assistência a alunos sinistrados.

(…)

A Portaria nº 413/99, de 8 de Junho que veio regular o seguro escolar, dá-nos a noção de “acidente escolar” no seu art. 3º: “1 - Considera-se acidente escolar, para efeitos do presente Regulamento, o evento ocorrido no local e tempo de actividade escolar que provoque ao aluno lesão, doença ou morte.”

(…)

Para além daqueles, “A garantia do seguro escolar compreende, ainda, o pagamento de:

a) Indemnização por incapacidade temporária, desde que se trate de aluno que exerça actividade profissional remunerada e cujo montante será o do prejuízo efectivamente sofrido devidamente comprovado;

b) Indemnização por incapacidade permanente;

c) Indemnização por danos morais (cfr. artº 10º, da Portaria nº 413/99).

Quanto ao cálculo da indemnização estabelece o artº 11º que:

“1- A indemnização a que o sinistrado, vítima de incapacidade permanente, tem direito é calculada em função do grau de incapacidade que lhe seja atribuído.

2- O montante é determinado com base no coeficiente de incapacidade, fixando-se o valor 100 em 300 vezes o salário mínimo nacional, em vigor à data do acidente.

3- O coeficiente de incapacidade é fixado por junta médica, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, publicada em anexo à lei dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, em vigor à data do acidente.

4- Pode, a requerimento do sinistrado e por decisão fundamentada do director regional de educação, ser atribuído, a título de indemnização por danos morais, montante no valor de 30% da indemnização calculada nos termos do n.º 1 do presente artigo.”

O quadro normativo em referência permite, desde logo, uma primeira conclusão: o seguro escolar não cobre indemnizações por morte do sinistrado, salvo na vertente de despesa de funeral (cfr. artº 13º).

Não obstante, e tal como se entende, a factualidade alegada permite reconduzir o caso sub judice ao regime de responsabilidade civil extracontratual.

(…)

Tendo em conta o momento em que se produziram os factos integrantes da causa de pedir, há que considerar o regime decorrente do Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967 [já que a Lei nº 67/2007, de 31.12, que aprovou o novo regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas apenas tem aplicação a factos ocorridos a partir de 30.01.2008 (cfr. artº 6º)].

Estabelece o artº 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 48051 que, “O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.”

Concernente à ilicitude do facto, estabelece o artº 6º que, “Para os efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.”.

Quanto à culpa estabelece o artº 4.º, nº 1 do Decreto-Lei nº 48051 que, “A culpa dos titulares do órgão ou dos agentes é apreciada nos termos do artigo 487.º do Código Civil.”.

Dos normativos em referência decorre, assim, que o dever de indemnizar resultante de responsabilidade extracontratual por factos ilícitos – que é o que aqui nos interessa apreciar - assenta na verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

a) o facto do lesante, constituído por um comportamento voluntário, que pode revestir a forma de acção ou omissão;

b) a ilicitude, advinda da ofensa de direito de terceiros ou disposições legais emitidas com vista à protecção de interesses alheios, considerando-se ilícitas as acções ou omissões que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos;

c) a culpa, nexo de imputação ético-jurídica que, na forma de mera culpa, traduz a censura dirigida ao autor do facto por não ter usado da diligência que teria um homem normal perante as circunstâncias do caso concreto. A culpa do titular do órgão, funcionário ou agente, abarca os casos de dolo ou intenção de praticar um facto ilícito, bem como os casos de negligência ou falta de zelo;

d) o dano, lesão de ordem patrimonial ou não patrimonial, só havendo direito a indemnização, no caso desta última, quando o dano, pela sua gravidade, avaliada segundo um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos, mereça a tutela do direito (cfr. artº 496º, do CC).

e) o nexo (relação/ligação) de causalidade entre a conduta (comportamento) e o dano, apurado segundo a teoria da causalidade adequada, de acordo com a qual, para se responsabilizar alguém pela reparação de um prejuízo que a sua conduta produziu a outrem, não basta que essa conduta tenha funcionado como condição necessária do dano, é necessário que, em abstracto ou em geral, a conduta seja uma causa idónea à produção desse resultado.

Esta responsabilidade corresponde, no fundo, ao conceito civilista de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, consagrado nos art. 483º, do CC, segundo o qual “ 1- Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”.

Ao Autor e lesado compete, por regra, não só a prova da culpa do autor da lesão (artigo 487º, n.º 1, do CC), mas também o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito invocado (artigo 342º, n.º 1, do CC).

Ou seja, ao Autor e lesado compete expor na sua p.i., a causa de pedir, o acto ou facto concreto (simples ou complexo) donde emerge o direito que invoca e se propõe fazer valer em juízo.

Sendo assim, o que, in casu importa apurar é se os órgãos ou agentes do R., no acompanhamento da visita de estudo onde o filho da A. perdeu a vida, praticaram culposamente um acto ilícito de que tivesse resultado essa morte ou omitiram, ilícita e culposamente, a prática de actos que deveriam ter praticado e que, a terem-no sido, evitariam essa perda. O que passa por conhecer as circunstâncias em que aquela morte ocorreu a fim de se poder decidir se as mesmas evidenciam infracção culposa aos deveres legais ou regulamentares ou às regras de ordem técnica e de prudência comum que os órgãos ou agentes do R. deviam observar e se foi esse incumprimento ou o seu cumprimento defeituoso a determinar aquele dano.

(…)

Perante os factos provados importa então saber se o R. omitiu, ilícita e culposamente, o dever de vigilância sobre o menor Diogo A............

