Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11865/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/26/2015
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:ACESSO AO ENSINO SUPERIOR; PROVIDÊNCIA CAUTELAR; CRITÉRIO DA EVIDÊNCIA; PERICULUM IN MORA; ÓNUS DA PROVA
Sumário:i) O critério de evidência, vertido no artigo 120.º, n.º 1, al. a) do CPTA, exige que perante a factualidade apurada, seja inquestionável o direito aplicável àqueles factos. A evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, ostensiva, sem necessidade de demonstração por raciocínio complexo.

ii) O princípio do aproveitamento do acto tem aplicação quando seja legítimo concluir que, embora se admita que o acto padece de algum vício, outra decisão não poderia ser tomada pela Administração.

iii) Mostrando-se operativo o princípio do aproveitamento do acto, embora seja incontroverso que o acto suspendendo foi proferido antes do trânsito em julgado da decisão ao abrigo do qual é praticado, não pode concluir-se pela evidência da procedência da pretensão de fundo.

iv) Como parâmetro decisório do primeiro segmento do critério previsto na al. b), do nº 1, do art. 120º, do CPTA, respeitante ao periculum in mora, importa aferir da existência de um perigo de inutilidade da decisão a proferir no processo principal, ainda que meramente parcial, pela constituição de uma situação de facto consumado ou pelo receio de se produzirem prejuízos de difícil reparação.

v)É ao Requerente da providência que compete demonstrar – ónus de alegação e de prova que lhe está cometido de acordo com as regras gerais do ónus da prova –, o (eventual) prejuízo derivado da execução do acto suspendendo.

vi) Não existe a constituição de uma situação de facto consumado para o percurso académico do requerente, quando este poderá ver certificadas as unidades curriculares em que obteve aprovação e a sua creditação
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Ministério da Educação e Ciência (Recorrente) interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que deferiu a providência cautelar que contra o mesmo havia sido interposta por André ……………. (Recorrido), onde requeria a suspensão de eficácia do despacho de 10.04.2014, do Director-Geral do Ensino Superior que – em execução do Acórdão do TCAS, proferido no processo nº 9271/12, na sequência de acórdão do Tribunal Constitucional – determina a sua não colocação no par instituição/curso 0705 Universidade de Lisboa - Faculdade de Medicina/9813 Medicina.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da Douta sentença proferida a fls. (...) pelo Tribunal a quo e na qual foi decretada a providência cautelar de suspensão de eficácia do ato, ao abrigo do disposto da alínea a) do n°1 do artigo 120° do CPTA.

II. A providência cautelar em apreço tinha em vista a suspensão da eficácia do ato administrativo praticado pelo Senhor Diretor-Geral do Ensino Superior que determinou a não colocação do ora Recorrido no ensino superior no que tange ao concurso de acesso e ingresso no ensino superior.

III. O referido ato, praticado na sequência da decisão proferida pelo TCAS, a 19 de dezembro de 2013 no âmbito do Recurso 09271/12, que julgou improcedente a ação de intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, interposta pelo ora Recorrido e, concedendo provimento às alegações do Ministério da Educação e Ciência, Recorrente, absolveu-o do pedido, visou, unicamente, repor a legalidade no que se reporta à situação jurídica do Recorrido relativamente ao seu acesso ao ensino superior no concurso de 2012.

IV. Isto porque, o Recorrido, em virtude da sentença proferida em primeira instância na referida ação de intimação, acedeu - provisoriamente, atento o não trânsito em julgado dessa sentença e o efeito devolutivo atribuído ao recurso da mesma interposto - ao ensino superior, mais concretamente, ao par instituição/curso 0705/ Universidade de Lisboa - Faculdade de Medicina /9813 Medicina.

V. A 13 de novembro do corrente, o Tribunal a quo decretou procedente a presente providência cautelar, ao abrigo do disposto na alínea a) do n°1 do artigo 120° do CPTA, considerando «a decisão suspendenda manifestamente ilegal por ter sido proferida antes de 10.07.2014.

VI. O fundamento da decisão a quo centra-se no facto de o Recorrente ter prolatado o ato suspendendo, "executando" o decidido pelo Acórdão do TCAS, quando este aresto ainda não tinha transitado em julgado, designadamente, por ainda se encontrar pendente uma reclamação apresentada pelo ora Recorrido.

VII. Contudo, no momento da prolação da sentença que decretou a presente providência cautelar já o Acórdão do STA, que indeferiu o recurso de revista, havia transitado em julgado - 10 de julho de 2014.

VIII. Daqui decorre, o trânsito em julgado do Acórdão proferido pelo TCAS nos termos em que este havia sido proferido, ficando firmada na ordem jurídica a questão em dissídio, ou seja, a matéria submetida ao pleito consolidou-se, regendo o comando absolutório contido neste último Acórdão nos exatos e precisos termos em que foi proferido e em que o ato suspendendo se fundamentou.

IX. E nesta medida, concluir-se-ia que caso viesse a ser praticado um novo ato após os respetivos trânsitos, ou seja, um ato expurgado do vício alegado, tal ato conteria o mesmo conteúdo que o anteriormente proferido e nesta sede impugnado, pois não ocorreu qualquer circunstância modificativa, seja de facto ou de direito, que motivasse um ato de distinto teor.

X. Pelo que, com base no instituto jurídico do aproveitamento dos atos administrativos, evidente seria, isso sim, a improcedência da pretensão a formular no processo principal exigida pela alínea a) do n°1 do artigo 120° do CPTA, normativo legal ao abrigo do qual foi decretada a presente providência.

XI. Razão pela qual e com o devido respeito, se dirá que com os elementos constantes dos autos, facilmente se depreenderia que a prática de um novo ato sempre teria o mesmo segmento decisório que o ato posto em crise, o que se demonstra completamente inútil e nada de inovatório comportaria para a situação do Recorrido que o "Ministério praticasse um novo acto mas com efeitos a partir da data do trânsito em julgado do Acórdão do STA de 24.06.2014.

XII. Em causa nesta precisa questão, estava, efetivamente, um pressuposto formal do ato, na medida em que a verificação do trânsito em julgado era um requisito da sua validade e/ou eficácia.

XIII. O Tribunal a quo, considerando que o ato foi praticado antes de se encontrarem reunidos os pressupostos em que o mesmo assentou [não se ter verificado o trânsito em julgado da decisão que o mesmo pretendeu executar], devia ter, salvo melhor entendimento, procurado aferir de que forma a alteração deste facto, concatenado com o facto de não ter havido qualquer alteração no seu conteúdo absolutório, consubstanciaria, efetivamente um vício invalidante do ato.

XIV. O que levaria à conclusão, necessariamente, de que o vício em causa não seria invalidante do ato, uma vez que, a ser praticado um novo ato expurgado do alegado vício, isto é, revogando-se o ato suspendendo e praticando-se outro (como, aliás, sugerido pelo Tribunal a quo), mas agora após o trânsito em julgado do Acórdão, este sempre teria o mesmo conteúdo e efeitos do ato suspendo.

XV. Ou seja, mesmo que a Administração viesse a praticar novo ato acompanhado de idêntica regulação da situação mas com efeitos a partir da data do trânsito em julgado do Acórdão do STA, tal ato comportaria, igualmente, a anulação da colocação do Requerente no par instituição/curso 0705 Universidade de Lisboa - Faculdade de Medicina /9813 Medicina, ou seja, da prática de novo ato jamais adviria qualquer benefício para o Requerente, pois atento o princípio da legalidade e da vinculação das decisões judiciais, a situação jurídica deste não se alteraria.

XVI. Para além de que em causa não está um ato administrativo strictu sensu, mas tão só uma decisão judicial que, nos termos do n°1 do artigo 158° do CPTA, é obrigatória para a entidade administrativa.

XVII. Assim, sendo possível ao juiz considerar sanados determinados vícios, designadamente, os de ordem formal, em cumprimento dos princípios da racionalidade, eficiência e desburocratização e por razões de economia processual, deveria, in casu, ter merecido acolhimento o princípio do aproveitamento dos atos administrativos.

