Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1954/05.6BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRC,
CUSTOS
Sumário:I. Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23.º, n.º 1, e 42.º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA, sendo que em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova;

II. A não dedutibilidade das ajudas de custo em 20% prevista no disposto na alínea f), do n.º 1, do art. 42.º do CIRC pressupõe que as ajudas de custo não tenham sido faturadas a clientes, este é o requisito legal para a limitação da dedução desses custos, contudo, não se exige a sua discriminação das ajudas de custo nas faturas;

III. Não exigindo a lei que as faturas discriminem as ajudas de custo, tal significa que não existe qualquer irregularidade formal que pudesse afastar a presunção de veracidade conforme o disposto no n.º 1 do art. 75.º da LGT, pelo que, vigorando aquela presunção, então cabe à AT o ónus da prova dos pressupostos em que assentam a correção (cf. n.º 1, do art. 74.º da LGT), cabendo-lhe coligir indícios consistentes de que as ajudas de custo contabilizadas pela Impugnante não foram faturadas aos clientes.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

B..., S.A, veio deduzir impugnação judicial contra a liquidação n.º 2005 831..., de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do ano de 2001, respetivos juros compensatórios e demonstração de acerto de contas.
O Tribunal Tributário de Lisboa julgou i) parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto à liquidação adicional de IRC n.º 2005 831... e ii) parcialmente procedente a Impugnação Judicial, e, em consequência, anulo parcialmente o ato de fixação da matéria tributável relativa aos rendi mentos do ano de 2001, na parte em que desconsiderou custos no valor de € 241.430,89, para efeitos de determinação da matéria coletável.

Inconformadas, a Fazenda Pública e a B..., S.A, vieram recorrer contra a referida sentença.




A Fazenda Pública veio oferecer as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«I – Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalvando-se sempre melhor e douto entendimento e, com o devido respeito, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” julgou procedente (parcialmente) o pedido da impugnante dispensando melhor análise da prova constante dos autos e, lavrando em erro no que concerne à apreciação da matéria de facto.

II – Todavia, se devidamente analisadas as provas reunidas, prevaleceria uma decisão diferente da adotada pelo Tribunal, pois, pese embora determinados factos tenham sido dados como provados, outros foram afastados da selecção ou, objeto de uma análise crítica deficiente.

Nessa senda, as questões controvertidas relacionam-se com subcontratos e ajudas de custo.

III – No que respeita aos subcontratos não entendeu a decisão recorrida à luz da previsão do art.º 42 n.º 1 alínea g) do CIRC, o facto de os custos supra identificados nessa rúbrica não serem fiscalmente dedutíveis por não estarem devidamente documentados.

No entanto, de acordo com a moldura legal vigente em 2001, previa-se ainda que as despesas não documentadas ou confidenciais, além de não constituírem um encargo dedutível, seriam tributadas autonomamente nos termos do n.º 1 e 2 do art.º 81.º do CIRC.

IV - No presente caso o quesito envolve apurar se resulta provado que as ajudas de custo estão reflectidas no preço final facturado aos clientes, de modo a preencher o requisito legal.

V – Nessa senda, decidiu o Tribunal Tributário pela afirmativa. No entanto, como explica a própria impugnante no ponto 7 do seu exercício de direito de audição junto aos autos, a indicação “Empresa B...” foi feita ao invés de “B..., S.A. e o NIPC indicado não corresponde ao identificativo da recorrida, então impugnante.

VI - Neste conspecto, importa averiguar se foram devidamente ponderados os factos e aplicado o direito, uma vez que os serviços inspectivos não aceitaram os documentos em causa como encargos dedutíveis

VII - Como resulta do teor da decisão proferida foi omitida a identificação completa dos beneficiários dos rendimentos, ou até indicada uma outra identificação fiscal. Mas já que a tributação dos valores em causa, se contabiliza e escritura, nos termos da lei comercial, pela sua natureza individual e pela medida exacta das despesas inerentes à empresa - se alguma tributação ou benefício tivesse que ocorrer seria na esfera dos respectivos beneficiários ou destinatários da factura e não da impugnante.

VIII – De referir que assim sendo, sob outra designação social ou fiscal, existe uma capa de verdadeira confidencialidade das despesas porque as mesmas foram suportadas com pessoas concretas (os destinatários dessas facturas), as quais a impugnante tratou de aceitar como suas não cuidando de as identificar como assim não sendo e, corrigir em conformidade, tendo apenas delas se ter inteirado e, apropriado, com os tais lapsos que não tratou de colmatar, dando apesar de tudo como certo que, os serviços em causa haviam sido prestados.

IX – Ainda a sublinhar que, agora no que respeita à rúbrica “Ajudas de custo” e como refere a decisão recorrida “Os serviços de Inspeção Tributária também efectuaram correções à matéria tributável no item “Ajudas de Custo” com o fundamento de que, não obstante as Ajudas de Custo estarem comprovadas por serem encargos necessários para a obtenção dos proveitos e constarem de documentos de suporte que permitem confirmá-las, constatar-se que a maior parte do seu valor não estava facturado a clientes nem estava mencionado no respetivo contrato e, no caso da B..., S.A., a faturação, quando existente, ser muito inferior aos valores efectivamente pagos.

X - Está aqui em causa a redacção do art.º 42.º do CIRC à data em vigor, sob a epígrafe: encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, no seu n.º 1 alínea f) que previa o tratamento de despesas com ajudas de custo e com a sua compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal mas não facturadas a clientes e, escrituradas a qualquer título.

XI – Como constatou a IT, no caso em apreço – ajudas de custo - a facturação a clientes, quando existente, é por valores muito inferiores aos efectivamente pagos … É de referir outros casos que não estando evidenciados na factura era feita referência no contrato mas, ainda em muitos outros, onde, nem o contrato nem a factura comportam qualquer referência às ajudas de custo.

XII - E sublinhe-se ainda que, na situação presente, concluiu a Inspeção que cerca de 81% das Ajudas de Custo pagas não está evidenciada na facturação. Ora, a conta de custos com deslocações apresentava um saldo devedor de € 1 475 775,17. Que concluir?

XIII - Na verdade, está em causa a redacção do art.º 42.º do CIRC à data em vigor, sob a epígrafe encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, no seu n.º 1 alínea f) que previa não serem dedutíveis as despesas …não facturadas a clientes …sempre que a entidade patronal não possua, um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem, contrariamente ao entendido pelo Tribunal ad quo.

XIV – Ou seja, quanto ao que respeita a despesas com ajudas de custo e com a sua compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título essas despesas devem considerar-se não facturadas a clientes sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efectuado, um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas. Assim, a decisão recorrida fez uma errada aplicação do art.º 42.º n.º1 alínea f) do CIRC.

XV - Pelo que, com o muito e devido respeito, o douto Tribunal “ad quo”, não esteou a sua fundamentação de facto e de direito nem de acordo com a prova constante nos autos falhando na selecção dos factos, nem conforme já exposto, decidiu de acordo com uma boa interpretação e boa aplicação da lei e, nessa medida, a decisão deve ser afastada da ordem jurídica.

Porém, V. EXAS DECIDINDO FARÂO A COSTUMADA JUSTIÇA»
***
A também recorrente B..., S.A, devidamente notificada para o efeito, veio oferecer as suas alegações, formulando as conclusões seguintes:

“§ 1. As conclusões resultantes da inspecção tributária carecem de fundamentação factual suficiente, pelo que os actos tributários que a incorporaram estão igualmente infundamentados, violando o disposto nos artigos 268.°, n.° 3, da CRP e 77.° da LGT.
§ 2. Com efeito, não existindo uma fundamentação clara, suficiente e completa, de facto e de direito, os actos impugnados deveriam desde logo ter sido anulados por estarem feridos do vício de forma, carecendo de elementos essenciais à sua comprovação e compreensão, como as razões decidendas e motivos jurídicos para a justificação das correcções, não sendo suficiente a simples indicação de normas jurídicas.
§ 3. A Administração Tributária baseou as suas correcções num método de amostragem, não procedendo a cálculos aritméticos rigorosos e alicerçando as ditas correcções com base em meras e incipientes presunções.
§ 4. Assim, a sentença recorrida incorre, também ela, em violação do disposto nos artigos 268.°, n.° 3, da CRP e 77.° da LGT, porquanto não reconheceu o vício de forma de que padece o acto tributário impugnado, devendo ser revogada e substituída por outra que reconheça a desobediência a estes preceitos legais e assim anule o acto impugnado.
§ 5. A desconsideração dos custos incorridos pela Recorrente ofende imediatamente o princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o lucro real, vertido no artigo 104.°, n.° 2, da CRP.
§ 6. Em concreto, a decisão em crise não teve em conta a realidade económica e a verdade material, desprezando a indispensabilidade dos custos realizados e fazendo uso de um entendimento formalista que desconsidera o facto dos custos questionados pela Administração Tributária se encontrarem intrinsecamente relacionados com a gestão da ora Recorrente e com a obtenção de lucros.
§ 7. Desta forma, a sentença do Tribunal a quo ignorou esta pedra basilar de qualquer sistema fiscal, não podendo subsistir também por este motivo, revelando-se curial proceder-se à sua revogação e substituição por decisão que considere estarmos perante a violação daquele superior preceito constitucional.
§ 8. Por outro lado, sem embargo, estando preenchidos os pressupostos e requisitos materiais exigidos pela Lei Fiscal para a dedutibilidade dos custos em apreço esta não pode ser negada.
§9. E por esse motivo que o Tribunal a quo errou grosseiramente ao não considerar que as correcções da Administração Tributária, em valor de € 142.164,88 e € 19.867,14, se encontram feridas de vício de violação de lei, designadamente do n.° 1 do artigo 23.° e do n.° 1, alínea f) e alínea g), do artigo 42.°, do Código do IRC.
§ 10. Aquelas despesas correspondem a ajudas de custo, por deslocações nacionais e no estrangeiro dos trabalhadores da F..., e destinam-se a compensá-los pelas despesas acrescidas resultantes do facto de estarem deslocados ao serviço daquela empresa.
§ 11. Nestes termos, não subsistem dúvidas de que os custos eram, portanto, indispensáveis à realização de proveitos ou ganhos e à manutenção da fonte produtora da Recorrente, ao abrigo do artigo 23.° do Código do IRC.
§ 12. A totalidade dos valores mencionados encontra-se vertida em documentos internos elaborados pela F... e pelos trabalhadores que permitem controlar e comprovar os dados e elementos referidos na alínea f) do n.° 1 do artigo 42.° do Código do IRC de que se faz depender a dedutibilidade das ajudas de custo, o que permite afastar imediatamente a aplicação da alínea g) do mesmo compêndio legal.
§ 13. Desta forma, deverá a decisão do Tribunal a quo ser revogada também neste ponto, sendo substituída por outra que reconheça o vício de violação de lei inerente às correcções da Administração Tributária assentes numa aplicação incompreensível dos artigos 23.° e 42.°, n.° 1, alínea f) e g) do Código do IRC.
§ 14. Quanto às ajudas de custo pagas aos trabalhadores da E..., a Recorrente logrou demonstrar que todas as despesas dos trabalhadores são facturadas aos clientes, ainda que os preços sejam previamente acordados e apesar de estas não se encontrarem explicitamente discriminadas nas facturas, por ser essa a prática do sector, reconhecida pelo Tribunal a quo.
§ 15. Face ao exposto, a Recorrente não pode, também neste ponto, conformar- se com a correcção ao seu prejuízo declarado no valor de € 1.829,49, por vício de violação de lei, maxime artigos 23.°, n.° 1 e 42.°, n.° 1, alínea f), ambos do Código do IRC vigente à data dos factos, vício que, assim, inquina igualmente a sentença recorrida que deverá ser revogada e substituída por outra que anule a mencionada correcção.
V. DO PEDIDO
Termos em que se requer a V. Exas. que seja concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a decisão emitida pelo Tribunal a quo na parte aqui recorrida, com os devidos efeitos legais, designadamente considerando-se a impugnação totalmente procedente e anulando-se as correcções mantidas pelo Tribunal a quo e o acto tributário impugnado na parte correspondente.
Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA.»