O conceito de ilicitude que decorre do disposto no transcrito art.º 6.º do DL 48.051 é mais abrangente que o estabelecido no art.º 483.º do Código Civil - na medida em que neste o dever de indemnizar só nasce se o ilícito decorrer de uma violação, com dolo ou mera culpa, de uma disposição legal destinada a proteger os interesses de terceiros, ao passo que naquele se considera ilícito não só o acto que viole estas disposições legais, mas também os actos que violem normas regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração – o que quer dizer que o acto será ilícito se tiver havido não só violação de disposições legais destinadas a proteger os interesses de terceiros mas também se tiver havido violação das referidas normas ou das regras de ordem técnica e de prudência comum que cumpre observar.

Por outro lado, a culpa é um conceito que exprime um juízo de censura ou reprovação sobre um determinado comportamento que parte do pressuposto de que o agente, nas concretas circunstâncias em que se encontrava, podia e devia fazer melhor. “Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.” – cfr. A. Varela, “Das Obrigações em Geral, I”, p. 571. A qual - por força do disposto no art.º 4.º do DL 48.051 - “é apreciada nos termos do art.º 487.º do Código Civil” o que quer dizer que, na falta de outro critério legal, será apreciada “pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso.” (art.º 487.º/2 do CC).

O juízo de culpa pressupõe, assim, a existência de um comportamento padrão – definido por lei ou estabelecido de acordo com o comportamento diligente, responsável, ponderado próprio de um bonus pater famílias - sobre o qual se há-de aferir a conduta do agente, traduzindo-se esse juízo na desconformidade entre essa conduta padrão que o agente podia e devia realizar e aquilo que efectivamente realizou. E, por isso, afirmar a existência de culpa numa conduta ilícita – seja por violação das prescrições legais estabelecidas, seja por violação das regras de ordem técnica ou de prudência comum que deviam ser adoptadas - implica a formulação de um juízo de reprovação por se considerar que o agente tinha obrigação para agir de modo a não violar aquelas regras e que o não fez. – cfr., entre outros, o Acórdão do STA de 4/04/2006 (rec. 1.116/05), acessível em ww.dgsi.pt.

Ora, temos por certo que o R. violou, ilícita e culposamente, as regras de prudência comum próprias do bonus pater famílias a que estava vinculado e que foi essa violação a provocar a morte do menor.

Desde logo, é indiscutível que o R. ao permitir a realização de uma visita de estudo numa lagoa, que não era vigiada por nadadores salvadores, e em que a ida à água era uma possibilidade incluída nas actividades lúdicas a realizar naquela, deveria ter acautelado devidamente os riscos inerentes a essa actividade, pois que, como é do conhecimento geral, na aparente tranquilidade da(s) lagoa(s) escondem-se sempre grandes perigos, como seja, o seu nível de profundidade (tão depressa a água está pelo joelho, como se fica sem pé), os bancos de areia e as correntes.

Ora, notam os autos, que o R. descurou essa análise, visto que admitiu que a visita de estudo se realizasse à lagoa da Ervideira, sem que tivesse providenciado pela presença no local de quaisquer meios humanos e técnicos de socorro e auxílio específicos (veja -se que foi um aluno e um professor que se lançaram no salvamento do menor Diogo), de modo a prevenir e evitar possíveis ocorrências.

Deste modo, há que concluir que o R. não adoptou uma conduta responsável, cautelosa e prudente, própria de bonus pater famílias e que tal significou uma objectiva violação de dever de vigilância que sobre si impendia, o que concorreu de forma determinante para a verificação do resultado.

Verifica-se também o dano, desde logo o directo, a morte do menor Diogo A............

Provou-se ainda que a A. sofreu dor em virtude da morte do Diogo, seu filho, tendo caído numa apatia e desinteresse pela vida, sendo que vai sentir essa dor e desgosto para todo o sempre.

Nos termos do artº 496º, do CC, “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

(…)

Assim, entendo que a compensação pela perda do direito à vida, bem fundamental, deve atentar, entre outros factores, à idade da vítima, pelo que, dada a juventude de Diogo A..........., o valor deverá ser de 50.000,00, como peticionado, o qual, de resto, se encontra dentro dos valores médios que a jurisprudência vem atribuindo a este tipo de da no – cfr., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26-03-1998, Revista n.º 104/98-1A - confirma o valor de 10.000.000$00 fixado pela Relação (vítima com 12 anos de idade), 09-03-2000, Processo n.º 5/2000-5A - (vítima de acidente de viação com 17 anos), 09-10-2003, Revista n.º 2265/03-7A - (16 anos), 11-01-2007, Revista n.º 4433/06-2ª - (18 anos), 18-12-2007, Revista n.º 3715/07-7A - (17 e 11 anos), 04-06-2008, Processo n.º 1618/08-3A - (17 anos).

No que se refere à dor sofrida pela própria A. na qualidade de mãe, que persiste ainda, volvidos quase 9 anos sobre os factos, e que ocorreu de modo inesperado, com quem, pela natureza das coisas, tinha uma estreita ligação sentimental, como se retira dos factos provados, mas que sempre se poderia inferir das regras da experiência humana, entendo ser equitativa, adequada e razoável, a quantia de € 25.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pela A..

E, finalmente, verifica-se o nexo de causalidade adequada entre a conduta que se censura ao R. e o dano.

