Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:6765/13.2BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:NULIDADE PROCESSUAL SECUNDÁRIA.
ARGUIÇÃO.
SANAÇÃO.
Sumário:
1. Não tendo o MMº juiz "a quo" pronunciado sobre o pedido de prova pericial, tal omissão não constitui nulidade da sentença, porque não foi praticada neste acto judicial. Poderá constituir uma nulidade processual (art. 201º CPC-195º) secundária por preterição do dever de pronúncia (art.º 156º/1, correspondente ao actual art.º 152º).
2. Esta nulidade processual não é de conhecimento oficioso (art. 202º CPC-196º). Só pode ser arguida, quando a parte não estiver presente no acto em que foi praticada, no prazo de dez dias (art.º 153º CPC- 149º) a partir da data em que dela tomou conhecimento, ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.(Art.º 205º/1 CPC-199º).
3. Como a Impugnante/Recorrente foi notificada para apresentar alegações facultativas, significa ter sido concluída a produção de prova art.º 120º do CPPT).
4. O Impugnante apresentou alegações facultativas (fls. 221) sem arguir a nulidade cometida.
5. Por conseguinte, a mesma deve considerar-se sanada.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RECORRENTE: E..........., Lda. [Sucessora de S.......... SA].
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira.

OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TT de Lisboa na parte em que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRC referente ao ano de 1990.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
1ª - A dívida tributária impugnada terá prescrito há vários anos (em 2001 ou 2002), como vem alegado e provado nos autos (supra n°s. 4 a 10), contra a posição da sentença recorrida, deixando por isso e então, aquela dívida, de existir para o direito, com a consequente extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, por força do art°. 287° alínea e) do CPC; ocorrência que, se acolhida pelo Ilustre  Tribunal  de  Recurso,  uma  vez declarada essa prescrição, lhe permitiria,  na   linha  do  disposto nos  art°s. 124° e 175°  do  CPPT, não tomar conhecimento das ilegalidades de fundo da mesma dívida e da sentença recorrida, que, a cautela e subsidiariamente, vem aqui alegadas pela recorrente e introduzidas nas conclusões;
2ª - As correcções à matéria colectável declarada e levada a contabilidade da recorrente e que conduziram à matéria colectável base da liquidação fiscal impugnada, foram feitas sem fundamentação legal adequada — operações portanto não fundamentadas — com a aquiescência da sentença recorrida, num seu primeiro momento (supra n°s.  11  a  15  e  16  a  20), mas com a sua discordância, em contradição,                                        
consigo própria, num momento  seguinte, conforme referido antes sob os n°s 21  a 23.2;
3ª - Consequentemente, chegou-se assim a  um  apuramento da matéria colectável e da liquidação do  imposto impugnada, de forma manifestamente  confusas e  incongruentes —  o  que corresponde a falta de fundamentação (art°s.  125°, n°s.  1    e 2 do CPA, 77°, n°s.  1    e 2 da LGT e 268°,  n°. 3  da  Constituição da  República),
vícios que,  repercutidos na  sentença  recorrida e  aí agravados pela sua contradição antes referida, tornam esta sentença anulável e mesmo ferida de nulidade (art°s.  125° do CPPT e 668°, n°.1, alíneas b) e c) do CPC).
4ª- Nulidade a que se chega ainda e também em razão das notórias dúvidas suscitadas em matéria de quantificação e de existência da própria dívida impugnada, por si determinantes da anulação desta dívida, à luz do disposto no art°. 100º, n°.1 do CPPT (supra n°. 23.2, de que a sentença recorrida, indevidamente, não se ocupou;
5ª - Por outro lado e em termos a elas comuns, as ditas correcções, a liquidação impugnada, bem como a sentença recorrida, esta com a contradição antes referida, traduzem no fundo  e  em conjunto, ofensas  a  princípios estruturantes  do sistema      
fiscal português, antes alegados e de que destacamos os seguintes:
- o desprezo pelo princípio da presunção da verdade, até prova em contrário, da contabilidade e das declarações tributárias do contribuinte, reconhecido pela lei (art°. 76°, n.º 1 da LGT e 19º e 20° do CPT — supra n°s. 13 e 13.1);
- a não realização, por falha do Tribunal, e do no uso dos poderes conferidos ao Juíz, da prova pericial regularmente requerida pelo recorrente (v. nomeadamente os art°s. 127°, n°.3 do CPT, 115° e 117°, n°. 2 do CPPT e 72° da LGT), em prejuízo do direito de defesa do recorrente no processo impugnatório por ele desencadeado (supra n°s. 15, alíneas a) e b);
- a não aplicação do princípio de que a Administração Tributária tem o “ónus probandi” dos seus actos em matéria tributária, praticados na sua relação com o contribuinte (supra n°s 13.2) — o que ela não fez e a sentença recorrida não censurou.
6ª - Preceitos legais, que directa ou indirectamente foram violados:

