Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07964/14
Secção:CT
Data do Acordão:09/19/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:JUROS COMPENSATÓRIOS. NOÇÃO. ARTº.35, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
PRESSUPOSTOS DO PAGAMENTO DE JUROS COMPENSATÓRIOS.
TAXA DOS JUROS COMPENSATÓRIOS.
CONTEÚDO FUNDAMENTADOR DA LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS.
ARTº.37, DO C.P.P.T. ÂMBITO DE APLICAÇÃO.
ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO).
INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA.
RENDIMENTOS DA CATEGORIA A.
RENDIMENTOS DA CATEGORIA B.
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA ESTRUTURADA AO ABRIGO DO ARTº.66, Nº.2, AL.B), DO C.I.R.S.
RENDIMENTOS LÍQUIDOS DO CONTRIBUINTE.
ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO DO ACTO TRIBUTÁRIO.
Sumário:1. Os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem compensação para o credor, por certas utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim reparando o credor prejudicado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito. No âmbito do direito tributário os juros compensatórios podem configurar-se como tendo a natureza de uma verdadeira cláusula penal legal, aparecendo como um agravamento “ex lege” ao imposto, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, tendo os mesmos prazos de cobrança e estando sujeitos ao mesmo período prescricional, sobre ambos podendo incidir o cálculo dos juros de mora (cfr.artº.83, do C.P.T.; artº.35, da L.G.T.). Esta natureza dos juros compensatórios, como componente da dívida global de imposto, resulta hoje, com evidência, do preceituado no artº.35, nº.8, da L.G.T.
2. A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que exista uma dívida de imposto (que serve de base ao cálculo dos juros), verificados os seguintes pressupostos:
a-Actos ou omissões que levem a um atraso na estruturação de uma liquidação; ou
b-Não pagamento de imposto que deva ser efectuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela administração tributária); ou
c-Não pagamento de imposto que foi retido ou que deveria ter sido retido e entregue à administração tributária; ou
d-Reembolso superior ao devido;
e-Atraso na liquidação ou entrega do imposto ou reembolso indevido imputáveis ao contribuinte, isto é, quando exista nexo de causalidade entre a actuação do contribuinte e aquele atraso ou reembolso;
f-Que o retardamento ou reembolso seja imputável ao contribuinte a título de culpa.
3. No artº.35, nº.10, da L.G.T., mais se consagra que a taxa dos juros compensatórios é a taxa dos juros legais fixada nos termos do artº.559, nº.1, do C.Civil, sendo actualmente de 4% (taxa fixada pela portaria 291/2003, de 8/4, em vigor desde 1/5/2003).
4. Nos termos do artº.35, nº.9, da L.G.T., na liquidação de juros compensatórios devem ser discriminados os montantes da dívida de imposto e dos juros, explicando-se com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas. Esta exigência de demonstração do cálculo dos juros compensatórios integra-se no dever geral de fundamentação expressa e acessível dos actos lesivos, constitucionalmente imposto (cfr.art.268, nº.3, da C.R.P.).
5. O conhecimento integral do itinerário valorativo e cognoscitivo seguido pela entidade que liquidar os juros compensatórios não dispensará:
a-A indicação do montante dos juros, separado do montante do tributo, se for liquidado concomitantemente;
b-Os termos inicial e final da contagem dos juros;
c-A taxa ou taxas e os períodos a que se reporta cada uma delas, se não for a mesma a taxa aplicada para cálculo da totalidade dos juros;
d-A indicação dos diplomas legais que consagram a responsabilidade por juros compensatórios e os que prevêem as taxas aplicadas;
e-A situação fáctica violadora da lei que justifica a liquidação dos juros ou os factos que levaram a A. Fiscal a concluir que o atraso na liquidação se deveu a actuação culposa do contribuinte.
6. O artº.37, do C.P.P.T., somente compreende os casos de falta de indicação, na notificação, da fundamentação do acto notificado. Só tem a ver com a notificação dos actos, destinando-se a estabelecer as consequências das deficiências da mesma notificação, nada tendo a ver com o regime dos vícios dos actos notificados. No âmbito do artº.37, do C.P.P.T., a A. Fiscal apenas pode suprir as deficiências da notificação, mas não as do acto notificado. O acto notificado tem o conteúdo que tem independentemente da notificação, e podem-lhe ser imputados todos os vícios de que enferme, independentemente de ser adequadamente notificado ou não. Assim, não é aplicável este regime quando as deficiências não são da notificação, mas sim do próprio acto notificado. Isto é, este regime de sanação de deficiências aplica-se aos casos em que o acto notificado contém os elementos exigidos por lei, mas eles não foram comunicados na respectiva notificação, visto que são coisas diferentes o acto de notificação e o acto notificado.
7. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
8. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.
9. As normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.
10. É no artº.2, do C.I.R.S., que se englobam todos os rendimentos da categoria A - rendimentos do trabalho dependente - sujeitos ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, para o efeito se exigindo o carácter remuneratório dos mesmos, ou seja, que se trate de rendimentos obtidos como retribuição de trabalho prestado por conta de outrem. À primeira vista, a norma, cuja origem é o antigo Imposto Profissional, serve para confirmar o princípio de que todas as chamadas "van­tagens acessórias" são tributáveis em I.R.S.
