Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05223/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/29/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC. NULIDADE. MAIS-VALIAS. REINVESTIMENTO. LUCRO TRIBUTÁVEL.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. Cumpre com a fundamentação mínima a fixação da matéria de facto em que o juiz, em algumas alíneas, directamente, aporta para o documento respectivo a factualidade que faz fixar e em outras, no final, faz remeter para os documentos que enumera, onde fundou tal motivação;
2. Constitui o valor da realização para efeitos de apuramento do lucro tributável, o montante total obtido como contra prestação numa compra e venda, ainda que parte desse montante não seja pago em dinheiro à vendedora, mas sim em espécie, pela construção de diversas edificações;
3. Não faz parte do imobilizado corpóreo a detenção de um terreno para construção que foi adquirido em certa data e vendido cerca de dois meses depois, de uma sociedade cujo objecto social consistia na actividade de comércio a retalho em estabelecimentos não especificados, não beneficiando do reinvestimneto dos valores de realização na determinação do lucro tributável, quando também, tal terreno não se encontrou na sua detenção, pelo menos, durante um ano.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A... – Grandes Armazéns, S.A., identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 1.ª Unidade Orgânica – na parte que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1.O tribunal a quo, com interesse para a decisão da causa, considerou provado matéria de facto específica;
2. No entanto, atenta a matéria controvertida afigura-se que a mesma é manifestamente insuficiente para que se chegue à conclusão de que a ora recorrente não tem razão;
3. Cabia ao tribunal a quo além especificar, nomeadamente, os documentos juntos pela recorrente e depoimentos que tiveram por base a sua convicção;
4. Por conseguinte, salvo melhor entendimento, não se afigura cumprido o estatuído no art. 123 do CPPT;
5. A recorrente impugnou correcções efectuadas pela AT referentes ao exercício de 2002;
6. O tribunal a quo decidiu manter a correcção de €250.000,00, que fazia parte do preço de venda do terreno/valor de realização que seria pago aquando da verificação de facto futuro;
7. Como fundamento, o tribunal a quo considerou como incorrecta, seja em termos contabilísticos, seja em termos fiscais, dessa parte do preço acordado não estar reflectido como proveito;
8. De acordo com o princípio contabilístico da substancia sobre a forma, a recorrente entendeu que procedeu de forma correcta tendo em conta o acordado na escritura;
9. O objecto da venda ficou delimitado a um lote de terreno para construção com a área de 3180m2;
10. O preço era composto por uma parte variável e uma parte fixa;
11. A parte variável era calculada em função de receitas brutas de venda e a parte fixa ficou em €250.000,00;
12. Esta última parte seria paga aquando da escritura da propriedade horizontal do edifício que iria ser construído no prédio;
13. A compradora do prédio obrigou-se a edificar e a transmitir a propriedade das fracções autónomas que viessem a corresponder às caves cinco, seis e sete do edifício à ora recorrente pelo mesmo valor de €250.000,00;
14. Como acordado, o fluxo referente ao pagamento a efectuar pela compradora corresponderia, unicamente, à parte variável;
15. Assim para evitar fluxos financeiros recíprocos, foi desconsiderado o valor de €250.000,00 por ocorrer encontro de contas entre a vendedora e a compradora;
16. Porém, o tribunal a quo considerou que era um proveito a reflectir, positivamente, no resultado do ano, com o preço da sua compra de imobilizado das caves 5-6, cujo preço é reflectido, imediatamente, em conta do activo-balanço e só será reflectida, negativamente, em conta de resultados de vários anos, sob a forma quotas de amortização;
17. Sucede que o procedimento adoptado não significou alterações de relevo que exigissem a correcção feita;
18. Querendo a AT desconsiderar a dedução, para efeitos do apuramento do resultado fiscal, da totalidade da mais-valia contabilística apurada, através da desconsideração da dedução do montante de €250.000,00, também tinha de proceder à correcção da correspondente mais-valia fiscal;
19. O que não foi feito;
20. É que, ao manter a correcção, o tribunal a quo está a considerar dois valores de realização distintos sendo um para o apuramento da mais-valia contabilística e outro para a mais-valia fiscal resultantes de uma mesma operação de alienação, sendo esta a situação que resulta objectivamente da correcção efectuada;