Finalmente, a B..., S.A, veio apresentar as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«§ 1. Ante a prova produzida nos Autos, designadamente testemunhal, o Tribunal a quo considerou, em bem, provado que a empresa “V..., S.A.” emitiu três facturas relativas a serviços efectivamente prestados à ora Recorrida em Novembro de 2001 e por esta pagos àquela, os quais são essenciais à actividade da Recorrida.
§2. Deste modo, julgou o Tribunal a quo afastada a relevância dos lapsos constantes das ditas facturas, devendo os custos cm causa ser considerados documentados.
§3. A alegação da Administração Tributária, em sede de recurso, que as despesas em causa seriam confidenciais e seria essa a razão da negação da respectiva dedutibilidade é insusccptível de ser apreciada por não ser admissível a fundamentação à posteriori os actos tributários e por não poderem em recurso ser apreciadas questões novas que não foram objecto de discussão em primeira instância.
§ 4. Sem embargo, não tendo sido alguma vez questionada a natureza, a origem e a finalidade das relevantes despesas, que se mostram transparentes, estas nunca poderiam ser consideradas confidenciais.
§ 5. Assim, a sentença recorrida deve ser mantida na parte em que anulou a corrccção ao prejuízo declarado em sede de IRC no valor de € 20.387,56.
§ 6. Face à prova produzida nos Autos, inclusivamente testemunhal, o Tribunal a quo julgou provado que a Recorrida e a F... procederam ao pagamento de ajudas de custo aos seus trabalhadores e que as ajudas de custo são incluídas no preço dos serviços prestados por aquelas empresas aos seus clientes, ainda que não sejam discriminadas expressamente nas facturas.
§7. A esta luz, na senda da jurisprudência firmada nesta matéria, o Tribunal a quo considerou que as ajudas de custo foram facturadas aos clientes e que não podia a sua relevância fiscal ser negada com recurso à alínea f) do n.° 1 do artigo 42.º do Código do IRC.
§ 8. No presente recurso, mais uma vez se diga, a Administração Tributária não contesta qualquer um dos factos provados, sendo que também não solicita que devam ser outros factos aditados.
§9. A Administração Tributária parece, não obstante as dificuldades de compreensão do conteúdo das alegações, procurar defender que a razão da negação da dedutibilidade das ajudas de custo estaria relacionada com a ausência de um mapa que permitisse controlar as deslocações efectuadas.
§ 10. Todavia, não só não foi por falta do mapa que a Administração Tributária efectuou a correcção em crise, foi sim e apenas com fundamento apenas na não indicação expressa em cada factura das despesas daqueles tipos nelas englobadas, como resultou até dos Factos Provados neste processo que os trabalhadores a quem eram as ajudas de custo preenchiam boletins que permitiam já e efectivamente aferir das deslocações que realizavam e pelas quais era devido o pagamento de ajudas de custo.
§ 11. Nesta conformidade, bem andou o Tribunal a quo ao anular a correcção ao prejuízo declarado em sede de IRC no valor de € 221.043,33, por violação o disposto nos artigos 23.°, n.° 1, e 41.°, n.° 1, alínea f), ambos do Código do IRC.
Termos em que se requer a V. Exas. que seja negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão emitida pelo Tribunal a quo na parte objecto de recurso pela Administração Tributária, com os devidos efeitos legais.
Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA.»

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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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As questões a decidir são as seguintes:

Recurso da Fazenda Pública:
_ erro de julgamento de facto e de direito no que diz respeito à desconsideração de custos, porque não se considerou o disposto no art. 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC, que estabelece que os custos não são fiscalmente dedutíveis quando não devidamente documentados, não se aplicando corretamente aos factos provados;
_ erro de julgamento de facto e de direito quanto à correção relativa às ajudas de custo, porque não foram repercutidas aos clientes, conforme o disposto na alínea f), do n.º 1, do art. 42.º do CIRC.

Recurso da Impugnante:
_ erro de julgamento de facto e de direito quanto as correções em que foi julgada improcedente a impugnação, e violação do princípio da capacidade contributiva (art. 104.º, n.º 2 da CRP), e ainda falta de fundamentação formal das correções.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A. Por escritura pública outorgada em 16/11/2001, com efeitos retroativos a 01/01/2001, foi efetuada a fusão por incorporação na Impugnante, das sociedades comerciais: “F..., Lda.”, NIPC 5..., “E...”, NIPC 5... e “E... – E..., Lda.”, NIPC 5… – facto admitido por acordo e fls. 201 dos autos;

B. Na mesma escritura pública referida na alínea antecedente, foi alterada a designação social da Impugnante, de “R..., S.A.” para “B..., Transportes, S.A.” – facto admitido por acordo e fls. 201 dos autos;

C. A Impugnante é detida maioritariamente pela sociedade comercial “J..., Lda.”, com o NIPC 5... – facto admitido por acordo e fls. 201 dos autos;

D. A Impugnante é tributada em IRC segundo o regime geral, pelo exercício da atividade de “Outros Transportes Terrestres de Passageiros”, CAE 60230 e em IVA está enquadrada no regime normal de periodicidade mensal – cfr. fls. 201 dos autos;

E. A Impugnante foi objeto de uma ação inspetiva externa, relativa ao exercício de 2001, no cumprimento da Ordem de Serviço n.º 22751, inserida no âmbito de “Acompanhamento Permanente de Empresas – cfr. fls. 93 dos autos;

F. Em data não concretamente apurada, a Impugnante foi notificada do relatório final da inspeção tributária, na sequência do qual foram efetuadas correções à matéria tributável em € 424.738,22, nos termos seguintes:


    CIRC – Artigos infringidos
    Valor Projeto
      Valor Final
    Art.º 42.º, n.º 1, g)
    20.387,56
      20.387,56
    Art.º 42.º, n.º 1, g)
    142.164.88
      142.164.88
    Art.º 42.º, n.º 1, g)
    19.867,14
      19.867,14
    Art.º 42.º, n.º 1, f)
    1.829,49
1.829,49
    Art.º 42.º, n.º 1, f)
    221.043,33
      221.043,33
    Art.º 42.º, n.º 1, a)
    19.445,82
      19.445,82
      Art.º 68.º, n.º 6
    190.494,03
0,00
TOTAL
    615.232,25
      424.738,22



- cfr. fls. 115 e 116 e 201 a 416 dos autos;

G. Do relatório final referido na alínea antecedente, extrai-se, nomeadamente, o seguinte:
“(…)
1. Credencial e período em que decorreu a acção
Esta acção decorreu no cumprimento da Ordem de Serviço n.º 22751 relativa ao exercício de 2001. Foi iniciada em 22-04-2004 e os actos de inspecção foram concluídos em 15-09-2004.
2. Motivo, âmbito e incidência temporal
A acção de inspecção insere-se no âmbito do “Acompanhamento Permanente de Empresas – Diversos”. Foi-lhe atribuído o código PNAIT 22334 e abrange o exercício económico de 2001.”
(…).- cfr. fls. 201 dos autos;