CRP -art°s.  104°, nº 2 e 268°, nº3

CPC -art°s. 659°, nº.  2 e 660°, n°.2;

LGT-art°s. 77°, n°s.  I   e 2;

CPT-art°s.  19°, al. b), 21°, n°.  1,  34°, n°  1;

CPPT-art°s.  100°, n°s  1    e 2,  124° e  125°;

CIRC-art°s.  1°,  18°, 23°, n.º 1°. 1  h, 26°, n°. 1, 33º,  34, 35°;

DL-n°. 442-B/88 de 30/11  -  art°s.  12°e 13°;

C Civil - art°s. 9° e 297°, 11°, 1.



Termos em que, com o mui douto suprimento do V. Exas., se espera que o presente recurso, uma  vez  aceite  e  dado  por  provado, venha a ser,  com  as legais consequências, considerado totalmente procedente e  consequentemente  revogada a  douta  sentença  recorrida,  ferida como está de várias ilegalidades, algumas delas determinantes da sua nulidade conforme antes alegado e concluído, como se mostra de elementar Justiça

CONTRA ALEGAÇÕES.

Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo  pela procedência do recurso pela verificação da prescrição da dívida, com as legais consequências.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar improcedente a impugnação, por o pagamento parcial da dívida obstar à declaração de prescrição, por improcedência da correção da provisão constituída para depreciação de existências, encargos devidos por motivos de férias referentes a 1998 e vencidas em 1989 e reposição de provisão pela dedução ao montante das provisões constituídas pelos créditos de cobrança duvidosa, sem a ter acrescentado aos proveitos.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

1. A impugnante tem por actividade social “a concepção, desenvolvimento, fabricação, comercialização e assistência técnica de todo o tipo de acumuladores, baterias e demais acessórios e componentes para automóveis e ferramentas manuais, bem como a reciclagem de metais e a transformação de plásticos” (fis. 99),

2. Foi sujeita a uma acção de fiscalização incidente sobre o exercício de 1990, de que resultaram, entre outras, as seguintes correcções ao lucro tributável, vertidas no “Mapa de Apuramento Mod.DC-22” que constitui fls.195 a 201 dos autos:

“Quadro 18, Linha 7

(..)

Esc. 52.997. 000$00, verba referente a constituição da provisão para depreciação

de existências (matérias primas, subsidiárias e de consumo —  Esc. 43.181. 678$00 e produtos acabados e  intermédios —  Esc.9,815.322$00) que não  obedecem aos critérios previstos no art °35°,  do Código do IRC,  isto e,  o valor da provisão deve corresponder a diferença  entre o custo   de        aquisição ou de  produção   das existências  constantes do  balanço no fim do  exercício e  o  respectivo preço de mercado que, tanto no caso de bens adquiridos para produção (matérias primas e  subsidiárias)   corno nos bens adquiridos para venda (mercadorias e produtos) deverá ser comprovado por elementos oficiais ou correntes no mercado (facturas ou tabelas de preços) desde que sejam considerados idóneos  e reportados a data de constituição da provisão.  Nestas condições, não é permitida a dedução para efeitos fiscais da provisão constituída por falta de enquadramento legal.

Quadro 18, Linha 21 —  Corresponde as seguintes verbas:

(...)

Reposições nos termos do número 2, alínea a) e b) do art°13° do Decreto-lei n° 442-B/88, de 20 de Novembro dos seguintes valores:

Esc.59.111. 799$00 — importância correspondente a parte dos encargos devidos por motivo de férias.

Esc.2. 151. 061$00, e importância correspondente a constituição ou reforço no exercício em causa das provisões a que se referem as alíneas a) e b) do número 1 do artigo 33º do Código do IRC.

(...)