21. Dos procedimentos adoptados não resultou diminuição indevida do resultado fiscal;
22. Os elementos da contabilidade da recorrente foram registados de acordo com a legislação em vigor;
23. Não houve infracção do art. 20º e art. 43 do CIRC como sustentou o tribunal a quo;
24. O valor cuja correcção o tribunal a quo quer manter não foi efectivamente recebido na data do titulo e estava dependente de circunstância futura que a AT não logrou provar a sua verificação segundo ao art. 74 da LGT;
25. Tal montante não concorria sequer para a formação do lucro tributável; (Art. 18 do CIRC)
26. Nos termos do disposto no art. 43 do CIRC, o ganho ficou dependente da ocorrência de facto futuro pelo que o procedimento efectuado pela recorrente não se afigura incorrecto e não infringe o estatuído no art. 20º e art. 43º do CIRC;
27. O tribunal a quo decidiu manter a correcção de €5.883.406,43 a título de mais-valias por considerar não estar no âmbito do regime estatuído no art. 45 do CIRC;
28. Ou seja, considerou que a parcela de terreno alienado, fonte produtora das mais valias, nunca se enquadrou na actividade ou objecto social da impugante e foi sempre intenção desta proceder à sua alienação sendo, por conseguinte, enquadrável em investimentos financeiros;
29. No entanto, da matéria de facto provada ou da escrita da recorrente, tal intenção não está evidenciada;
30. Em 01.04.1998, a recorrente adquiriu o direito de superfície sobre lote de terreno para construção com a área de 19.690 m2 uma vez que pretendia construir o seu estabelecimento comercial;
31. Por imposição legal e contratual, a recorrente viu-se obrigada a aceitar a transmissão do direito de superfície que abrangia a totalidade da área do lote de terreno;
32. A aquisição do direito teve como intuito exclusivo a construção do estabelecimento comercial no mesmo local, o mesmo foi inicialmente registado na rubrica POC 4422100000 – “Imobilizações em Curso – Outros”;
33. Acontece que na área abrangida pelo direito de superfície, não foi autorizada a edificação do estabelecimento com a volumetria que estava prevista;
34. Por facto que não lhe era imputável, a Recorrente deparou-se com o facto de, segundo critérios de volumetria estabelecidos, não lhe era permitido proceder à construção do seu estabelecimento comercial na totalidade da área abrangida pelo direito de superfície mas apenas relativamente a uma parcela;
35. Atentas as limitações de edificabilidade, sem alternativa, foi decidido edificar o estabelecimento sobre 16.510 m2, ficando em excesso a parcela de terreno com a área de 3180m2;
36. Sem alternativa, a recorrente decidiu desanexar e adquirir a referida parcela para conseguir afectar os recursos da venda à sua actividade;
37. Tal facto era imprevisível e a decisão acabou por tornar-se inevitável;
38. A parcela de terreno em causa proveio de prédio registado como elemento activo do imobilizado corpóreo;
39. A aquisição do direito de propriedade sobre a parcela de terreno foi a única alternativa encontrada para poder afectar os respectivos recursos à sua actividade;
40. O prédio – desde Abril de 1998 até Junho de 2002 – esteve sempre afecta/conexa à actividade operacional da Recorrente e nunca com o propósito de investimento financeiro;
41. Aliás, atento o disposto no art. 74 da LGT, cabia à AT afastar tal presunção, o que não o fez;
42. Apenas com a transmissão do terreno, três meses após a aquisição da plena propriedade do terreno à Câmara Municipal de Lisboa, que a parcela de terreno deixou de ter relevância para a actividade operacional da ora Recorrente;
43. Razão pela qual, antes do encerramento das contas do exercício, o referido terreno foi reclassificado para uma rubrica de imobilizado corpóreo de forma a dar cumprimento ao princípio contabilístico da substância sobre a forma;
44. Nem sequer foi afastada a presunção estabelecida no art. 75 do LGT;
45. Em suma, o tribunal a quo não teve em conta o estatuído nesse preceito e o facto de estarem preenchidos os pressupostos para a aplicação do regime estabelecido no art. 45 do CIRC;
46. Pelo exposto, a manutenção das duas correcções evidenciam que houve violação do preceituado no art. 123 do CPPT, art. 20 e art. 43 do CIRC, art. 74 e art. 75 da LGT, bem como do art. 45 do CIRC.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado provimento ao presente recurso, fazendo-se merecida JUSTIÇA.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