H. Do relatório final referido na alínea G), extrai-se, também, o seguinte: “(…).
1.1 Conta 621122 – Subcontratos
Foram registadas nesta conta três facturas e uma nota de crédito emitidas à “Empresa B...”, NIPC 5.... Como se pode verificar, Anexo I, nem a designação social nem o número fiscal correspondem à empresa em análise e, mesmo estando contabilizadas como custos do exercício, não são encargos fiscalmente dedutíveis por não estarem devidamente documentados.
(…).
Deste modo, não é aceite como custo fiscal, o valor de € 20.387,56, nos termos do art.º 42.º, n.º 1, alínea g) do Código do IRC.
(…).
1.2.1 Deslocações e Estadas contabilizadas na F..., Lda de 01-01-2001 até 16-11-2001
(…).
Quando a entidade patronal atribui Ajudas de Custo por o trabalhador estar deslocado ao serviço da empresa, estas devem constar de um boletim mensal que resuma o valor diário atribuído para além de todos os outros elementos justificativos da deslocação e, por esta via, o trabalhador não tem que prestar contas dos gastos que faz.
Ora acontece que, para os mesmos períodos referidos nos boletins de Ajudas de Custo, há documentos de saída de caixa referentes a alimentação paga aos mesmos motoristas com data posterior aos respectivos recibos de vencimento. Estes documentos de saída de caixa contabilizados em “Deslocações e Estadas” referentes a alimentação só seriam aceites como custo fiscal se tivessem como suporte documentos justificativos das refeições pagas e se, para a mesma data, não tivessem sido atribuídas ajudas de custo.
(…).
Em face do exposto, o montante de € 142.164,88 não está comprovado como indispensável para a obtenção dos proveitos nos termos do art.º 23.º do CIRC nem, estando registado em Deslocações e Estadas, se encontra devidamente documentado (…), nos termos do art.º 42.º, n.º 1, alínea g) também do CIRC.
1.2.2 Deslocações e Estadas contabilizadas na conta “622272 – Alojamento no Estrangeiro”
(…). Estes documentos referem-se a pagamentos a título de Ajudas de Custo no estrangeiro a motoristas que pertencendo ao quadro da “J..., Lda” estavam ao serviço da “F...” que foi integrada na B..., S.A. Estas despesas encontram-se registadas por documentos internos de saída de caixa (Anexo V) fazendo correspondência ao processo de aluguer do autocarro.
(…).
Temos assim dois aspectos a considerar:
1. Se a empresa B..., S.A. considera estas verbas Ajudas de Custo deveria fazê-las constar de um boletim, em regra mensal ou por viagem, onde fossem discriminados os dias, as localidades (…).
2. Por outro lado, ao contabilizar estas verbas como Deslocações e Estadas pressupõe que foram despesas efectuadas em viagens, com adiantamento do seu valor ou não, mas para as quais é necessário apresentar os respectivos documentos de despesa dos hotéis ou restaurantes, caso contrário são despesas não devidamente documentadas.
(…).
Em face do exposto, os valores contabilizados (…), não se encontram devidamente documentados de forma a comprovar a despesa efectuada e desta forma não são dedutíveis para efeitos fiscais nos termos do art.º 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC. O seu valor é € 19.867,14.

1.2.3 Deslocações e Estadas contabilizadas pela E... de 01-01-2001 até 16-11-2001
Os documentos seleccionados são os que mensalmente apresentam um valor mais elevado e referem-se a quilómetros percorridos em viatura própria incluídos no recibo de vencimento e que constam de uma relação de despesas contendo apenas o n.º de Km e o valor total, (…). Estes encargos estão sujeitos ao acréscimo de 20% se o seu valor não for facturado a clientes ou não forem tributados em sede de IRS.
Como não ficou provado nenhum destes requisitos, calcula-se 20% sobre € 9.147,45 de que resultaram € 1.829,49 a acrescer ao lucro tributável nos termos do art.º 42.º, n.º 1, f) do CIRC.
1.3 Ajudas de Custo
(…).
Sendo certo que esta empresa tem encargos elevados com ajudas de custo e que estão comprovadas (…), por outro lado constata-se que, a maior parte do seu valor não está facturado a clientes nem é mencionado no respectivo contrato (também verificado por amostragem aleatória a alguns processos).
(…).
No caso da B..., S.A. a facturação a clientes, quando existe, revela- se por valores muito inferiores aos efectivamente pagos e também não houve tributação de IRS porque por análise de alguns recibos de vencimento verificou-se que estes encargos não foram objecto de retenção.
(…).
Constata-se assim que as ajudas de custo facturadas a clientes por esta amostragem representam 18,69% (…).
Na impossibilidade de verificar todas as facturas e contratos e confrontá-los com os respectivos pagamentos de Ajudas de Custo, optou-se por projectar para o universo das Ajudas de Custo o procedimento de apenas estar facturada a clientes a percentagem de 19% o que significa que cerca de 81% das Ajudas de Custo pagas não está relevada na facturação.
(…).
Em face do exposto, o montante de € 221.043,33 não é dedutível para efeitos fiscais nos termos do art.º 42.º, n.º 1, alínea f) do CIRC.
(…) – cfr. fls. 201 a 416 dos autos;

I. No ano de 2001, a Impugnante efetuou serviços de transporte rodoviário de passageiros, num total de 35 milhões de quilómetros, tinha 630 viaturas ao seu serviço e 1002 colaboradores, dos quais 689 com a categoria de motoristas – cfr. depoimento da testemunha C...;

J. A atividade da Impugnante desenvolvia-se mediante a prestação de serviços públicos, denominadas “carreiras”, serviços previamente contratualizados com entidades privadas e serviços de aluguer ocasional a realizar em Portugal e no estrangeiro – cfr. fls. 78 a 83 dos autos e depoimento das testemunhas inquiridas;

K. No exercício normal da sua atividade, a Impugnante teve necessidade de contratar outras empresas transportadoras para fazer face ao aumento sazonal de procura pelos seus serviços, nomeadamente, à sociedade comercial “V..., Lda.” – cfr. depoimento das testemunhas inquiridas;

L. Em novembro de 2001, a sociedade comercial “V..., Lda.” emitiu as faturas n.ºs 4177, 4226 e 4267 e a nota de crédito n.º 194, em nome de “Empresa B...”, com indicação do NIPC 5... e com o descritivo “n/autocarro” – cfr. fls. 214 a 218 dos autos;

M. O aluguer de autocarros, a que se alude nas faturas referidas na alínea antecedente, foi efetuado para a Impugnante e afeto à adjudicação de serviços efetuado pelo Instituto Nac. Aprov. Tempos Livres a esta – cfr. fls. 78 a 89 dos autos;
N. As faturas referidas na alínea L) foram pagas pela Impugnante - cfr. fls. 90 e 91 dos autos;

O. A sociedade comercial “E…” dedica-se à manutenção de viaturas pesadas de transporte e à assistência a viaturas em deslocação e a sociedade comercial “E...” dedica-se à importação de equipamentos de ar condicionado e acessórios para viaturas – cfr. depoimento das testemunhas inquiridas;

P. No ano de 2001, a Impugnante e a sociedade comercial F... pagaram aos seus colaboradores a remuneração prevista no respetivo contrato de trabalho, o subsídio de refeição e os subsídios legalmente previstos no CCT celebrado entre a ANTROP e o Sindicato Nacional dos Motoristas, publicado no BTE, n.º 20, de 29/05/1999 e ainda determinadas quantias a título de ajudas de custo – cfr. fls. 231, 235, 239, 243, 247, 251, 255, 263, 362 a 388 dos autos e depoimento da testemunha C...;

Q. Os trabalhadores deslocados ao serviço da Impugnante preenchem um documento interno no qual elencam as despesas que suportam com cada deslocação – cfr. depoimento das testemunhas inquiridas;

R. Os colaboradores ao serviço da sociedade comercial “F...”, quando prestam trabalho deslocados da sede da empresa, preenchem um documento interno no qual identificam o cliente, o local, início do serviço e o local de destino, o número total de quilómetros percorridos e as despesas incorridas, nomeadamente, com parques, combustível, portagens e alojamento – cfr. fls. 318 a 331 e 339 a 355 dos autos;

S. Com referência às deslocações referidas na alínea Q), a Impugnante elabora documentos de saída de caixa, com a identificação do motorista, montante e com o descritivo “subsídio de alimentação” – cfr. fls. 292 a 341 dos autos;

T. Com referência às deslocações referidas na alínea R), a F... elabora documentos de saída de caixa, com a identificação do motorista, período temporal, número de processo interno, montante e descritivo “referente a alimentação” - cfr. fls. 220 a 228 dos autos;
U. Os funcionários da sociedade comercial E... que se deslocam ao serviço da empresa em viatura própria recebem, a título de ajudas de custo, um valor por quilómetro percorrido, não concretamente apurado – cfr. depoimento da testemunha C...;

V. No âmbito da atividade de transporte de passageiros, a Impugnante e a F... cobram aos clientes um determinado preço por quilómetro contratado, no qual está refletido todos os custos que esse serviço compreende, nomeadamente, com subsídios e ajudas de custo aos colaboradores – cfr. depoimento das testemunhas inquiridas.

Com relevância para a decisão da causa, não resultaram provados os seguintes factos:

1. O documento interno a que se alude na alínea Q) dos Factos Provados tinha que indicar a data das deslocações, o local das mesmas (ou o destino, para efeito de controlo de quilómetros), as horas de partida e de chegada; o motivo da deslocação (tipo de serviço e nome de cliente) e especificar todo o tipo de despesas incorridas;
2. A F... pagava aos trabalhadores um valor adicional ao que era pago a título de ajudas de custo, quando este valor não cobria todas as despesas incorridas por aqueles.

Inexiste qualquer outra factualidade que, relevando para o exame e decisão da causa, tenha sido julgada como provada ou não provada.

Fundamentação da matéria de facto:

O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos pelas Partes e que não foram objeto de impugnação, no Processo Administrativo (PA) apenso, a que se fez referência em cada uma das alíneas da matéria assente, no depoimento das testemunhas inquiridas e ainda por acordo.
Assim, para prova dos factos dados como provados em I), J), K), O), P), Q), U) e V) o Tribunal valorou, ainda, o depoimento prestado por B..., TOC e funcionária da Impugnante à data dos factos objeto dos autos e C..., empregado de escritório da Impugnante desde 1976 e à data dos factos tributários objeto dos autos, os quais, pelo exercício dessas funções, demonstraram um conhecimento direto desses factos e cujo depoimento se mostrou credível, isento e coerente.
Assim, as testemunhas esclareceram o tipo de atividade desenvolvido pela Impugnante e pelas sociedades comerciais que foram incorporadas naquela em 2001 e a forma como aquela atividade era desenvolvida e organizada internamente, especificando que, em alturas do ano em que os serviços prestados pela Impugnante eram mais procurados, havia necessidade de contratar o aluguer de viaturas a outras empresas e, nomeadamente, à “V..., Lda.” e que, no âmbito da prestação de serviços de transporte de passageiros, os preços são negociados e cobrados aos clientes por quilómetro contratado. A testemunha C... referiu ainda que os motoristas, além da remuneração prevista no CCT aplicável ao setor, recebiam ainda valores a títulos de ajudas de custo como compensação para despesas com as viagens efetuadas ao serviço da Impugnante, as quais eram controladas pela empresa mediante o preenchimento de documentos internos e que tais valores eram repercutidos no preço contratado (por quilómetro) com os clientes, mas que não era prática normal discriminar tais valores nas faturas emitidas, esclareceu, a este propósito, que no âmbito da contratação dos serviços, os clientes apenas querem saber do preço que determinado serviço – viagem – vai ter, no pressuposto, que é maioritário nas viagens contratadas, que todas as despesas em que o motorista incorre, nomeadamente, o respetivo alojamento, refeições e outras, estão incluídas no preço contratado, motivo pelo qual esses elementos não são, em quase todos os serviços, objeto da negociação/contratação. Quanto à E..., esclareceu que alguns colaboradores usam a sua viatura ao serviço da empresa e que, quando tal acontece, recebem um determinado valor por quilómetro percorrido.
Quanto aos factos não provados, os elementos documentais e prova testemunhal não lograram demonstrar a ocorrência dos mesmos. Quanto ao facto referido em 1), a testemunha B... ao referir o preenchimento dos documentos internos referiu que “julgo que devem indicar...”, no entanto, este depoimento, nesta parte, não foi suficiente para criar a convicção do Tribunal atenta a forma como foi prestado, em que a testemunha pareceu referir-se aos elementos que lhe pareciam poder fazer parte daqueles documentos e não ao que efetivamente constava. Já quanto ao facto referido em 2), nenhuma prova foi feita da verificação do mesmo.»