Quadro 10, Linha 2 — Importância deduzida a mais no Quadro 18 para efeitos de  apuramento da matéria atendível, nos termos do DL  n°442-B/88, de  30  de Novembro e referente  a  valores  de  DLRR  por  investimentos  realizados  nos exercícios de  1987 e  1988.  O s.p.  deduziu a importância de 294.112.503$00 em vez de Esc.277.269.042$, total dedutível no exercício em causa, de acordo com a repartição a seguir indicada efectuada com base na Circular ..., de 29 de Agosto, de que se transcreve apenas o número 2: “Quando existir um sector sujeito com  reduções de taxa, as deduções à matéria colectável deverão ser proporcionais ao resultado antes de impostos”

- Rendimentos sujeitos ao regime geral

25.062.884/837.678.973 = 0,0299 x 277.269.042 = 8.290. 344$

- Rendimentos sujeitos ao regime de... de benefícios fiscais

812.616.089/837.678.973 = 0,9701 x 277.269.042 = 268.9 78.698$>.

3. As correcções  resultantes da acção de fiscalização, nomeadamente as acima aludidas, originaram para o ano em causa de 1990, a liquidação adicional de IRC n°……….., de 08/11/1994, no montante de Esc.26.361.122$00, incluindo Juros Compensatórios de Esc.9.807.631$00, com prazo de pagamento voluntário ate 25/01/1995 (notificação de liquidação, a fis. 15 e certidão de dívida, a fis. 2 do apenso de execução fiscal);

4. A impugnação foi apresentada em 11/04/1995, conforme carimbo de entrada aposto pela Repartição de Finanças na petição inicial;

5. No processo executivo instaurado para cobrança da dívida veio a ser efectuado, em 03/01/2003, um pagamento no montante de €15.150,00 por conta do débito (cf informação a fis. 13 do apenso de execução);

6. Foi abatida a dívida exequenda o montante correspondente ao pagamento, que passou a ser de €1 10.907,99 data de 30/05/2008, que corresponde à do ofício junto a fls.239;

7. Os bens relativamente aos quais a impugnante constituiu a provisão para depreciação de existências encontravam-se em estado de obsolescência e não havia mercado nacional para  venda  dos mesmos (depoimento da testemunha V..........),

8. A hipótese de venda colocou-se por ocasião da desactivação da fábrica do Dafundo, onde se encontravam (depoimento cit),

9. A única proposta recebida para compra das existências  obsoletas, apresentada pela empresa P……….., S.A. em 15/11/1990, foi de Esc.4.100.000$00 (carta a fls.20 e depoimento cit.),

10. A proposta apresentada não foi aceite pela administração da impugnante, que a entendeu baixa e, com excepção do pouco que entretanto se vendeu ou consumiu, tais bens vieram a ser objecto de abate em 1997, previamente comunicado pela impugnante a Administração fiscal (comunicação a AF e autos de abate, fls.227 a 230 dos autos e depoimento cit.).

Factos não provados: Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante, nomeadamente, não se provou que os encargos com férias cujo direito foi adquirido no ano de 1988, foram contabilizados pela impugnante nesse mesmo ano de 1988.

Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso  de execução fiscal, com destaque para a assinalada. A testemunha, V.........., era então o técnico oficial de contas da impugnante e o seu depoimento revelou-se seguro e assertivo. Os factos não provados resultam de falta de prova, sendo de assinalar que a testemunha circunscreveu o seu depoimento a factos relativos à questão da contabilização das provisões para depreciação de existências.

 

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

A Impugnante deduziu impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC referente ao ano de 1990, aceitando, no entanto, várias das correções efetuadas pela AT com exceção das seguintes:

a) 52.997.000$00, para depreciação de existências e produtos acabados que não obedeceu aos critérios previstos no art. 35º do CIRC.

b) 59.111.799$00, correspondente à parte dos encargos devidos por motivos de férias;

c) 2.151.061$00, correspondente à constituição ou reforço das provisões a que se refere as alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 33º do CIRC.

d) 16.843.461$00 relativa a valores DLRR.

Para além destas questões, invocou também a prescrição da dívida.

O MMº juiz julgou a impugnação improcedente com exceção da parte relativa aos valores DLRR. E quanto à prescrição considerou que por ter havido pagamento parcial da liquidação, a mesma não poderia ser declarada prescrita.