Não houve contra-alegações.


A Mma Juiz recorrida sustentou a sua decisão no que concerne ao vício de forma que lhe foi assacado.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a sentença recorrida padece do vício formal de falta da especificação da matéria de facto necessária à aplicação do direito devido; E não padecendo, se a verba de € 250.000,00, como prestação fixa do preço da venda do terreno, mas que não foi paga pela compradora à vendedora, por terem acordado que aquela satisfazia tal prestação com a construção de diversas obras para esta, não deve fazer parte do valor de realização para efeitos de mais-valias; E se a verba de € 5.960.749,53, correspondente a 50% do reinvestimento efectuado, deve como tal ser considerada no apuramento do lucro tributável por se reportar a bem do imobilizado corpóreo.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a Mmª Juíza do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) O A... - Grandes Armazéns, S.A. é uma sociedade anónima de direito português que, no âmbito do seu objecto social, prossegue, a título principal, a actividade de comércio a retalho em estabelecimentos não especificados, sem predominância de produtos alimentares, bebidas ou tabaco;
B) No exercício da sua actividade, a Impugnante encontra-se sujeita ao regime geral de tributação, em sede de IRC, sendo tributada nos termos do mesmo regime;
C) Tendo em consideração os requisitos de controlo e reporte financeiro internos definidos pelo grupo económico multinacional a que pertence, a Impugnante adopta um período de tributação não coincidente com o ano civil - com início a 1 de Março e termo a 28 (ou 29) de Fevereiro do ano subsequente - pelo que, no que respeita ao exercício de 2002, o mesmo decorreu no período compreendido entre 1 de Março de 2002 e 28 de Fevereiro de 2003;
D) Com referência ao exercício em apreço, a Impugnante procedeu à entrega da correspondente declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC ("declaração Modelo 22") dentro do prazo previsto para o efeito, nos termos da qual apurou um prejuízo fiscal no montante de Euro 600.840,67 (seiscentos mil, oitocentos e quarenta euros e sessenta e sete cêntimos), conforme evidenciado na respectiva cópia que foi junta com a p.i. sob a designação de Documento n.º 2, a fls. 48 e sgs. dos autos;
E) Neste contexto, foi a Impugnante objecto de um procedimento de Inspecção Tributária, em sede de IRC, com referência ao exercício de 2002, conduzido pelos técnicos dos Serviços de Inspecção Tributária de Lisboa ("SIT") da Divisão de Serviços de Inspecção Tributária;
F) A Impugnante foi notificada, no dia 23 de Novembro de 2006, do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, por referência ao exercício de 2002 (de que foi junta cópia sob a designação de Documento nº 3, a fls. 51 e sgs. dos autos), bem como para, querendo, exercer o direito de audição prévia que lhe assistia relativamente ao mesmo, concretamente, nos termos do qual foram propostas pelos SIT correcções à matéria colectável apurada no âmbito da referida declaração Modelo 22 de 2002;
G) As correcções propostas pelos SIT neste âmbito determinaram o acréscimo, em sede de IRC, do montante de Euro 6.495.351,21 (seis milhões, quatrocentos e noventa e cinco mil, trezentos e cinquenta e um euros e vinte e um cêntimos) ao prejuízo fiscal apurado por referência ao exercício de 2002 nos termos da respectiva declaração Modelo 22 de IRC submetida pela Impugnante, as quais resultam da consideração para efeitos de apuramento da matéria colectável (i) de custos alegadamente não aceites para efeitos fiscais referentes a diferenças negativas de caixa, (ii) de encargos não dedutíveis para efeitos fiscais associados a despesas indevidamente documentadas, (iii) de uma mais-valia contabilística alegadamente incorrectamente calculada, e (iv) de uma mais-valia fiscal inferior à correcta, em face do aproveitamento, igualmente alegadamente indevido, do mecanismo de reinvestimento dos valores de realização nos termos dos artigos 43.° e 45.°, ambos do código do IRC, conforme resumidamente evidenciado no quadro infra (valores expressos em Euro):