*

Conforme resulta dos autos, a Meritíssima Juíza do TT de Lisboa julgou parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, e parcialmente procedente a impugnação judicial na parte em que desconsiderou custos no valor de 241.430,89€.

A Fazenda Pública e a Impugnante não se conformam com o decidido na parte em que cada uma decaiu.

Apreciando cada um dos recursos.

A Recorrente Fazenda Pública vem recorrer da sentença, desde logo, na parte em que aquela anulou a correção da AT relativa aos custos referentes às faturas emitidas pela “V..., Lda”.

Quanto a esta correção, na parte com relevo para a decisão, entendeu-se o seguinte na sentença recorrida:

“Saber se deve ser aceite como custo fiscal para efeitos de IRC os valores que a administração tributária considerou como encargos não devidamente documentados, a saber: faturas emitidas pela “V..., Lda.”; deslocações e estadas no estrangeiro e deslocações e estadas contabilizadas na F..., Lda., de 01.01.2001 a 16.11.2011.
Em causa nestes itens estão correções à matéria tributável para efeitos de IRC, com referência ao disposto nos art.ºs 23.° e 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC (na redação em vigor à data dos factos tributários), pela desconsideração pela administração fiscal destes custos.
(…)
Em suma, resulta do exposto que, em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA. A exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só, para alguns autores, um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação.
(…)
Feita a resenha doutrinal e jurisprudencial aplicável, conclui-se, assim, que a eventual inexistência de documentos de origem externa não é impeditiva da consideração das despesas como custos fiscais, se, e na medida, em que o contribuinte demonstre, por qualquer meio de prova admitido em direito, as principais características da transação e tê-las efetivamente suportado.
Isto posto, importa analisar se a Impugnante logrou demonstrar esses requisitos, tendo em consideração que, com exceção do item “Deslocações e Estadas contabilizados na F...”, que a administração fiscal entende não estar comprovado como indispensável para a obtenção dos proveitos (além de não devidamente documentado), quanto aos demais itens, a administração fiscal apenas fundamentou a respetiva não aceitação como custo, para efeitos de determinação da matéria coletável, por ter entendido que os mesmos não estavam devidamente documentados.
Assim:
Quanto às faturas emitidas pela “V..., Lda. ”
Da factualidade dada como assente, temos de concluir que a Impugnante logrou demonstrar a efetividade desse custo e a suficiente documentação do mesmo.
Assim, resultou provado, que no exercício normal da sua atividade, a Impugnante teve necessidade de contratar outras empresas transportadoras para fazer face ao aumento sazonal de procura pelos seus serviços, nomeadamente, à sociedade comercial “V..., Lda.” e que em novembro de 2001, esta sociedade emitiu as faturas desconsideradas pela administração fiscal com os n.ºs 4177, 4226 e 4267, e a nota de crédito n.º 194, as quais, não obstante estarem emitidas com um NIPC que não correspondia, à data, ao da Impugnante, mas sim à sociedade comercial que a detinha maioritariamente, a sociedade comercial “J..., Lda.”, titularam o aluguer de autocarros à Impugnante, que os pagou, e que foram afetos a um serviço que lhes havia sido adjudicado pelo Instituto Nac. Aprov. Tempos Livres, ou seja, foram indispensáveis para a realização do proveito que geraram - cfr. alíneas C), K), L), M) e N) dos Factos Assentes.
Tais factos, conjugado com o facto da administração fiscal não pôr em causa que a Impugnante incorreu nesses custos, permite concluir que estes encargos estão suficientemente documentados, para efeitos do disposto nos art.ºs 23.º e 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC, assistindo, assim, nesta parte, razão à Impugnante.”

A Recorrente Fazenda Pública invoca que na sentença recorrida não se considerou o disposto no art. 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC, que estabelece que os custos não são fiscalmente dedutíveis quando não devidamente documentados, e são tributados autonomamente nos termos do disposto no art. 81.º, nº 1 e n.º 2, do CIRC por se tratarem de despesas confidenciais porque as faturas não contêm a descrição correta do nome da Impugnante, nem do seu NIPC. E ainda que as faturas referidas nas alíneas L) tenham sido pagas pela Impugnante são despesas confidenciais.

Vejamos.

Resulta da fundamentação da correção vertida no relatório de inspeção que a correção no valor de 20.387,56€, através da análise da conta 621122 “Subcontratos”, que a mesma assenta no entendimento de que a AT não aceitou como custo fiscal tal valor, por entender que tais despesas não são encargos fiscalmente dedutíveis por não estarem devidamente documentados nos termos do disposto no art. 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC.

Portanto, a questão da confidencialidade das despesas suscitada pela Recorrente Fazenda Pública não constitui fundamentação do ato tributário, e nessa medida, a argumentação da Recorrente Fazenda Pública, nessa parte, constitui fundamentação a posteriori do ato tributário o que não é admissível (v. por todos, o recente acórdão do STA de 28/10/2020, proc. n.º 02887/13.8BEPRT, em cujo sumário se escreveu: “I - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.
II - Assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correcção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou.”).



Assim sendo, a questão a decidir era tão-somente a de saber se as despesas em causas não se encontram devidamente documentadas, como se entendeu na ação de inspeção, e, portanto, se não são fiscalmente dedutíveis nos termos do disposto no art. 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC.

Ora, a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento de facto e de direito invocado, pois fez-se uma correta subsunção dos factos dados como provados (e que não foram eficazmente impugnados nos termos do disposto do art. 640.º do CPC) ao direito aplicável (art. art. 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC).

Na verdade, constitui jurisprudência pacífica que em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23.º, n.º 1, e 42.º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA, sendo que em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova (v. entre outros, Ac. do STA de 05/07/2012, proc. n.º 0658/11). Portanto, em sede de IRC, o documento justificativo do custo para efeitos do artigo 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC não tem de assumir as formalidades previstas para as faturas em sede de IVA, sendo suficiente que contenha os elementos essenciais das operações que titulam - os sujeitos, o preço, a data e o objeto dos serviços prestados - de modo a possibilitar à Administração Tributária quer ao controle para efeitos fiscais do gasto, quer da respetiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços – cf. acórdão do TCAS de 21/05/2015, proc. n.º 07833/14, de 22/02/2018, proc. n.º 08342/15, e de 03/12/2020, proc. n.º 1140/08.3BEALM).

Assim sendo, e tal como se entendeu na sentença recorrida, os custos em causa encontram-se suficientemente documentados, pois não obstante as faturas em causa estarem emitidas com um NIPC que não correspondia ao da Impugnante, a verdade é que, por um lado, a AT não põe em causa que a Impugnante incorreu nessas despesas, e por outro lado, resulta que a Impugnante suportou efetivamente tais despesas, face à matéria de facto que resultou provada nas alíneas C), K), L), M) e N) dos Factos Assentes. Tal irregularidade não impossibilitou o exercício da atividade fiscalizadora da AT, que pode controlar a existência efetiva do gasto para efeitos fiscais, e a respetiva tributação em imposto sobre o rendimento dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços.

Pelo exposto, não procedem os fundamentos invocados nas conclusões I) a VIII) das conclusões de recurso, sendo de manter a sentença recorrida nesta parte.

Recorre ainda a Fazenda Pública da sentença na parte referente às correções referentes a ajudas de custos.

Quanto a esta correção, na parte com relevo para a decisão, entendeu-se o seguinte na sentença recorrida:

“Ajudas de custo
Os Serviços de Inspeção Tributária também efetuaram correções à matéria tributável no item “Ajudas de Custo”, com o fundamento de que, não obstante as ajudas de custo estarem comprovadas por serem encargos necessários para a obtenção dos proveitos e constarem de documentos de suporte que permitem confirmá-las, constatar-se que a maior parte do seu valor não estar faturado a clientes nem estar mencionado no respetivo contrato e, no caso da B..., S.A., a faturação, quando existe, ser muito inferior aos valores efetivamente pagos.
Já a Impugnante sustenta que todos os montantes suportados com o pagamento de ajudas de custo está efetivamente repercutido nas faturas a clientes.
Da factualidade dada como provada, resultou que, no âmbito do transporte rodoviário de passageiros, o preço é negociado/contratado ao quilómetro e neste preço estão refletidos todos os custos que esse serviço comporta, nomeadamente, com as ajudas de custo aos colaboradores.
Como releva da prova testemunhal produzida e das regras da experiência comum, não parece aceitável e/ou justificável do ponto de vista comercial, a discriminação da faturação aos clientes do montante pago aos colaboradores a título de ajudas de custo, nomeadamente, aos seus motoristas. Sendo o preço contratado por quilómetro é natural e plausível que neste esteja incluído todos os custos incorridos nesse serviço, sendo apenas necessário discriminar, aquelas despesas que não estejam incluídas no preço e que, por força do contrato celebrado entre as partes, sejam pagas pelo cliente – cfr., a título de exemplo, faturas emitidas pela F... que constam no Anexo III do Relatório de Inspeção.
Aliás, os veículos automóveis usados pela Impugnante para o transporte de passageiros sofrem o desgaste próprio do uso, nomeadamente, com pneus, peças, inspeções, e as despesas suportadas pela Impugnante com esses itens também não são objeto de discriminação na faturação efetuada aos clientes, nem parece expetável que tal fosse obrigatório.
Assim, resultando provado que tais ajudas de custo estão refletidas no preço final faturado aos clientes, afigura-se estar preenchido o requisito previsto na lei, pelo que, nesta parte assiste razão à Impugnante.”