Verificados, nos termos expostos, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do R., nasce, quanto a este, a obrigação de indemnizar a A., a qual abrange os danos não patrimoniais referidos.

É contra o assim decidido que o Recorrente se insurge assentando o seu raciocínio, em síntese, no alegado erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo, uma vez que erradamente deu como verificado o pressuposto da ilicitude. Defende o Recorrente que: “o conceito de ilicitude não foi subsumido corretamente no factualidade dada por assente, pois, os factos, a lei e a jurisprudência, indicam que o MEC NÃO violou, nem ilícita, nem culposamente, nem a qualquer outro título, as regras de prudência comum próprias do bonus pater famílias – numa palavra, a esta parte atuou, prudente e criteriosamente, segundo as regras do bonus pater famílias.// Não havendo ilicitude por parte da Escola, pois não violou nem ilícita, nem culposamente, as regras de prudência comum próprias do bonus pater famílias, considerando que este é um dos elementos de verificação cumulativa com os demais para que impenda qualquer obrigação de indemnizar, fica prejudicada a apreciação dos demais requisitos.” (cfr. conclusões XXVI e XXVII).

Em suma, o ponto fulcral da discordância parte do juízo plasmado na sentença recorrida, segundo o qual:

Desde logo, é indiscutível que o R. ao permitir a realização de uma visita de estudo numa lagoa, que não era vigiada por nadadores salvadores, e em que a ida à água era uma possibilidade incluída nas actividades lúdicas a realizar naquela, deveria ter acautelado devidamente os riscos inerentes a essa actividade, pois que, como é do conhecimento geral, na aparente tranquilidade da(s) lagoa(s) escondem-se sempre grandes perigos, como seja, o seu nível de profundidade (tão depressa a água está pelo joelho, como se fica sem pé), os bancos de areia e as correntes.

Ora, notam os autos, que o R. descurou essa análise, visto que admitiu que a visita de estudo se realizasse à lagoa da Ervideira, sem que tivesse providenciado pela presença no local de quaisquer meios humanos e técnicos de socorro e auxílio específicos (veja-se que foi um aluno e um professor que se lançaram no salvamento do menor Diogo), de modo a prevenir e evitar possíveis ocorrências.

Vejamos então, sendo que o recurso se encontra circunscrito à questão da condenação em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado e, mais concretamente, do preenchimento do seu pressuposto da ilicitude. O Recorrente não discute a aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual do Réu no quadro legal definido pelo Decreto-Lei nº 48.051, de 21.11.1967, o que discorda é da subsunção dos factos provados ao direito, não aceitando a existência de ilicitude.

Deve ainda ter-se por assente que, em face das datas a que se reportam os factos constitutivos da pretensão indemnizatória em causa fundada em responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, por factos ilícitos, é de aplicar o regime estatuído pelo Decreto-Lei nº 48.051, de 21 Novembro de 1967, tal como a Mmo. Juiz a quo também o afirmou.

Tal como a sentença recorrida refere e é jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos, praticados pelos seus órgãos e agentes, assenta na verificação dos seguintes dos seguintes pressupostos que são: (1) o facto, que é um acto de conteúdo positivo ou negativo, consubstanciado por uma conduta de um órgão ou seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas; (2) a ilicitude, traduzida na violação por esse facto de normas legais e regulamentares ou dos princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração (o conceito de ilicitude vertido artigo 6º do Decreto-Lei nº 48051, de 21.11.1967, é mais amplo do que o civilístico); (3) a culpa, como nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto ao agente, não sendo necessária uma culpa personalizável no próprio autor do acto, bastando uma culpa do serviço, globalmente considerado, que é apreciada nos termos do artigo 487.º do Código Civil, que é o da “diligência de um pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”; (4) o dano, lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros; e (5) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Sendo de notar que o juízo de culpa numa conduta ilícita, seja por violação das normas e princípios legais, seja por violação das regras de ordem técnica ou de prudência comum que deviam ser adoptadas, implica a formulação de um juízo de reprovação por se considerar que o agente tinha obrigação para agir de modo a não violar as aquelas regras e que o não fez, como se escreveu, de resto, no ac. do STA de 29.04.2003, proc. nº 560/03.

Recordemos agora a sequência dos acontecimentos que culminaram no acidente sofrido pelo filho da Autora, do qual veio a resultar a sua morte.

A dinâmica do acidente vem descrita na sentença recorrida em termos que reputamos por correctos, pelo que passamos a transcrever a mesma nesta parte:

No âmbito do plano anual de actividades e do respectivo projecto curricular de turma dos alunos envolvidos, foi agendado pela Escola EB 2/3 da Carreira, para o dia 09 de Junho de 2006, uma visita de estudo para a Lagoa da Ervideira.

A visita incluía um passeio de bicicleta com saída da escola até à referida Lagoa da Ervideira e piquenique.

O menor Diogo A........... integrou a referida visita de estudo, a qual se iniciou pelas 8:30m, junto à escola e términus previsto para as 17h.

A deslocação dos alunos foi feita em bicicleta desde a escola até à Lagoa da Ervideira. Sendo que os restantes meios de apoio seriam transportados em carrinha da escola.

Desde a saída da escola até à chegada à Lagoa da Ervideira o percurso decorreu sem incidentes.

A ida à água era uma possibilidade incluída nas actividades lúdicas a realizar na lagoa.

Faziam acompanhamento à visita de estudo cinco professores, entre os quais Nuno Seabra, Manuela D.........., Sérgio Silva e Pedro A...........