Correcções à
Descrição matéria
colectável
Custos não aceites - artigo 23.° do CIRC 231.768,51
Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais - artigo 42.° do 52.833,17
CIRC
Mais-valia contabilística 250.000,00
Reinvestimento dos valores de realização - artigos 43º e 45º, 5.960.749,53
nº 1 do CIRC
Total 6.495.351,21

H) Por não concordar com as correcções propostas no projecto de conclusões por parte dos SIT, e por considerar que havia procedido de forma correcta ao efectuar o descrito apuramento da respectiva matéria colectável, a ora Impugnante exerceu, oportunamente, o direito de audição que lhe assistia, contestando as correcções elencadas por aqueles Serviços;
I) Os SIT desconsideraram os argumentos apresentados no direito de audição em referência, tendo emitido o Relatório de Inspecção Tributária (de que foi junta cópia com a p.i. sob a designação de Documento nº 4, a fls. 75 e sgs, dos autos), mantendo exactamente as mesmas correcções em sede de IRC, tendo o mesmo sido notificado à Impugnante, no dia 11 de Dezembro de 2006;
J) A ora Impugnante foi notificada, a 20 de Dezembro de 2006, da liquidação adicional nº 2006 8310040381 (cf. Documento 1, fls. 47), relativa a IRC, de 11 de Dezembro de 2006, bem como das respectivas liquidações de juros compensatórios nºs 2006 00002431770 e 2006 00002431771, ambas de 14 de Dezembro de 2006 (de que se juntou cópia sob a designação de Documento nº 5, a fls. 109 dos autos), contabilizando um valor total a pagar de Euro 1.946.583,70 (um milhão, novecentos e quarenta e seis mil, quinhentos e oitenta e três Euros e setenta cêntimos).
L) Não concordando com os fundamentos subjacentes a tal indeferimento, veio a ora impugnante apresentar, em 20/04/2007, a presente impugnação judicial., conforme carimbo aposto a fls. 5 dos autos;
M) As diferenças negativas de caixa são efectivas e reais e decorrem do processamento das transacções em terminais de pagamento e do início da actividade da impugnante no mercado português. A formação insuficiente ou a adaptação de novos funcionários ao sistema de pagamento, as devoluções e outras ocorrências imprevisíveis dificultou o processamento dos movimentos. Tais factos originam diferenças de caixa, ainda que de valor unitário reduzido – cfr. depoimento testemunhal de Francisco Prates, então responsável pela Caixa Central da impugnante e Carlos Soares, responsável pela auditoria interna.
-x-
A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos juntos em cada ponto.

Factos não provados:
Não se provou que “o direito que veio a ser alienado mais tarde pela Impugnante, gerador das mais-valias em discussão, fazia parte integrante do activo imobilizado corpóreo desta.”