A RECORRENTE sustenta que a sentença errou no julgamento de facto e de direito, e que padece de nulidade por falta de fundamentação, por descurar em absoluto a presunção de verdade das declarações do contribuinte, por ter omitido o exame pericial que  requereu na parte final da petição inicial e por contradição com a fundamentação. Que a prescrição deve ser declarada e que, se assim não for, a liquidação deve ser anulada por dúvidas de quantificação e existência da dívida tributária.

Vejamos desde já a questão da prescrição que o MMº juiz considerou não poder conhecer por ter havido pagamento parcial da dívida (ao abrigo do Decreto-Lei n.º 248-A/2002).

A Impugnante defende que a lei consente o pagamento parcial da dívida executada nos termos do art. 263º n.º 7 do CPPT na sua redação ao tempo, e que a dívida impugnada não incluiu o montante desse pagamento. Depois, qualquer pagamento parcial não pode prejudicar por si só, a parte sobrante não abrangida por tal pagamento, o que seria ilógico.

O Exmo. PGA no seu douto parecer também defende que o pagamento ocorreu no âmbito do regime excecional e que não se vislumbra que subsista interesse na pretensão anulatória do acto, nem se vê que possa colocar-se, perante tal regime, qualquer restituição à impugnante.

 

Contudo, a nosso ver, mesmo que se superasse a questão do pagamento parcial da dívida exequenda, consta dos autos que a Recorrente/Impugnante prestou duas garantias (n.º 62.033/95 e 62.109/95) para suspensão da execução, com posterior redução do seu montante em resultado do pagamento parcial da dívida.

A caducidade da garantia não é do conhecimento oficioso. Contudo, não se vislumbra dos autos as datas em que as mesmas cessaram, nem quando foi apresentado requerimento para o efeito (cfr. art. 183-A CPPT).

Ora, uma vez que o conhecimento da prescrição  em processo de impugnação judicial só pode ser um conhecimento incidental, como eventual causa de inutilidade superveniente da lide, tal só pode ocorrer se o processo disponibilizar, sem necessidade de averiguação, todos os elementos factuais necessários[1].

Não sendo o caso, não pode este TCA conhecer da alegada prescrição. Decisão que não prejudica o contribuinte que sempre poderá suscitar perante o órgão de execução fiscal a prescrição da dívida, com eventual reclamação para o tribunal, se for caso disso (cfr. art. 276º e segs do CPPT).

Prosseguindo,

vejamos agora se a sentença errou ao julgar improcedente a alegação da Impugnante quanto às provisões para depreciação das existências e, de caminho, se padece das nulidades que a Recorrente lhe imputa, prosseguindo com as restantes ilegalidades imputadas à sentença: provisão relativa a créditos em mora e encargos devidos por motivos de férias.

A provisão para depreciação de existências não foi aceite pela AT com fundamento no incumprimento do art.35º CIRC, na medida em que a Impugnante não comprovou a provisão contabilizada com elementos oficiais ou correntes de mercado (facturas ou tabelas de preços) considerados idóneos e reportados à data da constituição da provisão.

O Impugnante defende que a provisão “tem uma expressão quantitativa rigorosamente coincidente com a exigência da lei, concretamente com o art.º 35º n.º 1 do CIRC” (art. 7.2 da douta petição inicial) e que tal foi uma boa medida de prudência própria de uma gestão responsável uma vez que as matérias primas, subsidiárias e de consumo, bem como outros produtos acabados, marcado pela desvalorização (...) eram autênticos monos. (7.4) razão por que não havia um preço concorrente e muito menos tabelas oficiais de preços. E assim, houve que fazer a sua estimativa, a qual se cifrou no valor global de 4.224.909$00, valor que excede a única oferta conseguida de 4.100.000$00.

O MMº juiz julgou esta parte da impugnação improcedente com fundamento, essencialmente, em que não pode achar-se o preço de mercado das existências partindo de uma única proposta de compra que foi o que o Impugnante fez.

Além disso, diz o MMº juiz, “Se, como refere a testemunha, as existências provisionadas eram invendáveis no mercado nacional por obsolescência e a única proposta de compra apresentada teria em vista a utilização do material, pelo interessado, como sucata (isto é, para utilização diversa do seu fim económico normal) então, não se verificam sequer os requisitos da provisão por ausência do risco de perda patrimonial que está associado à sua constituição, devendo antes tais existências ser abatidas, por obsoletas, e levadas a custo do exercício”.