Os professores deram instruções aos alunos a serem observadas no percurso e no local onde iriam instalar-se.

Relativamente à ida à água, foram transmitidas diversas indicações pelos professores, e em vários momentos, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa. Concretamente, que só poderiam ir à água quando todos os professores estivessem presentes.

Chegados à lagoa, professores e alunos acordaram instalar-se na designada segunda praia, por a areia estar mais limpa. O acesso ao local escolhido processou-se por um passadiço de madeira que ladeia a lagoa. Houve professores que permaneceram junto à carrinha a fim de recolher o equipamento e a verificar uma avaria ocorrida naquela durante a viagem.

Foi então que um grupo de alunos tomou a dianteira e todo o grupo começou a desmembrar-se formando sub-grupos, favorecidos quer pelo tipo de acessibilidade ao local – passadiço estreito -, quer pelo modo de deslocação, de bicicleta ou a pé.

O grupo onde se integrava o menor Diogo A........... foi o primeiro a chegar à segunda praia, tendo entrado na água, sem o conhecimento e consentimento dos professores envolvidos na actividade.

Durante o banho, o Diogo A........... começou a bater os braços e, em conversa, os colegas sugeriram que ele estivesse na brincadeira. O Diogo A........... não mais apareceu à superfície.

Um aluno foi avisar o professor Pedro A.......... que se dirigia para o local e que integrava um grupo que precedia os que tinham chegado à lagoa.

Já na presença do professor Pedro A.......... que entretanto tinha chegado ao local, este tenta apurar junto dos restantes alunos o que se passava, tendo estes referido que o Diogo A........... tinha desaparecido na água.

Seguiu-se uma tentativa de resgate do menor Diogo A........... pelo aluno João Jerónimo.

Na tentativa de salvamento envolveu-se também o professor Nuno, que entretanto chegara ao local, e atirou-se à água a fim de localizar o Diogo, mas sem sucesso.

Após várias tentativas, o professor Nuno encontra o corpo do Diogo A..........., tendo-o retirado para a margem, onde já se encontravam os bombeiros que entretanto tinham chegado.

Após a retirada do Diogo A........... da água os bombeiros começaram a reanimação.

Seguidos cerca de 5 minutos depois pelo INEM, que tentaram a reanimação, que durou até às 11h15m.

Seguidamente, o Diogo A........... foi colocado na ambulância com destino ao hospital, tendo falecido no caminho.

Resulta do relatório de autópsia que a morte do menor Diogo foi devida a afogamento. A Lagoa da Ervideira não era vigiada por nadadores salvadores.

Da sentença recorrida, e da apreciação que nesta é feita da particular dinâmica do acidente, extrai-se que a Mma. Juiz a quo entendeu que a ilicitude se verificava uma vez que tudo ocorreu no âmbito de uma visita de estudo e que o R. ao permitir a sua realização numa lagoa, que não era vigiada por nadadores salvadores, e em que a ida à água era uma possibilidade incluída nas actividades lúdicas a realizar naquela, deveria ter acautelado devidamente os riscos inerentes a essa actividade. Subentende-se, portanto, que a ilicitude decorre de se estar perante uma actividade (potencialmente) perigosa, pelo que não provando o R. que desenvolveu todos os esforços necessários a afastar o perigo, teve por verificada a ilicitude e a culpa.

Mas entendemos que não é assim.

Sobre questão idêntica à presente, estando igualmente em causa uma visita de estudo escolar, com a ocorrência de um acidente durante a mesma, do qual veio a resultar, também, a morte de um aluno sensivelmente da mesma idade, escreveu o STA o seguinte, no acórdão de 15.05.2014, proc. n.º 1504/13:

O TCA admitiu a aplicação do art. 493º, 2 do CC por entender que estávamos perante uma actividade perigosa.

Julgamos que não é aplicável, neste caso o regime (presunção de culpa) previsto no art. 493º, 2 do C. Civil.

Vejamos porquê.

A questão coloca-se, desde logo, em momento anterior, ou seja, coloca-se a questão de saber se o art. 493º, 2, do CC é aplicável á responsabilidade civil extracontratual do Estado – independentemente da actividade em causa poder ser ou não qualificada como perigosa.

Entendemos que não, pelas razões expostas no acórdão deste STA de 16-1-2014, proferido no recurso 0445/13, que aqui se reproduzem:

«(…)

É verdade que este Supremo Tribunal Administrativo tem admitido, sem qualquer dúvida, a aplicação das presunções de culpa previstas no art. 493º, n.º 1, do C. Civil, admitindo assim que a regulamentação do Dec. Lei 48.051 não é exaustiva e que a remissão do art. 4º não é restritiva aos artigos ali referidos (art. 487º e 497º do C. Civil) – cfr. acórdão, de 29.4.98, do Pleno desta 1ª Secção e de 3.10.02 (Rº 45 160) e de 20.3.02 (Rº 45 831).

O TAF de Braga e o TCA Norte aceitaram a aplicação do regime do art. 493º, 2 do CC, à responsabilidade do Estado e demais entes públicos, admitindo ser esse o entendimento deste Supremo Tribunal Administrativo, o que não é exacto. Este Supremo Tribunal tem admitido, designadamente nos acórdãos citados na sentença, a aplicação das presunções de culpa previstas no art. 492º e 493º, n.º 1 à responsabilidade do Estado e demais entes públicos.

Mas daí não se pode inferir que tenha admitido também a aplicação do art. 493º, 2 do C Civil.

