Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:349/19.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:OPOSIÇÃO
ÓNUS PROVA
ISENÇÃO IMI
ILEGITIMIDADE ABSTRACTA
Sumário:I - Na distribuição do ónus da prova estão em causa não juízos de facto, mas de direito, sendo que a questão há-de ser apreciada com recurso à interpretação das regras gerais.

II - E a força probatória material que se atribuir ao documento não obsta a que as declarações nele insertas sejam impugnadas com fundamento em qualquer vício que a lei associe à sua ineficácia lato sensu (v.g. erro, dolo, coação, etc.), o qual poderá ser provado por qualquer meio de prova, nomeadamente, a testemunhal, ou através da arguição da sua falsidade.

III – A isenção de tributação consagrada no artº.23, nº.1, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, porque não é uma isenção segundo o conceito tradicional, mas um privilégio de direito internacional que afasta a aplicação aos locais de missão da legislação interna em matéria tributária, enquadra-se no fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al. a), do C.P.P.T.

IV - Esta imunidade que se consubstancia na isenção de todos os impostos e taxas incidentes sobre os locais da missão de que sejam proprietários ou inquilinos, igualmente é extensiva ao pessoal administrativo e técnico da missão, nos termos do artº.37, nº.2, da Convenção (cfr.Ian Brownlie, Princípios de Direito Internacional Público, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pág.381).

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida pela Embaixada da República de Angola, contra a execução fiscal n° 3..., instaurada para cobrança coerciva de €7.609,48, relativo a adicional ao IMI, acrescido de custas de €86,76.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

A) A douta decisão de que se recorre, não traduz uma correta interpretação e aplicação da lei e do direito, em prejuízo da recorrente, na parte em que aderindo ao que foi explanado no Acórdão do STA, de 17/06/2015, processo n.° 0187/15, entendeu que: "... tendo sido efectuada liquidação de IMI sobre prédio que possa ser considerado local de missão (que, vimos já, ««são os edifícios e terrenos anexos, seja quem for o seu proprietário, utilizados para as finalidades da missão, inclusive a residência do chefe da missão») e tendo sido instaurada execução fiscal para cobrança da dívida respectiva, pode ser deduzida oposição a essa execução fiscal com o fundamento previsto na alínea a) do n° 1 do art. 204.° do CPPT. (...). É que, atento o que ficou dito, a tributação dos locais de missão diplomática não é permitida por lei, sendo que o referido art. 23.°, n.° 1, da Convenção sobre Relações Diplomáticas, celebrada em Viena em 18 de Abril de 1961, obsta a essa tributação. E as normas do CIMI que conflituem com essa norma convencional internacional devem ter-se por derrogadas, nos termos que deixámos referidos. ”

´ B) A norma da alínea a) do n° 1, do art.° 204° do CPPT, preconiza que: “A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos: a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação;”

C) Seguindo os ensinamentos de JORGE LOPES DE SOUSA, in Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, p. 443 e ss.: "...na alínea a) do n.° 1 deste artigo prevê-se como fundamento de oposição à execução fiscal a inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos a que respeita ou não estar autorizada a sua cobrança à data da liquidação, se se tratar de um tributo relativamente ao qual ela dependa de autorização.

“Está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação; isto é, na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado. ”

D) Pelo que, dúvidas não podem restar de que, in casu, estamos perante um caso de ilegalidade em concreto e não em abstrato.

E) Na verdade, para estarmos perante ilegalidade em abstrato, terá de ser apreciada a própria lei que é objeto de aplicação e não a liquidação, ou seja, não se reporta ao ato relativo à aplicação da lei ao caso concreto.

F) Ora, o ato de liquidação subjacente à presente execução fiscal, foi emitido em conformidade e seguindo as diretrizes que o Código do IMI impõe. Sucede que nem o CIMI, nem qualquer concreta norma constante do mesmo, padece de ilegalidade, seja por postergação de Lei Fundamental, seja por violação de tratado ou Convenção de Direito Internacional.

G) Assim, não padecendo a lei em vigor, no momento da prática do ato tributário em crise e a este subjacente, de qualquer vício, não poderá ser qualificada como ilegalidade abstrata.