A Recorrente tem outro entendimento, baseando-se em três linhas de argumentação.

Na 1ª, diz que tendo a sua contabilidade regularmente organizada segundo a legislação comercial e fiscal, a sua declaração beneficia da presunção de veracidade e de boa fé até prova em contrário. Prova que a AT não fez, o que torna a liquidação juridicamente insustentável e por isso afrontadora da presunção de verdade que aproveita à liquidação que foi corrigida.

Na segunda, defende que a matéria alegada e os documentos instrutórios juntos à petição inicial foram deficientemente tratados e aplicados pela AT e pelo MMº juiz  o qual nomeadamente não fez o exame crítico das provas assim feitas, que obrigatoriamente deveria ter feito (art. 659º n.ºs 2 e 3 do CPC), tal como de resto também procedeu em relação à perícia requerida, mas que em absoluto foi ignorada [...]  e assim a sentença não está devidamente fundamentada [...] e como tal deverá ser revogada, com declaração da sua nulidade, por força do disposto no art. 668º n.º 1 suas alíneas b) e d) do CPC.

Na terceira, alega que por não se ter pronunciado sobre o pedido de realização da perícia, decorre que o Sr. Juiz deixou de se pronunciar sobre questões substantivas relevantes, suscitadas pelo recorrente na pi de que obrigatoriamente deveria ter conhecido, determinando a nulidade da sentença nos termos do art. 668º/1-a) do CPC.

Apreciemos, então, começando pelas nulidades (como determina o art. 124º/1 CPPT) cuja alegação nos remete para as nulidades por (i) falta de fundamentação (por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - art.º 668º/1-b) e por (ii) omissão de pronúncia[2] e (iii) por contradição com a fundamentação.

A nosso ver tais nulidades da sentença não se verificam.

A nulidade por falta de fundamentação, na vertente da falta de análise crítica da prova, só ocorre quando é absoluta.[3]  

Contudo, não é isso que sucede com a decisão recorrida na qual, para além de se indicar a matéria de facto provada (supra transcrita), se indicam as razões jurídicas que justificam a decisão tomada, com indicação das normas legais que se entenderam aplicáveis e citações jurisprudenciais.

Assim, não havendo falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito não ocorre a nulidade de sentença referida.

Depois, sustenta a Recorrente que a sentença ao referir que “transpondo estes considerandos para os autos, constata-se que a decisão corretiva não é suficiente, nem clara e, menos ainda, acessível, verificando-se o vício de forma por falta de fundamentação que a impugnante lhe assaca” é contraditório com a conclusão de que as correções efetuadas e a liquidação não merecem censura.

Na verdade, a sentença não tem neste segmento, qualquer contradição. A sentença apreciou as diversas correções e em relação a umas não lhe mereceram censura, mas o mesmo não se passou com a correção relativa a valores “DLRR”, que esta sim, o MMº juiz considerou estar viciada por falta de fundamentação – e determinou a sua anulação.

A sentença é muito clara e não suscita quaisquer dúvidas razoáveis sobre a sua fundamentação.

No que concerne à alínea d) do n.º 1 do art.º 615º CPC, prevêem-se duas nulidades, por omissão e/ou por excesso de pronúncia, depreendendo-se do teor das alegações que é à omissão de pronúncia que Recorrente se reporta.

A nulidade por omissão de pronúncia verifica-se quando o Tribunal deixe de tomar posição se sobre questões sobre as quais deveria ter-se pronunciado.

Na falta de norma no CPPT sobre os deveres de cognição do Tribunal, há que recorrer ao disposto no artigo 660º/1, do Código de Processo Civil (atual art.º 607º/2).

Esta disposição impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

O que constitui nulidade é a falta de apreciação de qualquer questão suscitada e não de razões ou argumentos invocados pelas partes ou considerações por elas feitas para defenderem a sua posição sobre as questões controvertidas, como vem entendendo uniformemente pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Ora, no caso, o Recorrente não identifica qualquer questão que tenha ficado por conhecer na sentença.

A alegação do Recorrente dirige-se ao facto de o MMº juiz não se ter pronunciado sobre o pedido de realização de perícia que formulou (e juntou quesitos: fls. 33 dos autos).