11. Já a categoria B dos rendimentos sujeitos a tributação em I.R.S. goza de uma característica especial que consiste no seu carácter predominante, relativamente aos rendimentos de qualquer outra categoria. Até à reforma operada em 2000 (cfr.citada Lei 30-G/2000, de 29/12), os rendimentos profissionais não tinham a característica da preponderância, pelo que, mesmo que obtidos no desenvolvimento de uma actividade profissional não se tornavam rendimentos de categoria B, antes sendo tributados como rendimentos da categoria a que, pela natureza, correspondessem. Depois da reforma, nos rendimentos líquidos da nova categoria B integram-se todos os proventos obtidos ou conexos com a respectiva actividade desenvolvida. É o que se conclui da análise interpretativa do artº.3, nº.2, do C.I.R.S., na redacção resultante da Lei 30-G/2000, de 29/12. A predominância significa pois que todos os rendimentos, de todas as naturezas, que se possam imputar à actividade profissional ou empresarial acabam por ser qualificados como proveitos da categoria, integrando-se na respectiva conta de exploração para efeitos de cálculo do lucro tributável.
12. A estruturação da liquidação oficiosa ao abrigo do artº.66, nº.2, al.b), do C.I.R.S., na redacção da Lei 30-G/2000, de 29/12, em virtude do incumprimento do dever declarativo do sujeito passivo, tem por base os elementos de que a Fazenda Pública disponha, embora este acto tributário se deva reportar aos rendimentos líquidos do contribuinte sujeitos a tributação (cfr.artº.66, nº.2, do C.I.R.S.).
13. A actuação da A. Fiscal gera uma situação de erro sobre os pressupostos de facto do acto tributário objecto do processo (vício que gera a anulação do mesmo), um dos fundamentos possíveis do processo de impugnação (cfr.artº.99, do C.P.P.T.), ocorrendo, além do mais, quando está erradamente quantificada a matéria tributável.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.119 a 130 do presente processo que, no que ora interessa, julgou procedente a impugnação intentada pelo recorrido, P..., na qualidade de cabeça-de-casal da herança de J..., tendo por objecto liquidação oficiosa de I.R.S. e respectivos juros compensatórios, relativa ao ano de 2000 e no montante total de € 42.929,20.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.166 a 181 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso limita-se à parte relativa à falta de fundamentação quanto à liquidação de juros compensatórios e à questão do erro da liquidação do imposto na sua quantificação, parte essa que teve como efeito a declaração de procedência total da impugnação pela sentença judicial em causa e com a qual a Administração Tributária não se conforma;
2-Quanto à liquidação de juros compensatórios, a douta sentença dá razão ao impugnante, o qual alega que não é devida por falta de fundamentação, concluindo que assiste razão ao impugnante quando invoca o vício de forma por preterição de formalidade essencial, não admitindo a utilização no caso concreto da faculdade prevista no artigo 37° do CPPT;
3-Com o devido respeito, a utilização da faculdade prevista no artigo 37° do CPPT, no caso concreto, faz todo o sentido, pois não se trata, como refere o douto Tribunal, da produção de uma fundamentação a posterior para aquele acto por parte da Administração Tributária, mas de suprir a falta de notificação da fundamentação;
4-O que está aqui em apreciação é a notificação da liquidação, onde se incluiu também os juros compensatórios;
5-A jurisprudência tem vindo a considerar que a falta de notificação da fundamentação não afecta a legalidade do acto;
6-Neste sentido, a falta de notificação da fundamentação conduz apenas à consequência prevista no art. 37° do CPPT (e não à nulidade), nos termos do qual, se a notificação não contiver todos os requisitos previstos na lei, pode o interessado requerer a notificação dos que tenham sido omitidos ou passagem de certidão que os contenha, o que não aconteceu;
7-Assim, não pode a Fazenda aceitar tal decisão, uma vez que de acordo com o estabelecido no n° 1 do art. 35° da LGT, são devidos juros compensatórios quando por facto imputável ao sujeito passivo for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido, que no caso em apreço, foi exactamente essa a consequência da não entrega da declaração Modelo 3;
8-Quanto à questão do erro da liquidação do imposto na sua quantificação, aponta o douto Tribunal na sentença, ora em crise, que a liquidação padece do vício de violação de lei, por erro de facto ou de direito ou violação dos princípios que devem nortear toda a actuação da administração, invocando o impugnante expressamente o princípio da colaboração da Administração com os particulares;
9-Relata de seguida os factos/não factos que constituem no seu raciocínio uma violação do princípio da verdade material e da colaboração com os particulares com vista ao apuramento do rendimento real do contribuinte;
