Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:408/22.0 BESNT-A
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:06/06/2022
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PEDIDO DE ESCUSA DE JUIZ
FUNDAMENTOS
Sumário:Constitui motivo sério e grave, fundamento do pedido de escusa, a existência de uma relação de grande proximidade (namoro) entre o juiz e a autora do processo que lhe foi distribuído.
Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
DECISÃO

1. O Senhor Juiz de Direito a exercer funções no Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Dr. …………………, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 119.º, n.ºs 1 e 3 e 120º, nº 1 al. g), ambos do CPC, ex vi dos artigos 1.º e 35.º do CPTA, apresentar pedido de escusa na acção administrativa que com o n.º 408/22.0BESNT lhe foi distribuída e em que é Autora ………………. e Réu o ………………...

Fundamentou tal pretensão no facto de manter com a Autora uma relação de grande amizade, a qual data da época em foram colegas no Liceu de ……………. e partilharam inclusive a mesma “carteira” nos 11.º e 12.º anos de escolaridade. Relacionamento esse que persiste e que evoluiu para uma relação de “muita proximidade” (“namoro”), o que é do conhecimento generalizado no âmbito da comunidade de São …………/…………..

2. Com o pedido de escusa juntou cópia da petição inicial da acção onde figura como Autora ……………………..

3. Apreciando:

4. Aos juízes na sua missão de julgar é exigido estatutariamente, como garantia do seu exercício, que o façam com o dever de independência e imparcialidade, nos artigos 4.º e 7.º do EMJ, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30-7, sucessivamente alterado e republicado pela Lei n.º 67/2019, de 27 de Agosto.

5. Julgar com independência é fazê-lo sem sujeição a pressões, venham elas de onde vierem, deixando fluir o juízo-valorativo com sujeição apenas à lei, à consciência e às decisões dos tribunais superiores. E ser imparcial é posicionar-se numa posição acima e além das partes, dizendo o direito aplicável na justa composição de interesses cuja resolução lhe é pedida.

6. Pode dizer-se, de um modo geral, que a causa de recusa do juiz, ou pedido de escusa do juiz, há-de reportar-se a um de dois fundamentos: uma especial relação do juiz com algum dos sujeitos processuais, ou algum especial contacto com o objecto da sua decisão (cfr. Alberto do Reis, Comentário, vol. I, p. 439 e ss.).

7. Esses especiais contactos e/ou relação(ões) deverão ser de molde a criarem uma predisposição favorável ou desfavorável no julgamento e deverão ser aferidos tendo em conta o juízo que um cidadão médio, representativo da comunidade, possa, fundadamente, fazer sobre a imparcialidade e independência do juiz.

8. Como já repetidamente afirmámos, a imparcialidade é um atributo fundamental dos juízes e da função judicial que visa garantir o direito de todos os cidadãos a um julgamento justo e equitativo. Recai sobre os julgadores o dever de adoptar uma conduta pessoal, social e profissional que, aos olhos de uma pessoa razoável, bem informada e de boa fé, seja entendida como íntegra, leal e correcta.

9. É “a confiança pública nos juízes (que) garante o respeito pelas suas decisões e o prestígio e boa imagem da Administração da Justiça e do próprio Estado de direito democrático. Essa percepção social da incorruptibilidade, probidade e honestidade dos juízes não pode ser minimamente beliscada por qualquer atitude do juiz que a ponha em causa” , estando constantemente, sujeito a escrutínio público, ao juiz exige-se que evite “comportamentos que ponham em causa a confiança nas suas qualidades para administrar a Justiça, tendo sempre presente que o seu exemplo pessoal quotidiano é relevante…” (Compromisso Ético dos Juízes Portugueses - Princípios para a Qualidade e Responsabilidade, documento aprovado no oitavo congresso dos juízes portugueses, editado pelo ASJP).

10. «No incidente de escusa de juiz não relevam as meras impressões individuais, ainda que fundadas em situações ou incidentes que tenham ocorrido entre o peticionante da escusa e um interveniente ou sujeito processual, num processo ou fora dele, desde que não sejam de molde a fazer perigar, objectivamente, por forma séria e grave, a confiança pública na administração da justiça e, particularmente, a imparcialidade do tribunal. De outro modo, poder-se-ia estar a dar caução, com o pedido de escusa, a situações que podiam relevar de motivos mesquinhos ou de formas hábeis para um qualquer juiz se libertar de um qualquer processo por razões de complexidade, de incomodidade ou de maior perturbação da sua sensibilidade. (2) – O motivo de escusa apresentado tem de ser sério e grave, objectivamente considerado, isto é, do ponto de vista do cidadão médio, que olha a justiça como uma instituição que tem de merecer confiança. (3) – A regra do juiz natural ou legal, com assento na Constituição -art.32.º, n.º9-, só em casos excepcionais pode ser derrogada, e isso para dar satisfação adequada a outros princípios constitucionais, como o da imparcialidade, contido no n.º1 do mesmo normativo. Mas, para isso, é preciso que essa imparcialidade esteja realmente mesmo em causa, em termos de um risco sério e grave, encarado da forma sobredita.» (cfr. ac. do STJ de 14.06.2006, proc. n.º 1286/06-5).

11. A escusa do juiz tem como um único objectivo ou finalidade, a de garantir a imparcialidade do juiz, que se presume e que só em situações limite por motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, conforme é exigência legal, deve o mesmo ser escusado de intervir num processo.

12. O motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, há-de resultar de objectiva justificação, avaliando as circunstâncias invocadas pela requerente, não pelo convencimento subjectivo desta, mas pela valoração objectiva das mesmas circunstâncias, a partir do senso e experiência comuns, conforme juízo do cidadão de formação média da comunidade em que se insere o julgador; o que importa é, pois, determinar se um cidadão médio, representativo da comunidade pode, fundadamente, suspeitar que o juiz, influenciado pelo facto invocado, deixe de ser imparcial e injustamente o prejudique, ou beneficie (Ac. da Rel. do Porto, de 13.01.2010).

Vejamos o presente caso.

13. O Senhor Juiz escusante invoca a susceptibilidade de ser posta em causa a sua imparcialidade, baseando-se no relacionamento amoroso que mantém com a Autora.

14. Avaliados os elementos invocados, diremos, parafraseando o Ac. do STJ, de 18.01.2007, de 18 de Janeiro de 2007 (proc. nº SJ200701180001635), que ninguém porá em dúvida a imparcialidade do Senhor Juiz escusante que, se porventura se lhe impusesse julgar esta acção, o faria justa e despreconceituosamente, apesar da relação pessoal estreita que mantém com o Autora dos referidos autos.

15. Mas já se entende, perante os factos invocados como fundamento de escusa que externam a existência de uma relação de namoro entre a Autora e o Senhor Juiz requerente, que havendo essa relação de proximidade pessoal está verificado o motivo sério e grave que a lei processual exige.

16. Constitui motivo sério e grave, fundamento do pedido de escusa, a existência de uma relação de grande proximidade (namoro) entre o juiz e uma das partes do processo (art. 120.º, n.º 1, al. g) do CPC).

17. Pelo exposto, decide-se deferir o pedido de escusa de intervenção nestes autos.

Sem tributação.

Notifique.

O Juiz Presidente do TCA Sul

PEDRO MARCHÃO MARQUES