Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:715/19.0BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:TEMPESTIVIDADE
NOTIFICAÇÃO DECISÃO
MANDATÁRIO CONSTITUÍDO
Sumário:I - Nos processos de contraordenação, tendo o arguido constituído mandatário judicial na fase administrativa do processo, é a este que deve ser notificada a decisão aí proferida (cfr. artigo 47.º, n.º 2, do RGCO, aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 3.º, alínea b), do RGIT), logo é desta notificação que se começa a contar o prazo para a interposição de recurso judicial.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

I-RELATÓRIO

M....., veio interpor recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que rejeitou liminarmente, por extemporaneidade, o recurso de contraordenação interposto contra a decisão de aplicação de coima proferida em 17 de agosto de 2019, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lagos, no âmbito do processo de contraordenação n.º ....., pela prática da contraordenação prevista no artigo 5.º, nº1, alínea a), da Lei nº 25/06, de 30 de junho, infração punida pelo artigo 7.º, do mesmo diploma legal.

O Recorrente apresentou as suas alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

“1 - O tribunal a quo rejeitou liminarmente o recurso de contra-ordenação por extemporaneidade, ao abrigo do disposto no artigo 63.°, n,° 1 do Regime Geral das Contra- Ordenações e artigo 80.°, n.° 1, do RGIT.

2 - Nos termos do artigo 63.°, n.° 2, do RGCO, o despacho que rejeita o recurso por extemporaneidade é sempre susceptível de recurso, independentemente do valor da coima aplicada, pelo que o presente recurso deve ser admitido.

3 - O recorrente tem pendentes vários processos de contra-ordenação, tendo requerido a apensação dos mesmos, quer na fase administrativa, quer em sede de recurso judicial.

4 - O tribunal a quo não se pronunciou sobre tal questão, rejeitando liminarmente os processos 715/19.0BELLE e 712/19.5BELLE, com os mesmos fundamentos, e condenando o ora recorrente em custas processuais em ambos os processos.

5 - O tribunal tem o dever de, preenchidos os pressupostos legais, determinar a apensação dos diversos processos pendentes contra o mesmo arguido.

6 - O tribunal recorrido, em vez de (ou antes de) rejeitar liminarmente o recurso, devia ter apreciado e decidido a requerida apensação dos processos de contra-ordenação, seguindo-se os ulteriores termos processuais, em obediência aos princípios da economia e celeridade processual, bem como ao princípio do acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa. Não o tendo feito, a sentença ora impugnada é nula, por omissão de pronúncia.

7 - Encontra-se provado por documentos juntos aos autos (fls.16, 26 a 37) que o arguido constituiu mandatária na fase administrativa do processo de contra-ordenação, aquando da apresentação de defesa.

8 - A defesa apresentada não foi apreciada, nem a mandatária do recorrente foi notificada da decisão de aplicação de coima, tendo aquela apenas tido conhecimento da referida decisão na sequência da notificação remetida pela entidade autuante em 02/10/2019.

9 - O tribunal a quo não menciona, nem apreciou, tais factos, que são essenciais para a boa decisão da causa, sendo, por isso, a sentença sob escrutínio nula, nos termos do disposto no artigo 379,°. n.° 1, al. c), do Código de Processo Penal.

10 - Como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial, o artigo 47.°, n.° 2, do RGCO, aplicável ex vi artigo 3.°, al. b), do RGIT, a notificação da decisão de aplicação da coima será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo, iniciando-se a contagem do prazo de vinte dias na data da referida notificação.

11 - A mandatária do recorrente apenas teve conhecimento da decisão de aplicação de coima na sequência da notificação expedida em 02/10/2019. Pelo que,

12 - Tendo o recurso de impugnação judicial sido apresentado em 14/10/2019 (segunda- feira) é o mesmo tempestivo, por ter sido interposto no prazo de vinte dias a partir daquele conhecimento.

13 - A decisão ora impugnada não apreciou cautelosamente, como é exigido pelo princípio da garantia de acesso ao direito e à justiça, os factos que se lhe impunha conhecer.

14 - Nos termos do disposto no artigo 410.°, n.° 2, al. a) do CPP, a sentença recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porque o Tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante para a decisão a proferir.

15 - Face ao exposto, deve a sentença sob escrutínio ser revogada e substituída por outra que admita, por tempestivo, o recurso judicial.

Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. queiram subscrever, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo inteira e esperada JUSTIÇA!”


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Notificados o Arguido e o Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP), nos termos e para os efeitos previstos no artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), aplicáveis ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi artigo 3.º, al. b), do RGIT, apenas o DMMP apresentou resposta tendo formulando as seguintes conclusões:

 “I-Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida em 29/02/2020, nos autos de Recurso de Contra-Ordenação acima identificados, que rejeitou liminarmente o recurso por extemporaneidade.