XVIII. E, nestes moldes, o Tribunal a quo, convocando o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, teria julgado tal vício sanado e, nessa medida decairia o decretamento da providência cautelar com base no requisito exigido pela alínea a) do n°1 do artigo 120° do CPTA.

XIX. Nas palavras de M. Aroso de Almeida e C. A. Fernandes Cadilha, "é caso a caso que, quando se afigure evidente a existência de um vício de forma ou de procedimento, ao juiz se impõe verificar se os elementos disponíveis permitem afirmar a existência de uma situação em que deve haver lugar ao aproveitamento do acto (...)."

XX. Pelo exposto, a decisão recorrida valorou erradamente os factos que lhe estão subjacentes e, nessa medida, errou na determinação das normas jurídicas aplicáveis, melhor dizendo, infringiu a alínea a) do n°1 do artigo 120°do CPTA.

XXI. Para além da completa desvalorização do princípio do aproveitamento dos atos administrativos, que se baseia na ideia de que "a anulação de um ato viciado não será pronunciada quando seja seguro que o novo ato a emitir, isento desse vício, não poderá deixar de ter o mesmo conteúdo decisório que tinha o ato impugnado" (STA, in Processos n.°22 906, de 12.07.90 e n.°27 930, de 20.03.97).

XXII. Acresce que mesmo em relação à alínea b) do n°1 do artigo 120° do CPTA, concluir-se-á que, por força do aludido princípio deveria o referido vício considerar-se sanado, o que, nessa medida e ao que ora interessa, sempre conduziria ao não preenchimento dos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar ao abrigo da citada alínea, pois nem o periculum in mora, nem o fumus boni iuris estão verificados.

XXIII. Quanto ao periculum in mora, reitere-se que os presentes autos têm subjacente o interesse do Recorrido na manutenção de uma situação de natureza provisória, sendo que os prejuízos alegados não foram causados pelo ato impugnado, mas antes pelo Recorrido que por força da intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias intentada, vê a sua esfera jurídica afetada pelas sucessivas decisões judiciais, o que deixa, desde já antever que a própria ponderação de interesse a efetuar fica prejudicada no que respeita ao Recorrido.

XXIV. O que nos levará, igualmente a concluir que é patente a falta de fundamentação da pretensão do Recorrido a aduzir ou já aduzida no processo principal, porquanto o ato impugnado não padece de quaisquer dos vícios que este lhe pretende assacar, tratando-se apenas de um ato meramente declarativo que assume uma posição secundária na presente lide, porquanto, a situação jurídica do Recorrido ficou definida diretamente pelo Acórdão do Venerando TCAS, proferido no processo n.°09271/12, já transitado em julgado à data da prolação da sentença a quo e que julgou improcedente a ação de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias em conformidade com o juízo de não inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n°355/2013 e, mais recentemente, no Acórdão n°773/2014.

XXV. Pelo exposto, a decisão recorrida, caso decretasse a providência cautelar ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 120° do CPTA procederia a uma errada valoração e/ou ponderação dos factos que lhe estariam subjacentes e, nessa medida, erraria na determinação das normas jurídicas aplicáveis, melhor dizendo, violaria a alínea b) do n°1 e o nº2, ambos do artigo 120° do CPTA.

XXVI. Ademais, em qualquer dos casos, é nosso entendimento, que a sentença a quo, nos moldes em que foi proferida (o que sucederia de igual forma, caso lançasse mão da referida alínea b), periga a autoridade de caso julgado uma vez que admite a discussão da mesma matéria e questões com base na formulação de novos pedidos assente noutros fundamentos, eternizando o debate jurídico da respetiva contenda, o que não tem acolhimento no sistema jurídico-constitucional português.

XXVII. Tendo seguido a linha de raciocínio do ora Recorrido, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento e, nessa medida, deve ser revogada a Douta sentença de que ora se recorre e proferida, em sua substituição, decisão que determine a improcedência da providência cautelar, com as demais consequências legais.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, com as demais legais consequências, assim se fazendo a costumada Justiça!».



O Recorrido apresentou contra-alegações, contra-alegou, produzindo as seguintes alegações:

I. Existe total e completa razão na decisão proferida pelo tribunal a quo, na medida em que se encontram integralmente preenchidos os requisitos exigidos na alínea a) do n.º 1 e do art.°120° do CPTA.

II. Para que este requisito se demonstre verificado, é necessário que dessa análise realizada pelo Tribunal, que deve ser uma análise sintética, e não profunda pois que essa deve ser realizada em sede de acção principal, este chegue à conclusão de que seja evidente, que a pretensão do requerente em sede cautelar seja, em sede de processo principal, julgada procedente.

III. No caso em concreto, consideramos que andou bem o Tribunal a quo ao considerar preenchido o requisito da alínea a) do n°1 do art.°120° do CPTA, pois que, nos parece evidente que o acto praticado pelo recorrente, no momento em que o faz, é um acto, por completo ilegal e, como afirma o Tribunal a quo, deve ser retirado do ordenamento jurídico.

IV. As razões aduzidas pelo recorrente e não acolhidas pelo tribunal a quo, vão no sentido da ilegalidade cometida pela administração, ao emitir um acto viciado com as ilegalidades/inconstitucionalidades supra referidas.

V. Estas, levaram com que o Tribunal a quo, constatasse, de forma muito concreta e clara, face à existência de tais ilegalidades/inconstitucionalidades, a existência de fundamento da pretensão a formular na acção principal e que nos conduzirá aos vícios invocados e, desta forma, indeferir o recurso interposto pelo recorrente da decisão de deferimento da providência cautelar intentada pela aqui recorrida.

VI. Desta forma, andou bem o Tribunal a quo ao julgar " julgo a presente providência cautelar de suspensão de eficácia do acto, procedente e, consequentemente, suspendo a eficácia do acto "que "executa" o acórdão do TC AS - Recurso nº0971/12 e, que considera sem efeito a colocação do ora Recorrido no par instituição/curso 0705 Universidade de Lisboa - Faculdade de Medicina, 9813 Medicina, com a imposição de notificação pelo requerido à respectiva Universidade/Faculdade quanto à suspensão que esta providência implica.".

VII. Ainda que assim não se considere, o que nos parece difícil, visto que, é clara e evidente a procedência do pedido formulado em sede de acção principal, não temos duvidas que os requisitos da alínea b) do n.°l e do n.°2 do art.°120° do CPTA se encontram preenchidos.

VIII. No caso em apreço, desde logo, não se mostra evidenciada qualquer circunstancia que obste ao conhecimento de mérito da pretensão formulada na acção principal, nomeadamente quanto, à caducidade do direito de acção, relativamente à impugnação do acto suspendendo e à legitimidade do Requerente.

IX. Por outro lado, não é igualmente manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nessa acção, atenta a argumentação aduzida pelo requerente, nomeadamente, a sua prática antes do transito em julgado da decisão da qual decorreria a necessidade da sua prolação; de que o acto suspendendo não reconstitui a situação que existiria se o acto praticado pelo Recorrente, na sequência da procedência daquela acção de intimação, sendo que se tal se confirmar, o acto padecerá do vicio de violação de lei por erro nos pressupostos, o que determinará a sua anulação.

X. E se é verdade que o acto suspendendo não pretende executar a sentença de anulação de um acto administrativo, também é verdade que o Recorrente reconhece que com aquela decisão pretendeu repor a legalidade, alegando pretender colocar o Recorrido na situação que entende que este se encontraria se o acto resultante daquela sentença não tivesse sido praticado.