Aliás a aplicação do regime do art. 493º, 2 do C. Civil à responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos é bastante problemático

MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, por exemplo, consideram que não ser aplicáveis as presunções de culpa na responsabilidade civil do Estado e demais entes Públicos, pelo menos nos casos em que não existem “normas que determinem aplicação de tais presunções – cfr. Responsabilidade Civil Administrativa, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2008, pág. 28.

A actual Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, o art. 6º, n.º 3, consagra uma presunção de culpa leve sempre que tenha havido incumprimento dos deveres de vigilância, ou seja, consagra uma presunção de culpa “in vigilandum”, tal como a jurisprudência do STA vinha admitindo, mas nada diz sobre a extensão dessa presunção aos casos previstos no art. 493º, 2 do C. Civil.

FERNANDES CADILHA- aliás citado pela recorrente a fls. 800 – também admite apenas as presunções de culpa “por omissão do dever de vigilância”. “Fora dos casos de presunção de culpa por omissão do dever de vigilância (…) e que envolve a inversão do ónus da prova, a existência da culpa exige a demonstração inequívoca de um juízo de reprovação subjectiva…(…) – Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, Almedina, 2008.

Também no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 22-6-2004, proferido no processo 01810, é expressamente afastada essa aplicação:

«(…) Aceitando que a guarda de presos em estabelecimentos prisionais fechados configure uma actividade perigosa, consideramos que se não verifica, no caso subjudice, qualquer responsabilidade do Estado. É que, contrariamente ao que acontece nos actos de gestão privada, em que existe responsabilidade objectiva no âmbito da simples actividade perigosa (cfr. artigo 493.º, n.º 2 do CC), nos actos de gestão pública essa responsabilidade só se verifica no âmbito das actividades excepcionalmente perigosas (cfr. artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 48 051). A diferença de tratamento radica na consagração de que é razoável exigir aos particulares o risco próprio da vida em colectividade e da sua organização, ou seja, da actividade administrativa, até limites aceitáveis de perigosidade, só havendo responsabilidade quando esses limites forem ultrapassados, o que só se deve considerar em casos excepcionais, isto é, de muito elevada perigosidade.

(…)».

Foram razões semelhantes às do acórdão deste Supremo Tribunal acima referido que levaram ao entendimento, segundo o qual o art. 493º, 2 do C. Civil não era aplicável à responsabilidade civil emergente dos acidentes de viação, dado que, relativamente a tal actividade, se encontrar especificamente regulada, tanto na área da responsabilidade civil fundada na culpa (art. 483º, 1) como na zona negra da responsabilidade pelo risco – ANTUNES VARELA, DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL, I, 10ª Edição, pág. 596. Doutrina esta que, de resto, viria, a ter consagração no Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Novembro de 1979 (DR de 29-1-1980), segundo o qual “O disposto no art. 493º, n.º 2 do C. Civil não tem aplicação em matéria de acidentes de circulação terrestre.”

Concordamos, com o entendimento do aludido acórdão do STA e acima parcialmente transcrito, sublinhando que no âmbito da gestão privada a actividade perigosa é, em geral, exercida em proveito do agente e, portanto, justificativa de um regime de responsabilidade civil próximo da responsabilidade pelo risco (art. 493º, 2 do C. Civil). Quem beneficia da actividade perigosa, também tem o encargo de evitar o perigo que eventualmente possa causar e daí a especial onerosidade quanto ao ónus da prova. A justificação do regime de inversão do ónus da prova no art. 493º, 2 do CC aproxima-se da justificação da responsabilidade pelo risco e daí a semelhança entre ambos os regimes (quem benéfica da actividade perigosa suporta os danos por ela causados se não provar que não teve culpa).

Tal não acontece com os serviços e actividades perigosas prestadas pelo Estado aos seus cidadãos, onde o benefício desse exercício redunda a favor de quem os procura – como é exemplar o caso da prestação de cuidados médicos. Deste modo, havendo no Dec. Lei 48.051, um regime geral de responsabilidade civil para as actividades perigosas deve entender-se que o Estado, pelo exercício de tais actividades, responde objectivamente, mas apenas nos termos e condições previstas no art. 8º, isto é, quando o perigo seja especial e quando os danos sejam também especiais e anormais.

Este regime não invalida, bem entendido, a responsabilidade do Estado e demais entes públicos, nos termos gerais, isto é, sempre que se prove a culpa, mas sem recurso à presunção do art. 493º, 2 do C. Civil – permitindo-se também quanto à culpa o recurso a presunções naturais.

Do exposto decorre que o acórdão recorrido não pode manter-se quanto à culpa pois apreciou-a tendo em conta uma presunção “júris tantum” que não era aplicável.

(…)».

No presente caso outra razão (especial, porque aplicável apenas a casos especiais) existe para não se aplicar a presunção de culpa. É que o TCA manteve a decisão da primeira instância que dera como assente ter havido culpa da vítima (culpa da lesado) fixando-a em 10%.

Ora, nos termos do art. 570º, 2 do C. Civil “(…)2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.”.