A que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC), se acrescentam ao probatório mais duas alíneas em ordem a conhecer, na íntegra, as razões da AT, vazadas no citado relatório, para desconsiderar as referidas duas verbas:
o) ...
3.1.3. Mais valia Contabilística - € 250.000,00
O sujeito passivo deduziu ao Q. 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22 o montante de € 12.304.492,64, referente às mais-valias contabilísticas apuradas no mapa 31 – Mapa das Mais-Valais e Menos-Valias Fiscais. Deste montante faz parte uma mais-valia contabilística de € 12.296.480,72 relativa à alienação de um terreno para construção de habitação. Da análise ao Balancete constata-se que a conta 79421 – Ganhos Alienação – Terrenos e Recursos Naturais e no que diz respeito aos lançamentos desta operação, reflecte apenas o apuramento de uma mais-valia contabilística de € 12.046.480,72, inferior em € 250.000,00 à apurada pelo próprio sujeito passivo através do mapa mod. 31 – Mapa das Mais-Valias e Menos-Valias Fiscais.
A diferença em causa resulta do seguinte:
O valor de realização da alienação do terreno, considerado pelo sujeito passivo no mapa 31 é de € 20.703.631,75 enquanto o valor contabilizado como proveito na conta 79421 Ganhos Alienação-Terrenos e Recursos Naturais é de apenas € 20.453.631,75, verificando-se assim não ter sido relevado contabilisticamente em proveitos o valor de € 250.000,00.
...
O sujeito passivo confunde assim o conceito de fluxo financeiro de receita/despesa com o conceito de proveito/perda, já que afirma que a operação das transacções envolveriam dois fluxos financeiros simétricos de igual valor.
...
p) A verba de € 5.960.749,53 não foi aceite como valor de reinvestimento dos valores de realização, por ...não sendo intenção do sujeito passivo afectar o terreno à sua actividade operacional, ...a parcela de terreno que adquiriu em Abril de 2002 e alienou em Junho do mesmo ano. Verifica-se em substância, que a aquisição do direito de propriedade plena desta parcela de terreno se concretizou tendo em vista a sua imediata alienação, o que de facto veio a acontecer. Assim não mais não se trata do que a realização de um investimento financeiro correctamente lançado inicialmente, pelo próprio sujeito passivo, na respectiva conta 414100000 – Investimentos Financeiros – Terrenos e Recursos Naturais.
...
Assim as Mais-Valias realizadas provenientes da alienação do terreno para construção em causa, não são passíveis de qualquer redução para efeitos de tributação, nos termos do artigo 45.º do CIRC ficando apenas abrangidas pelo articulado do art.º 43.º, devendo como tal ser consideradas na sua totalidade como um ganho obtido e tributado no ano da sua realização.
Refira-se ainda e por mera hipótese, que caso se tratasse da alienação de imobilizado corpóreo, e mais-valia em causa igualmente não poderia beneficiar de qualquer redução, para efeitos de tributação através do reinvestimento do valor de realização, já que o próprio n.º1 do artigo 45.º, é apenas aplicável às mais-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo, detidos por um período não inferior a um ano.
...

4. Na matéria das suas quatro primeiras conclusões das alegações do recurso, vem a ora recorrente assacar à sentença recorrida os vícios de errado julgamento da matéria de facto, por insuficiente para demonstrar a não razão da mesma e não ter esta procedido à especificação dos depoimentos e documentos que tiveram por base a sua convicção, tendo sido incumprido o disposto no art.º 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Nos termos do disposto no n.º2 do art.º 123.º, na sentença, o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões, norma que deve ser concatenada com a do art.º 659.º do Código de Processo Civil (CPC), no que à fundamentação da sentença, em geral, diz respeito(1), e que dispõe ...devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes ...sendo que em tal fundamentação deve ser efectuado um exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer, no fundo, deve o juiz dar a conhecer as razões da motivação que o levou a dar como provada certa matéria de facto, por referência às provas constantes dos autos, que contribuíram para tal convicção.