XI. Concluindo, não temos dúvidas do preenchimento do requisito ao fumus boni iuris, aqui, na sua vertente negativa.

XII. Relativamente ao periculum in mora e conforme a posição da jurisprudência defendida nestes tribunais administrativos "o requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão do objecto de litígio, seja porque a evolução das circunstancias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis, não é todavia um qualquer perigo que justifica ou pode fundar a decretação de uma providencia cautelar porquanto se terá de exigir um perigo qualificado de dano, isto é, um perigo de dano que derive ou decorra da demora processual'." Ora,

XIII. Não temos qualquer tipo de duvida em afirmar que no caso em concreto e dada a situação em que o recorrido é colocado em função da produção, por parte do recorrente, do acto ora posto em crise, que,

XIV. quer à luz do probatório, quer mesmo à luz da experiência comum, considerando que o acto suspendendo se consubstancia na não colocação do Recorrido, e necessariamente a sua "expulsão" do curso universitário onde se encontra, retira-se, sem necessidade de maiores indagações, pela existência do periculum in mora, na modalidade de facto consumado, e assim pelo preenchimento deste requisito, pois que,

XV. a ser executada a decisão administrativa em crise, padecerá o Recorrido de prejuízos dificilmente reparáveis, mercê do não decretamento da providencia cautelar de suspensão de eficácia da decisão requerida.

XVI. Por fim, relativamente ao último requisito de decretamento das providências cautelares a ponderação de interesses prevista no n°2 do art°120° do CPTA que prevê que "nas situações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior, a adopção de providências ou das providências será recusada, quando devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências."

XVII. Não temos duvidas que, nesta ponderação de interesses públicos e privados, o segundo sai muitíssimo mais prejudicado, até de forma irreversível, relativamente ao primeiro, atento o facto de que a expulsão neste momento do recorrido da faculdade que frequenta causará a perda de todo o trabalho académico realizado até ao momento, enquanto,

XVIII. O decretamento da presente providência cautelar não causará qualquer tipo de dano ao interesse público, aqui devidamente ponderado.

XIX. Ademais, estamos perante uma situação em que a Administração actua, de forma perplexa aos olhos do recorrido, em completa violação do principio da legalidade que deve reger a actuação administrativa, e que, impõe a esta, "o dever de obediência à Lei e ao Direito, devendo para o efeito, a Administração respeitar as normas constitucionais e legais (...) e os direitos e as expectivas legitimas dos cidadãos."

XX. Desta forma temos que a Administração - nas diferentes vestes que hoje em dia se multiplicam - está injungida a actuar no completo respeito pelo princípio da legalidade, consagrado no art°266°, n°2, da C.R.P. e concretizado no art°3°, n°l, do Código do Procedimento Administrativo.

XXI. Este último, concretizando a disposição constitucional do n°2 do artº266° da CRP, estabelece que "Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos."

XXII. Neste n° l do art°3º do CPTA, o principio da legalidade, deixa as suas origens de uma formulação meramente negativa - como no estado liberal, em que este, apenas impunha os limites à actuação da Administração Pública - para passar para uma formulação positiva, onde, serve de "fundamento, critério e limite de toda a actuação administrativa (cfr. FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3ª edição, página 40. Em sentido semelhante, pode ver-se o primeiro Autor em Curso de Direito Administrativo, volume II, página 42).

XXIII. A lei, neste sentido, "transforma-se", passando de um "mero limite" à actuação da administração para um "guia de actuação" que esta terá de respeitar na sua relação com os cidadãos, ou seja, "não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça. (cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, páginas 42-43)."

XXIV. A esta luz, torna-se claro, que, na situação em concreto, a DGES, ao praticar um acto, desprovido de habilitação legal, viola o disposto no art.°266°, n°2, da C.R.P. e concretizado no art°3°, n°l, do CPA. Em segundo lugar,

XXV. O acto praticado pela Administração, nos precisos termos em que o foi, viola o princípio geral de direito, previsto no art°12° do Código Civil, o chamado o princípio tempus regit actum que "constitui a regra geral de aplicação das leis no tempo e significa que as normas jurídicas têm efeito apenas para o futuro.", sendo que,

XXVI. Relativamente ao direito administrativo, tem, a jurisprudência considerado que, "Com referência ao direito administrativo, ao princípio tempus regit actum é geralmente imputado o sentido de que os actos administrativos se regem pelas normas em vigor no momento em que são praticados, independentemente da natureza das situações a que se reportam e das circunstâncias que precederam a respectiva adopção.

XXVII. Como ficou consignado no Parecer n°43/47 do Conselho Consultivo da PGR [Procuradoria-Geral da Republica] o momento da perfeição do acto fornece, pois, o critério temporal para a determinação da lei aplicável: aplicar-se-á a velha ou nova lei, conforme aquele momento for anterior ou posterior ao começo de vigência desta. Em sentido semelhante,

XXVIII. "tem afirmado a jurisprudência deste Supremo Tribunal, a legalidade do acto administrativo afere-se pela realidade fáctica existente no momento da sua prática e pelo quadro normativo então em vigor, segundo a aludida regra, tempus regit actum. Neste sentido decidiram, pelo menos, os acórdãos da 1ª Secção, de 24.2.99-Rº43459, de 14.3.02-Rº47804, de 7.10.03-Rº790/03, de 5.2.04-Rº 1918/02, de 22.6.04-Rº 1577/04, e deste Pleno, de 24.10.00-Rº 37621, de 6.2.02-Rº35272, e de 5-05-2005-Rº 614/02."

XXIX. Em sentido semelhante, vem, M. E. de Oliveira, in Direito Administrativo, I vol., 169. «O princípio tempus regit actum constitui a regra geral de aplicação das leis no tempo e significa que as normas jurídicas têm efeito apenas para o futuro. Trata-se de um princípio geral de Direito, recebido no artigo 12° do Código Civil, mas enquanto princípio geral vale no Direito público e no privado" (cf. Parecer da PGR n° 135/2001, de 2.5.2002, na linha de orientação de Mário Aroso de Almeida, in Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes, pags. 706 e segs.)."

XXX. Trata-se de um princípio geral de direito, recebido no artigo 12° do Código Civil, mas que, enquanto princípio geral, vale no direito público e no privado." "O momento da perfeição do acto fornece o critério temporal para a determinação da lei aplicável: aplicar-se-á a velha ou nova lei, conforme aquele momento for anterior ou posterior ao começo de vigência desta."

XXXI. "Como se afirma no parecer deste Conselho n.°77/2005, «como emanação do princípio da legalidade a que toda a actividade administrativa está sujeita, os actos administrativos devem reger-se pelas normas que estiverem em vigor à data da sua prática ("tempus regit actum")".

XXXII. "Este princípio significa, pois, que, em regra, a legalidade do acto administrativo deve ser aferida pela situação de facto e de direito existente à data da sua prolação, considerando-se relevante, para o efeito, não o momento da formulação do pedido, mas o momento em que o acto é praticado." Quer isto dizer que, tal como se defende em sede de requerimento cautelar, a Recorrente, ao praticar o acto administrativo, aqui objecto, fá-lo, sem ter ocorrido o devido e necessário transito em julgado da sentença que esta, pretendia executar, pois que, de acordo com o disposto no Código de Processo Civil,

XXXIII. aqui aplicado supletivamente, mais concretamente, da conjugação disposições do art°628° "A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação" e do art.°704.° "A sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo", ainda, não tinha transitado em julgado, logo, não estamos perante um título executivo passível de ser executado.

XXXIV. Desta forma, e ainda que, o único objectivo da administração fosse a "reposição da legalidade", esta actua, formulando um juízo de antecipação - em alguns meses - da decisão definitiva e passível de ser executada, pois que,

XXXV. Da decisão do Supremo Tribunal Administrativo, não existia, no caso em concreto, mais possibilidade de recurso.

XXXVI. A Administração no caso em concreto, não respeitou o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva de que o recorrido lançou mão, tempestiva e legalmente - pois que, não concordou com aquela decisão e,- na verdade, desrespeitou o poder judicial, ao achar se no direito de executar uma decisão judicial que ainda não tinha transitado em julgado e que estava, naquele momento, a ser apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Ademais,

XXXVII. Sempre se poderá afirmar que, não pode o recorrente se esquecer que a prossecução do interesse público - como este alega para justificar a sua actuação ilegal -terá de ser realizada sempre, obrigatória e necessariamente respeitando os direitos e os interesses legalmente protegidos dos cidadãos, ou seja, "num estado de direito esta duas realidades encontram-se indissociavelmente ligadas, não sendo possível, sob pena de ilegalidade, a realização do interesse público sem a devida consideração dos direitos e interesses legítimos dos particulares" tal qual se retira do art°4° do CPA, que, concretiza o n°l do art°266° da CRP.

