Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:771/09.9BELLE
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:06/07/2018
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:FACTURAÇÃO FALSA
MEIO DE PAGAMENTO
CONTRATO-PROMESSA
Sumário:I – Entendendo a Administração Tributária desconsiderar, com fundamento no preceituado no artigo 19.º, n.º 3, do CIVA, facturas que reputa de falsas, compete-lhe fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, recolhendo e aduzindo indícios sérios de que a operação constante da facturação a desconsiderar não corresponde à realidade (artigo 74.º da LGT). Realizada a prova de verificação desses indícios pela Administração passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus de provar que, pese embora a existência daqueles indícios, a operação titulada pelas facturas que se desconsideraram foi efectivamente realizada.

II – Tendo o sujeito passivo logrado provar que os trabalhos descriminados nas facturas desconsideradas pela Administração foram realizados nos exactos termos em que aparecem formalizados, isto é, que aqueles trabalhos foram prestados pelo emitente das facturas, e que o seu pagamento foi realizado através da celebração de uma escritura de compra e venda de uma fracção que no momento de celebração do contrato de subempreitada tinha sido eleita como meio de pagamento desses trabalhos, é de julgar ilegal a liquidação resultante das correcções realizadas no âmbito da inspecção que na não verificação daqueles pressupostos à dedução se fundaram.
Votação:MAIORIA COM VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I - Relatório

A Fazenda Pública recorreu para este Tribunal Central Administrativo Sul da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que, julgando procedente a Impugnação Judicial intentada pela “..... – ..... S.A.”, anulou a liquidação adicional de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios relativos ao ano de 2004 e, bem assim, condenou a ora Recorrente a pagar àquela Impugnante uma indemnização pela prestação indevida de garantia bancária.

Tendo apresentado alegações de recurso aí concluiu nos seguintes termos:

«a) As facturas n.°s 311, 331 e 336 emitidas pela "....., Lda" (qualidade de Subempreiteiro) a favor da sociedade "....., S.A" (qualidade de Empreiteiro), em 1 Abril, 17 de Maio e 30 de Junho de 2004, no montante de €1 290 950,08 (c/IVA incluído), titulando execução de trabalhos de construção civil numa obra, situada na zona da “Expo” não correspondem a efectivos serviços prestados pela sociedade emitente das facturas, pois;

b) Esta sociedade não possuía estrutura empresarial/produtiva susceptível de exercer a actividade declarada, tanto por ausência de meios humanos como materiais necessários ao exercício dessa actividade;

c) O recurso à subcontratação para exercício dessa actividade não foi efectivamente comprovado;

d) Não recebimento dos valores facturados, ou seja, não comprovou ser beneficiária duma contrapartida económica pelos "alegados" serviços prestados à "....., S.A", já que;

e) O pagamento do contrato de subempreitada celebrado entre ambas as sociedades, com o valor estimado de €1.300.000,00, foi "alegadamente" efectuado através da celebração dum contrato promessa de compra e venda duma loja, celebrado em 2004/01/05, que nunca foi concretizado, porque;

f) A "....., Lda" cedeu a sua posição contratual a uma off shore sedeada no ….., ".....", NIPC ....., em 2004/09/25, não havendo prova do pagamento efectuado entre as partes outorgantes (venda prometida nunca se concretizou nem com o promitente comprador originário "....., Lda" nem com o cessionário "....."), pois;


g) O prédio, onde se situa a loja, foi alienado em 2006/08/02, pela "....., S.A." à "..... - ....., S.A." (ambas com administrador em comum - Mário .....) mediante escritura de compra e venda realizada no Cartório Notarial de ….. de Carlos .....;

h) Logo, tendo sido acordado que o pagamento das facturas se faria através da promessa de venda duma loja à "....., Lda", e não se tendo concretizado tal contrato de promessa, não houve qualquer recebimento dos valores facturados, como tal as operações tituladas pelas facturas não correspondem a serviços efectivamente prestados por aquela sociedade;

i) A impugnante também não fez prova que efectuou pagamentos pelos "alegados" serviços prestados pela "....., Lda", por isso, não se pode concluir (como fez a douta sentença) que a existência de prova documental - facturas, autos de medição e contrato promessa de compra e venda -, justifique por si só que essas facturas titulam operações reais;

j) Até porque, quem presta um serviço tem sempre uma contrapartida económica, pois, a natureza dos custos fiscais é a realização duma despesa com vista à obtenção dum proveito, o que aqui não ocorreu, porque nenhum pagamento/recebimento efectivo houve entre as sociedades envolvidas;

k) Além disso, embora a AT tenha reconhecido a existência física da construção aqui em causa, tal não significa que as facturas desconsideradas se refiram a serviços efectivamente prestados pelo emitente das facturas, pois;

l) Este não tinha estrutura empresarial adequada ao volume de facturação emitida nem a nível de meios humanos nem de materiais ou equipamentos necessários ao desenvolvimento dos serviços facturados (Cfr. confirmou em termo de declarações o Sr. Mário ....., sócio gerente da "....., Lda" - anexo 5 do RIT);

m) E, por outro lado, também não provou que recorreu a subcontratação de um terceiro "Paulo .....", como afirmou no termo de declarações, pois não apresentou documentos relacionados com a efectiva existência dessa subcontratação;

n) E, declarou, ainda, que os serviços prestados não foram recebidos pela sociedade "....., Lda";

o) Os indícios concretos recolhidos pela Administração, contrariamente ao entendimento vertido na douta sentença, abalam a presunção de veracidade de que gozam os registos e documentos contabilísticos (Cfr. Art°75° da LGT) que justificaram a não aceitação da dedução das referidas verbas, nos termos do Artº23° n°1 do CIRC e Art°19° n°3 do CIVA;

p) Dissente-se totalmente da Mmª Juiz "a quo", salvo o devido respeito que nos merece, quando entende que a AT não recolheu provas suficientes para demonstrar que estávamos perante facturas que não titulavam operações reais, porque;

q) A AT fez todas as diligências necessárias e suficientes para concluir pela existência de indícios suficientes e seguros de verificação de operação simulada entre estas duas sociedades;

r) Em nenhum dos relatórios da inspecção tributária estamos perante factos materialmente inexistentes, como se afirma na douta sentença (vide 2 RIT juntos aos autos);

s) A inversão do ónus da prova para a AT, como aponta a douta sentença, carece de fundamento legal, pois;

t) Cabia ao contribuinte, ora impugnante, o ónus da prova da realidade das operações respectivas, o que não logrou fazer (Vide Acórdãos da Jurisprudência do STA, 30/04/2003, proc. 0241/03, 27/02/2008, proc. 01062/07, 7/05/2003, proc. 01026/02, 20/11/2002, proc. 01483/02);

u) Resulta dos autos, que nem o subempreiteiro nem o empreiteiro conseguiram provar a realidade das operações respectivas, bastando para tal comprovar que o pagamento/recebimento pelos "alegados" serviços foi efectivamente efectuado;

v) A convicção do Tribunal baseou-se, ainda, no depoimento testemunhal mas é preciso não olvidar que as declarações das testemunhas Paulo ..... e Pedro ..... entraram em flagrante contradição com o termo de declarações do sócio gerente da "....., Lda, Sr. Mário ....., tanto a nível dos meios humanos como dos materiais/equipamentos utilizados por esta sociedade;

w) Assim sendo, do confronto da factualidade exposta com a lei resulta que, estes custos não são comprovadamente indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que,

x) Competindo à ora impugnante a produção dessa prova e não tendo logrado fazê-la, não poderá proceder à dedução do IVA que incidiu sobre os serviços, por não se destinarem a realização de transmissões e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

y) Daqui ser forçoso concluir que, se encontram legitimadas as correcções meramente aritméticas efectuadas pela Administração Tributária, em sede de IVA, (vide quadro do ponto III-3 do RIT e art.°20° n°1 al. a) do CIVA);

z) Logo, ao decidir como decidiu, a douta sentença padece de erro de julgamento, por violação do disposto nos art.°s 19° n° 3 e 20° n°1 al. a), 87° n°1 e 3 e 92° todos do CIVA.

Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se a liquidação impugnada, assim se fazendo JUSTIÇA».

A Recorrida, ..... - ....., S.A., apresentou contra-alegações, aí tendo concluido pela forma seguinte:

«A - Devem as presentes alegações ser admitidas, por tempestivas, nos termos do disposto no artigo 282º, nº 3 do CPPT.

B - A recorrida, convicta da razão que lhe assiste, não pode concordar com a procedência do presente recurso, pois na situação em causa, da produção da prova, quer documental, quer testemunhal, da mesma resultou a ausência de motivação e fundamentação do acto de liquidação adicional de IVA objecto dos presentes autos, pelo que a Douta Sentença só poderá ter como escopo a sua manutenção.

C - Como bem decidiu a Meritíssima Juíza a quo, ao abrigo das regras sobre o Ónus da Prova previsto no art.74º da LGT, cabe à Administração provar que não se verificam os factos que fundamentam a aceitação dos valores constantes das facturasse não por exemplo em relação à situação de um dos seus fornecedores, não bastando alvitrar a mera dúvida de que não se verificaram.

D - E o certo é que relativamente ao custo incorrido, documentado pelos autos de medição de 31/03/2004, 15/05/2004 e 30/06/2004, devidamente assinados pelos vários intervenientes no mesmo: "Técnico", "Subempreiteiro", "Director de Obra" e "Administração", o seu reconhecimento foi feito em Audiência pela prova testemunhal produzida.

E – Ficou demonstrado que as facturas que a Recorrida contabilizou, emitidas pela ....., Lda, dizem respeito a serviços que (i) foram efectivamente prestados (a construção está à vista e não pode ser omitida) e (ii) tais serviços enquadram-se no âmbito da actividade da Recorrida (constando os trabalhos realizados da descrição das facturas, bem como dos autos de medição anexos aos referidos documentos), o que ficou documentalmente e através da prova testemunhal evidenciado, podendo, por isso, os custos que as mesmas titulam, ser fiscalmente deduzidos nos termos do artigo 23º do Código do IRC, e sendo, também por isso, o IVA nelas contido dedutível.