Tal dever de fundamentação do juiz, no que à matéria de facto provada diz respeito, no âmbito tributário em que nos encontramos, tem por conteúdo mínimo que o juiz, em cada uma das alíneas do probatório fixado indique o concreto meio de prova em que se esteia, ou no final indique quais os que para o efeito foram utilizados, sendo que no caso, nalgumas alíneas foram indicados os meios probatórios que nela foram decisivos, quer documental, quer testemunhal – cfr. alíneas D), F), I), J), L) e M) – sendo que para outras apenas valeu, a indicação a final, “o teor dos documentos juntos”, pelo que a sentença recorrida não padece do vício atinente(2), ainda que, reconheça-se, tal fundamentação se encontre perto do seu limiar mínimo, no que ao cumprimento dessa fundamentação diz respeito, pelo que a mesma não padece do invocado vício cuja arguição assim se desatende.

De resto, sempre ao ora recorrente lhe era facultado vir alegar e demonstrar, de acordo com a prova que entende ressumir dos elementos probatórios constantes dos autos, que a mesma era insuficiente para a conclusão jurídica alcançada na mesma sentença de improcedência da impugnação judicial, nesta parte, quer do errado julgamento dessa mesma matéria de facto, ao abrigo do disposto no art.º 690.º-A do CPC (redacção de então e a aplicável), o que não fez, pelo que não pode deixar de improceder a matéria das mesmas conclusões das alegações do seu recurso.


4.1. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida e na parte em que o foi e sobre que versa o presente recurso jurisdicional, considerou a Mmª Juíz do Tribunal “a quo”, em síntese, que o valor da alienação do terreno no mapa 31 foi de € 20.703,631,75 quando o valor contabilizado na conta ... é de apenas € 20.453,631,75, sendo que foi aquele primeiro que foi o preço de venda/valor de realização do terreno, tal como consta da respectiva escritura de compra e venda, não podendo a mesma pretender compensar essa parte do preço de tal terreno, o qual constitui um proveito no exercício do ano a que respeita com o preço da sua compra de imobilizado das caves 5-6, cujo preço é imediatamente reflectido em conta do activo-balanço e só será reflectida, negativamente, em conta de resultados de vários anos, sob a forma de quotas de amortização e quanto à correcção de € 5.960.749,53, relativa a reinvestimento dos valores de realização, havia apenas sido tributada em 50% por ter havido reinvestimento, ao abrigo do disposto no art.º 45.º do CIRC, o que não foi aceite, por tal terreno alienado não se encontrar afecto à actividade operacional da empresa, não podendo ser considerado como imobilizado corpóreo, nunca tendo sido preenchido o requisito de “utilização na sua actividade operacional, que não se destinem a ser revendidos”, para que pudesse ser contabilisticamente considerado como imobilizações corpóreas, sempre tendo sido intenção desta proceder à sua revenda, não tendo assim qualquer valor a reclassificação que a ora recorrente veio a efectuar em movimentos prévios ao encerramento das contas, depois de ocorrida a venda do terreno, em que adequadamente antes figurava na conta “4141 – investimentos financeiros – terrenos”, para esta, para pretender beneficiar dessa vantagem de tributação.

Para o impugnante e ora recorrente, é contra esta fundamentação que, nas restantes alíneas das conclusões das alegações do recurso, vem esgrimir argumentos em ordem a este Tribunal exercer um juízo de censura sobre esta parte da sentença recorrida em ordem à sua revogação, pugnando que tal verba de € 250.000,00, correspondente à parte fixa da venda do lote de terreno para construção e que seria paga aquando da escritura de constituição da propriedade horizontal, valor que foi desconsiderado por existir encontro de contas com a compradora, ao ter assumido a construção das ditas caves, do mesmo valor, não podendo tal desconsideração deixar de ter relevo a menos que a AT tivesse procedido à correcção de tal mais-valia, o que não fez, não tendo resultado dos procedimentos adoptados uma diminuição indevida de resultado fiscal, sendo que tal valor não chegou a ser recebido e havia ficado dependente de facto futuro, e, quanto à desconsideração da verba de €5.960.749,53, relativa a mais-valias, por tal parcela de terreno alienado nunca ter estado afecta à sua actividade ou objecto social sempre tendo sido intenção de proceder à sua revenda, intenção que não se encontra provada, sendo que no decurso do processo de edificação, após aquisição do direito de superfície do imóvel, não lhe foi possível proceder à edificação projectada na totalidade do mesmo mas tão só numa sua parte, pelo que desanexou a parte não edificável e procedeu à sua venda, como forma de poder afectar os respectivos proventos à sua actividade, o que a AT não logrou afastar, pelo que a liquidação correspondente deve ser anulada.