H) O que a oponente pretendeu, ainda que de forma encapotada, sempre foi discutir a legalidade em concreto, o que, na esteira do entendimento uniforme dos nossos tribunais superiores, bem sabemos que não se afigura possível em sede de oposição à execução fiscal. Na verdade, aquando da notificação da nota de liquidação deveria, a ora oponente, ter lançado mão de impugnação judicial pois nessa sede teria cobertura legal atacar o pretendido, erradamente, por esta, em sede de oposição à execução fiscal.

I) Também, não pode deixar de aqui se trazer à colação, o basilar princípio da igualdade, que foi postergado e desrespeitado neste caso concreto da recorrente, desse modo se violando também e de forma ostensiva a Lei Fundamental.

J) De facto, a Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas postula uma verdadeira isenção, contrariamente à qualificação jurídica dada pelo tribunal “a quo”, pelo que, mal se compreende que uma isenção resultante de direito interno, máxime benefício fiscal, se o contribuinte não impugnar uma liquidação erradamente emitida, o mesmo já não possa, como não pode, em sede de oposição à execução fiscal alegar a ilegalidade em abstrato, e outrossim, uma isenção resultante de convenção internacional já seja concedida toda esta panóplia de direitos de defesa.

K) Destarte, a sentença recorrida, ao decidir como decidiu, consubstancia postergação de Lei Fundamental, máxime princípio da igualdade e da legalidade.

L) A douta sentença recorrida, também, não fez uma correta interpretação e aplicação da lei e do direito, em prejuízo da ora recorrente, porquanto, a oposição é uma contra-ação e àquele que invoca um direito cumpre fazer prova do mesmo, pelo que o ónus da prova impende sobre a oponente, ora recorrida.

M) Para provar a factualidade que aduziu na PI da oposição, a oponente, ora recorrida, juntou declarações várias, emitidas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, alegando, nos termos do art.° 371° do Código Civil, que constituem prova plena dos factos neles descritos.

N) A este propósito importa referir, que o documento e a declaração que incorpora consubstanciam realidades distintas, pois um documento é uma coisa e a declaração contida é outra, sendo o primeiro um papel onde se exaram certos dizeres e o segundo a declaração é um ato.

O) Não basta que o documento tenha sido exarado com a observância das formalidades legais e dentro da competência das autoridades públicas, mas também que tenha sido exarado por quem tenha competência em razão do lugar e da matéria.

P) Neste pendor, o exarado nos documentos juntos com a PI de oposição, “... pelo que deverá ser concedida isenção à Embaixada da República de Angola em Lisboa respeitante aos imóveis de que a República de Angola é proprietária sitos (...)”, não pode ser considerado, por extravasar o seu círculo de competências, pois que quem tem competência para decidir sobre a isenção de IMI é o Ministério das Finanças, e neste caso concreto, a AT.

Q) Acresce que, por um lado, a declaração nada prova quanto ao destino dado aos imóveis e por outro não é o órgão competente para reconhecer a isenção, pelo que, nos termos do art.° 363°, n.° 2 do Código Civil, “autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividades que lhe é atribuído (...)." E ainda o art.° 269°, n.° 1 do mesmo Código, “o documento só é autêntico quando a autoridade ou oficial público que o exara for competente, em razão da matéria e do lugar, e não estiver legalmente impedido de o lavrar.", não tendo competência material, não tem relevância probatória, pelo menos não pode ser considerado documento autêntico.

R) A este respeito veja-se o que diz J.M. Gonçalves Sampaio, in A Prova Por Documentos Particulares, em que cita VAZ SERRA, “Provas”, BMJ, n.° 111, n° 62, “era um documento autêntico, nos termos do artigo 363.°, n.° 2, o atestado de residência ou de pobreza passado por uma Junta de Freguesia, mas já o não era o atestado em que a Junta declarasse que tinha pago certa dívida, por não ter sido exarado dentro do círculo de actividade."

S) Assim, parece-nos que, de forma cabal, não fez a oponente quaisquer alegações de factos que logrem provar o direito que se arrogou.