F - E, seguindo a jurisprudência espelhada no Acórdão do TCAN – 2ª Sª Contencioso Tributário (Fonseca de Carvalho), proferido no Processo nº 789/04 - Viseu " se bem atentarmos no relatório da inspecção junto aos autos relativamente ao exercício de 1996 a Administração não verificou facto algum susceptível de por si ou acompanhados de outros elementos da escrita da impugnante fazer cessar a presunção de verdade de que goza a escrita da impugnante que se diz correcta e formalmente organizada. O que a AT releva e a sentença confirma em sede de IRC é uma mera convicção do agente fiscalizador exarada a folhas 192 dos autos no ponto 7.2.5.1 do relatório onde afirma ser sua convicção que o A….. vendeu as facturas... Constata-se do exposto que do relatório de fiscalização não resultam factos indiciadores de simulação de vendas de cortiça á impugnante no exercício de 1996. Não logrou assim a Administração Tributária cumprir com o ónus de provar os pressupostos de facto que a legitimassem a corrigir o IRC desse exercício pelo que a sua actuação deve ter-se por ilegal. (...) Não havendo causa para fazer cessar a presunção de verdade de que goza a escrita da impugnante a correcção efectuada pela AF ao rendimento colectável do exercício de 1996 se tem de haver por ilegal."

G - A solução legal de aceitação da contabilidade do sujeito passivo dota os registos do contribuinte de uma presunção de veracidade, no sentido de que se aceita que esta informação traduz uma situação fiel e verdadeira da situação patrimonial da empresa, transladando o ónus da prova da incongruência ou falsidade dessa informação para a Administração Tributária, o que como acima devidamente explicitado, não ocorreu na situação em causa e ficou explicitamente provado nos autos de Impugnação Judicial, e

H - Na verdade, a contabilidade elaborada de forma sã e adequada adquire valor jurídico e a Administração Tributária só pode desconsiderá-la, no todo ou em parte, se fundamentar tais correcções à face da Lei.

l - Pelo que, tendo a Recorrida logrado provar a materialidade das operações subjacentes aos lançamentos constantes da contabilidade, e a efectividade dos pagamentos efectuados, à Meritíssima Juíza a quo não restou qualquer dúvida de que os custos, em causa, deverão ser aceites nos termos das normas do Código do IRC aplicáveis e consequentemente ser dedutível o IVA incorrido nessas operações.

J - Pelo que, bem andou a Meritíssima Juíza a quo, ao considerar procedente a Impugnação Judicial, não padecendo a Douta Sentença do erro de julgamento que lhe é assacado, pois não violou o disposto no artigo 19º, nº 3, 20º, nº1, alínea a) e 87º, n.°s 1 e 3 e 92º todos do Código do IVA.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., VENERANDOS DESEMBARGADORES, deve o presente Recurso ser considerado improcedente, e como tal deve ser mantida a Douta Sentença recorrida, ora, em análise, por estar demonstrado que na situação sub judice a sua revogação consubstanciaria violação do disposto nas normas expressamente referidas dos Códigos do IRC e do IVA.

Com o que se fará a costumada JUSTIÇA».

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal Central emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os «Vistos» dos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos, submetem-se os autos à conferência para decisão.

II - Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida - artigo) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 684.°, n.°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode, expressa ou tacitamente, ser restringido nas conclusões da alegação (n.°3 do mesmo artigo 684.°). Pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos por seguro que o seu objecto está circunscrito à questão de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé errou no julgamento ao extrair dos factos provados que as facturas que suportaram as deduções de IVA, e cuja correcção foi determinada, corresponderam a serviços efectivamente prestados pelo seu emitente e, consequentemente, ao anular a liquidação e ao condenar a Recorrente no pagamento de uma indemnização pela prestação da garantia prestada pela Recorrida tendo em vista a suspensão da execução.

Da delimitação que fizemos resulta evidente que este Tribunal Central não entendeu que o objecto do presente recurso inclua a impugnação da matéria de facto.

Na verdade, não obstante a Recorrente tenha vertido na alínea V) das suas conclusões de recurso que A convicção do Tribunal se baseou, ainda, no depoimento testemunhal mas é preciso não olvidar que as declarações das testemunhas Paulo ..... e Pedro ..... entraram em flagrante contradição com o termo de declarações do sócio gerente da "....., Lda, Sr. Mário ....., tanto a nível dos meios humanos como dos materiais/equipamentos utilizados por esta sociedade”, fê-lo, inequivocamente, para demonstrar que o Tribunal a quo não podia ter interpretado a matéria de facto em que tais declarações ficaram vertidas no sentido em que o fez, ou seja, expendendo o mesmo tipo de entendimento que aduzira quer nas alíneas antecedentes das suas conclusões, no que respeita à interpretação dada a outros factos e no que concerne aos documentos neles identificados, quer nas alíneas subsequentes relativamente aos factos aí convocados.

Concorre ainda para esta nossa interpretação/delimitação do objecto do recurso o facto de a Recorrente não ter formulado (nem nas alegações nem nas conclusões com que as finalizou) um pedido de alteração de qualquer ponto concreto do probatório e, em conformidade, também não ter identificado o sentido dessa alteração ou os elementos concretos de prova que suportariam essa alteração. Se bem vemos, a Recorrente limitou-se a invocar o depoimento “alegadamente contraditório” de testemunhas ouvidas (no procedimento e/ou no processo judicial) como fundamento do seu juízo de erro na valoração dos factos apurados.

Aliás, mesmo que a Fazenda Pública pretendesse com a interposição deste recurso impugnar os factos dados como provados ou não provados pelo Tribunal, os termos em que o fez sempre determinariam o seu fracasso, uma vez que a Recorrente, como já mencionado, não deu, minimamente, cumprimento às exigências que constam do artigo 685.º- B do Código de Processo Civil (preceito que aí se menciona na redacção anterior à entrada em vigor da Lei n.º 41/13, de 26 de Junho, por ser o vigente à data de interposição de recurso e, consequentemente, o que conforma do ponto de vista processual as exigências então impostas à Recorrente, por força do preceituado no artigo 12.º do Código Civil), que, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, determina, na parte que ora releva, que1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.”.

III - Fundamentação de Facto

Em 1ª instância foram considerados como relevantes e provados para a apreciação e decisão da causa os seguintes factos:

A) A Impugnante é uma sociedade anónima com o objecto de Indústria de Construção Civil, compra e venda e revenda de prédios rústicos ou urbanos, urbanização de terrenos, revenda de imóveis adquiridos para esse fim (cfr. fls. 123 dos autos);

B) A Impugnante tem como actividade principal a "Construção de Edifícios (Residenciais e não residenciais) " compreendida no CAE 041200 e como actividade secundária a "Compra e venda de bens imobiliários", a que corresponde o CAE 68100 (cfr. fls. 88 do processo de reclamação graciosa)

C) Em 20-9-2002 a Impugnante celebrou com "..... — ....., Lda." um "Contrato de Empreitada de execução da escavação, contenção e fundações do Edifício ....., sita no lote ….. do Parque ....." (cfr. fis. 69 a 76 dos. autos);

D) Em 20-9-2002 a Impugnante celebrou com "..... — ..... Lda." um ''Contrato de Empreitada de execução da escavação, contenção e fundações do Edifício ....., sito no lote ….. do Parque ..... " (cfr. fls. 83 a 90 dos autos);

E) Em dia não identificado de Março de 2003 a Impugnante celebrou com "..... - ....., Lda." um "Contrato de Empreitada de execução da estrutura do edifício ..... sito no lote ….. do Parque ..... " (cfr. fls. 77 a 81 dos autos);

F) Em dia não identificado de Março de 2003 a Impugnante celebrou com "..... - ....., Lda." um "Contrato de Empreitada de execução da estrutura do edifício ....., sito no lote ….. do Parque ..... " (cfr. fls. 91 a 95 dos autos);

G) Em 5-1-2004, a Impugnante celebrou com "..... - ....., Lda.", um ''Contrato de Subempreitada para trabalhos de mão-de-obra de construção civil no empreendimento ..... - ....." (cfr. fls. 136 e 137 dos autos);

H) Em 5-1-2004, a Impugnante celebrou com "..... - ....., Lda.", um "Contrato de Promessa de Compra e Venda de uma fracção designada por L....." (cfr. fls. 139 a 142 dos autos);

I) Em 24-9-2004, a Sociedade "..... - ....., Lda.", celebrou com "......", com sede na Cidade de ....., República de ....., um ''Contrato de promessa de cessão de posição contratual" no Contrato Promessa de Compra e Venda referido na alínea anterior (cfr. fls. 144 e 145 dos autos);

J) Em 2-8-2006, foi celebrado um "Acordo" entre a Impugnante e a Sociedade "..... - ....., SA.," onde consta, nomeadamente que esta última, "assume todos os compromissos da Impugnante nos contratos-promessa celebrados com os promitentes -compradores das fracções prometidas vender, (...) hoje adquiridos por escritura pública de compra e venda (...)" (cfr. fls. 103 a 105 dos autos);

K) Em 31-3-2004 foi feito Mapa de Medição de trabalhos referente à obra "Empreendimento …..-….. Expo'' onde consta como subempreiteira a sociedade "..... - ....., Lda." (cfr. fls. 107 a 109 dos autos);

L) Em 1-4-2004 foi emitida à Impugnante a factura n.° ….. por "..... -....., Lda."(cfr. fls. 153 dos autos);

M) Em 15-5-2004 foi feito Mapa da Medição de trabalhos referente à obra "Empreendimento …..-….. Expo'' onde consta como subempreiteira a sociedade "..... -...... Lda." (cfr. fls. 156 dos autos);

N) Em 17-5-2004 foi emitida a Impugnante a factura nº….. por "..... -....., Lda." (cfr. fls. 155 dos autos);

O) Em 30-6-2004 foi feito Mapa de Medição de trabalho, referente à obra "Empreendimento …..-….. Expo" onde consta como subempreiteira a sociedade "..... -....., Lda." (cfr. fls. 158 dos autos);