Este preceito não exclui o direito à indemnização sempre que ocorra culpa do lesado. O preceito em causa tem o sentido, sim, de não permitir a condenação do agente apenas com fundamento na presunção de culpa, sempre que coexista culpa do lesado, ou seja, equivale a uma verdadeira ilisão da presunção de culpa, levando, portanto, a que o dever de indemnizar deva assentar (em caso de concorrência de culpa do lesado) necessariamente na culpa efectiva. Neste sentido ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA, Código Civil Anotado, Coimbra, 1982, pág. 557: “Em regra, a culpa não se presume (art. 487º, 1). Mas há casos de presunção de culpa (cfr. por exemplo, os dos arts. 491º, 492º, 493º e 503º, 3). Nestes casos, a presunção de culpa cede, nos termos do n.º 2, provando-se que houve culpa do lesado. A responsabilidade há-de basear-se, portanto, na culpa efectiva do agente, segundo a regra geral do art. 487º.”

Tanto basta, portanto, para neste caso, o Tribunal não poder justificar a génese do dever de indemnizar na culpa presumida.

É, assim, claro e indiscutível que o TCA não poderia aplicar qualquer presunção de culpa.

A consequência imediata é a de que não sendo aplicável o art. 493º, 2 do Código Civil o julgamento do TCA nesta parte não pode aceitar-se.

Impõe-se, assim, prosseguir a análise dos fundamentos do recurso, tendo em conta que não é aplicável a invocada presunção de culpa.

2.2.6. Pressupostos da responsabilidade civil – impugnados no recurso - face aos factos matérias dados como provados.

Afastada a presunção de culpa, impõe-se averiguar (face aos factos materiais dados como provados) se estão ou não verificados os pressupostos da responsabilidade civil postos em causa no recurso: nexo de causalidade, culpa e ilicitude (decorrente da discordância do réu relativamente à culpa).

(i) Facto ilícito

A decisão recorrida considerou haver ilicitude apenas num parágrafo:

“(…)

Existe também ilicitude, traduzida no incumprimento do dever básico de prudência, a desaconselhar o passeio de 388 menores de 10 a 15 anos por um local com minas e buracos a céu aberto nas proximidades

(…)”.

A ilicitude é uma qualidade da conduta, traduzida na violação de regras legais, regulamentares ou de prudência. Como diz expressamente o art. 6º do Dec. Lei 48051, de 21 de Novembro de 1967, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica ou de prudência comum que devam ser tidas em consideração. Estando em causa a prática de actos materiais a sua ilicitude, ou desconformidade com a ordem jurídica, há-de resultar da sua desconformidade com as regras legais ou regulamentares aplicáveis ou então da sua desconformidade com as normas de ordem técnica ou de prudência comum que devem ser tidas em conta.

A decisão recorrida considerou violada uma regra de prudência comum, segundo a qual não deveria organizar-se, em circunstância alguma, um passeio escolares naquele local, por estar em causa uma actividade perigosa, pelo meio natural escolhido (mina abandonada, com poços ocultos) pela idade e pelo número de alunos envolvidos (388 menores com idades de 10 a 15 anos).

Mas como melhor veremos a questão não é tão simples.

Desde logo, porque um passeio escolar a uma mina abandonada, com poços ocultos, evolvendo 388 alunos com idades dos 10 aos 15 anos, tanto pode violar, como não as regras de prudência comum. Depende dos termos em que foi organizado e das regras de segurança que concretamente foram ou não cumpridas.

Ou seja, não pode dizer-se que a Escola só por ter organizado aquele passeio praticou um acto ilícito. Tal passeio poderia ser organizado e se cumpridas todas as regras de prudência que deviam ser aplicadas, não havia ilicitude. Em termos gerais a tese do TCA não tem qualquer suporte nos factos que deu como provados: o referido local é promovido pela Câmara Municipal de Amarante como um local vocacionado para funções didácticas e pedagógicas dirigindo-se a um “público-alvo escolar” (facto 11º), sendo que para esse fim têm sido celebrados acordo de cooperação/parceria com vários estabelecimentos de ensino da região para promoção de várias actividades (facto n.º 12º). Tanto assim que, “pela quarta vez consecutiva o Agrupamento Vertical Dr. Leonardo Coimbra decidiu desenvolver a Marcha” (facto 16º).

É, portanto, evidente que ao contrário do que afirma o TCA Norte a mera organização de um passeio a um local promovido pela entidades responsáveis para ser visitado por estudantes e onde o agrupamento escolar ora em causa, pela 4ª vez consecutiva decidiu promover a visita – não é necessariamente ilícito.

Para apurar a ilicitude do comportamento imputado ao Estado Português, é necessário algo mais.

É necessário recortar, em concreto, qual o facto ilícito que, naquele passeio, foi praticado pelos funcionários e agentes do Estado.

Ora, relativamente ao comportamento do réu, ou melhor dizendo, à violação de regras de conduta concretamente violadas o acórdão abordou a questão muito superficialmente e pela negativa:

- o réu não logrou provar qual o número de professores e funcionários afectos a esta actividade e, logo, se eram suficientes para exercer uma vigilância mínima sobre os mesmos.

- o réu não logrou provar que não poderia ter evitado, em qualquer caso a saída do menor, do local da concentração de alunos sem autorização.

É claro que o acórdão, por estar convencido de que havia uma presunção de culpa (que em boa verdade tomou também como uma presunção de ilicitude, embora sem o dizer expressamente) bastou-se com a imputação ao réu da falta de prova de factos tidos por relevantes, ou seja, do número de professores e funcionários.

Mas, arredada - como vimos acima - a aplicação da presunção de culpa e não existindo também qualquer presunção de ilicitude, o quadro jurídico aplicado no acórdão não é exacto e a sua conclusão não tem suporte jurídico.