Sobre esta matéria, por despacho de fls. 56 dos autos o MMº juiz diferiu para a fase da inquirição das testemunhas a apreciação da sua necessidade, “...a fim de evitar repetições inúteis, dado o idêntico valor probatório de uma e outra modalidade de prova”.

Despacho que, aparentemente, não terá sido notificado à Impugnante.

Só que nem após a inquirição das testemunhas, nem posteriormente, o MMº juiz voltou a pronunciar-se sobre a necessidade da requerida prova pericial.

Contudo, tal omissão de pronúncia não constitui nulidade da sentença, porque não foi praticada neste acto judicial. Poderá constituir, isso sim, uma nulidade processual (art. 201º CPC-195º) por preterição do dever de pronúncia (art.º 156º/1, correspondente ao actual art.º 152º).

Mas esta nulidade processual não é de conhecimento oficioso (art. 202º CPC-196º). E só pode ser arguida, quando a parte não estiver presente no acto em que foi praticada, no prazo de dez dias (art.º 153º CPC- 149º) a partir da data em que dela tomou conhecimento, ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.(Art.º 205º/1 CPC-199º).

Ora a Impugnante/Recorrente foi notificada para apresentar alegações (fls. 213 e 214). Notificação que significa ter sido concluída a produção de prova, como resulta do disposto no art.º 120º do CPPT.

O Impugnante apresentou alegações facultativas (fls. 221) sem que arguisse a nulidade cometida.

Por conseguinte, a mesma deve considerar-se sanada.

Tratando-se de uma nulidade processual sanada, a falta de realização da prova pericial poderia refletir-se no julgamento da matéria de facto como défice instrutório, ou seja, uma insuficiência da matéria de facto provada para se decidir a questão com os critérios de justiça e segurança que se impõem.

A essa questão – défice instrutório- referir-nos-emos infra.

Prosseguindo, entende o Recorrente que quer a sentença quer a AT desprezaram o princípio da presunção da verdade, até prova em contrário, de que beneficia a contabilidade e as declarações tributárias do contribuinte.

Ora, é bem certo que se presumem verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentados nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial (art, 75º/1 LGT).

Mas esta presunção cessa nas situações enunciadas no n.º 2 do mesmo artigo 75º, entre as quais quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável rela do sujeito passivo.

Ora as correções efetuadas baseiam-se precisamente em erros e inexatidões de contabilidade designadamente provisões para depreciação de existências, reposição de provisão, e encargos por motivos de férias, que a AT desconsiderou por não cumprir o disposto no regime transitório referente aos encargos devidos por motivos de férias, contemplado nos artigos 12º e 13º do Decreto-Lei n.º 442-B/88 de 30 de novembro, bem como nos artigos 33º e 35º do CIRC (provisões para depreciação de existências e provisões para créditos de cobrança duvidosa).

Estas questões foram apreciadas pelo MMº juiz "a quo" que refletiu sobre a defesa apresentada e concluiu pela sua improcedência, confirmando a legalidade daquelas correções.

Com efeito, em relação à contabilização da provisão para depreciação de existências, a Impugnante não demonstrou qual o “preço de mercado” a que alude o art. 35º, na redação aplicável.

E quanto à reposição da provisão relativa a créditos em mora é facto que a Impugnante repôs a quantia de 2.151 061$00, mas não a contabilizou em proveitos do exercício, antes deduziu o valor ao montante das provisões constituídas para créditos de cobrança duvidosa.

Como bem salientou o MMº juiz, a Impugnante reduziu os custos, mas não acrescentou nos proveitos, ao contrário do que determina o n.º 2 do art. 33º do CIRC, na redação aplicável, por força do qual as provisões que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos neste artigo considerar-se-ão proveitos do respetivo exercício.

Embora a Impugnante defenda que não obstante a incorreta contabilização da reposição da provisão, o impacto no resultado do exercício foi nulo, daí não se infere, como bem salientou o MMº juiz, “...em linha recta, pela ilegalidade da correção levada a efeito pela fiscalização tributária, uma vez que subsiste a indevida contabilização de um proveito numa conta de custos. Tudo passaria pela retificação do erro contabilístico e consequente reposição da legalidade do balanço fiscal, que a impugnante não tratou de fazer por via administrativa”.