P) Em 30-6-2004 foi emitida à impugnante a factura n°….. por "..... -....., Lda." (cfr. fls.157 dos autos);

Q) Em 14-4-2005 a Impugnante representada por Mário ..... celebrou escritura de compra e venda de "prédio urbano, composto por parcela de terreno, desligada a construção urbana (...)" com diversos particulares também por si representados (cfr. fls. 205 a 210 dos autos);

R) Em 2-8-2005, a Impugnante representada por Mário ..... celebrou escritura de compra e venda de vários lotes de terreno para construção, com a Sociedade "..... - ....., SA." Também por aquele representada (cfr. fls.180 a 187 dos autos);

S) Em 4-4-2008, Mário ..... prestou declarações orais reduzidas a escrito, na qualidade de gerente da sociedade "..... - ..... Lda.", perante a Inspectora Tributária, Maria ....., cujo teor se dá por inteiramente reproduzido (cfr. fls. 147 a 150 dos autos);

T) Em 1-10-2008 foi emitida a Ordem de Serviço nºOI..... que originou uma acção externa de inspecção levada a cabo pela Divisão de Inspecção Tributária II- Equipa … da Direcção de Finanças de ….. (cfr. fls. 82 do processo de reclamação graciosa);

U) A acção de inspecção foi iniciada em 3-10-2008 e concluída em 24-11-2008 (cfr. fls. 82 do processo de reclamação graciosa);

V) Em 31-10-2008 Mário ..... prestou declarações orais reduzidas a escrito, na qualidade de administrador único e em representação da Impugnante, perante o Inspector Tributário, Joaquim ..... cujo teor se dá por inteiramente reproduzido (cfr. fls 188 a 196 dos autos);

W) Foi elaborado o projecto de relatório final de inspecção (cfr. fls. 93 do processo de reclamação graciosa);

X) Em 6-11-2008 foi enviado à Impugnante ofício nº12161 a comunicar o projecto de relatório de inspecção tributária (cfr. fls. 93 do processo de reclamação graciosa);

Y) A Impugnante enviou à Direcção de Finanças de ….. resposta ao referido projecto (cfr. fls. 97 a 142 de processo de reclamação graciosa);

Z) Em 24-11-2008 foi elaborado o relatório final, o qual se tem reproduzido para todos os legais efeitos, de onde, nomeadamente, consta o seguinte:

“II-1. Credencial e período em que decorreu a acção Ordem de Serviço n°OI....., de 2008-10-31

PNAIT/Código actividade:12211014

Chefe de equipa: Paulo .....

Categoria: Inspector Tributário II

Funcionário: Joaquim .....

Categoria: Inspector Tributário

II Inicio da acção: 03-10-2008

Conclusão da acção: 24-11-2008

II- 2. Motivo âmbito e incidência temporal

A presente acção de inspecção tributária, com critério de selecção regional, teve como motivo determinante informação remetida a coberto do ofício n° ….., de 2008-06-19, pela Divisão de Inspecção Tributária I da Direcção de Finanças de ….., na sequência de fiscalização realizada à empresa ".....-....., Lda. ", NIF ….., na qual se dá conta da existência de indícios de emissão de facturação falsa por parte desta empresa.

De âmbito geral, a presente acção abrangeu o exercício de 2004, e foi dirigida a verificação externa da eventual utilização de facturação falsa pelo contribuinte inspeccionado e à consequente promoção das correcções fiscais devidas e sancionamento das infracções fiscais que viessem a ser detectadas.

// - 3. Outras situações. Enquadramento fiscal do sujeito passivo e da actividade exercida. Breve descrição das diligências realizadas.

A empresa, com a natureza jurídica de sociedade anónima, encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ….. com o n°…... Possui um capital social de 200.000,00 €, distribuído por 40000

acções e tem como objecto social a 'Indústria de construção civil, compra e venda de prédios rústicos e urbanos, urbanização de terrenos, revenda de imóveis adquiridos para esse efeito" (cfr. cópia de registo da matrícula junta ao presente Relatório de Inspecção Tributária como Anexo 1).

No ano de 2004 desempenhava as funções de administrador único Mário ....., NIF ....., com domicílio fiscal declarado na R. ….., n°…, em …...

A empresa encontra-se obrigada à certificação legal de contas, função que se encontra atribuída à sociedade ".....S.A. ", ….., com sede R. ….. - Complexo ….., Bloco ….., em …...

A empresa está registada no cadastro da DGCI desde 01-01-1989, para o exercício da actividade principal de "Construção de Edifícios (Residenciais e não residenciais) ", compreendida no CAS 041200 (possuindo para o efeito o alvará emitido pela IMOPPI com o n°…..) e para a actividade secundária de "Compra e venda de bens imobiliários", a que corresponde o CAE 68100.

E sujeito passivo de IRC, nos termos da al. a) do n°1 do art.2° do Código do IRC, aprovado pelo DL n°442-B/88, de 30.11, sendo o seu rendimento tributado de acordo com o regime geral. E obrigada a dispor de contabilidade organizada tal como a mesma se encontra definida no art.115°, n°1, do Código do IRC, a qual é processada informaticamente e se encontra centralizada na sede social da empresa. Em 2004 era responsável pela execução da contabilidade o Técnico Oficial de Contas João ….., NIF ….., com domicílio fiscal declarado em Urbanização ….., Lote ….. em …….

Em sede de IVA, o sujeito passivo encontra-se enquadrado no regime normal, com periodicidade de entrega de imposto trimestral. A dedução de imposto está condicionada pelo facto de se tratar de um sujeito passivo misto, sujeito a afectação real de todos os bens, nos termos do art.23º, n°2, do Código do IVA, aprovado pelo DL n°394-B/88, de 26.12.

A empresa possui alvará emitido pela IMOFPI com o n°…... Dispõe de instalações próprias, sita em Rua ….., Ed. …... Lote ……, Loja ….., em ….., morada na qual se encontra sedeada e dispõe de pelo menos uma delegação em ….., na Av. ….., ….. — … A. No ano de 2004, a empresa tinha ao serviço 16 funcionários.

II-3.2. Diligências realizadas

No âmbito da presente acção e no uso das prorrogativas previstas no art.29º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), aprovado pelo DL nº413/98, de 31 de Dezembro, foram realizados diversos actos inspectivos, dos quais cumpre destacar:

— Envio de Carta-Aviso e Folheto informativo a que se faz referência no art.49°do RCPIT, a coberto do oficio n°….., de 2008-19-06, desta Direcção de Finanças.

- Notificação da empresa, em 2008-10-15, do início do procedimento externo de inspecção, nos termos do artigo 51°,nº 3, do RCPIT, realizada na pessoa do seu empregado/colaborador Fernando ….., o qual assinou e recebeu cópia da ordem de serviço, em virtude do representante legal da empresa não se encontrar, aquando da nossa visita, presente na sede social (posteriormente confirmou a notificação).

- Notificação da empresa, em 2008-10-16, nos termos da parte final do art.37º e no art.40º, nº1, ambos do RCPIT, para apresentar o processo de documentação fiscal (dossier- fiscal) relativo ao exercido de 2004, previsto no art.121° do Código do IRC e documentos relacionados com a actividade exercida (contractos de empreitada).

- Consulta, análise e reprodução de elementos contabilísticos referentes às operações realizadas com a empresa '..... ....., Lda. " que motivaram a presente acção de inspecção e respectivos comprovantes.

- Tomada de declarações, em 31-10-2008, do administrador da empresa Mário ....., nos termos do artigo 23°, nº1, alínea e) do RCPIT.

- Notificação da conclusão dos actos de inspecção, em 2008-11-05, mediante assinatura da Nota de Diligência, nos termos do artigo 61° do RCPIT".

///- 1. Factos detectados pela Direcção de Finanças de Lisboa referentes à emissão de facturação falsa pela empresa "..... ....., Lda." Conforme anteriormente referido, na sequência de fiscalização realizada ao sujeito passivo "..... ....., Lda. ", com o NIF ….., e sede no Largo de ….., … – … Dt.°, em Lisboa, desencadeada pela D.F. daquele distrito, foi detectado que as facturas identificadas com os nºs 311,331 e 336, emitidas a favor da sociedade, "..... ....., S.A.", respectivamente em 01-04-2004, 17-05-2004 e 30-06-2004, nos montantes (IVA incluído) de € 437.741,50, € 500.135,58 e € 353.073,00, titulando a execução de trabalhos de construção civil numa obra situada nos lotes … e … na zona da "Expo " não correspondem a efectivos serviços prestados pela sociedade emitente das facturas, atendendo, resumidamente, aos seguintes factores:

- Estrutura empresarial/produtiva do emitente incompatível com o volume de facturação processada - Ausência de meios humanos e materiais necessários ao exercício da actividade declarada.

A empresa nunca apresentou à Administração Fiscal o Anexo J da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal/Declaração Mod. 10, a que se refere o artigo 119°, nº 2. al. a) do Código do IRS, aprovado pelo DL n.° 442-A/88 de 30.11 e 120º do Código do IRC, pelo que não declarou ter pago rendimentos do trabalho dependente e retido na fonte, a esse título, quaisquer importâncias.

Os elementos solicitados pela D.F., de …… ao I.S.S.S - Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de ….., permitiram também concluir pela inexistência de descontos efectuados e como tal de qualquer estrutura ao nível do pessoal ao serviço da empresa em questão, situação que se afigura incompatível com os trabalhos objecto da empreitada facturada, cuja realização exigiria seguramente funcionários.

Face aos elementos resultantes da pesquisa efectuada por aquela unidade orgânica aos valores das vendas declaradas por terceiros desconhece-se também qualquer compra de materiais ou de equipamentos pela empresa "..... ...... Lda, ", necessários ao desenvolvimento dos serviços facturados. Com excepção de, ".....-r ...... S.A. ", nenhum outro contribuinte comunicou à Administração Fiscal ter adquirido serviços à empresa "..... ....., Lda. " de montante superior a € 25.000,00.