XXXVIII. Entende-se portanto que, a Administração com este comportamento, fere os princípios administrativos norteadores da sua actuação e, que, por essa mesma razão deve ser indeferida a pretensão do recorrente.

XXXIX. Destarte, em termos perfeitamente idênticos deverá ser emprestado, no mínimo, um tratamento algo semelhante ao previsto no art°173° e que se alegou logo no requerimento inicial, embora se entenda não pela aplicação directa mas, outrossim, pela aplicação análoga.

XL. Este é um acto administrativo, que existe enquanto acto administrativo mas este, não visa repor a legalidade, outrossim, violar a legalidade e o direito, como obviamente se irá concluir na acção principal, designadamente por não ser este o propósito e/ou a determinação do acórdão do TCAS que se limita, e muito bem, a concluir como o TC conclui, sendo que quanto a este já, sobejamente provado se verificou que houve o cuidado de prever a não aplicação a situações já consolidadas, como é o caso do recorrido que,

XLI. se colhesse o entendimento do recorrente, existiriam de facto, efeitos retroactivos do diploma, daí que o TC haja entendido que para os alunos matriculados (não para os já detentores da habilitação) no ensino recorrente não fosse de considerar o efeito retroactivo, nem mesmo retrospectivo, das alterações efectuadas pelo recorrente ao sistema do ensino recorrente.

XLII. Andou pois, bem, o tribunal a quo, ao considerar preenchidos os requisitos da providência cautelar, atendendo aos factos apresentados e ainda ao conjunto de vícios que o acto em si encerra. E,

XLIII. Não se duvide que dos factos apresentados pelo recorrido se retira que o acto praticado pelo recorrente padeça de qualquer vício pois que deles esta carreado, como se deixou expresso supra designadamente, estará mesmo ferido de inconstitucionalidades materiais diversas.

XLIV. Não tem razão o recorrente mas, andou bem o Tribunal a quo, pois que, está bem presente que a situação do recorrido é diferente da que se encontra tirada no acórdão do TC, atento o facto do recorrido não estar dentro dos pressupostos daquela decisão.

XLV. Perante tal decidiu bem o Tribunal a quo, designadamente por ser visível que a situação é diferente e não se enquadra no acórdão do TC - insiste-se o recorrido não é aluno matriculado no ensino recorrente em 2011/2012, - pois que, nessa altura já era aluno do ensino superior que atingiu precisamente com a habilitação do ensino secundário recorrente devidamente homologada pelo recorrente, sendo que este não o notificou nunca de lhe ter retirado tal habilitação, nem o acórdão do TC o faz.

XLVI. Apenas em tom conclusivo já que tal se encontra alegado na presente peça e em diversos parágrafos do RI e já consta da acção principal, e o recorrente "faz de conta" que não entende. Na decisão que se encontra transcrita supra, o Tribunal Constitucional apenas se pronuncia em relação a "... todos os alunos matriculados no ensino recorrente". Ora,

XLVII. Com o devido respeito o recorrido, não faz parte daquele número de alunos, nem podemos admitir que TC pretendeu abranger, todos os alunos matriculados no ano lectivo de 2011/2012 e os que já haviam concluído em anos anteriores aquela habilitação académica. Ora,

XLVIII. Se esta interpretação não consubstancia uma retroactividade da aplicação das alterações introduzidas pelo DL 42/2012, haverá de se reconhecer alterado o respectivo conceito. Daí que haja de se concluir que o Tribunal a quo acolheu, de forma correcta o argumento e a interpretação do TC relativamente a esta matéria, sendo que,

XLIX. fazendo como quer o recorrente, faria uma errónea aplicação do acórdão do TC, aplicando retroactivamente a lei, em clara violação do principio constitucional da segurança jurídica e da protecção da confiança ínsito no principio do Estado de Direito Democrático consagrado no art°2° da CRP.

L. Em suma, haverá de concluir-se que o tribunal a quo, fez uma correcta apreciação da matéria de facto, bem como de direito, tendo correctamente concluído pelo preenchimento dos requisitos da alínea a) do n° l do art°120° do CPTA.

LI. Desta forma, deve ser julgado improcedente, o recurso interposto pelo recorrente, pois que, de toda a matéria de facto e de direito presente no requerimento cautelar e, nesta sede reafirmada, se deve concluir pelo preenchimento de todos os requisitos da providência cautelar que, para defesa dos direitos legal e constitucionalmente protegidos da recorrida, se deve manter em vigor, com todos os seus efeitos suspensivos, sob pena de inutilidade da acção principal.

Termos em que, sempre com o douto suprimento de V. Ex.a, deve o recurso interposto pelo recorrente ser julgado improcedente pelas razões supra aduzidas e, em consequência, manter-se o acórdão recorrido, com o que se fará a costumada JUSTIÇA!



Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do disposto nos art.s 146.º, n.º 1, e 147.º do CPTA, não emitiu parecer.


Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo errou ao concluir que a decisão suspendenda era manifestamente ilegal, com o que deferiu a providência cautelar requerida ao abrigo da al. a) do n.º 2 do art. 120.º do CPTA.


II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:

1 - O A. foi notificado, no dia 16 de Abril de 2014, pela Direcção Geral do Ensino Superior (doravante DGES), através do ofício com a referência 0781, datado de 14/04/2014, de que em execução do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul nº………/12, deixa de estar colocado no par instituição/curso 0705 Universidade de Lisboa - Faculdade de Medicina/9813 Medicina, com efeitos imediatos, passando à situação de não colocado, cfr. doc. 1 junto ao r.i. cujo conteúdo integral se edita:

Execução do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul- Processo nº9271/12 Concurso nacional de acesso ao ensino superior 2012.

Em cumprimento da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul - no acórdão relativo ao Processo nº 09271/12 e nos termos do meu despacho de 10 de Abril de 2014, informa-se V.Exª que foi rectificada a sua situação no final do concurso nacional de acesso ao ensino superior de 2012, passando à situação de não colocado.

Esta decisão resulta do recálculo das notas de candidatura para cada uma das suas opções de preferência, conforme demonstração em anexo, que passam a ser inferiores à nota de candidatura do último colocado. Para este recálculo foi considerada a classificação final de ensino secundário rectificada de 190 para 174 pontos e comunicada a esta Direcção-Geral pelo estabelecimento de ensino secundário através do Júri Nacional de Exames em 14 de fevereiro de 2014.

Desta decisão será também notificada a instituição de ensino superior onde efectuou a respectiva matrícula e inscrição para efeitos de anulação das mesmas no par instituição/curso.

0705 Universidade de Lisboa - Faculdade de Medicina.
9813 Medicina

Esta alteração da sua situação não prejudica a certificação das unidades curriculares em que obteve aprovação nem a sua eventual creditação.

Com os melhores cumprimentos,

O Director-geral

Prof. Doutor ………..

2 - Na sequência de tal notificação, o A. dirigiu à entidade requerida o seguinte requerimento:

Exmº Senhor

Director Geral da DGES

AV. Duque D´Avila, 137

1069-016 LISBOA

André Resendes Sousa, aluno do curso Mestrado integrado em Medicina, na posse da notificação datada de 14 de Abril de 2014 e que a recebeu a 16 de Abril de 2014 pela qual lhe é transmitido o despacho de V.Exª de 10 de Abril de 2014, vem mui respeitosamente expor e requerer o seguinte:

1. O despacho de V. Exª supra melhor identificado é perfeitamente precipitado e carece de total fundamentação.

2. De facto, como bem sabe V. Exª, e tal como nos foi informado pelo n/advogado, o processo cujo acórdão V. Exª refere estar a executar, não transitou em julgado - cfr doc. anexo que se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

3. Destarte o despacho de V. Exª para além de ilegal está apor em causa a estabilidade psíquica, pessoal e social que o signatário tem de manter para vencer nos seus estudos, como o tem feito até à presente data.