II- Tal decisão considerou que o arguido fora notificado em 29/08/2019 da decisão que lhe aplicou a Coima e que apresentou o Recurso em 14/10/2019,

III- Tendo ultrapassado o prazo de 20 dias exigido pelo art. 80º nº 1 RGIT para interposição do Recurso.

IV- Todavia resulta ainda dos autos que o arguido constituiu mandatária no âmbito do Processo de Contra-Ordenação nº .....em 23/08/2019 aquando a apresentação da defesa ao abrigo do art. 71º RGIT,

V- E que a Ilustre Mandatária não foi notificada da decisão de aplicação da Coima.

VI- Do regime conjugado dos arts. 41º nº 1 e 47º nº 2 DL 433/82, 27/10 (RGCO) aplicáveis ex vi do art. 3º al. b) RGIT decorre, conforme recentemente decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, que “Nos processos de contra-ordenação, sempre que o arguido tenha constituído mandatário, o prazo para a interposição do recurso judicial conta-se a partir da data da notificação do mandatário” (ac. 06/05/2020, P. 0476/18.0BEBJA).

VII- Em consequência, o arguido não se poderá considerar validamente notificado da decisão que lhe aplicou a Coima, motivo pelo qual o Recurso apresentado em 14/10/2019 não se mostra extemporâneo.

VIII- Termos em que deverá o presente Recurso ser julgado procedente por provado e a douta sentença revogada.”


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O DMMP junto deste TCAS emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida consignou a seguinte factualidade como matéria de facto provada:

A) Em 29.08.2019 o Recorrente recebeu a notificação da decisão de aplicação de coima, enviada por carta registada (registo n.° .....), constante do processo de contra ordenação - cf. junto com a petição inicial (fls. 1 dos autos, documento n.° 004539970, de 21.11.2019) e cf. acesso nesta data ao endereço electrónico: https://www.ctt.pt;

B) O Recorrente apresentou o presente recurso, remetido por correio electrónico ao Serviço de Finanças de Lagos, em 14 de Outubro de 2019 - cf. fls. 78 dos autos, documento n.° 004548681, de 09.01.2020 dos autos.


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A decisão recorrida consignou como matéria de facto não provada o seguinte:

“Não há factos alegados que devam considerar-se como não provados e a considerar com interesse para a presente decisão.”


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Consta na decisão recorrida a seguinte motivação da matéria de facto:

“Os factos foram considerados provados com base nos elementos de prova documental juntos pelo Recorrente e informação prestada pela Direcção de Finanças de Faro junta ao presente recurso.”


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Ao abrigo do disposto nos artigos 428.º e 431.º, al. a), do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi artigo 3.º, al. b), do RGIT, adita-se a seguinte matéria de facto:

C) A 22 de agosto de 2019, M..... constituiu sua bastante procuradora a Ilustre Mandatária Drª C....., no âmbito do processo de contraordenação nº ....., aquando exercício do direito de defesa (cfr. fls. 36 e 37 dos autos);

D) A Ilustre Mandatária Drª C....., não foi notificada da decisão administrativa de aplicação de coima (facto alegado pela Recorrente e não impugnado, e facto que se extrai da documentação carreada aos autos e que integra o PCO);

E) A 02 de outubro de 2019, foi endereçado ofício à Ilustre Mandatária Drª C....., do qual teve conhecimento nessa data, com o seguinte teor:

(facto expressamente alegado pelo Recorrente na p.i. e corroborado pelo teor do doc. de fls. 16 dos autos);

F) Na sequência da notificação do ofício referido na alínea antecedente, foi interposto o recurso evidenciado em B) (facto alegado pela Recorrente e não impugnado, e facto que se extrai da documentação carreada aos autos e que integra o PCO);


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que rejeitou liminarmente, por extemporaneidade, o recurso de contraordenação por si deduzido contra a decisão de aplicação de coima proferida em 17 de agosto de 2019, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lagos, no âmbito do processo de contraordenação, n.° ....., resultante da falta de pagamento da taxa de portagem, prevista no artigo 5.°, n.°1, alínea a) da Lei n.° 25/06, de 30.06, infração punida pelo artigo 7.°da Lei n.° 25/06, de 30 de junho.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 411.º, do Código de Processo Penal (CPP) ex vi art.º 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art.º 3.º, al. b), do RGIT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se:
Ø Se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia;
Ø Respondendo-se negativamente, se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter rejeitado liminarmente o recurso judicial da decisão administrativa de aplicação de coima, por extemporaneidade, porquanto não valorou a falta de notificação da decisão administrativa de aplicação de coima da Ilustre Mandatária constituída na fase administrativa do processo de contraordenação.