Incumprimento generalizado das obrigações fiscais. Falta de entrega do IVA liquidado e da declaração actual de rendimentos de IRC. Recusa de exibição da contabilidade e da documentação de suporte.

A empresa "..... ....., Lda. " não apresentou Declarações Anuais de Informação Contabilística e Fiscal (actual informação Empresarial Simplificada) prevista no artigo 113° do Código do IRC desde o ano de 2001, inclusive, e a declaração de rendimentos Mod. 22 de IRC mencionada no artigo 112° do mesmo diploma legal, desde 2003. Também nunca enviou as declarações periódicas referidas no artigo 29°, n °1, al. o) do Código do IVA, pelo que nunca procedeu a qualquer pagamento de imposto, nos lermos do artigo 28°, n°1 conjugado com o preceituado no artigo 41°, nº1. al. b), do referido diploma legal. Notificada pela D.F. de …… para a apresentar a contabilidade não o fez, alegando que os documentos se encontravam na posse do Técnico de Contas e que estavam indisponíveis.

• Não recebimento dos valores facturados. Pagamento através de promessa de venda de uma loja. Negócio com interposição de sociedade sedeada em paraíso fiscal. Recurso a subcontratação não comprovada

A empresa emitente das facturas supra identificadas não comprovou ter sido a beneficiária dos pagamentos alegadamente efectuados, existindo, ao invés, indícios concretos de que não terá recebido qualquer contrapartida económica, porquanto, o pagamento da subempreitada (cfr. contrato junto ao presente Relatório de Inspecção Tributária como Anexo 2), com um valor estimado de € 1.300.000,00, foi alegadamente efectuado através de um contrato promessa de compra e venda, celebrado em 05-01-2004, lendo por objecto uma loja situada no n° … (rés-do-chão) do prédio silo na Av. ……, em ……, inscrito na matriz urbana da freguesia de ….. sob o artigo …... A referida loja foi prometida vender à "..... ....., Lda. " totalmente remodelada, pelo preço de € 1.300.000,00 (apesar dos valores envolvidos não foi atribuída eficácia real ao negócio) conforme se colhe do documento junto como Anexo 3.

Em 25-09-2004, a empresa "..... ....., Lda. " cedeu, pelo preço de € 1.300.000,00. recebido de pronto, a sua posição contratual na promessa de compra e venda à sociedade não residente "...... ", com sede na República de ..... (território constante da lista publicada pela Portaria n° 150/2034 de 13 de Fevereiro), como NIF ……, com endereço no Largo ….., … - … Esq., em ….., representada pelo seu procurador Luís ……, NIF …... Trata-se de um negócio cuja única evidência é o documento junto como Anexo 4 ao presente Relatório de Inspecção Tributária.

Ouvido em termo de declarações, o gerente da empresa "..... ...... Lda. ", Mário ....., NIF ....., residente em R. ....., ….., … Dt.°. ….. - ……, declarou ter efectivamente prestado os serviços titulados pelas facturas, reconhecendo, no entanto, a falta de capacidade da empresa para os prestar e a necessidade de recorrer a um terceiro, que identificou apenas como tendo sido "Paulo ....." o qual teria ao seu serviço "pessoal da Guiné". Não apresentou quaisquer documentos relacionados com esta subcontratação que corroborassem as suas afirmações, tendo, por último, negado o recebimento das quantias facturadas à "..... - ..... S.A," (cfr. auto de declarações junto ao presente Relatório de Inspecção Tributária como Anexo 5).

III - 2. Factos detectados no decurso da presente acção de inspecção relacionados com a utilizarão das facturas pela “..... - ..... S. A "

No âmbito do presente procedimento inspectivo e após verificação dos elementos contabilísticos da empresa '..... - ....., S.A. " relacionados com a situação (interiormente descrita, detectou-se a seguinte/actualidade relevante:

• Incorporação das facturas na contabilidade da empresa para documentar custos do exercício e dedução de IVA

As facturas identificadas no ponto anterior foram relevadas contabilisticamente, no exercício de 2004, através dos lançamentos nºs ….., datado de 01-04-2004 (relativo à factura n.°…..), ….., datado de 17-05-2004 (relativo à factura nº…..) e …… (relativo à factura n°……), conforme se colhe dos extractos da conta corrente do fornecedor conta POC ..... – “..... ....., Lda. ",junto como Anexo 6 ao presente Relatório de Inspecção Tributária.

Com base nas referidas facturas a empresa registou um débito no valor total de € 1.084.832,00 na conta de custou POC Fornecimentos e Serviços Externos - Subcontratos Mercado Nacional —c/IVA 19% (conforme extracto de conta junto ao presente Relatório de inspecção Tributária como Anexo 7) , valor esse que se encontra a influenciar o Resultado Líquido do Exercício (RLE) apurado pela empresa no exercício de 2004.

Ainda com base nos mesmos documentos procedeu a empresa à escrituração do valor total da € 206.118, 08 na conta POC ..... - IVA Dedutível Outros Bens e Serviços - Taxa Normal - Mercado Nacional, valor esse considerado pela empresa no apuramento mensal do imposto a pagar (contas POC ….. e …..) e reflectido na Declaração Periódica do IVA relativa ao 2º Trimestre de 2004 (cfr. extracto da conta junto como Anexo 8).

• Registo do pagamento sem correspondência com saídas efectivas de fluxos monetários da empresa. Venda da loja objecto do contraio promessa à empresa

"....., ....., Lda. "

Em 30-06-2004, através do lançamento contabilístico nº ….. a empresa registou a débito da conta corrente do fornecedor "..... ....., Lda. “ a liquidação das referidas facturas com base nos recibos de quitação por esta emitidos com os n°s ….., ….. e …... Face à inexistência de saída de fundos da empresa (dinheiro ou cheque) no valor de € 1.290.350,08, foi o referido lançamento efectuado por contrapartida a crédito da conta POC ….. — Adiantamentos de Clientes --- MN — Clientes L….., conforme extracto junto como Anexo 9.

Verificou-se, igualmente, após terem sido analisados todos os movimentos posteriormente registados na conta POC ..... (cfr. extractos de conta juntos ao Processo de Evidência de Trabalho) que o referido adiantamento transitou em saldo ale ao corrente exercício sem ter sido "regularizado ", Isto apesar da venda prometida (fornecimento a que o adiantamento se reporta) nunca se ter chegado a realizar, nem com o promitente comprador originário, a "....., Lda." nem com o cessionário "..... ".

Com efeito, constatou-se que o prédio da Av. ….. no qual se situava a loja objecto do contrato promessa de compra e venda e posteriormente de cedência de posição contratual à referida sociedade "off shore", foi alienado pela "..... - ...... S.A. ", em 02-08-2006, à firma "....., ....., Lda. (antes "..... - ....., Lda.). NIF ....., com sede na Av. ....., n° ……. …°, em ....., mediante escritura pública lavrada no Cartório Notarial de ..... de Carlos ......

A venda do referido imóvel foi contabilizada pela empresa na conta POC ..... — Vendas - Produtos Intermédios, pelo preço de € 1 000.000,00, conforme extracto do lançamento nº….., de 31-12-2006 e cópia do contrato junto ao presente Relatório de Inspecção Tributária como Anexo 10.

Foram analisadas as contas correntes (documentos juntos ao Processo de Evidência de Trabalho) dos outros dois principais fornecedores de serviços de construção civil no exercício de 2004, com relativa expressão na rubrica dos subcontratos, "..... Lda. (conta …..) e "....., Lda. (conta …..), tendo-se constatado que todos os pagamentos efectuados àqueles empresas passaram invariavelmente pela conta de Bancos, particularmente pela conta …. - ….. –Depósito à Ordem ………...

Foram ainda recolhidos extractos das contas II - Caixa e … - Depósitos à ordem e das respectivas subcontas, contendo o registo de todos os recebimentos e pagamentos realizados pela empresa no exercício de 2004, os quais se encontram juntos ao Processo de Evidência de Trabalho

III -- 3. Análise e valor ação dos factos, detectados. Propostas de correcções resultantes da utilização das facturas presumivelmente falsas.

Os factos e situações enunciados configuram indícios concretos e objectivos de que as operações tituladas pelas facturas não correspondem a serviços: efectivamente prestados pela entidade emitente das mesmas, a "..... ....., Lda., o que significa que são falsas.

Por esse motivo, foi o representante legal da empresa "..... — ....., S.A." notificado para comprovar que a empresa suportou custos efectivos no valor de € 1.084.832,00 e identificar o respectivo beneficiário dos rendimentos pagos (vd. termo de declarações junto como Anexo 11 ao presente Relatório de Inspecção Tributária para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido).

Não o tendo feito e mostrando-se suficientemente indiciado que os custos contabilizados não se baseiam em operações reais, não poderão tais custos ser considerados como indispensáveis à formação dos proveitos do exercício, nos termos do nº1 do artigo 23° do código do IRC, pelo que é devida a seguinte correcção ao RLE declarado na DR Mod. 22 - IRC identificada com o nº…....:

Exercício Quadro 07 Campo 201 Quadro 07 Campo 240
RLE Declarado Correcção Técnica RLE Corrigido Lucro Tributável

Declarado

Lucro Tributável Corrigido
20046.290,34€1.084.832,00€ 1.091.122,34€76.545,87€1.161.377,87€
Por outro lado, resultando o imposto deduzido pelo sujeito passivo, no valor de €206.118,08, de operação simulada, não poderá a dedução ser aceite por força do disposto no n°3 do artigo 79° do Código do IVA, pelo que é devida liquidação adicional, nos termos dos artigos 67°, nºs 1 e 3 e 32° do mesmo diploma. Deverá assim a DP n°103394469071 ser rectificada, de harmonia com os valores que se seguem:
Período imposto Quadro 06 - Campo 24 – IVA Dedutível OBS
Valor Declarado Correcção Técnica Valor Corrigido
04.06T
212.569,59€
206.118,08€
6.451,51€

Sobre os montantes liquidados em consequência das correcções propostas incidem juros compensatórios nos termos dos artigos 94°, n°1 do Código do IRC e 96°, nº1, do Código do IVA.