Vejamos então.
Nos termos do disposto no art.º 20.º do CIRC(3), consideram-se proveitos ou ganhos os derivados de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, designadamente os resultantes de: (seu n.º1)
...
f) Mais-valias realizadas;
...
Por sua vez o conceito de mais-valias encontra-se previsto no seu art.º 43.º, n.º1, consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, e, bem assim, os derivados de sinistros ou os resultantes da afectação permanente daqueles elementos a fins alheios à actividade exercida.

No caso, como se não encontra em causa, o valor total da transmissão foi o citado montante de € 20.703.631,75, pelo que, ao abrigo das citadas normas, não pode ser outro o valor da realização como pretende a impugnante e ora recorrente, a pretexto de que tinha para com a compradora um fluxo monetário a seu favor daquela quantia de € 250.000,00, em espécie, desta forma não tendo existido este pagamento para a mesma, confundindo a mesma, como bem se assinala, o conceito de fluxo financeiro de receita/despesa com o conceito de proveito/perda, sendo que o resultado de tal operação de compra-venda é que traduz a dimensão quantitativa dessa mais-valia, independentemente de a impugnante ser devedora ou credora para com a compradora, de receber tal montante ou mesmo, não receber nada, mercê de ser devedora de quantia superior a tal preço e fosse exercida a correspondente compensação ou dação em pagamento, como bem se pronuncia também a M. Juiz do tribunal “a quo” na sentença recorrida.

Como se proclama no ponto 5.º do preâmbulo do CIRC, o conceito de lucro tributável que se acolhe em IRC tem em conta a evolução que se tem registado em grande parte das legislações de outros países no sentido da adopção, para efeitos fiscais, de uma noção extensiva de rendimento, de acordo com a chamada teoria do incremento patrimonial.
Esse conceito – que está também em sintonia com os objectivos de alargamento da base tributável visados pela presente reforma – é explicitamente acolhido no Código, ao reportar-se o lucro à diferença entre o património líquido no fim e no início do período de tributação.
...
Entre as consequências que este conceito alargado de lucro implica está a inclusão no mesmo das mais-valias e menos-valias, ainda que, por motivos de índole económica, limitada às que tiverem sido realizadas. A realização é, porém, entendida em sentido lato, de modo a abranger quer os chamados ganhos de capital voluntários (v. g. derivados da venda ou troca), quer os denominados ganhos de capital involuntários (v. g. resultantes de expropriações ou indemnização por destruição ou roubo).
...
Assim, como é bem de ver, tal parte fixa do preço de venda de € 250.000,00, não pode deixar de fazer parte do valor de realização, ainda que as partes tenham acordado que a mesma seria paga pela compradora pela sua construção e entrega das citadas caves 5, 6 e 7 à vendedora, do mesmo montante, desinteressando se, entre compradora e vendedora, nenhum fluxo monetário tenha ocorrido, mercê das duas parcelas de igual montante que reciprocamente, a cada uma delas cabia, que em termos substanciais se anulavam, sendo certo que, para efeitos fiscais do apuramento do lucro tributável do exercício, na compradora, tal valor não pode deixar de fazer parte do preço da venda, logo da realização, e para a compradora, o seu correspondente custo, sendo tal forma de prestação pela compradora, em espécie, não mais do que a dação em cumprimento prevista no art.º 837.º e segs do Código Civil, que tem por efeito fazer extinguir a sua obrigação, por prestação de coisa diversa da devida (era devedora de € 250.000,00 e prestou a construção a suas expensas, das citadas caves).