Vejamos, então.

A Recorrente defende, desde logo, que a decisão recorrida padece de omissão de pronúncia, porquanto não se pronunciou sobre o pedido de apensação de processos e bem assim porque, não obstante ter junto a documentação atinente ao efeito, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a constituição de Mandatária no âmbito do processo de contraordenação.

Apreciando.

De harmonia com o consignado no artigo 379.º, nº1, alínea c), do CPP ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, por remissão do artigo 3.º, al. b), do RGIT), sob a epígrafe de “nulidade da sentença”:

“1 - É nula a sentença:

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Atentando na letra do citado normativo resulta que apenas ocorre nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS[1] “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

Ora, atentando na argumentação do Recorrente dimana, desde logo, que a mesma não merece provimento.

E isto porque, se é certo que o Tribunal a quo se limitou a analisar a exceção perentória da caducidade do direito de ação, não analisando as demais questões colocadas, mormente, a inerente à apensação dos processos, a verdade é que não o fez- e com total acerto- porquanto ao ser julgado extemporâneo o recurso, encontra-se vedada a apreciação de qualquer outra questão.

Com efeito, a apreciação da questão da caducidade do direito de ação deve preceder a apreciação das demais questões, sendo que a intempestividade do meio processual impede o início da respetiva lide e a discussão do mérito da causa[2].

No concernente à questão inerente à falta de valoração da notificação da decisão administrativa de aplicação de coima à Mandatária constituída nos autos, inexiste omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal a quo, entendeu -ainda que sem abordar expressamente e independentemente da bondade da solução- que o que relevava era a notificação da decisão administrativa de aplicação de coima ao Recorrente.

Assim, inexiste omissão de pronúncia porquanto o Tribunal a quo, abordou a questão da caducidade do direito de ação, valorando a notificação na esfera do Recorrente, sendo que a, eventual, incorreção desse entendimento constitui erro de julgamento, e não omissão de pronúncia.

Face ao exposto, improcede, assim, a arguida nulidade por omissão de pronúncia.

Vejamos, agora, a questão inerente ao erro de julgamento.

A Recorrente aduz que estando documentalmente provado nos autos que a Arguida constituiu mandatária na fase administrativa do processo de contraordenação, aquando da apresentação de defesa, e que a mesma não foi notificada da decisão de aplicação de coima, tal determina, per se, a tempestividade da petição de recurso, donde, o erro de julgamento.

Conclui, assim, que a sentença que assim o não decidiu tem de ser revogada.

O Tribunal a quo, fundamentou a rejeição da petição inicial, de acordo com a fundamentação que se extrata na parte que para os autos releva:

“O Recorrente recebeu a decisão de aplicação de coima em 29.08.2019, considera-se notificado em 30.08.2019, sendo desde essa data que se deve contar o prazo de 20 dias para a apresentação do recurso da referida decisão.

Em 30 de Agosto de 2019 decorriam ainda as férias judicias e por isso, no caso dos presentes autos, aquele prazo de 20 dias teve início em 1 de Setembro de 2019 e termo em 27 de Setembro de 2019.

Ora, tendo resultado do probatório que o Recorrente foi notificado da decisão de aplicação de coima, por via postal registada em 30.08.2019 (cf. alínea A) e, apresentou o presente recurso em 14 de Outubro de 2019 (cf. alínea B) do probatório) deverá o mesmo ser rejeitado por extemporaneidade.

Pelo exposto, deverá o mesmo ser rejeitado por intempestividade (cf. artigo 63.º, n.º1, do Regime Geral de Contra-Ordenações e artigo 80.º, n.º1, do RGIT).”

Apreciando.

Comecemos por convocar o quadro jurídico que para os autos releva:

Ab initio, importa convocar o disposto no artigo 80.º, n.º 1, do RGIT, o qual sob a epígrafe de “Recurso das decisões de aplicação das coimas” dispõe que:
“1 - As decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objeto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contraordenação.”

De chamar, outrossim, à colação o consignado no artigo 47.º, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), sob a epígrafe de “notificação”, ex vi do artigo 3.º, alínea b), do RGIT, o qual preceitua o seguinte:
“1 - A notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista.
2 - A notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado.
3 - No caso referido no número anterior, o arguido será informado através de uma cópia da decisão ou despacho.
4 - Se a notificação tiver de ser feita a várias pessoas, o prazo da impugnação só começa a correr depois de notificada a última pessoa.”

Em termos de cômputo do prazo, importa, igualmente, ter presente o consignado no artigo 60.º do RGCO:
“1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
2 - O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.”

Ora, da conjugação dos citados normativos dimana inequívoco que o recurso judicial da decisão administrativa de aplicação de coima deve ser interposto no prazo de vinte dias, a contar da sua notificação, sendo que existindo mandatário, devidamente constituído no processo, deve o mesmo ser notificado dessa mesma decisão.