(…)

IX- 3 Da apreciação

Analisado que foi o teor do documento apresentado pelo sujeito passivo decide -se desatender a sua pretensão e não aceitar os argumentos invocados, porquanto as correcções propostas, contrariamente ao alegado, encontram-se suficientemente fundamentadas, tanto em matéria de facto como de Direito, nos pontos 1 e 2 do Capitulo III do Projecto de Relatório.

Com efeito, a condição indicada no ponto 3 do Capítulo III do referido Projecto de Relatório e que parece se posta em causa pelo sujeito passivo, baseia-se em factos concretamente identificados, incontestados pelo sujeito passivo (alguns porque desconhece não sendo obrigado a conhecer e outros porque afirma não lhe dizerem respeito) e alicerçados cm elementos de prova. Porque tais factos conduzem ao referido juízo de valor, configuram verdadeiros indícios e não meras suspeitas tradutores de uma forte probabilidade de que as facturas não titulam operações reais. E são precisamente esses indícios que abalando a presunção de veracidade de que gozam os registos e documentos contabilísticos justificam e legitimam a não aceitação da dedução das referidas verbas, nos termos do artigo 23º, n°1, do Código do IRC e do artigo 19º, n°3, do Código do IVA.

Embora se reconheça a existência física da construção em causa e de que se tratará de uma forma de pagamento legalmente admitida em Direito tal não significa que as facturas desconsideradas se refiram a serviços efectivamente prestados pelo emitente das mesmas nem que a quitação das facturas se mostre justificada. Foi dada a oportunidade ao sujeito passivo para demonstrar durante os actos de inspecção e também agora na fase de audição previu que realmente incorreu num custe com os trabalhos compreendidos nessa fase da obra e para identificar o respectivo beneficiário dos rendimentos pagos. Pelo exposto encontrando-se a motivação das propostas de correcção devidamente explicitada com indicação da Legislação aplicável e não lendo o sujeito passivo trazido factos novos ao procedimento que levem a concluir de forma diversa daquela que consta no Projecto de Relatório, mantém-se as correcções e as conclusões tal como foram oportunamente notificadas ao sujeito passivo.

(...)" (cfr. fls. 81 a 100 do processo de reclamação graciosa);

AA) Sobre o relatório a que se refere a alínea anterior recaiu, em 25/11/2006 o seguinte parecer: "Concordo com as correcções técnicas conforme descrito no capitulo III deste relatório, que se quantificam num acréscimo à matéria colectável do IRC de € 1.084.832,00 para o ano de 2004 e na Liquidação adicional de IVA no montante de €206.118,00 para o ano de 2004 “ (cfr. fls.76 do processo de reclamação graciosa):

BB) Em 26-11-2006, sobre o relatório de inspecção tributária recaiu o seguinte despacho: "Concordo. Proceda-se como se propõe." (cfr. fls. 76 do processo de reclamação graciosa);

CC) Em 23-12-2006 foi enviado ofício n°….. à Impugnante a informar do teor do relatório de inspecção tributária (cfr. fls. 77 do processo de reclamação graciosa);

DD) Em 1-6-2009 a Impugnante apresentou requerimento de reclamação graciosa (cfr. fls. 1 e 2 do processo de reclamação graciosa);

EE) Em 8-9-2009 o Director de Finanças de ….. emitiu projecto de despacho de indeferimento da reclamação referida (cfr. fls.142 a 148 do processo de reclamação graciosa);

FF) Em 8-9-2009 foi enviado à Impugnante o ofício nº….. a comunicar-lhe o projecto de despacho referido na alínea anterior (cfr. fls. 149 do processo de reclamação graciosa);

GG) Em 22-9-2009, a Impugnante apresentou um requerimento de resposta (cfr. fls. 151 do processo de reclamação graciosa);

HH) Em 27-10-2009 o Director de Finanças de ….. emitiu o despacho n°…./2009 onde consta nomeadamente: "(...) torno definitivo o projecto de despacho proferido em 2009/09/07 (...)".

II) Em 14-10-2009 foi enviado à "..... - ....., S.A.", pela Câmara Municipal de ....., oficio n°...../2009, onde consta, nomeadamente, que "o processo de prorrogação de obras - …..09 foi deferido em 25-09-2009 (...)" (cfr. fls. 97 dos autos);

JJ) Em 13-10-2009 foi emitido "Aditamento n°…../2009 ao Alvará n°…../2009, em nome de "..... - ...... S.A." (cfr. fls. 99 dos autos);

KK) Em 23-12-2010 foi emitida Certidão de Registo Predial relativo ao prédio n°….. da freguesia de ….. em ..... (cfr. fls. 273 a 285 dos autos);

LL) Em 25-3-2011 foi junto aos autos ofício n°…../2011 enviado pela Câmara Municipal de ....., onde consta, nomeadamente que "as obras relativas ao imóvel sito na Av. ….., nº…., …., em que é Requerente - ….., S.A., encontram-se concluídas, não tendo sido ainda emitido o correspondente alvará de utilização. Mais se informa que, em 15/03/2011, foi formulado pedido de autorização de utilização (...) encontrando -se o referido pedido em apreciação pela CML " (cfr. fls. 291 dos autos);

MM) Em 6-5-2011 foi junto aos autos ofício n°…../2011 enviado pela Câmara Municipal de ....., onde consta, nomeadamente que "(...) somos na presente data informar que o pedido de autorização de utilização já foi objecto de despacho final, resultando na emissão do Alvará de Utilização nº…../2011"(cfr. fls. 303 dos autos);

NN) Em 15-7-2011 foi feita informação pela 5ª Vara Criminal de Lisboa onde consta, nomeadamente, que “ao arguido Mário ..... não é conhecida a identificação de outra Sociedades, para além da ..... -....., Lda. de que seja sócio " (cfr. fls. 320 dos autos);

3.2. Mais ficou consignado, a título de «Motivação da decisão de facto», que, «Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados, no processo administrativo junto aos autos e no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência contraditória.

Do depoimento das testemunhas resultou o seguinte:

A testemunha Paulo ....., Engenheiro na sociedade ..... até de 2003 a 2004, afirmou ao tribunal que "a actividade da sociedade era empreiteira de construção civil. As obras efectuadas na Expo decorreram em 2003 e 2004 em dois lotes de terreno com uma área de implantação de aproximadamente de 12 mil m2, equivalente a dois campos de futebol. O dono da obra era a ……. O valor da obra rondava os 10 milhões de euros. Era a ..... que tinha a empreitada e fazia os trabalhos de mão-de-obra e exercia todos os trabalhos contratados, fundações e estrutura da obra. Os trabalhadores da ..... eram pessoas de enquadramento ou seja de orientação e organização dos trabalhos. Tudo o que eram trabalhos de execução, recorriam sempre a subempreiteiros. Era a ..... e outros mais, cada um com as suas funções. Sabia que para fazer determinado trabalho só podia ser aquela empresa e não outra senão não recebiam.

Afirmou ao tribunal que "para ele eram trabalhadores da ...... Poderiam ser subempreiteiros da ..... o que ioda a gente faz. Para si só existia a ...... Admite que fossem trabalhadores subcontratados atendendo ao seu número. A obra foi feita e está construída. A contratação dos subempreiteiros era feita pela empresa e a coordenação dos trabalhos na obra era liderada por si que era o director da obra. Tem conhecimento de que a empresa "....." entre outras, estiveram lá a trabalhar. A contratação dos subempreiteiros era feita pela empresa. Os valores a pagar a essa e às outras empresas é calculado através de trabalhos executados."

Confrontada a testemunha com o anexo 6, junto com a contestação, factura n°…… e auto de medição de 31.03.2004, factura n.°…… e auto de medição de 15.05.2004 e factura ….. e auto de medição de 30.06.2004, confirmou ser a sua assinatura de Director de Obra, nos autos de medição. "Os autos são iguais e as quantidades é que são diferentes. A "....." era representada pelo Sr. Mário ..... Tinha estrutura mediana, de tez escura, pensa ser santomense. A mão-de-obra, era exercida, por indivíduos, de cor negra. A ..... e a ..... ficam encostadas ao rio, na actual zona da marina a sul do …... Havia muita mão-de-obra porque era uma zona de muitos Iodos e utilizavam muita estacaria e esses trabalhos eram exercidos por esses operários. "

Mais disse que "era responsável pela elaboração dos autos de mediação com para os empreiteiros, também elaborava os autos para o dono da obra. O processo de pagamento também passava por si. O dono da obra fazia o pagamento por letras. Os pagamentos foram todos garantidamente feitos No caso da ".....", sabe que o pagamento foi feito com a permuta de uma loja que era pertença da ...... Essa forma de pagamento deve constar no contrato. Essa forma de pagamento, o facto de não gerar liquidez, directa, criou alguma agitação no pessoal desta empresa. Queixavam-se que não recebiam a tempo e horas, alguns abandonavam os trabalhos, levava à substituição de trabalhadores. Não tem conhecimento de que o pagamento não tenha sido efectuado da forma acordada. Na obra exigiam a certificação do trabalhador para saber se era estrangeiro ou português, se estava legal no país e ficavam com a fotocópia dos documentos. No caso da "....." teve em média sempre a trabalhar 50 a 60 operários."

A testemunha Pedro ....., técnico de construção civil, em suma, referiu que "trabalhou na ..... desde cerca de 1999 até 2004. A actividade da empresa era a de construção de edifícios e empreitadas aos donos das obras. Trabalhou nas obras da Expo. A obra era constituída em três edifícios em estacaria e era o responsável da edição da obra medição, bem como, aos trabalhos efectuados para se executar os autos e dar apoio ao director da obra. A empresa "..... " trabalhava nessa obra com outros subempreiteiros. Fazia todo o serviço de demarcação e apoio de execução na parte da estacaria, apoio do betão, bem como, o apoio à cofragem. A obra como é em frente ao rio, depois de fazer a escavação ficou a lama preta, o que tornou a obra muito complicada de executar. Foi toda feita, no início, ao recurso manual. A "....." era contactada pelo Sr. Mário ...... Era um senhor de raça mista, por volta dos quarenta anos Os trabalhadores eram quase todos emigrantes de raça negra. Sabia que os trabalhadores eram da ..... mediante o trabalho que estavam a executar. Tinha cerca de 60 a 70 trabalhadores e dependia dos piques de trabalho que variavam. O dono da obra era um grupo espanhol ...... O dono da obra fazia o pagamento à ..... em letras, não em dinheiro. Tem ideia de ouvir falar que o pagamento à "....." era por troca de uma loja. O planeamento da obra era feito pelo director da obra, que era entregue aos encarregados e estes por sua vez contactavam com os operários da "....." para executar os trabalhos.