4. Obviamente que tal acto terá que ter o correspondente tratamento no que tange à responsabilidade, designadamente pela instabilidade gerada no signatário quanto às provas a realizar nesta época.

5. Face ao que antecede desde já se impõe seja tal acto retirado do ordenamento jurídico para que não seja o signatário prejudicado com o erro ora detectado.

Termos em que, sempre com a expectativa do douto suprimento se requer a imediata revogação do despacho de V. Exª de 10 de Abril de 2014, evitando-se desta forma o recurso a via judicial que se imporá.


O Requerente,

(…).



Cf. doc. nº3 junto ao r.i.

3 - O ora A. foi co-autor no proc. n.°1726/12. 1BELSB (intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias) em que foi demandado o ora R.. tendo este sido intimado a "...no âmbito das suas competências legais, a desaplicar o regime legal decorrente do Decreto-Lei n°42/2012, de 22 de fevereiro, quer quanto a actos passados quer quanto ao futuro, no âmbito do ano lectivo de 2011/2012.'' cf. sentença aí proferida a fls 131 e segts dos autos;

4 - O Réu Ministério da Educação e Ciência deu cumprimento à mencionada decisão judicial, tendo através dos seus serviços com competência para o efeito, certificado a conclusão dos cursos de ensino secundário recorrente dos então Autores calculando as respetivas classificações finais nos termos a que foi intimado, isto é, desaplicando o disposto naquele diploma legal (acordo);

5 - Tal permitiu ao ora A. concorrer às diferentes fases do concurso nacional de acesso ao ensino superior de 2012 e foi admitida provisoriamente - idem - a candidatura do ora Autor a este concurso sem que, para efeitos da determinação da nota de conclusão do ensino secundário, este tivesse que realizar os exames nacionais, tendo o mesmo sido colocado no par instituição/ curso 0705 Universidade de Lisboa - Faculdade de Medicina/9813 Medicina, sendo-lhe considerada a classificação de 190 pontos obtida no ensino secundário recorrente (acordo);

6 - O R. interpôs recurso jurisdicional da referida decisão, tendo o TCAS confirmado a sentença proferida em 1ª instância, em acórdão proferido a 08 de novembro de 2012, tendo sido mantida a inscrição do ora Autor no ensino superior, isto é, a frequência no par instituição/curso 0705 Universidade de Lisboa - Faculdade de Medicina/9813 Medicina (acordo);

7 - Na sequência do recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional interposto pelo Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 70° n° 1al. a), 72° n°1 al. a) e n°3 e 75°-A n°1, todos da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional foi decidido "não julgar inconstitucional por violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, dedutível do artigo 2° da CRP, as normas dos artigos 11° n° 4 e 6, e 15° n° 5, do Decreto-Lei nº 74/2004, de 26 de março, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n° 42/2012, de 22 de fevereiro, na interpretação segundo a qual as alterações normativas consagradas se aplicam, sem previsão de regime transitório, a todos os alunos matriculados no ensino secundário recorrente.”, cf Acórdão n° 355/2013 do Tribunal Constitucional (Proc. n° 917/12, 1ª Secção, Relator Conselheiro José da Cunha Barbosa, disponível para consulta no link http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130355.html.

8 - Não se conformando com o decidido, interpuseram ainda os então Autores recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 79° D da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, invocando contradição entre o referido aresto e os Acórdãos n° 176/2012, 275/2012 e 277/2012, nos quais foi decidido "Julgar inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, dedutível do artigo 2° da Constituição, a norma do artigo 19° do DL n° 393-A/99, de 2 de outubro, na redação dada pelo artigo 46° n° l do DL nº272/2009, de l de outubro, quando interpretada no sentido de exigir a estudante atingido por este regime que obtenha classificações mínimas fixadas pelos estabelecimentos de ensino para as provas de ingresso e para nota de candidatura no âmbito do regime geral de acesso, quando parte dessas provas foi realizada antes da mencionada alteração legislativa", recurso que não foi admitido, por se ter entendido não se verificar uma divergência de julgados quanto à mesma norma;

9 - O TCAS em cumprimento do julgado referido supra em 7., proferiu novo Acórdão, a 19 de dezembro de 2013, no qual em consonância com o determinado pelo Tribunal Constitucional, decidiu que "(...) não se verifica uma aplicação retroactiva das referidas normas, nem ocorre a violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsito no princípio de Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2° da CRP.
E, sendo assim, merece provimento o recurso jurisdicional interposto pelo Ministério da Educação e Ciência.
Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e julgando improcedente a intimação. " , cf. fls 76 e segts dos autos;

10 - Deste acórdão veio a ser interposto recurso de revista para o STA - conforme invocado pelo Autor na alegação do não trânsito em julgado à data da prolação do Despacho suspendendo - no qual é alegado que "Foi entendimento do Tribunal a quo, decidir no sentido de dar provimento ao recurso apresentado pelo recorrido, fundamentando a sua decisão na decisão do Tribunal Constitucional de não verificação da inconstitucionalidade das normas do DL 42/2012. Ora, ao decidir dessa forma, incorreu o Tribunal a quo em erro, visto que, como já em sede de RI se demonstrou, não foram completamente analisadas todas as situações criadas pelo diploma vindo de referir."

11 - Este recurso de revista foi objeto de apreciação liminar de não admissão da revista, através de acórdão proferido a 29 de Abril de 2014, Recurso n.°408/14 referente ao processo 9271/12 TCA/Sul - TAC/Lisboa - Proc.1726/12.1BELSB, e onde conclui aquele colendo Tribunal que "a pronúncia do TC A (...) se afigura plausível. Depois, e principalmente, trata-se de que o fundo da questão foi resolvido pelo TC A, através do entendimento perfilhado reiteradamente neste Supremo Tribunal, como se pode ver, por exemplo, nos acórdãos de 30.05.2013, Processo n° 0237/13; de 20.06.2013, Processo n° 0418/13; de 10.07.2013, Processo n°0560/13; de 27.11.2013, Processo 1413/13; de 05.12.2013, Processo 1369/13; de 29.01.2014, Processo n°1370/13. Termos em que decide não admitir a revista, porquanto "Estando pois a questão essencial esclarecida através de jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal sempre indeferindo as diversas intimações, ela já não assume importância fundamental nem naturalmente é a revista claramente necessária p ara a melhor aplicação do direito.", cf. fls 158 e segts dos autos;

12 - Foi apresentada reclamação do referido acórdão, a qual foi indeferida por Acórdão do STA, de 24/06/2014, no qual se concluiu que a peça reclamatória «tem como intenção, única e exclusiva esclarecer as razões de facto e de direito que fundamentam a necessidade da decisão do TCA-SUL ser apreciada em sede de recurso de revista excepcional, tal como prevê o n° l do art° 150° do CPTA». E adianta «Trata-se de uma reiteração da tese apresentada nas alegações, com especial enfoque na discordância com o julgamento do acórdão recorrido. Ora, conforme o artigo 613° do CPC, o poder jurisdicional desta Formação ficou esgotado com a prolação do acórdão sobre reclamação; e só poderia haver alguma alteração se se preenchesse alguma previsão dos artigos indicados supra. Não se verificando tal situação, nada há a alterar.», cf. fls 162 e segts dos autos;

13 - O acórdão do STA transitou em 10.7.2014, cf certidão constante de fls 164 dos autos;

14 - O ora Autor candidatou-se ao concurso nacional de acesso e ingresso no ensino superior de 2012, nos termos determinados na sentença proferida em primeira instância, isto é, sem que, para efeitos de certificação da conclusão do ensino secundário recorrente o mesmo tivesse que realizar exames finais nacionais;

15 - Todavia, e por opção do Autor, o mesmo realizou os exames exigidos pelo n° 4 e 6 do artigo 11° do Decreto-Lei n° 74/2006, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n°42/2012.