10-Diz que, não obstante a falta de apresentação da declaração de rendimentos e a falta de resposta à notificação efectuada nos termos do n°3 do artigo 65°, concedendo uma segunda oportunidade de cumprimento voluntário da obrigação declarativa, apesar de não se encontrar expressamente prevista no artigo 65.° do CIRS, não podia a Administração Tributária eximir-se da obrigação de, antes de efectuar a avaliação dos rendimentos, notificar o contribuinte concedendo-lhe um prazo para apresentação dos elementos contabilísticos, uma vez que está em causa, conforme resulta do n.° 2 do artigo 66.° do CIRS, a fixação dos rendimentos líquidos;
11-Refere ainda que a prossecução do princípio da verdade material impunha que em sede de reclamação graciosa fosse tida em consideração a declaração de rendimentos apresentada pelo contribuinte e acaso restassem dúvidas, poderia a Administração Tributária solicitar a exibição dos documentos comprovativos, revendo a matéria tributável apurada;
12-Termina dizendo que a Administração tributária por decorrência do já invocado princípio da legalidade tem o dever de proceder à revisão oficiosa (cf artigo 7... da LGT), dos erros detectados nas liquidações, de forma a arrecadar apenas a receita que é devida;
13-Ora, com o devido respeito não podemos aceitar a fundamentação seguida pela douta sentença, bem como as conclusões que dela se retiraram;
14-É bom referir que a Administração Tributária, face à não entrega da declaração de rendimentos Mod. 3, procedeu à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 15 dias, apresentar a declaração em falta, nos termos do n° 3 do artigo 65° do CIRS, contudo, o impugnante nada o fez;
15-Idêntica postura adoptou o sujeito passivo quando, no âmbito do processo de inspecção, foi notificado para exercer o direito de audição prévia sobre as conclusões do relatório de inspecção, nada dizendo ou requerendo;
16-Não vislumbramos na lei fiscal a referida obrigação da Administração Tributária, para além das referidas notificações, de proceder ainda à notificação do contribuinte concedendo-lhe um prazo para apresentação dos elementos contabilísticos, antes de fixar os rendimentos líquidos;
17-Pelo que, salvo melhor opinião, o disposto no n° 2 do artigo 66° do CIRS, não se aplica ao caso concreto, uma vez que as correcções em causa decorrem directamente de uma acção de inspecção, procedimento com tramitação própria, a qual foi devidamente seguida pelos serviços, pelo que não se vislumbra qualquer ilegalidade;
18-In casu, os serviços de inspecção, concluíram que da análise e aos elementos e valores conhecidos, nomeadamente anexos J apresentados por entidades com as quais o sujeito passivo estabeleceu relações económicas e a soma da base tributável das declarações periódicas de IVA apresentadas, o sujeito passivo auferiu rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS no montante de € 104,194,84;
19-Após notificado para o exercício do direito de audição prévia sobre as conclusões do relatório de inspecção e nada tendo dito, em 19/11/2004, foi emitida a liquidação de IRS n.° 20045004263231, respeitante ao ano de 2000, no montante de € 42.929,20 com apuramento de perdas a reportar no valor de € 24.127,37 e que inclui juros compensatórios no montante de € 7.130,34;
20-Não se conformando com tal liquidação o impugnante deduziu reclamação graciosa em 04/01/2005 invocando que os valores estimados não correspondiam à verdade nem à contabilidade, juntando declaração de rendimentos modelo 3 onde é apurado um prejuízo de € 3.968,32;
21-Nos termos do n°1 do art° 74° da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”;
22-Diz o n° 3 do mesmo artigo que “em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária, o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”;
23-Assim sendo, o ónus da prova cabia ao contribuinte, devendo juntar com a referida declaração modelo 3 todos os documentos comprovativos dos valores declarados, o que não fez;
24-Certo é que a declaração então apresentada não constitui prova de nada, bem como não beneficia de qualquer presunção, nomeadamente a prevista no n° 1 do artigo 75° da LGT - “Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuinte apresentadas nos termos da lei...”;
25-Não se compreende como é que o Tribunal liberta o sujeito passivo do ónus da prova que sobre ele recai, relativamente aos factos invocados quer na reclamação graciosa, quer aqui em sede de impugnação, somente com base na declaração apresentada, invocando como fundamento que a Administração poderia ter solicitado a exibição dos documentos comprovativos;
26-O impugnante, e mais recentemente o cabeça de casal, tiveram oportunidade (várias) de apresentar prova relativamente aos factos por si invocados em sede de reclamação graciosa e de impugnação, contudo não o fizeram, quer documentalmente, quer através de prova testemunhal;
27-Assim sendo, o impugnante não logrou provar os custos ou perdas em apreço e a sua dedutibilidade para efeitos fiscais (cf. Art.s 32° e 33° do CIRS), devendo manter-se na ordem jurídica o presente acto de liquidação de IRS, relativa ao ano de 2000;
28-Pelo que a douta sentença proferida pelo Mm°. Juiz a quo fez, a nosso ver, uma incorrecta interpretação de facto e de direito das normas legais e da ratio legis que a fundamentam, incorrendo assim em erro de julgamento, devendo, por esse motivo, ser revogada, com as legais consequências.
X
Em sede de contra-alegações o recorrido pugna pela manutenção da sentença do Tribunal "a quo" (cfr.fls.183 a 202 dos autos), terminando com a estruturação das sequentes Conclusões:
1-Não se conformando a Fazenda Pública com a sentença que declarou totalmente procedente a impugnação deduzida pelo impugnante, ora recorrido, veio da mesma interpor recurso, atacando o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, relativamente à falta de fundamentação quanto à liquidação de juros compensatórios e á questão do erro da liquidação do imposto na sua quantificação;
2-No que respeita à liquidação dos juros compensatórios, conforme resulta dos autos, os elementos referentes à indicação do montante do imposto sobre o qual foram liquidados os referidos juros; a referência à taxa ou taxas aplicadas na liquidação dos mesmos, e a menção das datas que terão sido consideradas como sendo as do início e termos do prazo de contagem desses juros, foram completamente preteridos;
3-A liquidação de juros compensatórios, como acto tributário que é está sujeita a fundamentação - é um dos elementos constitutivos do acto administrativo tributário pelo que a sua falta ou insuficiência estão votadas à anulabilidade do acto, conforme resulta dos artigos 125° e 135° do Código de Procedimento Administrativo;
4-Sendo este também entendimento pacífico na jurisprudência, conforme resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo aludido na sentença, bem como dos Acórdãos de 21/04/2010 no processo n.° 743/09, e de 30/11/2011 no processo n.º 619/11, a título exemplificativo, daquele mesmo Tribunal e ambos disponíveis em www.dgsi.pt;
5-Pelo que, ao contrário do que sustenta a recorrente, a falta da fundamentação da liquidação não conduz apenas à "consequência" prevista no artigo 37 do CPPT;
6-Não merecendo, assim, qualquer censura, a sentença recorrida;
7-Insurge-se ainda, a recorrente, quanto à questão do erro na liquidação do imposto na sua quantificação, invocada pelo recorrido em sede de impugnação, e que, face aos factos dados como provados e à lei aplicável, mereceu total provimento pelo Tribunal a quo;
8-Mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão;
9-Tendo, na sua sofreguidão tributária, obliterado as normas legais, princípios e deveres que sobre a Administração Tributária impendem e aplicáveis ao caso concreto, bem como a prova documental e testemunhal produzida nos autos;
10-Nomeadamente: as normas previstas nos artigos 28° a 31° e 65, n. 2 do CIRS; o princípio da tributação pelo lucro real, previsto no artigo 104 da CRP; a presunção de veracidade prevista no artigo 75 n. 1 da LGT, e o dever de averiguar a verdade material, imposto pelo artigo 45, n. 4 da LGT e igualmente acolhido no artigo 100 do CPPT;
11-Conforme decorre da articulação dos factos provados sob os nºs. 1, 4, 6, 7, 8, 9, 11, 12 e 13, a falta de entrega da declaração de rendimentos Modelo 3, referente aos rendimentos auferidos no ano de 2000, não se deveu a conduta culposa ou negligente do impugnante, ora recorrido;
12-Resulta dos factos provados, mormente dos factos provados constante dos nºs.12 e 13, que o recorrido leve dificuldade em obter do TOC os documentos necessários à apresentação da referida declaração de rendimentos, tendo efectuado diversos contactos com aquele, mas sem sucesso;
13-Conforme resulta dos factos provados sob os nºs.16, 18 e 19, supra, o recorrido foi notificado da liquidação oficiosa de IRS n.° 20045004263231, emitida cm 19/11/2004 e, não se conformando com ela, deduziu a competente reclamação graciosa invocando que os valores estimados não correspondiam à verdade nem à contabilidade, juntando a declaração modelo 3 e requerendo a revisão da sua situação tributária;
14-Com a apresentação da referida declaração de rendimentos, deveria a Administração Tributária, ter procedido à correcção da liquidação oficiosa, uma vez que tal liquidação tem por base uma matéria colectável presumida e não a matéria colectável que nos termos do CIRS é susceptível de reflectir o rendimento real, a determinar com base na contabilidade dos sujeitos passivos, como impõe o princípio da capacidade contributiva constitucionalmente consagrado no artigo 104, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa;
15-Mas não o fez, desconsiderando a declaração entretanto entregue pelo recorrido e olvidando que, em matéria fiscal não existem presunções inilidíveis, como resulta do artigo 73.° da Lei Geral Tributária (LGT), nem a utilização de tais presunções pode pôr em causa o princípio da tributação pelo lucro real, previsto no artigo 104 da Constituição da República Portuguesa (CRP);
16-Pelo que, salvo o devido respeito por fundada opinião, o facto presumido pela recorrente foi elidido por via da apresentação da declaração Modelo 3, atenta a presunção de veracidade que a mesma reveste, e que decorre do artigo 75, n.°1, da LGT;
17-Sendo certo que, a perseverar alguma incerteza quanto à veracidade do conteúdo da declaração apresentada pelo sujeito passivo, podia e devia a Administração Tributária, no uso do princípio da colaboração com os particulares e na prossecução do dever de averiguar a verdade material - como imposto pelo artigo 45°, n.° 4 da Lei Gerai Tributária - e até mesmo por uma questão de economia processual, ter simplesmente notificado o recorrido para proceder à junção dos documentos subjacentes à dita declaração;
18-Contudo, optou por não o fazer e vir agora em sede de impugnação e recurso afirmar que a declaração apresentada "não constitui prova de nada", "não beneficiando de qualquer presunção" e que "o impugnante e mais recentemente o cabeça de casal, tiveram oportunidade (várias) de apresentar prova relativamente aos jactos por si invocados em sede de reclamação graciosa e de impugnação, contudo não o fizeram, quer documentalmente, quer através de prova testemunhal.";
19-A recorrente, decidindo como decidiu, não colaborar com o recorrido solicitando-lhe elementos objectivos para análise dos reais rendimentos, dispunha de mais elementos que os que são citados neste capitulo do relatório inspectivo, mormente as declarações de IRS do sujeito passivo relativas a anos anteriores, recurso este que constitui procedimento comum previsto na lei – al. g) do n. 1 do art° 90.° da LGT - em sede de determinação da matéria colectável por métodos indirectos, que a acção inspectiva não pode nem deve ignorar;
20-O recorrido, estando sujeito a uma avaliação directa do seu rendimento líquido, não gozou sequer do benefício de procedimentos comuns relativos às avaliações indirectas do rendimento;
21-Conforme foi invocado pelo recorrido em sede impugnação, merecendo o acolhimento da DMMP e da douta sentença posta em crise pela recorrente, é patente a errónea quantificação da matéria colectável, pois no que respeita à categoria B, foi tida em conta a base tributável da declaração de IVA apresentado pelo sujeito passivo, e não foram deduzidos os custos fiscalmente relevantes;
22-O que significa que na execução da liquidação a Administração Tributária tomou como rendimento líquido o valor bruto das vendas de mercadorias do Sujeito Passivo!
23-Olvidando que por força do disposto no artigo 65, n.° 2 do CIRC, no caso dos autos a recorrente estava obrigada à fixação do rendimento líquido, o que implica necessariamente a consideração dos gastos incorridos;
24-A desproporcionalidade resulta tanto mais evidente, se atentarmos, em termos comparativos, ao seguinte: se à época estivesse em vigor o regime simplificado previsto no artigo 28° do CIRS, o valor o rendimento tributável do recorrido seria de € 18.360,90 e não de € 91.804,56, por aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor das vendas de mercadorias;
25-Sendo certo que, aquando da fixação do rendimento ao recorrido, em 2004, já este regime se encontrava em vigor e era conhecido dos serviços inspectivos, o que poderia ter servido de mais um factor de ponderação no juízo de avaliação do rendimento líquido e da degenerescência da sua conclusão;
26-Pelo que dúvidas não há de que a acção inspectiva não prosseguiu com a objectividade e exactidão a que estava adstrita na fixação dos rendimentos líquidos do sujeito passivo, ora recorrido;
27-Sendo certo que, qualquer interpretação do Código do IRS no sentido da manutenção de uma liquidação que tem por base uma matéria colectável presumida, quando já foi apresentada uma declaração Modelo 3, da qual resulta o rendimento do sujeito passivo e sobre a qual impende uma presunção de veracidade, sempre seria inconstitucional por violação do princípio da capacidade contributiva consagrado no artigo 104.°, n. 2, da CRP;
28-Chamando à colação aquilo que foi dito na conclusão 17, supra, não podemos deixar de sublinhar que o princípio da verdade material também encontra claro acolhimento no artigo 100 do CPPT, vinculante para a própria Administração Tributária e que prescreve que esta só deverá praticar o acto tributário quando "formar convicção da existência e conteúdo do facto tributável" devendo, em caso de subsistência de dúvida "acerca do objecto do processo (...) abster-se de praticar o acto tributário, dando assim cumprimento ao princípio in dubio contra fiscum" (Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 150,158 e 169);
29-Ora, no caso dos autos, os fundamentos aduzidos pela recorrente e os resultados obtidos na determinação da matéria tributável foram relevante e consistentemente contrariados quer pelos argumentos aduzidos pelo impugnante, ora recorrido, quer pela prova documental e testemunhal produzidas;
30-Resultando por demais evidente que não podem existir dúvidas sobre o erro na quantificação do facto tributário feito pela Administração Tributária, sendo legítima a dúvida alicerçada numa acção inspectiva que não merece qualquer credibilidade por falta de elementos minimamente rigorosos, e que conduziram a uma liquidação enfarpelada de vícios;
31-“Se o facto presumido não tiver efectivamente ocorrido, o acto que aplicar a presunção enfermará de erro sobre os pressupostos de facto, que consubstancia violação de lei" - Conselheiro Jorge Lopes de Sousa - in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4a ed., 2012, pág. 558;
32-Justificando-se, assim, de facto e de direito, a anulação do acto tributário praticado pela recorrente;
33-Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso interposto pela recorrente improceder, mantendo-se incólume a sentença proferida pelo Tribunal de 1a instância, assim se fazendo a COSTUMADA JUSTIÇA.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.218 a 222 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.225 dos autos), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.121 a 125 dos autos - numeração nossa):
1-J..., com o n.i.f. ..., contratou em regime de prestação de serviços, por avença, desde, pelo menos o final dos anos 90, os serviços de um Técnico Oficial de Contas tendo por objecto a organização contabilística e fiscal decorrente da sua actividade (cfr.documento junto a fls.36 dos presentes autos);
2-Em 22/06/2004 foi emitida a ordem de serviço n° 92697, tendo por objecto o controlo fiscal interno dos rendimentos sujeitos a IRS auferidos por J..., respeitantes ao ano de 2000, motivado pela falta de entrega da declaração de rendimentos modelo 3, após notificação para o efeito (cfr.relatório de inspecção junto a fls.29 a 33 dos presentes autos);
3-Na referida inspecção, tendo por base a análise aos elementos e valores conhecidos, nomeadamente anexos J apresentados por entidades com as quais o sujeito passivo estabeleceu relações económicas e a soma da base tributável das declarações periódicas de IVA apresentadas, concluiu-se que o sujeito passivo auferiu rendimentos, da categoria A e B, sujeitos a tributação em sede de IRS no montante de € 104,194,84 (cfr.relatório de inspecção junto a fls.29 a 33 dos presentes autos);
4-Notificado o inspeccionando para o exercício do direito de audição prévia, sobre as conclusões do relatório de inspecção nada disse ou requereu (cfr.relatório de inspecção junto a fls.29 a 33 dos presentes autos; documento junto a fls.27 dos presentes autos);
5-Em 29/10/2004 foram fixados, nos termos do artigo 65, n.° 2, alínea b), do CIRS, os rendimentos líquidos de J... e relativos ao ano 2000 no montante de € 104.194,84, sendo € 93.267,33 relativos à categoria B (cfr.documento junto a fls.34 dos presentes autos);
6-J... contactou o técnico oficial de contas - L... - pedindo-lhe que esclarecesse o significado das notificações que estava a receber (cfr.depoimento da testemunha D...);
7-Em resposta o referido técnico invocou que o assunto estava tratado (cfr.depoimento da testemunha D...);
8-J... contactou M... pedindo-lhe ajuda, por ter recebido notificações das finanças, após o que se deslocaram ao ... Serviço de Finanças (cfr.depoimento da testemunha M...);
9-No referido serviço foi prestada a informação de que não tinha sido entregue a declaração de rendimentos respeitantes ao ano de 2000 (cfr.depoimento da testemunha M...);
10-Confrontando o técnico identificado no nº.6, solicitou-lhe que fizesse chegar o comprovativo da declaração que aquele invocava ter sido entregue (cfr.depoimento da testemunha D...);
11-Com a cópia que lhe foi fornecida dirigiu-se de novo ao Serviço de Finanças, para exibir o referido comprovativo, tendo-lhe sido esclarecido naquele serviço que a declaração não era válida, por nunca ter sido entregue naquele serviço, e que o carimbo nela aposto correspondia a um carimbo furtado ao serviço (cfr.depoimento da testemunha M...);
12-O Sr. J... solicitou a M... que lhe apresentasse a declaração de rendimentos respeitante 2000, contudo teve dificuldade em obter do TOC os documentos necessários para o efeito (cfr.depoimentos das testemunhas D..., M... e C...);
13-Efectuou diversos contactos com o referido TOC para obter a documentação sem sucesso (cfr.depoimentos das testemunhas D... e C...);
14-A sociedade R..., Lda., declarou que J... auferiu no ano de 2000 a remuneração ilíquida respeitante à categoria A, no valor de € 13.677,00, sobre a qual foram efectuados descontos no valor de € 1.846,44, a título de IRS, e € 1.357,76, para a Segurança Social (cfr.documento junto a fls.45 dos presentes autos);
15-A sociedade J..., Lda., declarou que J... auferiu no ano de 2000 a remuneração ilíquida respeitante à categoria A, no valor de € 13.677,00, sobre a qual foram efectuados descontos no valor de € 1.846,44, a título de IRS, e € 1.357,76, para a Segurança Social (cfr.documento junto a fls.46 dos presentes autos);
16-Em 19/11/2004 foi emitida a liquidação oficiosa de IRS n.° 20045004263231 respeitante ao ano de 2000 no montante de € 42.929,20, com apuramento de perdas a reportar no valor de € 24.127,37 e que inclui juros compensatórios na quantia de € 7.130,34 (cfr.documento junto a fls.26 dos presentes autos);
17-A data limite do prazo de pagamento voluntário indicado na referida liquidação foi o dia 3/1/2005 (cfr.documento junto a fls.26 dos presentes autos);
18-Não se conformando com tal liquidação, o sujeito passivo J... deduziu reclamação graciosa em 04/01/2005 invocando que os valores estimados não correspondiam à verdade nem à contabilidade, mais requerendo a revisão da sua situação tributária (cfr.documento junto a fls.2 do processo de reclamação graciosa apenso);
19-Com a referida reclamação juntou declaração de rendimentos modelo 3 onde é apurado um prejuízo de € 3.968,32, mais invocando que não foi comunicado às finanças em virtude de o TOC que identifica não ter apresentado em devido tempo as declarações do sujeito passivo (cfr.documentos juntos a fls.2 a 6 do processo de reclamação graciosa apenso);
20-Em 22/8/2005 faleceu J... (cfr.documento junto a fls.15 do processo de reclamação graciosa apenso);
21-Por despacho de 27/10/2006 foi indeferida a reclamação por se ter considerado que, nos termos do artigo 55, n.° 1, do CIRS, a compensação de perdas é efectuada para o futuro, sendo o resultado líquido negativo de uma dada categoria dedutível aos rendimentos positivos dessa mesma categoria obtidos nos anos seguintes, sendo que por ter ocorrido o seu óbito em 2005, caberia aos seus herdeiros incluir os prejuízos nas suas declarações de rendimentos, concluindo que não existindo declarações de rendimentos dos herdeiros não pode haver compensação de perdas (cfr.documento junto a fls.22 e 23 do processo de reclamação graciosa apenso);
22-O impugnante deduziu impugnação em 4/12/2006, invocando a qualidade de cabeça de casal da herança deixada por seu pai J... (cfr.articulado inicial junto a fls.5 a 25 dos presentes autos; registo de correio aposto a fls.53 dos presentes autos);
23-Por despacho de 20/4/2007 a Administração Fiscal revogou parcialmente o acto impugnado porquanto, no que respeita ao rendimento proveniente da actividade de comércio a retalho de vestuário, o sujeito passivo enviou as declarações periódicas de IVA, onde declarou as vendas, e que incluíam aquisições Intra Comunitárias de Bens, pelo que foi reduzido o valor das vendas de € 93.267,33 para € 91.804,56 (cfr.parecer e despacho constantes a fls.70 e 71 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “...A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos não impugnados, constantes dos autos e do processo administrativo tributário, bem como no depoimento das testemunhas que depuseram de forma clara e convicta revelando conhecimento directo dos factos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu:
1-Julgar parcialmente extinta a instância, devido a inutilidade superveniente da lide, na parte revogada do acto tributário impugnado (cfr.nº.23 do probatório);
2-Julgar procedente a impugnação quanto ao remanescente do acto tributário, em consequência do que anulou a liquidação objecto do presente processo (cfr.nº.16 do probatório).
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o apelante, em primeiro lugar e em síntese, que são devidos juros compensatórios quando por facto imputável ao sujeito passivo for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido. Que no caso em apreço foi exactamente essa a consequência da não entrega da declaração Modelo 3 de I.R.S. Que a utilização da faculdade prevista no artº.37, do C.P.P.T., no caso concreto, faz todo o sentido. Que a falta de notificação da fundamentação não afecta a legalidade do acto de liquidação de juros compensatórios (cfr.conclusões 2 a 7 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, se bem percebemos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem compensação para o credor, por certas utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim reparando o credor prejudicado do ganho perdido até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito. No âmbito do direito tributário os juros compensatórios podem configurar-se como tendo a natureza de uma verdadeira cláusula penal legal, aparecendo como um agravamento “ex lege” ao imposto, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, tendo os mesmos prazos de cobrança e estando sujeitos ao mesmo período prescricional, sobre ambos podendo incidir o cálculo dos juros de mora (cfr.artº.83, do C.P.T.; artº.35, da L.G.T.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 27/11/96, C.T.F.387, pág.285 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6670/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/09/2015, proc.8225/14; Francisco Rodrigues Pardal, Juros Compensatórios, C.T.F.114, pág.37 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.283 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.234 e seg.).