A testemunha arrolada pela Fazenda Pública, inspector Joaquim ….., confirmou, em geral, os fundamentos vertidos no relatório da inspecção e afirmou, nomeadamente, ao tribunal que "a acção de inspecção se deveu à confirmação da facturação da empresa "....." de ..... à ..... sediada em ……. A dúvida que se levantou aquando da inspecção foi apenas se os serviços constantes dessas facturas foram efectuados ou não. Com base numa informação já existente na Direcção de Finanças de ..... de que indiciava com base nessas factureis que a "....." não possuía estrutura nem recursos a nível de trabalhadores nem a nível de estrutural para desenvolver a empreitada tal e qual ela está facturada. Outro facto que sustentou essa informação foi o facto de essa factura não terem sido pagas pela ...... Não há saída de verbas para pagamento dessas facturas que foram contabilizadas pela ...... O único registo que de alguma forma justifica a contabilização dos recibos é o contrato de promessa.

Afirmou ainda que "a "....." depois efectuou a cessão de posição contratual com uma empresa sediada em Off-Shore. A loja acabou por ser vendida a uma empresa "....." de que o administrador é a mesma pessoa em 2006."

Os depoimentos revelaram-se claros e isentos e lograram, convencer o tribunal da sua veracidade».

3.3. E em sede de «Factos não provados» que «Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados».

3.4. Por se mostrar provada e ser relevante para a boa decisão do mérito do recurso, acorda-se em aditar ao probatório a seguinte factualidade:

OO) Aquando da celebração do acordo referido em G), a “..... Lda.” não possua equipamento técnico especializado e detinha ao seu serviço cerca de 4 trabalhadores (cfr. documento de fls. 147 – 150);

PP) Para fazer face aos compromissos assumidos no acordo referido em G), a “..... Lda.” recorreu a um terceiro e manteve em obra cerca de 50/70 trabalhadores que por aquele lhe foram disponibilizados (cfr. documento de fls. 147-150, 188 – 196 e depoimento das testemunhas Paulo ..... e Pedro ..... exarados na fundamentação da matéria de facto)

IV – Fundamentação de Direito

Expostas a pretensão formulada neste recurso e os seus fundamentos e enunciada a factualidade apurada, cumpre agora decidir se deve ser reconhecida razão à Recorrente na parte em que conclui que a sentença enferma de erro de julgamento, juízo para que avançamos de imediato através da análise dos fundamentos das correcções que estão subjacentes à liquidação impugnada e da apreciação de facto e de direito que deles foi feita na decisão recorrida.

A leitura do Relatório Final de Inspecção permite-nos recortar com bastante rigor os fundamentos da liquidação: as correcções que conduziram à liquidação impugnada têm, na sua base, no essencial, elementos (“indícios”) relativos ao emitente das facturas desconsideradas pela Administração Tributária - que a Impugnante/Recorrente contabilizou como custos e cujo IVA posteriormente deduziu - e elementos relativos à própria Impugnante.

Resumidamente, no que respeita aos indícios relativos ao emitente das facturas, “..... – ..... Lda.” (terceiro relativamente à inspecção que visou o sujeito passivo-Impugnante) a Administração Tributária aduziu no Relatório de Inspecção que, na sequência de uma inspecção que realizou àquele emitente constatou que a mesma (i) não detinha estrutura (meios técnicos ou humanos) para realizar os trabalhos alegadamente prestados e materializados nas facturas; (ii) não comprovara ter recorrido a subcontratação e (iii) não tinha recebido o pagamento dos trabalhos, tendo-se limitado a celebrar um contrato-promessa de compra e venda de uma loja no valor de € 1.300.000,00, que nunca chegou a ser concretizado.

No que respeita à Impugnante, a Administração Tributária, sem prejuízo de reconhecer expressamente que a obra a que se reportam as facturas cuja “falsidade” vem afirmada efectivamente se realizou, enuncia dois tipos de circunstâncias que sustentam o “juízo indiciário de falsidade” da facturação em questão: a inexistência de documentos capazes de sustentar o pagamento dos trabalhos, designadamente por falta de celebração de acordo quanto a esse pagamento se realizar através da promessa de venda de uma loja pela Impugnante à emitente, e falta de prova de que os trabalhos foram efectivamente prestados por aquele concreto emitente.

Tudo, pois, para concluir que o emitente não podia ter prestado os trabalhos titulados pelas facturas e não recebera a contrapartida remuneratória dos trabalhos putativamente prestados, sendo, por essa razão, essas facturas falsas e, consequentemente, ilegal a dedução de IVA que através delas foi feita pela Impugnante.

Na sentença recorrida foi aduzido um longo discurso centrado numa apreciação individualizada de cada um dos fundamentos de facto ou indícios vertidos no Relatório Final. Se bem o interpretamos, podemos concluir que são três as razões que conduziram a Meritíssima Juíza a declarar procedente a Impugnação Judicial: a obra e os trabalhos discriminados nas facturas foram efectivamente realizados; esses trabalhos foram realizados pelo emitente das facturas e esses trabalhos foram efectivamente pagos, num primeiro momento, da celebração de um contrato promessa de compra e venda de uma loja de que era proprietária a Impugnante ao prestador dos trabalhos e emitente da factura e, num segundo momento, através da cedência da posição contratual realizada pelo emitente a uma terceira entidade, a qual assumiu a obrigação de pagamento de todas e quaisquer responsabilidades emergentes da celebração do mesmo contrato-promessa.

Tudo, pois, para concluir que não se verificou a operação simulada a que se reporta o artigo 19.º, n.º 3, do CIVA, que estruturalmente suporta as correcções efectuadas e pela anulação da liquidação a que aquelas correcções deram origem.

Cremos, salvo o devido respeito pela posição e alegações da Recorrente, que esse juízo fundamentador não merece censura.

É verdade que por vezes aquele discurso não foi tão claro quanto seria desejável e que isso poderá ter contribuído para induzir a Recorrente em erro quanto aos fundamentos da decisão. Aliás, a própria Meritíssima Juiz sentiu necessidade, a certa altura, de realçar que o juízo que aduzia de exigência de prova não traduzia “nenhuma inversão do ónus da prova”. Porém, só aparentemente o percurso lógico-jurídico revela que o Tribunal a quo perfilhou um entendimento da repartição do ónus da prova que se desvia dos cânones há muito definidos na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.

Todavia, porque esse menor rigor do discurso efectivamente existiu e torna compreensível a reacção e dedicação da Fazenda Pública à questão do ónus da prova neste recurso jurisdicional - designadamente na parte em que mantém que recolheu indícios suficientemente fortes para abalar a credibilidade da contabilidade da Impugnante e afastar a presunção de veracidade de que beneficia, nos termos dos artigos 74.º e 75.º da Lei Geral Tributária e, consequentemente, justificam a não-aceitação da dedução das referidas verbas nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC e 19.º, n.º 3, do CIVA - importa deixar expresso de forma clara o quadro legal, doutrinal e jurisprudencial, hoje absolutamente uniforme, em matéria de pressupostos de correcção e repartição de ónus da prova na situação que enfrentamos: pretendendo a Administração Tributária desconsiderar facturas que reputa de falsas nos termos do artigo 19.º, n.º 3, do CIVA, compete-lhe fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, recolhendo e aduzindo indícios sérios de que a operação constante da facturação a desconsiderar não corresponde à realidade (artigo 74.º da LGT). Só após ser realizada a prova de verificação desses indícios pela Administração é que passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus de provar que, pese embora a existência daqueles indícios, a operação titulada pelas facturas que se desconsideraram foi efectivamente realizada.

Essa repartição exige, pois, no caso concreto: da parte da Administração Tributária, a recolha de indícios sérios e credíveis de que as operações tituladas pelas facturas n.º ….. (no valor de € 437.741,50); n.º ….. (no valor de € 500.135,58) e n.º ….. (no valor de 353-073,00), emitidas pela “..... ..... Lda.” à Impugnante, não correspondem a serviços efectivamente prestados pela primeira e efectivamente pagos pela segunda; da parte da Impugnante, a prova da realização concreta dos trabalhos e do pagamento ou contrapartida económica que lhes correspondia.

Ora, no caso concreto, e como na sentença recorrida se firmou, ainda que, de forma algo confusa no que respeita à qualificação ou reconhecimento de seriedade e credibilidade dos indícios recolhidos por parte da Administração, ambos os pressupostos de facto e de direito se comprovaram, ou seja, a Administração Tributária recolheu indícios sérios e credíveis capazes de sustentar a desconsideração das facturas e a Impugnante logrou fazer prova de que, não obstante aqueles indícios, as operações ou transacções tituladas por aquelas facturas corresponderam à realidade.

O reconhecimento de que houve uma recolha de indícios sérios e credíveis por parte da Administração tributária surge implícito na forma como o Tribunal a quo inicia a apreciação de direito. Na verdade, imediatamente após efectuar um breve enquadramento do objecto do processo e dos fundamentos que estiveram na base das correcções, a Meritíssima Juiz adiantou que o que “Cabe verificar agora é se a Impugnante conseguiu, nesta sede, provar que a Administração não teve razão na correcção ao valor tributável”, o que demonstra bem que, para o Tribunal a quo, a questão não se centrava nos indícios ou na consistência destes para legitimar a actuação da Administração, mas na forma como, através da prova produzida, a Impugnante tinha logrado afastar ou infirmar aqueles pressupostos de facto (indícios sérios) recolhidos pela ora Recorrente.