16 - Em cumprimento da referida decisão proferida em 1ª instância, confirmada pelo TCAS em 8 de novembro de 2012, a candidatura do A. ao ensino superior de 2012 foi aceite, nesses termos, tendo sido colocado no par instituição/curso 0705 Universidade de Lisboa-Faculdade de Medicina/ 9813 Medicina, faculdade e curso que ainda frequenta, sendo-lhe considerada a classificação de 190 pontos obtida no ensino secundário recorrente, média essa que não teve em conta a classificação dos exames nacionais, dado aquela decisão judicial ter determinado a desaplicação do Decreto-Lei n°42/2012.

17 - Se tivesse sido tomada em conta a classificação dos exames nacionais, a classificação do A. teria sido de 174 pontos.

18 - Através do acto suspendendo, praticado em cumprimento do segundo acórdão proferido pelo TCAS a 19.12.2013, foi a candidatura do Autor ao referido concurso nacional de ingresso no ensino superior, revista em consonância com o determinado naquele, isto é, aplicando à mesma o disposto no Decreto-Lei n° 42/2012. cf. doc. 5 junto à oposição;

19 - A referida alteração da classificação do A. no concurso de ingresso ao ensino superior de 2012 para 174 pontos, não permite aceder a qualquer das opções indicadas na candidatura por si apresentada naquele ano, pois que do recalculo das notas de candidatura para cada uma das opções de preferência indicadas então pelo A., estas passaram a ser inferiores à nota de candidatura do último colocado em 2012. cfr. doc. l junto ao r.i. e págs 3 e 4 do doc. 3 do PA;

20 - O Réu logo que se apercebeu de que à data do despacho preterido não tinha de facto ocorrido o trânsito em julgado suspendeu a sua execução, pelo que o Autor continuou inscrito e a frequentar, até à presente data, o curso de Medicina no par instituição/curso 0705 Universidade de Lisboa -Faculdade de Medicina/9813 Medicina (cfr. PA);

21 - O A. não requereu a sua inscrição no ensino superior após o trânsito em julgado da decisão proferida no proc. 1726/12.1BELSB (o A. não ela este facto nem o mesmo resulta provado através do adquirido processual);

22 - O A., após o trânsito em julgado da decisão proferida no proc. 1726/12.1BELSB, não dirigiu ao R. qualquer requerimento relativo à pretensão que deduz relativa à reconstituição da sua situação hipotética, a qual explicita nos art.°s 49.° e segts do r.i. ( o A. não ela este facto nem o mesmo resulta provado através do adquirido processual);

23 - O A. foi notificado do despacho proferido a fls 49 dos autos, em que se pedia que esclarecesse se fundava a sua pretensão na execução do julgado, tendo respondido que "não irá executar coisa alguma, antes pretende manter o status quo ante (...)", cf art.° 5.° do requerimento de fls 56 e segts dos autos.



Não foram fixados factos não provados com interesse para a discussão da causa.

II.2. De direito

O Recorrente discorda da sentença proferida no TAC de Lisboa que decretou a providência cautelar requerida ao abrigo da al. a) do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA e cujo fundamento central foi o facto de o ora Recorrente ter proferido o acto suspendendo, executando o decidido pelo Acórdão do TCAS, quando este aresto ainda não tinha transitado em julgado, designadamente por ainda se encontrar pendente uma reclamação judicial apresentada pelo ora Recorrido.

Fundamenta o recurso, em primeiro lugar, no erro de julgamento relativo à aplicação da al. a) do referido art. 120.º do CPTA, sendo que, segundo alega, com base no instituto jurídico do aproveitamento dos actos administrativos, evidente seria, isso sim, a improcedência da pretensão a formular no processo principal (conclusões I. a XXI. do recurso) e, em segundo lugar, na ausência de preenchimento do periculum in mora e fumus bonis iuris (conclusões XXII. A XXVII.).

Por sua vez o Recorrido sustenta que andou bem o Tribunal a quo ao considerar preenchido o requisito da alínea a) do n° 1 do art. 120º do CPTA, pois que, era evidente que o acto suspendendo, no momento em que é praticado é por completo ilegal e, como afirma o Tribunal a quo, deve ser retirado do ordenamento jurídico. Mais alega que, mesmo que assim se não entendesse, os requisitos da alínea b) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 120.º do CPTA se encontram preenchidos.

Vejamos então.

Entende o Recorrente, como se acabou de dizer, que não existe no caso uma situação de evidência de procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, tendo a Mma. Juiz a quo errado ao decidir a providência com base nesse fundamento.

Na sentença recorrida, neste capítulo, escreveu-se o seguinte:

“(…)

Em primeiro lugar, importa afrontar a questão do não trânsito em julgado da decisão judicial executada através do acto suspendendo.

Como resulta do art.º 60.º da oposição, a entidade requerida reconhece que o despacho suspendendo, praticado em 10.4.2014, em execução de julgado só transitado em 10.7.2014, foi intempestivo. Defende o seu aproveitamento, uma vez que o seu conteúdo se mantém e a decisão judicial cumprida já transitou.

Esta pretensão do R. não se pode atender, atenta a regra geral de eficácia dos actos administrativos constante do art.º 127.º do CPA. Ou seja, em regra, as decisões administrativas produzem os seus efeitos jurídicos próprios a partir do momento em que são praticadas. Irreleva, pois, na economia desta questão jurídica, atender ao facto de na prática a entidade requerida não ter executado a decisão com efeitos à data da sua prática. Impõe-se mesmo a sua revogação e prática de outra decisão cujos efeitos se poderão repercutir a 10.7.2014, data do trânsito em julgado da decisão que se visou cumprir.

De resto, o proc. n.º 1007/14.6BEPRT, mencionado no art.º 5.º da oposição, foi deferido com tal fundamento, como resulta da nossa consulta ao mesmo através do SITAF.

Sendo a decisão suspendenda manifestamente ilegal, por ter sido proferida antes de 10.7.2014, como já se explicitou anteriormente, tal acarreta o deferimento da providência cautelar pedida, ao abrigo da al. a) do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA. Porém, os efeitos da suspensão de eficácia cessarão com a notificação da prática de novo acto, pelo R., ainda que de conteúdo idêntico ao acto ora suspendendo.

Fica, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões.

Nestes termos, defere-se a providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão de 10.4.2014, da autoria do Senhor Director-Geral do Ensino Superior que determinou que o A. passasse à situação de aluno não colocado.

Atacando já esta parte do recurso, não podemos acompanhar o entendimento da Mma. Juiz a quo, quando afirma que a decisão suspendenda é manifestamente ilegal e que, consequentemente, haveria que decretar-se a providência ao abrigo da al. a) do n.º 2 do art. 120.º do CPTA.

São características típicas das providências cautelares a instrumentalidade, a provisoriedade e a sumaridade (cfr. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 4.ª Ed., Coimbra, 2003, p. 295). A primeira daquelas características significa que a função e estrutura da providência cautelar está dependente de uma acção principal, a segunda que a tutela cautelar apenas alcança uma resolução não definitiva do litígio e o terceiro traço pressupõe uma cognição sumária da situação de facto e de direito. Esta sumaridade cognitiva, associada à urgência, manifesta-se num juízo de probabilidade ou de verosimilhança relativamente à existência do direito que se pretende acautelar.

No domínio da tutela cautelar é reconhecido o relevo fundamental do fumus boni iuris. Como refere Vieira de Andrade, “o papel que é dado ao fumus boni iuris (ou ‘aparência do direito’) é decisivo, desde logo porque parece ser o único factor relevante para a decisão de adopção da providência cautelar, em caso de evidência da procedência da pretensão principal, designadamente por manifesta ilegalidade do acto” (cfr. ob. cit., p. 299; também neste sentido, Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2003, p. 256). Por outro lado, embora sem regulação expressa, entende-se que em caso de manifesta falta de fundamento da pretensão principal, será sempre recusada qualquer providência cautelar, ainda que meramente conservatória – o fumus malus, quanto evidente, funciona aqui como fundamento de recusa da providência.