Efectivamente, não é o réu mas o autor (lesado) que tem o ónus de provar qual o número de professores e funcionários afectos, para daí se inferir a violação do dever geral de prudência – cfr. art. 342º, 1 do CC e ANTUNES VARELA e PIRES de LIMA, Código Civil Anotado, Coimbra, 1982, pág. 303: “são factos constitutivos do direito invocado, por exemplo, os pressupostos da responsabilidade civil: o facto, a ilicitude do facto, a culpa, o dano e o nexo de causalidade…”.

Portanto, a falta de prova do número de professores e funcionários significa que não está provado que tenha havido violação do dever de prudência no acompanhamento dos alunos. Este facto era efectivamente relevante, na medida em que se deu como provado que, de acordo com o ofício-circular n.º 21/04 da DREN, com data de 11-3-2004 era exigido “pelo menos um docente por cada 10/15 alunos” (facto provado sob o n.º 19º). Mas, não se provando o número de docentes afecto ao “passeio escolar” não é possível dizer que a aludida instrução foi violada, como é óbvio.

Por outro lado, da falta de prova de que não poderia ter evitado o dano (outro argumento do acórdão recorrido) nada resulta, pois esse facto (ou falta e prova da sua ocorrência) é relevante em circunstâncias que não são aqui aplicáveis (art. 493º, 1 do CC), e onde pré-existe uma presunção de culpa diferente até daquela que erradamente, como vimos, tinha sido acolhida.

Finalmente, deve referir-se que os factos materiais dados como provados mostram exuberantemente o cuidado colocado pelos agentes do réu na organização e condução do passeio:

- O Agrupamento Vertical Dr. Leonardo Coimbra solicitou em 6-6-2006 ao Eng. D……. a disponibilização dos meios que entendesse adequados para precaver possíveis acidentes (facto 17º).

- O agrupamento supra pediu aos Bombeiros Voluntários da Lixa o acompanhamento de uma ambulância na referida Marcha, tal como em anos anteriores (facto 18º).

-No local e dia da actividade estiveram presentes os Bombeiros Voluntários da Lixa e funcionários da Associação de Baldios do Marão, entidades a quem fora solicitada a sua colaboração (facto 53º).

- o C……. e o seus colegas do autocarro n.º 6 foram especificamente instruídos quanto à real perigosidade das minas (facto 20º/A).

- no início da actividade escolar em causa foram feitas pelos docentes várias recomendações aos alunos no sentido de cumprirem os objectivos da mesma e respeitarem as regras (facto 57).

- foram dadas instruções sobre condutas que deveriam adoptar, com vista a prevenir incidentes ou acidentes, dentre as quais, as que deveriam andar em grupo e não poderiam sair do parque (facto 60º).

De notar ainda que a Câmara Municipal de Amarante incluiu entre as infra-estruturas e equipamentos do Parque da Lameira uma sinalização vertical que colocou perto da Mina, onde para além de informações ambientais sobre a fauna e flora local e sobre a configuração da história da dita Mina, se dizia o seguinte “Perigo. Não Entrar” – facto n.º 44. Tal informação como se refere no facto 68º continha além do mais: “a) de forma destacada, inteiramente legível, ao centro, sob fundo branco e com caracteres de grande tamanho, as menções: Perigo” escrito a vermelho, e, por baixo, “Não entrar, escrito a preto”.”

Sendo ainda de realçar que “O C…… leu o placard mas não ligou à informação nele contida” – facto n.º 40º-B. O menor tinha na altura do acidente “14 anos e quase seis meses de idade” (facto 62º).

Do exposto e perante os factos materiais que o acórdão deu como relevo (falta de prova do número de professores e funcionários da escola) resulta não estar provado qualquer o facto ilícito imputado ao réu, e da matéria de facto também dada como assente resulta que tomou as cautelas adequadas e informou especialmente os alunos (incluindo os que viajaram no autocarro n.º 6, onde viajava o lesado) da perigosidade da mina, perigosidade que estava expressamente assinalada em “placard” que a vítima leu, mas sem ligar à respectiva informação.

(…)”

A doutrina que emana do acórdão acabado de transcrever aplica-se, mutatis mutandis, à situação objecto dos presentes autos.

Na verdade, também aqui o Tribunal a quo considerou a actividade escolar – visita de estudo numa lagoa, sem vigilância de nadadores salvadores - como perigosa e justificou a existência de ilicitude (e culpa) porque deveria ter acautelado devidamente os riscos inerentes a essa actividade, não providenciado pela presença no local de quaisquer meios humanos e técnicos de socorro e auxílio específicos.

Porém, apesar de o referir, o tribunal a quo não retirou as devidas consequências da factualidade que deu como provada e donde resulta que a ida à água constituía apenas uma possibilidade a verificar no local, que faziam o acompanhamento à visita de estudo cinco professores, que estes deram instruções aos alunos a serem observadas no percurso e no local onde iriam instalar-se e que relativamente à ida à água, foram transmitidas diversas indicações, e em vários momentos, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa; concretamente que só poderiam ir à água se autorizados e quando todos os professores estivessem presentes. Sucede que um grupo de alunos tomou a dianteira e todo o grupo começou a desmembrar-se formando sub-grupos, favorecidos quer pelo tipo de acessibilidade ao local – passadiço estreito -, quer pelo modo de deslocação, de bicicleta ou a pé. E o grupo onde se integrava o menor Diogo A........... foi o primeiro a chegar à segunda praia, tendo entrado na água, sem o conhecimento e consentimento dos professores envolvidos na actividade.