No caso vertente, como visto, não é controvertido o prazo para apresentar o recurso, sendo que a única questão se coaduna com a de saber se o prazo para a interposição do recurso judicial da decisão administrativa de aplicação de coima se inicia na data em que o Recorrente foi notificado, ou na data em que se deve ter por notificado o seu mandatário, devidamente constituído nos autos.

E a resposta, face aos aludidos normativos, é perentória, ou seja, tendo o arguido constituído mandatário judicial na fase administrativa do processo de contraordenação, é a este que deve ser notificada a decisão aí proferida, donde, o dies a quo inicia-se com a notificação ao Ilustre Mandatário.

Neste particular, vide o recente Aresto do STA, proferido no processo nº 0476/18.0BEBJA, datado de 06 de maio de 2020, que doutrina claramente que:
“Nos processos de contra-ordenação, sempre que o arguido tenha constituído mandatário, o prazo para a interposição do recurso judicial conta-se a partir da data da notificação do mandatário, rectius, da data em que o mesmo se deve ter por notificado da decisão administrativa [artigo 47.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO) ex vi do artigo 3.º, alínea b), do RGIT], sendo o arguido informado através de uma cópia da decisão ou despacho (artigo 47.º, n.º 3 do RGCO).”

No mesmo sentido, doutrina o Aresto do STA, proferido no processo nº 0904/11, de 30 de novembro de 2011, do qual se extrai, designadamente, o seguinte:
“DO DIES A QUO DO PRAZO DO RECURSO JUDICIAL DA DECISÃO DE APLICAÇÃO DA COIMA
A questão suscitada pelo Recorrente a este propósito é a de saber se o prazo do recurso judicial deve contar-se da sua notificação, rectius, da data em que se deve ter por notificado da decisão administrativa, ou da data em que se deve ter por notificado o seu mandatário.
Na decisão recorrida relevou-se como dies a quo do prazo a notificação do próprio Arguido, enquanto o Recorrente sustenta que a contagem do prazo só teve início com a notificação do seu mandatário judicial, se bem que não indique as disposições legais em que fundamenta a sua posição.
A razão está com o Recorrente. Como bem salientou o Ministério Público, tendo o arguido constituído mandatário, o art. 47.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO) (Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro.), aplicável subsidiariamente nos termos do art. 3.º, alínea b), do RGIT, impõe que a notificação seja dirigida ao mandatário, enquanto o arguido é informado através de uma cópia da decisão ou despacho, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo(…)
Assim, no caso sub judice o início do prazo para contagem do recurso em causa terá que se reportar à data em que foi notificado o Mandatário do Arguido.”

Ora, transpondo o direito supra expendido para o recorte probatório dos autos, resulta assente que:

A 22 de agosto de 2019, M..... constituiu sua bastante procuradora a Ilustre Mandatária Drª C....., no âmbito do processo de contraordenação nº ....., aquando exercício do direito de defesa, contudo a mesma não foi notificada da decisão administrativa de aplicação de coima, conforme legalmente se impunha.

Com efeito, promana assente que só o Recorrente foi notificado da decisão administrativa de aplicação de coima, a 29 de agosto de 2019, sendo que a sua notificação, como visto, não exime, bem pelo contrário, a notificação na pessoa Mandatária constituída nos autos.

Portanto, face a todo o expendido não tendo a decisão administrativa de aplicação da coima sido notificada à Ilustre mandatária judicial do Arguido, validamente constituída na fase administrativa do processo de contraordenação, não se verifica a intempestividade da interposição do recurso.

Aliás, esta é também a posição sufragada pelo DMMP, quer na 1.ª instância, quer neste Tribunal[3].

Assim, face a todo o exposto e sem necessidade de outras considerações, conclui-se, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, que o recurso da decisão administrativa de aplicação de coima foi apresentado dentro do prazo legal estipulado para o efeito, porquanto a decisão que assim o não decidiu deve ser revogada.

Procedem, deste modo, as conclusões de recurso, impondo-se, em consequência, a revogação da decisão impugnada, e a baixa do processo à instância a quo, com a consequente tramitação do processado, se a tal nada mais obstar.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, determinando a baixa dos autos à 1ª Instância para prosseguir os ulteriores termos, se nada mais a tal obstar.

Sem custas.

Registe. Notifique.


Lisboa, 11 de fevereiro de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

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[1] Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143
[2] Vide, designadamente, Acórdão do STA, proferido no processo nº 0748/15, de 20.06.2018
[3] Neste sentido vide, também, a posição acolhida por este Tribunal no âmbito do processo nº 712/19, cuja decisão sumária inédita foi prolatada a 17.12.2019.