Invoca a Recorrente erro de julgamento de facto, e por outro lado, erro de julgamento de direito quanto à aplicação do disposto no art. 42.º, n.º 1, alínea f) do CIRC, uma vez que, tal como se fundamentou no relatório de inspeção, a faturação a clientes, quando existe, revela-se por valores muito inferiores aos efetivamente pagos, e noutros casos os custos não estão evidenciados na fatura feita com referência ao contrato, e em muitos casos, nem o contrato, nem a fatura fazem qualquer referência às ajudas de custo.

Vejamos.

Resulta da fundamentação constante do relatório de inspeção que a correção assentou no entendimento da AT de que as despesas em causa não são dedutíveis nos termos do disposto no art. 42.º, n.º 1, alínea f) do CIRC porque não estavam faturadas as clientes. Afirma-se que a faturação a clientes quando existe, revela-se por valores muito inferiores aos efetivamente pagos, noutros casos verificou-se que não estando evidenciadas na fatura era feita referência ao contrato, mas em muitos casos, nem o contrato nem a fatura fazem qualquer referência às Ajudas de Custo. Mais resulta da pronúncia da AT sobre o exercício do direito de audiência prévia sobre o projeto de relatório de inspeção que a correção assentou na impossibilidade de se comprovar a faturação aos clientes, pois “na maior parte das faturas e respetivos contratos não é possível verificar-se se estão incluídos encargos desta natureza porque não lhes é feita qualquer referência”.

Ou seja, a conclusão da AT de que as ajudas de custo não estavam faturadas a clientes, fundou-se na ausência dessa referência nas faturas ou nos contratos, sendo que o montante considerado como não faturado a clientes é apurado com base numa amostragem das faturas. Ora, entendemos que estes elementos apurados são insuficientes para que se possa entender que a AT cumpriu com o ónus da prova que sobre si recai nos termos do art. 75.º, n.º 1, da LGT.

Senão, vejamos.

Dispõe o art. 42.º, n.º 1, alínea f) do CIRC (na redação em vigor à data dos factos tributários) que, não são dedutíveis as despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, e a totalidade das mesmas sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência e objetivo, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário.

Ora, a não dedutibilidade das ajudas de custo em 20% prevista no disposto na alínea f), do n.º 1, do art. 42.º do CIRC pressupõe que as ajudas de custo não tenham sido faturadas a clientes, este é o requisito legal para a limitação da dedução desses custos, mas em momento algum exige-se a sua discriminação das ajudas de custo nas faturas. Ou seja, a lei não exige que a referência às ajudas de custo faça parte do descritivo da fatura, e, portanto, não é legítimo que a AT proceda a correções ao abrigo daquele dispositivo tão-somente com esse fundamento, ou seja, sem ter coligido indícios concretos junto da contabilidade da Impugnante que tais ajudas de custo não foram faturadas.

Na verdade, não exigindo a lei que as faturas discriminem as ajudas de custo nas faturas dos clientes, tal significa que não existe qualquer irregularidade formal que pudesse afastar a presunção de veracidade conforme o disposto no n.º 1 do art. 75.º da LGT, pelo que, vigorando aquela presunção, então cabe à AT o ónus da prova dos pressupostos em que assentam a correção (cf. n.º 1, do art. 74.º da LGT). Cabia-lhe, coligir indícios consistentes de que as ajudas de custo contabilizadas pela Impugnante não foram faturadas aos clientes.

Repare-se que a Impugnante sempre afirmou que todos os montantes suportados com o pagamento de ajudas de custo estava efetivamente repercutido nos montantes faturados. E, na verdade, resulta das regras da experiência comum que existindo ajudas de custo só nos casos em que o preço acordado com o cliente não incluísse tais ajudas de custo é que faria sentido lhes fazer referência nas faturas emitidas, e mais evidente é o caso dos autos, em que o preço é contratado ao quilómetro (cf. alínea V) dos factos provados), ou seja, naturalmente esse preço incorpora todos os custos do serviço, inclusive as ajudas de custo aos colaboradores.

Acresce que em sede de ação de inspeção a AT limitou-se a um apuramento através de amostragem das faturas e seus descritivos e contratos existentes, mais entendendo que deveria estar discriminado nas faturas as ajudas de custo, e mais, não solicitou à Impugnante quaisquer outros elementos de forma a poder apurar a faturação das ajudas de custo aos clientes. Ademais, o que sobressai é que a AT não identificou qualquer incongruência ou desproporcionalidade entre as ajudas de custo contabilizadas e os serviços prestados aos clientes, ou entre aquelas e os montantes faturados, o que tanto basta para que se conclua que a AT não cumpriu com ónus que sobre si recaía, nomeadamente, até porque os montantes apurados foram por amostragem de faturas que não continham a menção às ajudas de custo, ou que não se referiam ao contrato.

Ou seja, a fundamentação da correção assenta na ausência da referência das ajudas de custo nas faturas, e como já referimos, tal não constitui exigência legal, e por outro lado, a conclusão de que a Impugnante não repercutiu nos seus clientes determinando montante de ajudas de custo foi apurado por amostragem, ou seja, não foi por análise direta de toda a documentação da Impugnante que revelassem indícios de que as ajudas de custo não foram faturadas aos clientes. Tudo conjugado, importa concluir que a AT não cumpriu com o ónus da prova que sobre si recai.

De todo o modo, in casu, até resultou provado em tribunal (conforme facto assente na alínea V, e que não foi impugnado nos termos do art. 640.º do CPC) que no âmbito da atividade de transporte de passageiros, a Impugnante e a F... cobram aos clientes um determinado preço por quilómetro contratado, no qual está refletido todos os custos do serviço inclusive, com subsídios e ajudas de custo aos colaboradores.

Ou seja, resultou provado que essas ajudas de custos estavam contidas no preço contratado, o que tanto basta para que se entenda que as ajudas de custos foram faturadas ao cliente, não havendo lugar a aplicação do disposto no art. 42.º, n.º 1, alínea f) do CIRC, e, portanto, a correção não se poderá manter.

Num caso respeitantes a ajudas de custo e a aplicação do art. 42.º, n.º 1, alínea f) do CIRC, acórdão do TCAS de 15/07/2009, proc. n.º 02014/07, em que se pode ler o seguinte no respetivo sumário: “1. As ajudas de custo têm uma natureza compensatória e destinam-se a reembolsar o trabalhador pelas despesas que suportou em favor da sua entidade patronal, por motivos de deslocações ao seu serviço;
2. Em caso de correcções ao declarado pela empresa contribuinte cabe à AT, a demonstração dos pressupostos legais do seu agir;
3. Para que a AT afaste o princípio declarativo, por considerar insuficientes os elementos que lhe forma fornecidos pelo contribuinte, no exercício do seu poder/dever de controlo da legalidade, tem de estribar, fundamentadamente, a razão de tão insuficiência;
4. No caso e por referência ao ano de 1999 a redacção do artº 41º al. f) do CIRC (Redacção dada pela Lei nº 87-B/98 de 31/12) era menos exigente do ponto de vista de documentação das ajudas de custo que a lei que lhe sucedeu ( artº 42º al. f) do CIRC na redacção (Redacção dada pela Lei nº 87-B/98 de 31/12).
5) No caso a impugnante sustentou o pagamento de ajudas de custo em folhas de ponto elaboradas pelos motoristas da impugnante e nas guias de remessa das mercadorias.
6) A impugnante fazia reflectir na facturação dos seus clientes o custo com o pagamento de ajudas de custo embora não o discriminasse como também não discriminava outros custos (ex. gastos de pneus, reparação viaturas etc) por respeito a práticas comerciais normalmente seguidas nas relações entre empresas”

Pelo exposto, não procedem os fundamentos invocados nas conclusões IX) a XV) das conclusões de recurso, sendo de manter a sentença recorrida nesta parte.

Portanto, e em suma, é de negar provimento ao recurso da Fazenda Pública.

Prosseguindo.

A Recorrente invoca que estando preenchidos os pressupostos e requisitos materiais exigidos pela lei fiscal para a dedutibilidade dos custos, esta não pode ser negada, não concordando com a sentença na parte relativa às correções no valor de 142.164,88€, correspondentes a despesas dos motoristas ao serviço da Impugnante, e 19.867,14€ correspondentes a deslocações e estadas ao estrangeiro, enfermam de vício de violação de lei, designadamente do n.º 1, do art. 23.º, e do n.º 1, da alínea f) e alínea g), do art. 42.º do CIRC (conclusões 8 a 13 das conclusões de recurso).

Vejamos.

Quanto a esta correção, no montante de 19.867,14€ correspondente a deslocações e estadas ao estrangeiro, resulta do relatório de inspeção que dizem respeito a pagamentos “a título de ajudas de custo” no estrangeiro a motoristas que estavam ao serviço da “F...” (sociedade incorporada na Impugnante). A correção fundou-se no facto de que se a Impugnante considera que tais montantes são ajudas de custo, então, deveria fazê-las constar de boletim, onde fossem discriminados os dias, as localidades, o n.º de contrato, e o valor diário atribuído descontado do subsídio de alimentação. Por outro lado, tais despesas encontrando-se contabilizadas na como Deslocações e Estadas, deveriam estar suportadas por documentos de despesas em hotéis ou restaurantes, porém, apenas existia documentos internos de saída de caixa. Deste modo, a AT considerou tais custos como não dedutíveis, nos termos do disposto no art. 42.º, n.º 1, alínea g), do CIRC, por não se encontrarem devidamente documentados.