T) Na verdade, a AT não aceita que os imóveis, que estão subjacentes à liquidação de IMI em causa, estejam, efetivamente, isentos, por não preencherem todos os legais pressupostos, recaindo sobre a oponente a prova de que tais legais pressupostos preenchidos de encontram.

U) É mister referir que a AT não aquiesceu ao pretendido, pela oponente, ora recorrida, pelo facto das frações em causa, que subjazem à liquidação de IMI, não prosseguirem as finalidades da missão, tal como definidas no art.° 3.° da Convenção, e por consequência não são locais da missão.

V) Pelo que, sendo a oposição uma contra-acção e àquele que invoca um direito cumpre fazer prova do mesmo, pelo que o ónus da prova impende sobre a oponente, porquanto, não o fazendo, a sua pretensão deveria naufragar in tottum.

W) Assim, ao decidir como decidiu, o respeitoso Tribunal “a quo", não considerou as regras do ónus da prova, incorrendo em intolerável inversão daquele ónus e em errónea interpretação e aplicação das normas legais supra aduzidas aos factos.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser admitido e julgado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue improcedente a oposição à execução fiscal, com as legais consequências.

Todavia,

Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça!

3. A Embaixada da República de Angola em Portugal, apresentou contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

A. A sentença sob recurso não merece qualquer censura.

B. A Recorrente fundamenta o seu recurso na nulidade da sentença por erro de julgamento, por errada aplicação do direito aos factos, pelo Tribunal a quo. Não lhe assiste razão.

C. Sob a epígrafe de erro de julgamento por errada aplicação do direito aos factos, pretende a Recorrente, na verdade, impugnar a matéria de facto, num recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo que se cinge, exclusivamente, a matéria de direito. Na realidade, a Recorrente não alega um erro na aplicação do direito aos factos, mas sim um erro de julgamento da matéria de facto.

D. Mesmo quanto a este último, também não lhe assiste razão, pois o tribunal a quo não incorreu em erro de julgamento.

E. Primeiro: o tribunal a quo não violou as regras relativas ao ónus da prova. A Recorrida alegou, em oposição à execução, que os imóveis objecto de tributação em sede de IMI estavam afectos à missão diplomática, o que, sendo um facto público e notório, foi ademais confirmado pelas Declarações emitidas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Tanto os factos alegados pela Recorrida como os documentos, por esta juntos, não foram objecto de impugnação pela Recorrente, que os aceitou.

F. Segundo: as declarações juntas aos autos não foram exaradas por entidade incompetente. A isenção que o artigo 32.° da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas encerra é uma norma de Direito Internacional Público (que rege as relações entre os Estados). O Direito Fiscal rege as relações jurídicas tributárias. Cabe ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (e não ao Ministério das Finanças) representar o Estado Português nas relações com outros Estados, nomeadamente a República de Angola.

G. A Embaixada da República de Angola em Portugal é uma representação, em Portugal, da República de Angola. O interlocutor com a Embaixada, por Protocolo do Estado, é o Ministério dos Negócios Estrangeiros, não o Ministério das Finanças, nem a AT e muito menos o Serviço de Finanças Lisboa - 8 que tem instaurado, repetidamente e sem sucesso, estes processos de execução fiscal, e que, perdendo na primeira instância, protela, numa evidente má-fé incompatível com a actuação da administração pública, o trânsito em julgado da decisão com recursos inúteis para a última instância.

H. O Ministério dos Negócios Estrangeiros é a entidade competente para conhecer da verificação de uma “isenção” prevista em normas de Direito Internacional Público (ademais assente no princípio da reciprocidade, que é o princípio basilar das relações entre Estados), e da afectação ou não de determinado imóvel à missão diplomática de um outro Estado. Razão pela qual não merece qualquer censura o julgamento do tribunal a quo sobre a prova documental oferecida pela Recorrida, nomeadamente no que diz respeito à utilização e destino dos imóveis objecto da tributação - que o Ministério dos Negócios Estrangeiros atesta serem, todos eles, “para uso habitacional dos membros da Missão Diplomática Angolana”.