E é esse reconhecimento que também justifica que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, imediatamente após essa afirmação e enquadramento da questão, tenha prosseguido a sua análise pela apreciação autonomizada, de cada um desses indícios e que, por referência à prova produzida, fosse efectuando o seu julgamento quanto à veracidade das operações tituladas nas facturas (quer relativamente aos trabalhos prestados quer quanto aos sujeitos intervenientes nas operações), concluindo pela inexistência de “operações simuladas” com fundamento na prova feita pela Impugnante de que aquelas operações/transacções se tinham efectivamente concretizado (nas palavras finais da sentença, “A Administração Tributária incorreu em erro dos pressupostos de facto baseando a sua convicção em factos materialmente inexistentes”).

Já o dissemos e repetimos: decidiu bem.

Senão, vejamos.

No que concerne à alegada falta de estrutura da emitente das facturas para prestar os serviços, ficou provado, como, de resto, a Administração Tributária afirmara no relatório final de inspecção, que a “.....- ..... Lda.” não detinha no início do ano de 2004 (a obra foi realizada entre Janeiro e Junho/Julho de 2004) meios técnicos e humanos suficientes para executar os serviços ou trabalhos discriminados nas facturas desconsideradas pela Administração, isto é, que os trabalhos não podiam ter sido executados pela “..... – ..... Lda.” através de recursos, técnicos ou humanos, próprios. Porém, também resultou apurado, em consequência da prova que já existia no procedimento conjugada com a que veio a ser produzida na pendência deste processo, que esses trabalhos foram realizados por aquela subempreiteira com recurso a mão-de-obra que para esse efeito lhe foi facultada por um terceiro, o que não pode deixar de ser salientado já que, como se vê da análise das facturas e dos autos de medição que as acompanham, são custos com “trabalhos de mão-de-obra” e não de fornecimento de material – este último tem, no cômputo geral, um valor absolutamente residual (cerca de € 4.766,42 num total de facturação de € 1.084.832,00) - os que se encontram, quase em exclusivo, descriminados nas facturas qualificadas de “falsas” no relatório de inspecção (facturas n.ºs ….., ….. e …..).

Aliás, tal facto não constitui factor de surpresa uma vez que do contrato de Subempreitada já resultava isso mesmo: “O objecto da presente subempreitada é a execução pelo Subempreiteiro de trabalhos de mão-de- obra de construção civil[cláusula 1ª do contrato referido na alínea G) dos factos provados].

Por outro lado, também não existem dúvidas quanto ao facto de a Impugnante ter logrado provar que os trabalhos que subcontratou à “..... – ..... Lda.” foram os que esta efectivamente lhe prestou e facturou, conforme resulta, em especial, do confronto do teor do contrato de subempreitada [alínea G)] com os autos de medição e com as facturas (alíneas K), L), M), N), O) e P) do ponto II supra]. Nem temos dúvidas que que as facturas cuja veracidade material se questiona preenchem, integralmente, do ponto de vista formal, os requisitos consagrados no artigo 35.º do CIVA (cfr. alínea do ponto III supra).

Por fim, está plenamente provado que a Impugnante procedeu ao pagamento desses trabalhos e que o fez pelo valor acordado (cfr., em especial, factos apurados nas alíneas H), I), J), K), L), M), N), O e P).

Esta alegada “inexistência de pagamento” constituía, como bem se vê do Relatório de Inspecção, se nos é permitido, o elemento-índice fundamental da justificação das correcções efectuadas.

Efectivamente, sem pretendermos menosprezar o longo discurso fundamentador exarado no Relatório de Inspecção, perpassa dele claramente a ideia de que não foram a “alegada falta de estrutura” da “….. Lda.” (ou, se preferirmos, o facto de estrutura que esta possuía ao nível dos meios humanos e técnicos ser incompatível com o volume de facturação processada), o facto da mesma empresa não ter declarado à Administração Fiscal ter pago rendimentos do trabalho dependente ou não ter retido na fonte a esse título quaisquer importâncias, nem o facto de não existir registo nos Serviços de Segurança Social de ..... de descontos incidentes sobre salários de trabalhadores ao serviço da empresa nem, por fim, o incumprimento generalizado por parte do emitente das facturas das suas obrigações fiscais, os factos ou indícios sérios e credíveis que a determinaram a proceder às correcções realizadas.

De resto, esses indícios, mesmo a darem-se como verdadeiros, não são, como afirmado no Relatório de Inspecção, absolutamente incompatíveis com aquela prestação, já que, como se provou:

- a mão-de-obra utilizada para a execução dos trabalhos proveio de um terceiro, sendo irrelevante, para efeitos da decisão de que ora nos ocupamos, os exactos contornos em que essa cedência foi realizada ou se esse terceiro tinha devidamente regularizada a situação desses trabalhadores;

- a inexistência na contabilidade do emitente de registos relativos a aquisição de material é irrelevante, atenta a natureza dos trabalhos executados que se traduziram, quase a 100%, na prestação de trabalhos de mão-de-obra [cfr. factualidade vertida nas já identificadas alíneas K) a P) do ponto II supra];

- a inexistência de aquisição de material a outras empresas para prover ao desenvolvimento da sua actividade de construção civil também não possui qualquer relevo por, como resulta das declarações prestadas pelo sócio gerente à Administração Tributária, a “..... – ..... Lda.”, deixou de desenvolver qualquer actividade após os trabalhos executados para a Impugnante, tendo o declarante e sócio-gerente dessa sociedade em 2005 e 2006, passado a trabalhar para uma terceira empresa como “trabalhador dependente”, também na construção civil, na categoria de “Encarregado de Estuque” e, posteriormente, passado a desempenhar actividade profissional em Espanha [cfr. alínea S) dos factos provados];

- o invocado incumprimento generalizado das obrigações fiscais por parte do emitente das facturas, traduzido na falta de entrega do IVA liquidado, da declaração actual de rendimentos de IRC, e a recusa de exibição da contabilidade e da documentação de suporte não só não deve ser entendido como factor imputável ao sujeito passivo como nem corresponde à verdade. Efectivamente, basta atentar nos elementos facultados pela própria Administração Tributária, para se concluir que a “..... – ..... Lda” não se recusou a apresentar a documentação pedida, antes se tendo disponibilizado para apresentar os que possuía (através dos contactos que iria desenvolver com a sua representante em Portugal), identificou quem poderia possuir os demais elementos necessários e que não estavam na sua posse (alguns estariam na posse do terceiro que cedera a mão-de-obra para executar os trabalhos e os demais em poder do responsável pela contabilidade, que também identificou e que até ao momento não lhos teria apresentado), para além de ter declarado expressamente que pretendia “ regularizar a situação” indicando a pessoa (representante) que para esse efeito poderia ser contactada pela Administração Tributária e que nomeava para receber a correspondência que para esse efeito lhe fosse enviada [cfr., a mesma alínea S)].

Insista-se, o que verdadeiramente determinou a Administração Tributária a concluir como o fez, sem prejuízo daqueles elementos recolhidos ou do valor que lhes atribuiu, foi o facto de ter concluído das diligências por si realizadas no âmbito da inspecção que não teria havido uma efectiva execução dos trabalhos pela emitente e, sobretudo, que o pagamento dos valores titulados nas facturas não se tinha efectivado: “ Embora se reconheça a existência física da construção em causa e de que se tratará de uma forma de pagamento legalmente admitida em direito, tal não significa que as facturas desconsideradas se refiram a serviços efectivamente prestados pelo emitente das mesmas nem que a quitação das facturas se mostre justificada.” – cfr. Relatório de Inspecção, alínea Z) do ponto II supra.

Mas foi esta, repita-se, a prova que foi feita, pelo menos - como a sentença recorrida deixa dito de uma forma que a Recorrente não logrou, com alguma justificação, já o dissemos, compreender - na medida em que era exigível que ela fosse realizada.

Quanto à efectiva prestação dos trabalhos, já nos pronunciamos.

Relativamente ao pagamento, é verdade, como os factos provados demonstram, que este não se traduziu numa mera entrega mensal do valor aposto nas facturas emitidas após a medição e quantificação dos trabalhos realizados. Tal ficou a dever-se, como se vê da factualidade apurada, à particular forma (comum na prática empresarial) como ficaram definidos os direitos e as obrigações emergentes do “CONTRATO DE EMPREITADA” e os direitos e obrigações decorrentes de um “CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA”, ambos celebrados entre a Impugnante e a “..... – ....., Lda.”, respectivamente, no primeiro contrato, Empreiteira e Subempreiteira e, no segundo, promitente-vendedora e promitente-compradora.

Vejamos, então.

Da análise do “CONTRATO DE SUBEMPREITADA” resultam identificadas (para o que ora importa) as seguintes obrigações essenciais: a Subempreiteira (.....- ..... Lda.) efectuaria para a primeira, no prazo máximo de 180 dias, um conjunto de trabalhos de construção civil no empreendimento “.....-.....”, cujo valor ficou estimado (orçamentado) em cerca de € 1.300.000,00 (IVA incluído), que deveriam ser objecto de medição mensal. Após a aprovação (em quantidade e em qualidade) daqueles autos de medição pela Empreiteira (Impugnante), a Subempreiteira emitiria a factura correspondente, sendo a mesma paga “por permuta”, através da venda de uma fracção de um imóvel sito em ....., nos termos definidos num outro contrato que as partes celebraram e anexaram ao “CONTRATO DE SUBEMPREITADA” (cláusulas 1.ª, 2.ª, 6.ª e 9.ª).

Por sua vez, do referido contrato anexo, qualificado de “CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA”, resulta, fundamentalmente, que a Impugnante promete vender a “..... – ..... Lda.” e esta promete comprar, pelo valor de € 1.300.000,00, uma fracção sita na Avenida ….., n.º ….., em ..... (loja com cerca de 300m2), preço esse a pagar “ por permuta de trabalhos relativos à empreitada de construção civil a executar no empreendimento “..... – .....” cujo contrato foi assinado na presente data” e o restante na celebração da escritura pública, a celebrar no prazo de 30 dias após o integral pagamento do preço (cumprimento do contrato de subempreitada) e legalizada a obra de que seria objecto o prédio em que a fracção se situava (cláusulas 1.ª, 2.ª e 3.ª).