Os demais aspectos invocados pela ora recorrente na matéria das mesmas conclusões – não diminuição indevida do resultado fiscal e prestação futura – a sua análise não foi contemplada na fundamentação da sentença recorrida e nem foi pela sua desconsideração que tal liquidação teve lugar, encontrando-se por isso fora do âmbito do presente recurso, o qual assim não pode deixar de improceder nesta parte.


Passemos agora a conhecer da desconsideração da verba de € 5.960.749,53, (que não o valor indicado pela ora recorrente na matéria da sua conclusão 27), relativa ao reinvestimento de valores na percentagem de 50% do montante da alienação de um prédio que a AT a não aceitou por o mesmo não se encontrar afecto à actividade da empresa, não podendo ser contabilizado como imobilizado corpóreo, não sendo subsumível ao disposto no art.º 45.º do CIRC.

Nos termos do n.º1 deste artigo, na redacção então vigente introduzida pelo art.º 32.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2002), sob a epígrafe Reinvestimento dos valores de realização, dispõe:
Para efeitos de determinação do lucro tributável, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, calculadas nos termos dos artigos anteriores, realizadas mediante transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo, detidos por um período não inferior a um ano, ou em consequência de indemnizações por sinistros ocorridos nestes elementos, é considerada em metade do seu valor, sempre que, no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício, ou até ao fim do segundo exercício seguinte, o valor de realização correspondente à totalidade dos referidos elementos seja reinvestindo na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração, com excepção dos bens adquiridos em estado de uso a sujeito passivo de IRS ou IRC com o qual existam relações especiais nos termos definidos no n.º4 do artigo 58.º.

No caso, como da matéria constante da alínea p) do probatório, ora acrescida, ressalta, não se vê como possa um terreno adquirido em Abril de 2002 possa ser vendido em Junho do mesmo ano, ser classificado como um elemento do seu activo imobilizado corpóreo, afecto ao exercício da sua actividade de comércio a retalho em estabelecimentos não especificados (objecto social da mesma) – cfr. matéria da alínea a) do probatório – na falta de qualquer outra prova por banda da ora recorrente nesse sentido, sendo que a factualidade que a mesma descreve na matéria das conclusões 30.º e segs, que pretendem demonstrar tal afectação, não se encontra provada nos autos, tendo de resto, a mesma, na sua contabilização, apenas operado tal transferência da conta de investimentos financeiros para a de imobilizado corpóreo, no final do exercício de 2002, desta forma lhe faltando esse pressuposto de tal terreno fazer parte do seu activo imobilizado para poder beneficiar de tal redução de 50% no apuramento do lucro tributável do exercício, mercê do respectivo reinvestimento.

Por outro lado, mesmo que assim não fosse, e tal terreno pudesse ser classificado em imobilizado corpóreo, sempre o mesmo não poderia beneficiar dessa redução por o mesmo não ser detido, pelo menos, há um ano, na esfera jurídica da ora recorrente, como igualmente bem se fundamentou no relatório da inspecção tributária, de acordo aliás, com a norma do n.º1 do art.º 45.º do CIRC, que directamente o prescreve.


Improcede assim, todas a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 29/05/2012

JOSÉ CORREIA
PEREIRA GAMEIRO
JOAQUIM CONDESSO



1- Se bem que em processo civil, mercê do julgamento da matéria de facto, em regra, em fase distinta daquela em que é proferida a sentença, o exame crítico das provas acaba por se reportar apenas, aos factos não contidos na selecção da matéria de facto provada, e que assentam e devem ser tidos em conta nessa sentença ou acórdão, provenientes de confissão, acordo das partes ou de documentos com força probatória plena – cfr. entre muitos outros o acórdão do STJ de 31-5-2007, Processo n.º 07B1659.dgsi.Net.
2- Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 29-6-2005, recurso n.º 117/05-30.
3- Todas as normas citadas deste Código se reportam à redacção e renumeração operada pelo Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, com entrada em vigor 30 dias após a sua publicação, nos termos do seu art.º 4.º, logo, sendo estas as já vigentes para este exercício em causa.