Naquelas situações em que ocorre um relativo grau de incerteza, dispõe o artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do CPTA que estas serão decretadas “quando (…) haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao conhecimento de mérito”. Ou seja, nestes casos a lei basta-se com um juízo de não-improbabilidade que decorre da adopção de um critério gradualista no que se refere à aparência de bom direito (esse critério será de indagação mais exigente quando esteja em causa a adopção de providência antecipatória do que a adopção de providência meramente conservatória).

Em síntese, se se considerar preenchida a previsão do artigo 120.º, n.º 1, alínea a), a providência será concedida sem ulteriores indagações; não sendo evidente a procedência da pretensão de fundo, a concessão da providência depende da demonstração do periculum in mora, em articulação com o critério do fumus boni juris, como resulta das alíneas b) e c) daquele n.º 1. Isto, sem prejuízo da limitação – pressuposto negativo – consubstanciada no princípio da proporcionalidade (art. 120.º, n.º 2) e, em qualquer dos casos, da observação das dimensões de necessidade e adequação (art. 120.º, n.ºs 3 e 4).

No presente caso, a providência, que é de natureza conservatória, foi concedida ao abrigo do artigo 120.º, n.º 1, alínea a), com fundamento na circunstância de a decisão suspendenda ser manifestamente ilegal. Porém, não é assim.

No caso concreto dos autos, com a presente providência cautelar o ora Recorrido pretende ver suspensos os efeitos do despacho que lhe foi comunicado pela Direcção Geral do Ensino Superior, através do ofício com a referência 0781, datado de 14.04.2014, de que em execução do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no proc. n.º 9271/12, deixava de estar colocado no par instituição/curso 0705 Universidade de Lisboa - Faculdade de Medicina/9813 Medicina, com efeitos imediatos, passando à situação de não colocado.

E é inquestionável que, no dia 10 de Abril – data em que o Director Geral do Ensino Superior exarou despacho de concordância com o proposto na informação de fls. 172 a 180 dos autos; cfr. 1. supra –, o acórdão proferido pelo TCA Sul em 19.12.2013 não tinha transitado em julgado (como resulta do facto provado 13.).

No entanto, questionou na oposição deduzida pelo ora Recorrente e que é reiterado neste recurso, se o princípio do aproveitamento dos actos torna inoperante a força invalidante do vício que afectará tal acto. Questão que também foi colocada neste TCA Sul muito recentemente no proc. 11744/14 e que foi resolvida pelo acórdão de 29.01.2015. Em situação idêntica à dos autos, em que estava em causa precisamente uma providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo comunicado por ofício de 14 de Abril de 2014, nos termos do qual, em cumprimento do acórdão proferido por este Tribunal Central no âmbito do proc. nº 9271/12 a aí Recorrente passou à situação de não colocada no par instituição/curso Universidade de Lisboa – Faculdade de Medicina, escreveu-se neste acórdão, na parte aqui relevante, o seguinte:

O referido princípio “habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração [seja por ilegalidades formais ou materiais], mesmo no domínio dos actos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do acto e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nomeadamente, ou porque não afectou as ponderações ou as opções compreendidas (efectuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário, ou porque subsistem fundamentos exactos bastantes para suportar a validade do acto [v.g., derivados da natureza vinculada dos actos praticados conforme à lei], ou seja ainda porque inexiste em concreto utilidade prática e efectiva para o impugnante do operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance.” – cfr. Acórdão proferido pelo TCAN em 22 de Junho de 2011, no âmbito do Proc. 00462/2000 – Coimbra.

Importa recordar que o S.T.A. não admitiu o recurso de revista interposto do Acórdão proferido pelo T.C.A. Sul – cfr. item 22) dos factos apurados - pelo que o aludido Acordão nenhuma influência teve, conforme se refere na decisão recorrida, quanto aos contornos dentro dos quais se deveria balizar o conteúdo do acto cuja prática seria necessária para dar cabal cumprimento ao Acórdão proferido pelo TCA Sul em 19 de Dezembro de 2013, repondo a legalidade da situação da ora recorrente no ensino superior.

Ora, conforme melhor se verá infra, o aludido despacho repôs, restaurou a legalidade da colocação da ora Recorrente no ensino superior no seguimento e nos termos que resultavam de Acórdão proferido por este Tribunal Central em 19 de Dezembro de 2013, pelo que a circunstância de ter sido proferido o acto em apreço quando o aludido Acórdão não tinha transitado não pode ter as consequências invocadas pela recorrente, dado tal circunstância não colidir com o conteúdo da decisão administrativa.

Conforme se extrai de Acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, em 14/04/2011, no âmbito do Proc.0473/10:

“O Tribunal pode negar relevância anulatória à irregularidade cometida pela Administração, quando, pelo conteúdo do acto e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que essa irregularidade não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa.”

Assim, o princípio do aproveitamento do acto será de aplicar dado que, estando em causa repor a legalidade do ingresso da ora recorrente no ensino superior na sequência de decisão proferida por este Tribunal Central, a mesma foi seguida nos estritos moldes constantes da mesma – com aplicação à candidatura ao ensino superior da ora recorrente, para o ano de 2012, do regime previsto no D.L. 42/2012 – pelo que a circunstância de o referido Acórdão ter sido acatado quando ainda não se mostrava transitado em julgado não constitui fundamento para a procedência da pretensão formulada pela ora recorrente, dado à Administração outra alternativa não restar senão praticar acto que, na sequência do aludido Acórdão, considerasse que a ora recorrente passava à situação de não colocada no ingresso no ensino superior no ano lectivo de 2012, por aplicação do regime previsto no referido diploma legal, pelo que improcede este segmento de recurso.

Como se constata, perante a mesma questão jurídica foi entendido por este TCAS, em posição contrária à sustentada na sentença recorrida, que circunstância de o referido Acórdão ter sido acatado quando ainda não se mostrava transitado em julgado não constitui fundamento para a procedência da pretensão formulada, mostrando-se, portanto, operativo o princípio do aproveitamento do acto. Tanto basta para negar a manifesta procedência da pretensão principal.

Mas mais, como também se disse em situação em tudo semelhante, no ac. do TCAN de 10.10.2014 proc. n.º 1007/14.6BEPRT, cuja revista não foi admitida pelo ac. de 16.02.2015 do STA, proc. n.º 34/15, não é retirada ao Requerente e ora Recorrido qualquer classificação académica, alterando-se apenas a classificação final relevante do curso de ensino secundário (v. infra). E, como foi decidido pelo Tribunal Constitucional na acção de intimação para protecção de direitos liberdades e garantias que gerou a situação administrativa que o acto alterou, não há, na aplicação deste novo regime no ano a que respeita o concurso de acesso ao ensino superior em causa, violação dos princípios da confiança e da segurança jurídica, contrariamente à argumentação que agora reeditada. A discussão jurídica da questão em que assentou a decisão recorrida, é pois, essa sim, evidente.

Assim sendo, de acordo com a factualidade assente e como explicitado supra, não poderia o tribunal concluir, sem mais, pela procedência da pretensão de fundo, segundo um critério de evidência e com a segurança legalmente exigida. Dito de outro modo, não se está perante situação em que a evidência da pretensão de fundo salte à vista, atento o quadro normativo e princípios jurídicos aplicáveis. Como dizem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos: “Os próprios exemplos que o legislador indica no preceito sugerem, porém, que este preceito deve ser objecto de uma aplicação restritiva: a evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, sem necessidade de quaisquer indagações” (cfr. p. 120). Ou como se refere no acórdão do STA de 25.08.2010, processo n.º 637/10: “ (…) a ilegalidade do acto só é «evidente» se algum dos vícios arguidos contra o acto for manifesto, indubitável, claro num primeiro olhar. «Evidente» é o que se capta e constata «de visu», sem a mediação necessária de um discurso argumentativo cuja disposição metódica permitirá o conhecimento, «in fine», do que se desconhecia «in initio». Porque as evidências não se demonstram, nunca é evidente a ilegalidade do acto fundada em vícios cuja apreciação implique demonstrações, ou seja, raciocínios complexos através dos quais se transite de um inicial estado de dúvida para a certeza de que o vício afinal existe”. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, o juiz cautelar apenas tem de apreciar se os vícios invocados são “ostensivos”, “evidentes” (i.a. o ac. deste TCAS de 20.11.2014, proc. n.º 11515/14).