Em suma, ainda que por instrumentos autónomos, as partes fizeram o seguinte acordo: a “..... – ..... Lda.” obrigou-se a efectuar um conjunto de trabalhos de construção civil numa obra de cuja realização a Impugnante era principal responsável e, como contrapartida desses trabalhos e pelo valor destes, a Impugnante transmitia-lhe a propriedade de uma fracção de que era dona e legitima proprietária, logo que estivesse concluída a obra de remodelação do prédio em que essa fracção se situava, (prevista para 2007) e emitidos os documentos necessários à sua legalização [cfr. alíneas G) e H) dos factos apurados].

Neste último contrato previa-se ainda a possibilidade de a referida transmissão de propriedade ser concretizada com a promitente compradora (subempreiteira e emitente das facturas) ou com terceiro que por esta fosse indicado

Foi exactamente após a conclusão dos trabalhos, mais concretamente a 24-9-2004, que a “promitente compradora” (subempreiteira e emitente das facturas), celebrou um novo acordo, com uma terceira empresa, prometendo ceder-lhe a sua posição contratual no referido contrato promessa. E foi no exercício do mesmo direito que a “promitente vendedora” celebrou um acordo com uma outra empresa no âmbito do qual esta assumiu todos os compromissos assumidos pela Impugnante nos contratos-promessa celebrados com os promitentes-compradores de diversas fracções, aqui se incluindo a fracção objecto do contrato promessa relativo à loja supra referida.

A cessão da posição contratual (art. 424 Código Civil) consubstancia um negócio em que um dos contraentes (cedente), num contrato de prestações recíprocas, transmite a um terceiro (cessionário), com o consentimento do outro contraente (cedido), o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato (contrato base).

Este tipo de contrato implica uma modificação subjectiva dos sujeitos da relação contratual, que permanece objectivamente a mesma, sendo que para o terceiro (cessionário) é transmitida a posição contratual no seu todo (teoria unitária), ou seja a posição global do cedente existente no momento da eficácia do negócio. Deste modo, a transmissão da posição contratual produz a liberação do cedente em face do cedido, no momento em que foi notificada ao cedido ou a aceitou, pois a partir daí o cessionário passa a ocupar o lugar do cedente no contrato inicial, com o complexo de direitos e obrigações.

Existe um contrato base ou contrato inicial (realizado originariamente entre cedente e cedido) e o contrato instrumento da cessão (entre cedente e cessionário), através do qual se dá a transmissão.

No caso, o contrato prometido no que respeita aos direitos e obrigações emergentes do contrato-promessa celebrado entre a Impugnante (Empreiteira) e a “.....-..... Lda.” (Subempreiteira), veio a ser concretizada com a intervenção dos cessionários imediatamente após a emissão dos documentos necessários à legal utilização da mesma [alíneas II) a MM) do probatório]. Ou seja, o pagamento foi realizado o que vale para dizer que também nesta parte o contrato de subempreitada foi efectiva e integralmente cumprido [cfr. alíneas I) e J) dos factos apurados].

Em conclusão, como anteriormente afirmámos, os factos apurados comprovam fortemente, quer quanto à realização dos trabalhos constantes da factura, quer quanto à sua concreta realização pela emitente das facturas, quer, por fim, quanto ao pagamento desses trabalhos, que os trabalhos titulados - de forma irrepreensível do ponto de vista formal - nas facturas n.ºs ….., ….. e ….., foram efectivamente realizados pela “..... – ..... Lda.” (emitente) e pagos pela Impugnante, através do cumprimento das suas obrigações contratuais (de subempreitada e de venda da loja). Ou, se preferirmos, os factos provados permitem concluir com segurança que não estamos perante “operações simuladas”, como sustenta a Administração Tributária, e, consequentemente, que não está preenchido o pressuposto de direito que legitimou a sua actuação: não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura (artigo 19.º, n.º 3, do CIVA).

E, sendo assim, não pode, como não foi, ser reconhecida razão à Recorrente na sua pretensão de ver desconsideradas as facturas em questão, antes devendo ser reconhecida razão à Recorrida no sentido de que aos valores nelas inscritos, porque efectivos custos, seja dado o relevo fiscal que pretende, nos termos do artigo 23.º al. a), do CIRC, e, em conformidade, validada a dedução de IVA que das referidas facturas decorreu.

Improcede, pois, in totum, o recurso jurisdicional interposto.

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, negando provimento ao recurso jurisdicional, em confirmar, com os fundamentos expostos no ponto IV. do presente acórdão, a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 7 de Junho de 2018

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[Anabela Russo]

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[Joaquim Condesso) ( Com voto de vencido)

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[Vital Lopes]




VOTO DE VENCIDO

Votei vencido o presente acórdão pelas razões que exponho infra.
O que está em causa no presente processo consiste em saber se as facturas (cfr.alíneas L), N) e P) do probatório) desconsideradas pela A. Fiscal, em sede de I.V.A., relativamente ao ano fiscal de 2004 e com base no art°.19, n°.3, do C.I.V.A., correcções aritméticas de onde derivou a liquidação impugnada, correspondiam a prestações de serviço reais por parte da sociedade emitente "….., L.da.".
Conforme se refere na posição que fez vencimento, logrou a A. Fiscal fazer prova de indícios suficientes (tanto externos, obtidos junto do emitente das facturas, como internos, colhidos junto do contribuinte) para desconsiderar as ditas facturas. Já não concordamos com a posição que fez vencimento quanto à produção de prova de que as operações tituladas pelas ditas facturas correspondem à realidade.
Recorde-se que nos termos do art°.19, n°.3, do C.I.V.A., não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente. Se a operação ou o preço são simulados não é admitido o direito à dedução do I.V.A. respectivo a fim de se não obter a dedução de um imposto que não foi suportado pelo sujeito passivo. Mais se dirá que o utilizador da factura falsa que pagou o I.V.A. ao respectivo emitente não tem direito a deduzi-lo nos termos do preceito em exame, devendo interpretar-se a expressão "operação simulada" como querendo referir-se a qualquer operação total ou parcialmente inexistente (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4a. edição, Janeiro de 1997, pág.501; Nuno Sá Gomes, Relevância jurídica, penal e fiscal das facturas falsas e respectivos fluxos financeiros e da sua destruição pelos contribuintes, C.T.F. n°.377,pág.7a22).
A razão de ser da norma (cfr.art°.19, n°.3, do C.I.V.A.) assenta no facto do I.V.A. incidir sobre operações económicas reais, e não sobre operações fictícias ou inexistentes, sem prejuízo de ser, em qualquer caso, devido o valor do imposto indevidamente mencionado na factura, conforme resulta do art°.2, n°.1, aí.c), do C.I.V.A. Acresce que nestas situações é frequente que não ocorra o pagamento do I.V.A. liquidado, pelo que permitir a dedução representaria um efectivo duplo prejuízo na perspectiva do Estado (cfr.Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RUI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.241).
A utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação real subjacente, mesmo sem existir nenhuma outra circunstância tipificada na lei, chega para que se encontre preenchido o tipo de crime de fraude qualificada, o que revela a intenção do legislador no sancionamento acrescido desta conduta (cfr.art°.104, n°.2, do R.G.I.T.).
Nas situações em que a Fazenda Pública desconsidera as facturas/documentos equivalentes que reputa de falsos, em virtude de documentarem operações simuladas, aplicam-se as regras do ónus da prova (cfr.art°.74, da L.G.T.) incumbindo à A. Fiscal a produção da prova de que estão verificados os indícios sérios/fundados de que as operações em causa não correspondem à realidade. Efectuada esta prova, passa então a incidir sobre o sujeito passivo do imposto o ónus probatório da veracidade da transacção. Por outras palavras, não tem a Fazenda Pública que provar a falsidade dos documentos contabilísticos em causa (e muito menos os pressupostos da simulação previstos no art°.240, do C.Civil), bastando-lhe alegar factos que traduzam uma probabilidade elevada de as operações referidas nos mesmos não serem verdadeiras, abalando-se, desta forma, a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados que constam na sua contabilidade. O contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art°.19, do C.I.V.A. (cfr.art°.75, n°.1, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2a. Secção, 4/02/2016, proc.9125/15; Joaquim Manuel Charneca Condesso, Operações simuladas em sede de I.V.A. e de l. R. C. Perspectiva da jurisprudência tributária, Revista Cadernos de Justiça Tributária, edição do CEJUR-Centro de Estudos Jurídicos do Minho, n°.12, Abril/Junho 2016, pág.21 e seg.}.
Revertendo ao caso dos autos, do probatório se retira que existe uma discrepância entre o valor titulado pelas facturas desconsideradas pela A. Fiscal (€ 1,084.832,00) e o valor do contrato promessa (€ 1.300,000,00) que, alegadamente, serviu para efectuar o pagamento dos mesmos documentos contabilísticos.
Por outro lado, o gerente da empresa emitente das facturas reconheceu que não recebeu o montante facturado.
Ainda, a citada empresa "….., L.da.", conforme se retira do relatório de inspecção não liquidou o I.V.A. referente às facturas emitidas.
Por último, do probatório não se infere o pagamento das mesmas facturas por parte da sociedade impugnante e ora recorrida (através do dito contrato-promessa), sendo que, do circuito contabilístico apresentado pela empresa a tal conclusão se chega, igualmente.
Não descuramos que as obras de construção civil dos edifícios …..-….. se verificaram. O que não ficou provado foi o nexo, indispensável para legitimar a dedução de I.V.A, em causa, entre tais facturas e as mesmas obras.
Com estes pressupostos, pugnava pelo provimento do recurso e consequente revogação da decisão recorrida, mais se devendo julgar improcedente a presente impugnação.
(Joaquim Manuel Charneca Condesso)