Na sentença recorrida entendeu-se o seguinte “ (…) Da factualidade dada como provada resulta que a Impugnante pagou aos seus colaboradores a remuneração prevista no respetivo contrato de trabalho, o subsídio de refeição e os subsídios legalmente previstos no CCT celebrado entre a ANTROP e o Sindicato Nacional dos Motoristas, publicado no BTE, n.º 20, de 29/05/1999 e ainda determinadas quantias a título de ajudas de custo. Também se provou que os colaboradores afetos ao serviço da sociedade comercial “F...”, quando prestam trabalho no estrangeiro preenchem um documento interno no qual identificam o cliente, o local e início do serviço e o local de destino, o número total de quilómetros percorridos e as despesas incorridas, nomeadamente, com parques, combustível, portagens e alojamento e que, com referência a estas deslocações, a Impugnante elabora os documentos de saída de caixa com o descritivo “Ajudas de Custo no Estrangeiro”, com a identificação do motorista e do montante a título de “subsídio de alimentação,” cujos valores são lançados na conta 622272 – Alojamento no Estrangeiro.
Ora, constituem ajudas de custo os abonos auferidos pelos trabalhadores, referentes a deslocações (alimentação e alojamento) por si efetuadas em benefício da entidade patronal, desde que se destinem a compensar o trabalhador pelas despesas por si suportadas e relativas a essas mesmas deslocações – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23/03/2010, proc. n.º 3616/09, disponível em www.dgsi.pt e José Guilherme Xavier Basto, in IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.129 e seg.
Por sua vez, as despesas de deslocações e estadas, são as suportadas pelos sujeitos passivos de IRC quando estivermos perante encargos com transporte, estadias e refeições comportadas com trabalhadores dependentes daempresapormotivos de deslocação destes para fora do local de trabalho e mediante a apresentação de um documento comprovativo, mais devendo tais custos ser inscritos na conta 62. Mas, se tais encargos forem suportados através de ajudas de custo (sem apresentação do respetivo documento comprovativo da despesa), aí sim devem ser inscritos na conta 64 - Custos com o pessoal - cfr., neste sentido, António Borges e Martins Ferrão, in A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág.277.
Esta distinção está, inclusive, vertida na cláusula 49.ª do BTE, n.º 20, de 29/05/1999, o qual, sob a epígrafe “Deslocações ao estrangeiro – alojamento e refeições”, dispõe que:
“1 – Consideram-se nesta situação todos os trabalhadores que se encontram fora de Portugal Continental.
2- Os trabalhadores, para além do salário normal ou de outros subsídios consignados neste CCT, têm direito:
a) Ao valor de 1700$00 diários, sempre que não regressem ao seu local de trabalho;
b) A dormida e refeições (pequeno-almoço, almoço e jantar), contra a apresentação dos respetivos documentos comprovativos.”
Assim, é o próprio BTE aplicável ao setor dos transportes e ao qual estava vinculada a Impugnante que estipulava que os trabalhadores deslocados no estrangeiro recebiam uma determinada quantia fixa por cada dia de trabalho, o qual consubstancia uma ajuda de custo para efeitos fiscais, e uma quantia variável mediante a apresentação dos documentos comprovativos das despesas incorridas, as quais, em termo fiscais, se enquadram na conta 622 – Deslocações e Estadas.
Ora, do exame da factualidade provada, e nomeadamente, da documentação apresentada pela Impugnante e referida supra, conclui-se que tais documentos patenteiam uma informação insuficiente para, com certeza e segurança, se poder concluir pela efetiva realização das despesas aí referidas, nomeadamente, com alimentação, dormida e deslocação. A documentação apresentada está desacompanhada de qualquer tipo de justificativo externo, capaz de complementar e conferir uma aura de verdade aos valores e declarações nos mesmos inscritos. Refira-se que a deficiência da documentação não está na específica nomenclatura dos documentos, mas no respetivo conteúdo informativo, na realidade que os mesmos são capazes de assegurar.
Atento o exposto, conclui-se que as despesas contabilizadas como custos pela Impugnante com “Deslocações e estadas no estrangeiro”, a que se refere o relatório final de inspeção, têm de considerar-se como encargos não devidamente documentados, pelo que, nesta parte, não assiste razão à Impugnante.

Em suma, a sentença recorrida entendeu manter a correção com o fundamento de que as despesas estavam contabilizadas na conta Deslocações e Estadas, e, portanto, a documentação apresentada pela Impugnante é insuficiente para documentar devidamente o custo, confirmando o juízo da AT de que estamos perante encargos indevidamente documentados.

E na verdade, nenhum reparo importa fazer à sentença recorrida.

Efetivamente, é preciso que as despesas em causa estavam contabilizadas na conta na conta Deslocações e Estadas, e assim sendo, se a Impugnante alega que revestiam natureza diversa, constituindo ajudas de custo pagas, então, estamos perante um facto constitutivo do direito da Impugnante, é a esta que cabe o ónus da prova, nos termos do disposto no art. 74.º da LGT.

Ora, no relatório de inspeção afirma-se que todas as despesas estão identificadas por referência a um “processo de serviço” e que analisado um deles “verificou se que são arquivados diversos documentos que constam de listagens do percurso, faxes entre a F... e a agência organizadora das viagens, folhas de serviços dos motoristas com discriminação dos quilómetros percorridos diariamente e uma folha de despesas de viagem com o resumo das várias categorias de despesas efetuadas, sendo uma dessas categorias denominada por subsídio de alimentação que é registado em Deslocações e Estadas (Anexo VI)”.

Contudo, e ao contrário do que invoca a Recorrente, da análise do referido “processo de serviço” contante do anexo VI do relatório de inspeção não resulta que tais montantes registados em folha autónoma revistam a natureza de ajudas de custo, conforme alega, pois encontram-se nessa mesma lista, para além do mais, despesas de “higiene e conforto”, “lavagens e lubrificações”, “seguros de fronteira”.

Por outro lado, também não corrobora a alegada natureza de ajudas de custo o facto de no relatório de inspeção se explicitar que noutras situações idênticas as despesas com ajudas de custo estavam discriminadas e constavam de folha dirigida à contabilidade para efeitos do seu processamento e as despesas com deslocações e estadas contabilizadas na conta 62227 tinham os respetivos documentos de suporte. Ademais, a AT refere que tais despesas não estavam em qualquer boletim.

Portanto, em suma, não resulta provado que as despesas em causa consubstanciavam ajudas de custo, tanto mais que os procedimentos contabilísticos da Impugnante, noutras situações semelhantes, indiciam exatamente em sentido contrário, pois noutros casos a distinção contabilística era correta, pelo que a Impugnante não logrou provar o facto constitutivo do seu direito, e nessa medida, a correção assente no disposto na alínea g), do n.º 1, do art. 42.º do CIRC é de manter.

Portanto, e nesta parte, não assiste razão à Recorrente Impugnante.

Pelas mesmas razões supra expostas, e no que diz respeito à correção no valor de 142.164,88€ respeitante a despesas com alimentação de motoristas, resultantes dos serviços prestados pelo aluguer de viaturas com condutor, também não assiste razão à Impugnante, que também nesta parte não logrou satisfazer o ónus probatório que sobre si recaia uma vez que, tal como a correção anterior as despesas em causa estavam contabilizadas na conta na conta Deslocações e Estadas, e assim sendo, se a Impugnante alega que revestiam natureza diversa, constituindo ajudas de custo, então, estamos perante um facto constitutivo do direito da Impugnante, é a esta que cabe o ónus da prova, nos termos do disposto no art. 74.º da LGT.

Efetivamente, resulta do relatório de inspeção que a AT entendeu que tais documentos se encontram registados por documentos internos de saída de Caixa na conta Deslocações e Estadas, e nessa medida, tais custos com refeições de motoristas só poderiam ser dedutíveis se tivessem suporte justificativo das refeições pagas, e se, para a mesma data, não tivesses sido atribuída “Ajudas de Custo”. Deste modo, a correção assentou, por um lado, na falta de comprovação da indispensabilidade desses custos nos termos do disposto no art. 23.º do CIRC, e por outro lado, porque estando contabilizado na conta Deslocações e Estadas não se encontra devidamente documentado, e, por conseguinte, constitui um encargo não dedutível nos termos do art. 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC.

Considerando as considerações supra confirmamos a sentença recorrida, nesta parte entendeu-se o seguinte:

Deslocações e estadas contabilizadas na F..., Lda., de 01.01.2001 a 16.11.2011

Quanto a este item, sustenta a administração fiscal que do total dos valores contabilizados, a quantia de € 142.164,88 corresponde a despesas com alimentação dos motoristas, suportadas por documentos internos de saída de caixa, mas sem documento de suporte justificativo dessa despesa; alegam também que, para o mesmo período temporal, são pagas as mesmas quantias, aos mesmos motoristas, a título de Ajudas de Custo.
Já a Impugnante sustenta que incorreu efetivamente nessas despesas as quais visam ressarcir o trabalhador das despesas incorridas por uma determinada deslocação, ao serviço da empresa, e que o valor inicialmente pago ao trabalhador, a título de ajudas de custo, nem sempre o ressarcia totalmente das despesas incorridas.
Analisado o suporte documental que constado relatório de inspeção a este propósito e os factos dados como provados, verifica-se que os documentos de saída de caixa têm a menção “referente a alimentação”, o período temporal a que respeitam, o número de processo interno a que respeitam e o montante. Sucede que, com referência ao mesmo processo que consta nestes documentos de saída de caixa, ao mesmo motorista e período temporal, também foram emitidos pela Impugnante boletins de deslocação com valores atribuídos a título de ajudas de custo e que foram processados nos respetivos recibos de vencimento como ajudas de custo de deslocação; veja-se, a título de exemplo, fls. 220, 230 e 231 dos autos.
Ora, a argumentação expendida supra a propósito do item “deslocações e estadas no estrangeiro”, tem inteira aplicação na apreciação e decisão da aceitação, ou não, destas despesas como custos para efeitos fiscais, a qual se dá, assim, por integralmente reproduzida.
Acresce que, não logrou a Impugnante demonstrar a que concretas despesas se referem os montantes titulados nos documentos de saídas de caixa e, nomeadamente, que tais valores se destinavam a compensar os trabalhadores das quantias que despendiam acima do valor já pago a título de ajudas de custo.
Atento o exposto, conclui-se que as despesas contabilizadas como custos pela Impugnante com “Deslocações e estadas contabilizadas na F..., Lda., de 01.01.2001 a 16.11.2011”, a que se refere o relatório final de inspeção, têm de considerar-se como encargos não devidamente documentados e também não resultou demonstrada a efetividade daquele custo nem a necessária relação causal com os proveitos e ganhos da empresa, pelo que, nesta parte, não assiste razão à Impugnante.

Saber se deve ser aceite como custo fiscal para efeitos de IRC os valores que a administração tributária desconsiderou com fundamento no art.º 42.º, n.º 1, alínea f) do CIRC, a saber: deslocações e estadas contabilizadas pela E... de 01.01.2001 a 16.11.2011 e ajudas de custo.”