E quanto à verba de 59.111.799$00, respeitante a encargos devidos por motivos de férias referentes a 1988 e vencidos em 1989, não foi respeitado o regime transitório previsto no art. 12º e 13º do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, segundo o qual sendo, nos termos do Código do IRC, os encargos devidos por motivos de férias custos do exercício a que se reporta o direito às mesmas, os que se vençam no exercício da entrada em vigor do mesmo Código relativos a exercícios anteriores são considerados custos, para efeitos da determinação da matéria colectável do IRC, nos quatro primeiros exercícios de aplicação deste imposto numa importância igual a 25% do respectivo montante (art. 12º/1).

Por sua vez, o art. 13º do mesmo diploma estatui que:

2 - O saldo em 1 de Janeiro de 1989 das provisões a que se referem as alíneas c) e d) do artigo 33.º do Código da Contribuição Industrial, aceites para efeitos fiscais com referência a exercícios anteriores, depois de deduzido o montante que delas tiver sido utilizado no exercício de 1989, nos termos que lhe eram aplicáveis, deve ser reposto nas contas de resultados dos exercícios encerrados posteriormente àquela data, para efeitos de determinação da matéria colectável de IRC, num montante até à concorrência do somatório dos seguintes valores:

a) Importância correspondente à parte dos encargos devidos por motivo de férias considerada como custo do exercício nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 12.º.

A Impugnante alegou não lhe ser aplicável o regime transitório uma vez que na vigência da Contribuição Industrial já considerava os encargos com férias como custos do ano em que surgia o direito respetivo  “...na linha, aliás, de um procedimento que já vinha do passado para situações semelhantes sem oposição da A. Fiscal”.

Contudo, não prova que este critério tenha sido adotado em exercícios anteriores com conhecimento da AT, nem que se não lhe aplica o regime transitório.

Portanto, a correção não enferma de qualquer vício nem a sentença que a validou.

Apesar de a Recorrente alegar que se chegou a um apuramento da matéria colectável e da liquidação de imposto de forma manifestamente confusa e incongruente, não densifica tais vícios. Todavia, é notório que as correções estão devidamente fundamentadas, não suscitando quaisquer dúvidas no sujeito passivo que demonstrou compreender muito bem o sentido, alcance e fundamentos legais.

Mas um dos pontos essenciais face às doutas conclusões de recurso, é que tendo a AT demonstrado a errada contabilização destes gastos, cessou a presunção de veracidade da contabilidade e da sua escrita onerando-a com o encargo de provar a correção legal da contabilização efetuada, no que falhou totalmente.

Falha probatória que a prova pericial não poderia superar, pois todos os factos relevantes para a decisão foram levados aos “Factos Provados” sem qualquer restrição ou dúvida. As dúvidas não incidem sobre os factos apurados, mas sim sobre a correção efetuada pela AT em função das contabilizações (erradamente) efetuadas pela Impugnante.

Daí podermos concluir que a não realização da perícia não implicou em défice instrutório da sentença.   

Assim, não havendo falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito não ocorre a nulidade de sentença referida.

Também não há lugar à aplicação do art. 100º do CPPT, porque da prova produzida não resultou a mínima dúvida sobre a inexistência e quantificação do facto tributário.

Por tudo o que deixámos exposto, concluímos que a sentença decidiu bem e deve ser mantida.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da segunda sub-secção de contencioso Tributário deste TCAS em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]

(Mário Rebelo)

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[1] Ac. do STA n.º 01433/17 de 04-07-2018 - Relator:            ANTÓNIO PIMPÃO        
Sumário:  Só pode conhecer-se da prescrição da obrigação tributária, em impugnação judicial, incidentalmente, como eventual causa de inutilidade superveniente da lide, se o processo disponibilizar, sem necessidade de averiguação, todos os elementos factuais necessários.
[2] O Recorrente alude à alínea a) do n.º 1 do art. 668º CPC (nulidade decorrente da falta de assinatura do juiz), com certeza por lapso, pois a omissão de pronúncia é uma nulidade que decorre da alínea d) do art. 668º CPC , a que corresponde a alínea d) do art. 615º/1 do CPC na redação actual.
[3] Cfr. Ac. do STA n.º 047787 de 19-06-2002 Relator:          JORGE DE SOUSA         
Sumário: I - Só ocorre nulidade de acórdão por falta de fundamentação, prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do C.P.C., quando a ausência de fundamentação for absoluta.