Ora, também no caso que nos ocupa verificamos que os agentes do Réu e ora Recorrente demonstraram cuidado na organização e condução da visita de estudo, tendo fornecido por diversas vezes instruções específicas sobre a eventual ida a banhos na lagoa. Instruções ignoradas pela vítima.

Repare-se que a visita em causa, foi devidamente programada pela escola, foi autorizada pelo conselho executivo da escola, através do Conselho Pedagógico, com autorização do Governo Civil de Leiria e com comunicação à GNR, Bombeiros e Junta de Freguesia do Coimbrão (cfr. o provado em E), F) e G) do probatório).

Por outro lado, também como provado, os professores deram instruções aos alunos a serem observadas no percurso e no local onde iriam instalar-se e relativamente à ida à água, foram transmitidas diversas indicações pelos professores, e em vários momentos, nomeadamente nas salas de aula, antes do início do passeio e à chegada à lagoa, concretamente, que só poderiam ir à água quando todos os professores estivessem presentes (cfr. R), S) e T) dos probatório).

A verdade é que, o menor Diogo A........... foi para a água sem o conhecimento e consentimento dos professores envolvidos na actividade (cfr. o provado em Z) supra).

Acresce que, verificando agora da prontidão do socorro promovido pelos agentes do Réu, ficou provado que após várias tentativas, o professor Nuno encontra o corpo do Diogo A..........., tendo-o retirado para a margem, onde já se encontravam os bombeiros que entretanto tinham chegado, que após a retirada do Diogo A........... da água os bombeiros começaram a reanimação e que seguidos cerca de 5 minutos depois pelo INEM, que tentaram a reanimação, que durou até às 11h15m (cfr. HH), II) e JJ) do probatório).

E veja-se o que exarou o Tribunal a quo na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:

“(…) antes de saírem da escola os professores disseram para terem cuidado e não irem à água enquanto os professores não estivessem presentes. Chegados à lagoa, os professores ficaram de volta da carrinha que se tinha avariado e avisam que podíamos ir para a praia mas que não podíamos entrar na água. “A primeira coisa que fizemos foi ir para a água” – disse a testemunha.

Também a testemunha Manuela D.......... referiu que os alunos foram avisados mais do que uma vez em contexto de sala de aula e à saída da escola que não podiam ir à água sem a presença dos professores.

Também a testemunha Pedro A.......... referiu que antes de saírem da escola foi transmitido aos alunos que na

lagoa não havia autorização para irem livremente à água.

Donde, terá que concluir-se não estar provado qualquer o facto ilícito imputado ao Réu, sendo que da matéria de facto que vem fixada resulta que o Réu tomou as cautelas adequadas à visita de estudo em causa e informou especialmente os alunos da proibição de irem para a água sem estarem devidamente autorizados pelos professores.

E como conclui o Recorrente: “Não havendo ilicitude por parte da Escola, pois não violou nem ilícita, nem culposamente, as regras de prudência comum próprias do bonus pater famílias, considerando que este é um dos elementos de verificação cumulativa com os demais para que impenda qualquer obrigação de indemnizar, fica prejudicada a apreciação dos demais requisitos” (conclusão XXVII do recurso).

Razões que determinam o erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo (juízo que, de certo modo, se compreende, em face da tragédia ocorrida, mas que objectivamente não é juridicamente autorizado). Com o que tem o recurso que proceder, com a revogação da sentença recorrida.

Atento o que se vem de dizer, não havendo ilicitude, a presente acção terá necessariamente que improceder, ficando prejudicado a apreciação dos demais pressupostos atinentes à responsabilidade civil extracontratual do Estado.



III. Conclusões

Sumariando:

I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos de gestão pública assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil – artigos 483º a 510º e 562º a 572º, do Código Civil – com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilização de entes públicos previstas actualmente na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho (anteriormente no Decreto-Lei n.º 48051).

II - Assim, a efectivação desta responsabilidade pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos (cfr. artigo 483º do Código Civil):

a) O acto voluntário de um órgão ou seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas, que pode revestir a forma de acção ou omissão;

b) A ilicitude, que advém da ofensa, por esse facto, de direitos ou de disposições legais que se destinam a proteger interesses alheios;

c) A culpa, como nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto à vontade do agente, que na forma de mera culpa se afere pela diligência que teria naquelas circunstâncias um funcionário ou agente típico. Pressupõe uma censura de ordem jurídica ao comportamento do lesante;

d) O dano, prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica do lesado. Só havendo direito a indemnização, no caso desta última, quando o dano, pela sua gravidade, avaliada segundo um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos, mereça a tutela do direito (cfr. artigo 496º, nº 1 do Código Civil);

e) O nexo de causalidade entre o facto (acto ou omissão) e o dano, a apurar segundo a teoria da causalidade adequada (cfr. artigo 563º do Código Civil), que pressupõe que os danos se apresentem como consequência normal, provável e típica do facto ilícito.

III- Não existe ilicitude da conduta dos agentes da Ré Escola, e consequentemente obrigação de indemnizar os danos ocorridos com a morte de um estudante de 15 anos que, contra as instruções fornecidas pelos professores que acompanhavam a visita de estudo e sem o seu conhecimento e autorização, foi tomar banho nas águas da Lagoa da Ervideira, vindo a morrer por afogamento.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida e, na improcedência da acção, absolver o Réu do pedido.

Custas pela Recorrida, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.

Lisboa, 2 de Março de 2017


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Pedro Marchão Marques


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Helena Canelas


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António Vasconcelos