Pelo exposto, nesta parte, também é de manter a sentença recorrida.

Invoca ainda a Recorrente, quanto às ajudas de custo pagas aos trabalhadores da E..., a Recorrente não concorda com a sentença recorrida, entendendo que logrou demonstrar que todas as despesas dos trabalhadores são faturadas aos clientes, ainda que os preços sejam previamente acordados, e apesar de estas não se encontrarem explicitamente discriminadas nas faturas, pelo que foi violado o disposto no art. 23.º, n.º 1, e art 42.º, n.º 1, alínea f), ambos do CIRC (conclusões 14 a 15 das alegações de recurso.

Na sentença recorrida entendeu-se o seguinte:

“Deslocações e estadas contabilizadas pela E... de 01.01.2001 a 16.11.2011
A Inspeção Tributária desconsiderou como custo, para efeitos fiscais, encargos da sociedade comercial “E...”, contabilizados como “Deslocações e Estadas”, no período de 01.01.2001 a 16.11.2001 com o fundamento de não ter ficado provado que estes encargos foram faturados aos clientes ou que não foram tributados em sede de IRS.
Já a Impugnante sustenta que tais valores visavam reembolsar os mecânicos pelas deslocações efetuadas ao serviço das empresas, sendo condição para o respetivo reembolso o preenchimento de um documento indicando qual a deslocação e as datas das mesmas e que tais montantes estão repercutidos nas faturas para clientes, mesmo que em algumas delas não se faça referência ao respetivo valor.
Vejamos.
Os Serviços da Inspeção Tributária não colocaram em causa os valores contabilizados pela Impugnante a este título, mas não os aceitaram fiscalmente por não resultar demonstrado que tais custos foram faturados aos clientes.
Para efeitos da determinação do lucro tributável, dispõe o art.º 42.º, n.º 1, alínea f) do CIRC (na redação em vigor à data dos factos tributários) que, não são dedutíveis as “despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, e a totalidade das mesmas sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efetuado, um mapa através do qual seja possível efetuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respetivos locais, tempo de permanência e objetivo, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário.”
Resultado relatório de inspeção que a administração tributária calculou o valor de 20% sobre o montante global contabilizado neste item, e acresceu tal valor ao lucro tributável. Ora, atenta a redação do preceito supra referido, não podemos deixar de concluir que a correção efetuada pela administração tributária teve como pressuposto a não faturação a clientes, pois de outro modo, seria acrescido ao lucro tributável a totalidade das referidas despesas, o que não foi efetuado. É que, não obstante a administração fiscal referir que estes encargos estão sujeitos ao acréscimo de 20% porque não ficou provado a respetiva faturação a clientes ou porque não foram tributados em sede de IRS, o certo é que, o acréscimo ao lucro tributável foi efetuado em 20% do seu valor, ou seja, com referência à 1.ª parte do art.º 42.º, n.º 1, alínea f) do CIRC; pois de outra forma teria que ser acrescido ao lucro tributável a totalidade das referidas despesas, exceto na parte em que tivessem sido tributadas em sede de IRS na esfera do beneficiário.
Isto posto, e a respeito do modo e forma de faturação da sociedade comercial “E...” aos seus clientes, nada resultou provado. Não existe uma única fatura nos autos emitida pela E..., e o único facto que resultou provado a este respeito foi que esta sociedade comercial pagava aos colaboradores que se deslocavam ao serviço da empresa em viatura própria, a título de ajudas de custo, um determinado valor por quilómetro percorrido. Mas já quanto à forma como os serviços eram faturados aos clientes e se tais custos estavam repercutidos nos preços, nenhuma prova foi feita nos autos que permitam preencher o requisito de dedutibilidade deste custo para efeitos do disposto no art.º 42.º, n.º 1, alínea f) do CIRC.
Acresce que, as rúbricas de ajudas de custo e de deslocações e estadas são contabilizadas em contas diferentes, nos termos e de acordo com os fundamentos já expendidos supra, a propósito das “deslocações e estadas no estrangeiro”, que aqui se dá por reproduzido.
Atento o exposto, conclui-se que as despesas contabilizadas como custos pela Impugnante com “Deslocações e estadas contabilizadas pela E... de 01.01.2001 a 16.11.2011”, a que se refere o relatório final de inspeção, não são dedutíveis para efeitos de IRC, pelo que, nesta parte, não assiste razão à Impugnante.”

Ora, também quanto a esta correção não assiste razão à Impugnante, que também nesta parte não logrou satisfazer o ónus probatório que sobre si recaia uma vez que, tal como a correção anterior as despesas em causa estavam contabilizadas na conta na conta Deslocações e Estadas, e assim sendo, nos termos do disposto no art. 74.º da LGT cabia à Impugnante provar que tais custos estavam repercutidos nos preços faturados a clientes, e nenhuma prova foi feita nos autos que permitam preencher o requisito de dedutibilidade deste custo para efeitos do disposto no art.º 42.º, n.º 1, alínea f) do CIRC.

Sufragamos na íntegra a fundamentação da sentença, e nessa medida, não resulta provado que as despesas em causa consubstanciavam ajudas de custo, e nessa medida, a correção assente no disposto na alínea g), do n.º 1, do art. 42.º do CIRC é de manter.

Pelo exposto, também nesta parte, é de confirmar a sentença recorrida.

Invoca ainda a Recorrente, quanto à desconsideração dos custos, que foi violado o princípio da capacidade contributiva (art. 104.º, n.º 2 da CRP), pois os custos são indispensáveis, por relacionam-se com a gestão da Recorrente e com a obtenção dos lucros – conclusões 5 a 7 das conclusões de recurso.

Na sentença recorrida entendeu-se o seguinte:

“Violação do princípio da capacidade contributiva

A Impugnante alega que tendo incorrido nos custos desconsiderados pela administração fiscal e que determinaram a liquidação ora impugnada, foi violado o princípio da capacidade contributiva.
Vejamos.
Sobre esta questão, já se pronunciou o Acórdão do STA, de 05/07/2012, proc. n.º 0658/11, disponível em www.dgsi.pt , cujo entendimento perfilhamos e que passamos a citar:
Ao contrário do alegado pela recorrente, a resolução da questão que vem posta não pode ser encarada acentuando apenas o relevo que nos merecem os princípios da justiça e da capacidade contributiva, antes exige uma ponderação global dos interesses em presença mediada pelo princípio da proporcionalidade.
Com efeito, é preciso recordar e ter em conta que as exigências de natureza formal e de documentação dos custos têm subjacente a protecção do interesse público no combate à fuga e à evasão fiscal.
Assim, se por um lado releva o imperativo da tributação pelo rendimento real em virtude de não vir questionado que a recorrente suportou os encargos em causa, temos, do outro lado, de valorar e ponderar os interesses que estão subjacentes às exigências formais. É que as exigências dos arts. 23º e 42º do CIRC devem ser lidas em conjunto com as que a lei fiscal estabelece em geral sobre a escrita das empresas. Há assim a obrigação de as empresas disporem de “«contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal» (art. 98º, nº1, do CIRC), a exigência de “autenticação dos livros societários na repartição de finanças, nos casos excepcionais de impossibilidade de certificação segundo a lei comercial (art. 98º, nº 2, do CIRC)” e, por fim, a exigência da observância de um “rigoroso procedimento organizativo da contabilidade (art. 98º, nº 3, do CIRC, o qual, para além do registo cronológico das operações, sem emendas e rasuras (al.b) se deve apoiar«em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário» (al.a)” (Cfr. TOMÁS CASTRO TAVARES, ob. cit., p. 114.).
Nas palavras de TOMÁS CASTRO TAVARES (Cfr. ob. cit., pp. 114 e 115. ), esta ênfase sobre a rigorosa exigência documental, “para além de provocar um eficaz controlo da actividade do contribuinte, traduz-se, ainda, num mecanismo invisível de promoção da realidade (e eliminação da tentação de fraude fiscal, por mera ausência de declaração de dos rendimentos auferidos e/ou artificial inflacionamento dos custos suportados). O raciocínio subjacente a este corolário prende-se ao facto de que na cadeia das relações económicas, à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se, necessariamente, um proveito para outro. Ora ao estipular-se que a relevância fiscal da perda pressupõe um adequado suporte documental, está-se, do mesmo passo, a compelir o sujeito que a contrai à obtenção do correspondente título (sob pena de inedutibilidade do custo). Com isso, o agente que suporta o ganho, em face da respectiva confissão escrita e do cruzamento de informações, como que se vê na contingência de registar o proveito. Deste modo, por um invisível mecanismo de tensão, os requisitos formais (especialmente a obrigação de documentação) propiciam a veracidade das declarações dos contribuintes. Este recurso revela-se, aliás, especialmente necessário na hodierna sociedade de massas, em que a máquina tributária é incapaz de proceder ao completo e rigoroso controlo dos comportamentos de todos e de cada um dos sujeitos passivos”.
Em face do exposto, compreende-se que a lei estabeleça um apertado quadro sancionatório para a violação das obrigações acessórias e formais dos documentos justificativos dos custos das empresas: não dedutibilidade dos custos.
O problema passa, por conseguinte, pela análise do caso concreto, ponderando o grau de prejuízo para o interesse público decorrente da violação dos deveres formais em causa.