Esta natureza dos juros compensatórios, como componente da dívida global de imposto, resulta hoje, com evidência, do preceituado no artº.35, nº.8, da L.G.T.
A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que apareça uma dívida de imposto (que serve de base ao cálculo dos juros), verificados os seguintes pressupostos:
1-Actos ou omissões que levem a um atraso na estruturação de uma liquidação; ou
2-Não pagamento de imposto que deva ser efectuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela administração tributária); ou
3-Não pagamento de imposto que foi retido ou que deveria ter sido retido e entregue à administração tributária; ou
4-Reembolso superior ao devido;
5-Atraso na liquidação ou entrega do imposto ou reembolso indevido imputáveis ao contribuinte, isto é, quando exista nexo de causalidade entre a actuação do contribuinte e aquele atraso ou reembolso;
6-Que o retardamento ou reembolso seja imputável ao contribuinte a título de culpa (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6670/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/09/2015, proc.8225/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.235).
No artº.35, nº.10, da L.G.T., mais se consagra que a taxa dos juros compensatórios é a taxa dos juros legais fixada nos termos do artº.559, nº.1, do C.Civil, sendo actualmente de 4% (taxa fixada pela portaria 291/2003, de 8/4, em vigor desde 1/5/2003).
Nos termos do artº.35, nº.9, da L.G.T. (norma aplicável ao caso “sub judice”, visto que a L.G.T. entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 - artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/1), na liquidação de juros compensatórios devem ser discriminados os montantes da dívida de imposto e dos juros, explicando-se com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas. Esta exigência de demonstração do cálculo dos juros compensatórios integra-se no dever geral de fundamentação expressa e acessível dos actos lesivos, constitucionalmente imposto (cfr.art.268, nº.3, da C.R.P.).
De um modo geral, a fundamentação deverá permitir conhecer integralmente o itinerário seguido pela entidade liquidadora para calcular os juros, visando o objectivo exógeno de permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa do mesmo.
Assim, o conhecimento integral do itinerário valorativo e cognoscitivo seguido pela entidade que liquidar os juros compensatórios não dispensará:
1-A indicação do montante dos juros, separado do montante do tributo, se for liquidado concomitantemente;
2-Os termos inicial e final da contagem dos juros;
3-A taxa ou taxas e os períodos a que se reporta cada uma delas, se não for a mesma a taxa aplicada para cálculo da totalidade dos juros;
4-A indicação dos diplomas legais que consagram a responsabilidade por juros compensatórios e os que prevêem as taxas aplicadas;
5-A situação fáctica violadora da lei que justifica a liquidação dos juros ou os factos que levaram a A. Fiscal a concluir que o atraso na liquidação se deveu a actuação culposa do contribuinte (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/2/2004, rec.1733/03; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/4/2013, rec.1095/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6670/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/09/2015, proc.8225/14; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.284 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.240).
Voltando ao caso dos autos, e conforme relevou a decisão recorrida (cfr.nº.16 do probatório - documento junto a fls.26 dos presentes autos), não existe qualquer indicação de que os juros compensatórios liquidados tenham sido calculados sobre o montante de imposto, tal como não há referência alguma à taxa ou taxas aplicadas na liquidação dos juros e, por último, não há referência alguma às datas que foram consideradas como sendo as do início e do termo do prazo de contagem desses juros.
Apesar disso, defende o apelante que se deveria aplicar, no caso concreto, o comando constante do artº.37, do C.P.P.T.
Não tem razão o recorrente.
O artº.37, do C.P.P.T., somente compreende os casos de falta de indicação, na notificação, da fundamentação do acto notificado. Só tem a ver com a notificação dos actos, destinando-se a estabelecer as consequências das deficiências da mesma notificação, nada tendo a ver com o regime dos vícios dos actos notificados. No âmbito do artº.37, do C.P.P.T., a A. Fiscal apenas pode suprir as deficiências da notificação, mas não as do acto notificado. O acto notificado tem o conteúdo que tem independentemente da notificação, e podem-lhe ser imputados todos os vícios de que enferme, independentemente de ser adequadamente notificado ou não. Assim, não é aplicável este regime quando as deficiências não são da notificação, mas sim do próprio acto notificado. Isto é, este regime de sanação de deficiências aplica-se aos casos em que o acto notificado contém os elementos exigidos por lei, mas eles não foram comunicados na respectiva notificação, visto que são coisas diferentes o acto de notificação e o acto notificado (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 6/6/2007, rec.155/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6670/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.349).
No caso “sub judice”, as deficiências de fundamentação radicam no próprio acto notificado, conforme, manifestamente, se retira do exame do documento constante a fls.26 do processo.
Em conclusão, deve considerar-se insuficientemente fundamentada a liquidação de juros compensatórios em causa nos presentes autos (cfr.nº.16 do probatório), assim sendo de confirmar a decisão recorrida, neste segmento.
Aduz, igualmente e em sinopse, o recorrente que a A. Fiscal, face à não entrega da declaração de rendimentos Mod. 3, procedeu à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 15 dias, apresentar a declaração em falta, nos termos do artº.65, nº.3, do C.I.R.S., contudo, este nada o fez. Que as correcções em causa decorrem directamente de uma acção de inspecção, procedimento com tramitação própria, a qual foi devidamente seguida pelos serviços, pelo que não se vislumbra qualquer ilegalidade de que as mesmas padeçam. Que o ónus da prova cabia ao contribuinte, devendo juntar com a declaração modelo 3 apresentada todos os documentos comprovativos dos valores declarados, o que não fez. Que o sujeito passivo não logrou provar os custos ou perdas em apreço e a sua dedutibilidade para efeitos fiscais (cfr.artºs.32 e 33, do C.I.R.S.), devendo manter-se na ordem jurídica o presente acto de liquidação de I.R.S., relativo ao ano de 2000 (cfr.conclusões 8 a 27 do recurso), com base em tal proposição pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a sentença do Tribunal "a quo" comporta tal vício.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379).
Revertendo ao caso dos autos, da matéria de facto (cfr.nºs.3 e 5 do probatório) retira-se que a A. Fiscal estruturou liquidação oficiosa de I.R.S. relativa ao ano de 2000, incidente sobre os rendimentos da categoria A e B, auferidos pelo sujeito passivo J..., em virtude da falta de apresentação da declaração de rendimentos relativa ao mesmo ano fiscal e pelo contribuinte (cfr.artºs.57, nº.1, e 65, nº.2, al.b), do C.I.R.S., na redacção da Lei 30-G/2000, de 29/12, a aplicável ao caso “sub judice”).
Antes de mais, releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012,proc.5320/12;ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.7384/14).
É no artº.2, do C.I.R.S., que se englobam todos os rendimentos da categoria A - rendimentos do trabalho dependente - sujeitos ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, para o efeito se exigindo o carácter remuneratório dos mesmos, ou seja, que se trate de rendimentos obtidos como retribuição de trabalho prestado por conta de outrem. À primeira vista, a norma, cuja origem é o antigo Imposto Profissional, serve para confirmar o princípio de que todas as chamadas "van­tagens acessórias" são tributáveis em I.R.S. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/01/2017, proc.9966/16; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.188; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.55 e seg.).
Já a categoria B dos rendimentos sujeitos a tributação em I.R.S. goza de uma característica especial que consiste no seu carácter predominante, relativamente aos rendimentos de qualquer outra categoria. Até à reforma operada em 2000 (cfr.citada Lei 30-G/2000, de 29/12), os rendimentos profissionais não tinham a característica da preponderância, pelo que, mesmo que obtidos no desenvolvimento de uma actividade profissional não se tornavam rendimentos de categoria B, antes sendo tributados como rendimentos da categoria a que, pela natureza, correspondessem. Depois da reforma, nos rendimentos líquidos da nova categoria B integram-se todos os proventos obtidos ou conexos com a respectiva actividade desenvolvida. É o que se conclui da análise interpretativa do artº.3, nº.2, do C.I.R.S., na redacção resultante da Lei 30-G/2000, de 29/12. A predominância significa pois que todos os rendimentos, de todas as naturezas, que se possam imputar à actividade profissional ou empresarial acabam por ser qualificados como proveitos da categoria, integrando-se na respectiva conta de exploração para efeitos de cálculo do lucro tributável (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/11/2011, proc.3130/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/02/2016, proc.9043/15; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.169 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.85 e seg.).
A estruturação da liquidação oficiosa ao abrigo do artº.66, nº.2, al.b), do C.I.R.S., na redacção da Lei 30-G/2000, de 29/12, em virtude do incumprimento do dever declarativo do sujeito passivo, tem por base os elementos de que a Fazenda Pública disponha, embora este acto tributário se deva reportar aos rendimentos líquidos do contribuinte sujeitos a tributação (cfr.artº.66, nº.2, do C.I.R.S.; André Salgado Matos, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares anotado, Instituto Superior de Gestão, 1999, pág.357).
“In casu”, conforme salienta o Tribunal “a quo”, ao proceder à fixação dos rendimentos do contribuinte J..., especificamente quanto aos rendimentos integrantes da cédula B (€ 93.267,33 - cfr.nº.5 do probatório) foi tida em conta a base tributável das declarações de I.V.A. apresentadas pelo sujeito passivo, mais não sendo deduzidos os custos fiscalmente relevantes. Tal significa que na estruturação da liquidação a Fazenda Pública tomou como rendimento líquido o valor bruto das vendas de mercadorias do sujeito passivo, assim violando o regime supra explanado, previsto no artº.66, nº.2, do C.I.R.S., na redacção da Lei 30-G/2000, de 29/12, o qual aponta para a fixação de rendimentos líquidos, situação que implica, necessariamente, a consideração dos gastos incorridos pelo sujeito passivo.
Em conclusão, verifica-se uma situação de erro sobre os pressupostos de facto do acto tributário (vício que gera a anulação do mesmo), um dos fundamentos possíveis do processo de impugnação (cfr.artº.99, do C.P.P.T.), ocorrendo, além do mais, quando está erradamente quantificada a matéria tributável (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/09/2012, proc.3145/09; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.115 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269).
Por último, sempre se dirá que é irrelevante, no exame do presente esteio do recurso, a argumentação do apelante, nomeadamente, a relativa ao ónus da prova do contribuinte incidente sobre os custos ou perdas em apreço e a sua dedutibilidade para efeitos fiscais, dado que a pecha que produz a anulação do acto tributário resulta da actividade instrutória da A. Fiscal, prévia à estruturação do acto tributário impugnado.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida embora com a presente fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 19 de Setembro de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)