Pelo exposto, não sendo manifesta a procedência da pretensão de fundo, que admite discussão jurídica complexa, não pode dar-se por verificado o pressuposto previsto na alínea a) do art. 120.º do CPTA, tendo errado o Tribunal a quo que assim não entendeu.

Procedendo o recurso nesta parte, tem pois a decisão recorrida que ser revogada.

Importa agora conhecer em substituição, pois que os autos fornecem os elementos para o efeito e as partes discutiram já amplamente as suas posições nesta Instância.

Alega o Requerente da providência, ora Recorrido, nos art.s 115.º a 120.º do r.i., para fundamentar a existência de periculum in mora, que irá perder por completo todo o aproveitamento escolar do presente ano lectivo, ainda o do ano anterior e será colocado numa situação completamente inadmissível de lhe ver retirada a habilitação académica de que era detentor, que lhe fora reconhecida por legal pelo requerido, que legalmente já usou para acesso ao ensino superior (cfr. art. 118.º). O que igualmente sustenta nas contra-alegações de recurso, nada mais acrescentando.

Ora, a propósito do alegado facto de se estar a retirar ao Recorrido habilitações académicas, desde já se diga que tal argumentação não pode proceder, acompanhando-se, aqui o entendimento vertido no acórdão deste TCAS citado, cujo discurso fundamentador se mostra aplicável:

“(…)

De facto, lendo o Acórdão nº 355/2012 (1) do Tribunal Constitucional, é possível ver que este se aplica aos alunos que já tinham terminado o ensino recorrente em ano lectivo anterior ao de 2011/2012. (…)

De resto, o Acórdão do TC foi proferido em sede de recurso interposto da decisão proferida pelo TACL (em sede de intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias na qual a ora Requerente também era Requerente) e, mais concretamente, da decisão proferida pelo TCAS, que, num primeiro momento, confirmou aquela decisão do TACL. Foram, precisamente essas decisões (que a Requerente despoletou enquanto autora/requerente) que foram submetidas à apreciação do Tribunal Constitucional.

Portanto, a situação do TC aplica-se inteiramente à situação da Requerente.

Ao contrário do alegado pela Requerente, o Tribunal Constitucional considerou todas as situações submetidas à sua apreciação, naqueles autos, incluindo a situação particular da Requerente. E o TCAS, na sua decisão de Dezembro de 2013, verteu esse entendimento.

No que concerne ainda à alegação da Requerente quando pretende afirmar ou deixar transparecer que lhe estariam a ser retiradas habilitações académicas, tal como já supra referido, também a mesma não corresponde à verdade.

De facto, tal conclusão é logo contrariada pelo facto de a Requerente ter concluído o ensino secundário regular, certificação que mantém, bem como o facto de manter a certificação da conclusão do ensino secundário recorrente.

Note-se, aliás que para efeitos do cálculo da sua nota de candidatura ao ensino superior em função do recálculo da sua nota final do ensino secundário, (em função da alteração legislativa decorrente do Decreto-Lei nº 42/2012), foi utilizada a nota final do curso do ensino recorrente e não a média final de curso do ensino secundário regular por esta ser inferior àquela.

Ou seja, como se verifica, não é retirada qualquer habilitação à Requerente, na medida em que a mesma detém o curso do ensino secundário recorrente válido e ao abrigo do qual foi recalculada a sua nota de candidatura [sublinhado nosso; situação que aqui igualmente se verifica]”.

Para além de que foi comunicado ao ora Recorrido: “Esta alteração da sua situação não prejudica a certificação das unidades curriculares em que obteve aprovação nem a sua eventual creditação” (cfr. 1. do probatório). Ou seja, é o próprio acto suspendendo que contraria a tese do Recorrido relativamente à perda absoluta de todo o seu aproveitamento escolar.

Continuando, para além destas consequências, que como demonstrado não se verificam, certo é que o Requerente nada alega que seja susceptível de fazer concluir pela existência de um “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação” (segundo segmento normativo da alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA).

Ora, interessa como parâmetro decisório do primeiro segmento do critério previsto na al. b), do nº 1, do nº 120º, do CPTA, respeitante ao periculum in mora, aferir da existência de um perigo de inutilidade da decisão a proferir no processo principal, ainda que meramente parcial, pela constituição de uma situação de facto consumado ou pelo receio de se produzirem prejuízos de difícil reparação. Deve o julgador proceder a um juízo de prognose ou de probabilidade das razões que determinam o receio de inutilidade da sentença a proferir na acção principal, pelo perigo da constituição de uma situação de facto consumado ou de se produzirem prejuízos de difícil reparação.

E, na verdade, o Requerente e ora Recorrido não procedeu, como era seu ónus – ónus de alegação e de prova que lhe estava cometido seguindo as regras gerais do ónus da prova –, à alegação e prova de um qualquer facto concreto que sustentasse um eventual prejuízo derivado da execução do acto suspendendo, para além do que se refere ao aproveitamento escolar e à necessidade (eventual) de repetição de provas – questões a que supra já se respondeu. Em bom rigor, a bandeira principal para sustentar a procedência do pedido cautelar que formulou consubstanciou-se na demonstração da ilegalidade do acto; ilegalidade esta que, como amplamente por nós explicitado, não é evidente e cujo ulterior conhecimento escapa ao meio processual em uso.

Assim, não ocorrendo uma inutilidade da decisão a proferir no processo principal, cuja decisão, a ser favorável ao ora Recorrido, sempre poderá ser por este usada (reconstituição da situação), nem se verificando, como explicitado supra, a constituição de uma situação de facto consumado, pois que poderá aquele ver certificadas as unidades curriculares em que obteve aprovação e a sua creditação, nada mais tendo sido alegado para demonstrar a existência de prejuízos de difícil reparação, que assim se têm por não verificados, terá que concluir-se que a matéria de facto alegada e que ficou provada é, pois, insuficiente para demonstrar a existência do periculum in mora.

Perante a conclusão acabada de alcançar, não ficando demonstrado o periculum in mora, nada mais cumpre apreciar, ficando prejudicado o conhecimento atinente à ponderação de interesses que sempre o princípio da proporcionalidade imporia.

Razões que determinam a procedência das conclusões de recurso também nesta parte e, consequentemente, do mesmo na sua totalidade.



III. Conclusões

Sumariando:

i) O critério de evidência, vertido no artigo 120.º, n.º 1, al. a) do CPTA, exige que perante a factualidade apurada, seja inquestionável o direito aplicável àqueles factos. A evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, ostensiva, sem necessidade de demonstração por raciocínio complexo.

ii) O princípio do aproveitamento do acto tem aplicação quando seja legítimo concluir que, embora se admita que o acto padece de algum vício, outra decisão não poderia ser tomada pela Administração.

iii) Mostrando-se operativo o princípio do aproveitamento do acto, embora seja incontroverso que o acto suspendendo foi proferido antes do trânsito em julgado da decisão ao abrigo do qual é praticado, não pode concluir-se pela evidência da procedência da pretensão de fundo.

iv) Como parâmetro decisório do primeiro segmento do critério previsto na al. b), do nº 1, do art. 120º, do CPTA, respeitante ao periculum in mora, importa aferir da existência de um perigo de inutilidade da decisão a proferir no processo principal, ainda que meramente parcial, pela constituição de uma situação de facto consumado ou pelo receio de se produzirem prejuízos de difícil reparação.

v) É ao Requerente da providência que compete demonstrar – ónus de alegação e de prova que lhe está cometido de acordo com as regras gerais do ónus da prova –, o (eventual) prejuízo derivado da execução do acto suspendendo.

vi) Não existe a constituição de uma situação de facto consumado para o percurso académico do requerente, quando este poderá ver certificadas as unidades curriculares em que obteve aprovação e a sua creditação.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, indeferir a providência cautelar requerida.

Custas pelo Recorrido, em ambas as instâncias.

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2015

Pedro Marchão Marques
Conceição Silvestre

Cristina Santos