Ponderando que“as regras de natureza formal que implicam a documentação dos custos devem ser interpretadas em atenção aos fins para que foram criadas, SALDANHA SANCHES (Cfr. ob. cit., p. 90.), questionando quando é que o princípio da tributação segundo o lucro real deve ceder perante os fins sancionatórios que são um componente básico do ordenamento jurídico-tributário, conclui que o que pode justificar “a não consideração do custo são os fins de prevenção geral da lei fiscal: com a penalização dos contribuintes que se encontram fora do sistema. Para evitar o alastrar das situações irregulares como necessariamente sucederá se não houver sanções na lei.” No mesmo sentido, também RUI DUARTE MORAIS (Cfr. ob. cit., p. 80.) refere que o “princípio da dedutibilidade dos custos efectivamente suportados pelo sujeito passivo tem de ser temperado com as exigências de prevenção e combate da evasão fiscal.”
Ora, é precisamente este o caso da situação dos autos.
Ainda que não venha questionado que a recorrente suportou os custos em causa, o problema é que as exigências formais em sede de comprovação de custos visam propiciar à Administração fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que, como ficou dito, à revelação de um custo para um agente, contrapõe- se um proveito para o outro. Por outro lado, não estamos a falar de uma prática isolada, mas de uma prática reiterada e que envolve vários agentes económicos, compreendendo não apenas os vendedores ocasionais do mercado local que não dispõem de contabilidade organizada, como alega a recorrente, mas também estruturas empresarias que já estão obrigadas a ter contabilidade organizada, como será seguramente pelo menos o caso dos supermercados. No contexto apontado, decidir no sentido do propugnado pela recorrente, seria fazer tábua rasa da obrigação que impende sobre a recorrente quanto às exigências de contabilidade organizada e, ao mesmo tempo, convidara ficarem fora do sistema fiscal, múltiplos agentes económicos. Assim sendo, considerando que os princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real não são absolutos, antes têm como limites outros valores constitucionalmente protegidos, e que o princípio da justiça não pode dar cobertura a situações como as dos autos, numa ponderação global dos interesses em presença, mediada pelo princípio da proporcionalidade, deve dar-se prevalência ao interesse público da prevenção e combate à evasão fiscal, sendo que neste juízo de ponderação deve ser tido igualmente em conta o princípio da justiça na perspectiva dos contribuintes que cumprem as suas obrigações fiscais, que de outra forma seriam prejudicados e negativamente discriminados em face dos que sistematicamente não as cumprem.”

Atento o exposto, e sem necessidade de mais considerandos, conclui-se que não assiste razão à Impugnante, pelo que, nesta parte, improcede a pretensão desta.”

Também nesta parte é de confirmar a sentença recorrida que seguiu a jurisprudência vertida no acórdão do STA de 05/07/2012, proc. n.º 0658/11 que analise pormenorizadamente a questão da violação do princípio da capacidade contributiva quando está em causa correções fiscais aos custos contabilizados pelos contribuintes.

Ora, de igual modo aderimos a esta jurisprudência, e in casu, não há violação do princípio da capacidade contributiva.

Efetivamente, ao contrário do que parece entender a Recorrente, o princípio da capacidade contributiva não é absoluto, e a verdade é que, na parte em que a impugnação improcedeu a AT demonstrou os pressupostos da tributação, e a Impugnante não logrou fazer a prova necessária de modo a fazer prevalecer as deduções dos custos que contabilizou.

Pelo exposto, também nesta parte, é de manter a sentença recorrida.

A Recorrente Impugnante invoca ainda erro de julgamento da sentença recorrida, desde logo porque as correções carecem de fundamentação formal, ou seja, falta de fundamentação factual suficiente, tendo sido violado o disposto no art. 77.º da LGT e art. 268.º, n.º 3, da CRP (conclusões 1) a 4) das conclusões de recurso).

Na sentença recorrida entende-se o seguinte:

“Falta de fundamentação do Relatório Final de inspeção, nomeadamente, se foi violado o disposto no art.º 62.º, n.º 3, alíneas e) e i) do RCPIT.
A Impugnante imputa o vício de falta de fundamentação do relatório final, alegando que, este documento não procede à descrição completa do motivo que deu origem ao procedimento de inspeção e não fundamenta, nem junta os meios de prova que suportem as correções efetuadas.
Vejamos.
A fundamentação dos atos administrativos constitui um imperativo constitucional, expressamente previsto no art.º 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, cujo objetivo imediato é esclarecer concretamente a motivação do ato.
No âmbito do direito tributário tal exigência de fundamentação resulta diretamente do disposto no art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), que dispõe:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 – A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada deforma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
3 - Em caso de existência de operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, ou de operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo de imposto sobre o rendimento e qualquer outra entidade, sujeita ou não a imposto sobre o rendimento, com a qual aquele esteja em relações especiais, e sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei para essa situação, a determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar os seguintes requisitos:
a) Descrição das relações especiais;
b) Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo;
c) Aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a Direcção-Geral dos Impostos utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que de tais elementos sejam expurgados os dados suscetíveis de identificar as entidades a quem dizem respeito;
d) Quantificação dos respetivos efeitos. 4 – (…)
5- (…)
6- (…).”
Por sua vez, nos termos do disposto no art.º 125.º, n.ºs 1 e 2 do CPA, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
Nas palavras de Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, Vol. III, pág. 44 “a fundamentação consiste, portanto, em deduzir deforma expressa a decisão administrativa com as premissas fácticas em que assenta, visando impor à administração que pondere antes de decidir, contribuindo para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem a responsabilidade da decisão, além de permitir ao administrado seguir o processo mental que a ela conduziu.”
Assim, o ato estará bem fundamentado quando permita a um destinatário normalmente diligente ou razoável – uma pessoa normal – colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto ato administrativo, aferir das razões e da ajustada aplicação da lei ao caso concreto e forneça os elementos que lhe permitam uma defesa adequada, através da indicação dos motivos que levaram a decidir num dado sentido e não em qualquer outro.
Acresce que, como tem sido reiterado pela jurisprudência, de que se cita a título de exemplo o Acórdão do STA de 11/12/2007, recurso n.º 615/04, disponível em www.dgsi.pt, “o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte.”
Por outro lado, e como também foi sublinhado no Acórdão do STA de 10/09/2014, recurso n.º 1226/13, disponível em www.dgsi.pt, “não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exactidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. Com efeito, o discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.”
No caso específico da inspeção tributária, dispõe o art.º 62.º, n.º 3 do RCPIT que o relatório “deve conter, tendo em atenção a dimensão e complexidade da entidade inspecionada”, nomeadamente, a “descrição dos motivos que deram origem ao procedimento, com a indicação do número da ordem de serviço ou do despacho que a motivou”, “descrição dos factos fiscalmente relevantes que alteram os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, com menção e junção dos meios de prova e fundamentação legal de suporte das correções efetuadas.”
Reportando-nos agora ao caso dos autos, importa verificar se no relatório final de inspeção se encontram vertidos estes elementos e se estão explanadas as razões de facto e de direito, que conduziram às correções da matéria coletável impugnadas e se as mesmas são suficientes para esclarecer concretamente a motivação do ato.
Analisada a fundamentação vertida no relatório de inspeção – cfr. alíneas G) e H) da matéria assente - verifica-se que o mesmo contém a descrição dos motivos que deram origem ao procedimento, com a indicação da respetiva ordem de serviço e os elementos de facto e de direito que sustentaram as correções efetuadas.
Assim, contém a descrição dos factos que levaram a desconsiderar os custos aí elencados, para efeitos da determinação da matéria coletável, contém a fundamentação jurídica uma vez que foi indicada a violação do disposto no art.º 41.º, n.º 1, alíneas f) e g) do CIRC, sendo feita a ponderação da legislação em vigor e, para cada um dos custos desconsiderados, foi junta prova documental, a qual os serviços de inspeção tributária consideraram suficientes para sustentar as correções efetuadas.
Resultado exposto que estão suficientemente explanadas as razões de facto e de direito que a administração fiscal considerou para efeitos da desconsideração dos custos aí referidos e que levou à correção da matéria tributável, sendo a fundamentação suficiente para conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo do ato, não padecendo de qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência.
Assim, conclui-se pela improcedência do vício de falta de fundamentação invocado pela Impugnante.”

É de confirmar a sentença recorrida, também nesta parte, para cuja fundamentação remetemos. Na verdade, resulta efetivamente do relatório de inspeção (cf. alíneas G) e H) dos factos assentes) que este contém a descrição dos motivos que deram origem ao procedimento, com a indicação da respetiva ordem de serviço, e contém ainda os elementos de facto e de direito que sustentaram cada uma das correções efetuadas. Todas as correções permitem a um destinatário normal aferir das razões de facto e de direito da correção, permitindo uma defesa adequada, pelo que não se verifica ao vício de forma invocado.

Pelo exposto, e nesta parte, é de manter a sentença recorrida.

Em suma, improcede na íntegra o recurso da Impugnante, sendo de manter a sentença recorrida.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa.


Vencidas na presente causa a Recorrente Fazenda Pública e a Impugnante importa concluir que estas deram causa às custas, devendo ambas ser condenadas nas custas do processo.

Nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

Trata-se, pois, de uma dispensa excecional que depende de uma concreta e casuística avaliação pelo juiz e deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ter sido omitida, mediante requerimento de reforma da decisão — cf., neste sentido, o acórdão de 15/10/2014, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, no proc. n.º 01435/12.

Ora, considerando que a complexidade das questões, a conduta processual das partes que foi a normal e adequada, bem como ponderado o montante da taxa de justiça que será devida com base no valor da presente causa, face ao concreto serviço prestado, revela-se adequado e necessário face ao princípio da proporcionalidade, dispensar o remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP – cf. Ac. do STA de 18/03/2015, proc. n.º 01160/13: “Justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, se o montante da taxa de justiça devida se afigura desproporcionado em face do concreto serviço prestado, tendo em conta, designadamente, que a questão sujeita a recurso já foi anteriormente objecto de diversas decisões deste Supremo Tribunal e que o acórdão, usando da faculdade concedida pelo n.º 5 do art. 663.º do CPC, remeteu para a fundamentação expendida por aresto anterior.” (sublinhado nosso).


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23.º, n.º 1, e 42.º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA, sendo que em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova;

II. A não dedutibilidade das ajudas de custo em 20% prevista no disposto na alínea f), do n.º 1, do art. 42.º do CIRC pressupõe que as ajudas de custo não tenham sido faturadas a clientes, este é o requisito legal para a limitação da dedução desses custos, contudo, não se exige a sua discriminação das ajudas de custo nas faturas;

III. Não exigindo a lei que as faturas discriminem as ajudas de custo, tal significa que não existe qualquer irregularidade formal que pudesse afastar a presunção de veracidade conforme o disposto no n.º 1 do art. 75.º da LGT, pelo que, vigorando aquela presunção, então cabe à AT o ónus da prova dos pressupostos em que assentam a correção (cf. n.º 1, do art. 74.º da LGT), cabendo-lhe coligir indícios consistentes de que as ajudas de custo contabilizadas pela Impugnante não foram faturadas aos clientes.



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II. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subseção Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso da Fazenda Pública e ao recurso da Impugnante.


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Custas por ambas as partes, na proporção de 50% para cada uma, dispensando-se as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

D.n.


Lisboa, 24 de junho de 2021.

A Juíza Desembargadora Relatora
Cristina Flora
A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy