Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08986/15
Secção:CT
Data do Acordão:04/14/2016
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO, PRESCRIÇÃO
Sumário:Não é por se verificarem interrupções do prazo de prescrição que se deve aplicar automaticamente o prazo previsto no art. 28.º, n.º 3 do RGCO (o prazo da prescrição acrescido de metade) uma vez que se trata de um prazo máximo supletivo que apenas se aplica quando, no caso concreto, por força de uma(s) interrupção(ões) do prazo geral de prescrição previsto no n.º 1 (cinco anos) se exceda aquele prazo máximo de prescrição.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou extinto por prescrição o procedimento contra-ordenacional n.º … no qual é arguida a sociedade “B., Lda”.



A Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
“Texto e/ou quadro no original”

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O Magistrado do Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:
“Texto e/ou quadro no original”

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público, nos termos do art. 416.º do CPP, que emitiu parecer no sentido de acompanhar na íntegra a posição constante das alegações do M.P.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta
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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se o despacho recorrido enferma de erro de julgamento ao ter considerado prescrita a dívida.
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II. FUNDAMENTAÇÃO


1. Matéria de facto


A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
“Texto e/ou quadro no original”
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Dá-se como provado a seguinte factualidade, ao abrigo do artigo 662.º do CPC, com relevo para a decisão do recurso:

d) Em 09/12/2007 a arguida foi notificada para audição, defesa e pagamento antecipado (cfr. fls. 13 dos autos).




2. Do Direito

Conforme resulta dos autos a decisão recorrida julgou extinto por prescrição o procedimento de contra-ordenação, entendendo que a prescrição ocorreu em 13/08/2014.

A Recorrente Fazenda Pública entende que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao não ter considerado todas as causas interruptivas e suspensivas do prazo de prescrição, designadamente a suspensão do processo durante seis meses (art. 27.º, n.º 1, al. c) e n.º 2 do RGCO.

Apreciando.

Dispõe o art. 33.º n.º 1 do RGIT que o procedimento por contra-ordenação extingue-se, por efeito da prescrição, decorridos cinco anos sobre a prática do facto.

Importa, então, determinar o momento da prática da infracção, tendo em consideração que, o facto se considera praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso da omissão no momento em que deveria ter actuado ou naqueles em que o resultado típico se tiver produzido (art. 5.º, n.º 1 do RGIT).

Assim, no caso dos autos, a infracção considera-se praticada em 13/02/2007 (cfr. alínea b) dos factos provados - art. 5.º, n.º 2 do RGIT) pelo que, se não ocorressem causas de interrupção ou de suspensão, o prazo de prescrição de cinco anos completar-se-ia em 13/02/2012.

Porém, importa apurar se in casu verificam-se causas de interrupção e suspensão do prazo de prescrição.

O n.º 3 do art. 33.º do RGIT legal dispõe sobre a interrupção e suspensão do prazo de prescrição: “O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.”

Por conseguinte, o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se nos termos estabelecidos na lei geral, ou seja, nos termos do disposto no art. 28.º do RGCO:

1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.”

Por outro lado, a prescrição do procedimento por contra-ordenação também se suspende [para além dos casos enunciados no art. 33.º do RGIT] nos termos do disposto no art. 27.º-A do RGCO:

“1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”


In casu, o prazo de prescrição do procedimento interrompeu-se em 09/12/2007 e em 11/04/2008 [cfr. alíneas c) e d) dos factos dados como provados). Na verdade, pese embora a Recorrente refira que também ocorreu a interrupção datada de 23/02/2008, da análise dos autos resulta que apesar de ter sido remetida uma primeira notificação da decisão da coima não resulta dos autos que a arguida a tenha recebido, aliás, é por essa razão é que se faz uma 2.ª notificação, e esta sim foi recebida em 11/04/2008. De todo o modo, considerando que a interrupção elimina todo o prazo até então decorrido, devendo reiniciar-se a contagem do prazo de prescrição de 5 anos, in casu, releva esta última interrupção que se verifica em 11/04/2008, data a partir da qual reinicia-se a contagem do prazo de prescrição de 5 anos, que não ocorrendo qualquer causa de suspensão do prazo implicaria que este se completasse em 12/04/2013.

Sucede que verifica-se uma causa de suspensão do prazo de prescrição, pois conforme resulta da alínea c) dos factos provados, a arguida apresentou recurso da decisão de aplicação de coima em 19/05/2008, e analisada a tramitação processual dos presentes autos constata-se que o primeiro despacho proferido pela Meritíssima Juíza do TT de Lisboa ocorre em 10/12/2009 (cfr. fls. 31) sendo que a decisão final apenas foi proferida em 16/10/2014. Assim sendo, verifica-se a suspensão do processo durante seis meses, nos termos do disposto no n.º 1 alínea c) e n.º 2 do art. 27.º_A do RGCO.

Assim sendo, considerando o prazo de suspensão de 6 meses, o prazo de prescrição de cinco anos completou-se em 12/10/2013 (12/04/2013 mais seis meses).

Importa apenas referir que in casu não se aplica o prazo de prescrição do procedimento previsto no art. 28.º, n.º 3 do RGCO que estabelece que a prescrição do procedimento tem sempre lugar, quando desde o seu início (in casu, 13/02/2007) ressalvando-se o tempo de suspensão (in casu, 6 meses), decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade (in casu,7 anos e 6 meses), na medida em que, nestas circunstâncias a aplicar-se esse normativo ao caso dos autos, a prescrição ocorreria em 13/02/2015, ou seja, em momento posterior àquele que resulta da aplicação do prazo geral previsto no n.º 1.

É que ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida, e ao contrário do que entende a Recorrente Fazenda Pública, não é por se verificarem interrupções do prazo de prescrição que se deve aplicar automaticamente o prazo previsto no art. 28.º, n.º 3 do RGCO, e isto porque trata-se de um prazo máximo supletivo que apenas se aplica quando, no caso concreto, por força de uma(s) interrupção(ões) do prazo geral de prescrição previsto no n.º 1 (cinco anos) estejamos perante uma situação concreta em que se exceda aquele prazo máximo de prescrição.

Subjaz a este preceito legal a ideia de se estabelecer um limite máximo para a duração do procedimento de contra-ordenação que de outro modo, por força das sucessivas interrupções poderia eternizar-se. Aliás, interpretação diversa sempre violaria o disposto no art. 29.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, normativo que consagra, além do mais, o princípio da interpretação e aplicação da lei pena mais favorável.

Em suma, à data da prolação da decisão em 1.ª instância já a dívida se encontrava prescrita, e por conseguinte, o recurso não merece provimento sendo de confirmar a sentença recorrida, pese embora com fundamentação diversa.



III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, mas com fundamentação diversa.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 14 de Março de 2016.

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Cristina Flora

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Cremilde Abreu Miranda

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Joaquim Condesso