I. A AT é incompetente para conhecer da “isenção” do artigo 23.° da Convenção de Viena que, erradamente, apelida de isenção de IMI, ou isenção fiscal. Esta não é uma isenção fiscal, mas sim uma subtracção, por norma de direito internacional público (de valor supra-legal), ao poder tributário do Estado português. A isenção que o artigo 23.°, n.° 1, prevê, não é uma isenção tributária, no sentido que lhe é dado na lei fiscal, e que a AT conhece.

J. O artigo 23.°, n.° 1, da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, vigora na ordem interna (Decreto-Lei n.° 48295), vincula internacionalmente o Estado Português (artigo 8.°, n.° 2 da Constituição) e prevalece sobre o direito ordinário interno, nomeadamente sobre o Código do IMI ou o artigo 44.° do EBF.

K. O que significa que a Embaixada da República de Angola em Portugal não é sujeito passivo do imposto que a AT coercivamente exigiu e que cuja inexigibilidade, por ilegalidade, se alegou nos presentes autos. Vigorando a mencionada Convenção na ordem jurídica portuguesa, não existe, sequer, norma de incidência tributária. Noutras palavras, a “isenção” prevista no artigo 23.°, n.° 1 da Convenção “isenta” a República de Angola do pagamento do IMI antes mesmo de sobre esta incidir qualquer norma tributária de direito ordinário. Em termos tais que poderia falar-se, em vez de isenção, numa subtracção ao poder tributário (e, logo, numa expressão que é querida à Fazenda Pública, “ao círculo de competências da AT”).

L. O ordenamento jurídico português é um. Não existe um ordenamento jurídico fiscal, outro Constitucional e um terceiro que é o que decorre dos Tratados Internacionais.

M. Considerando que a Convenção de Viena para Relações Diplomáticas vigora no ordenamento jurídico português (com força supra legal e infra constitucional), a isenção prevista no artigo 23.°, n.° 1, da Convenção é independente de qualquer reconhecimento pela Administração Fiscal, tratando-se de benefícios não sujeitos a qualquer condicionantes e automáticos.

N. Face ao Direito Internacional Convencional não poderá existir norma de incidência tributária tendo por sujeito passivo a República de Angola (ou a sua Embaixada em Portugal) e por objecto os imóveis sua propriedade que sejam locais de missão. A República de Angola não é sujeito passivo de imposto em Portugal!

O. Pelo artigo 8.°, n.° 2, da Constituição, a vigência do Direito Internacional Convencional na ordem interna está dependente da verificação de duas condições: a publicação no jornal oficial e a regularidade do processo da sua conclusão por Portugal.

P. Da vigência na ordem jurídica portuguesa da Convenção de Viena, da sua adesão pela República de Angola, do valor supra legal (e infra Constitucional) que o Direito Internacional Convencional ocupa na hierarquia das fontes do direito português, deduz- se que qualquer lei ordinária, anterior ou posterior, que contrarie o disposto naquela Convenção é ineficaz. Ineficácia que se traduz na inaplicabilidade, ou seja, na recusa da sua aplicação pelos Tribunais, enquanto a Convenção em causa vincular Portugal (cfr. Manual de Direito Internacional Público, André Gonçalves Pereira e Fausto Quadros, 3.a Edição, Almedina, págs. 119 e ss.).

Q. O conceito de isenção consagrado no artigo 23.°, n.° 1, da Convenção é o de um privilégio de direito internacional, decorrente da imunidade diplomática. Como tal, impede que se estabeleça uma relação tributária em tudo o que diga respeito às missões diplomáticas. Ou seja, impede a aplicação a estas entidades da lei nacional em matéria de definição e fixação da tributação. A norma contida no artigo 23.°, n.° 1 da Convenção afasta a norma tributária que seria aplicável. Consequentemente, o Estado acreditante não pode ser contribuinte no Estado português.

R. O que encontra a sua justificação no facto de pagamento de impostos ser um acto de sujeição, incompatível com a soberania dos Estados. Tal como é incompatível, quer com o privilégio estabelecido na Convenção, quer com a soberania dos Estados, reconduzir o imperativo convencional a um benefício fiscal, nomeadamente para efeitos do artigo 44.°, n.° 1, alínea a), do EBF. Razão pela qual é também inconstitucional qualquer interpretação do artigo 44.° do EBF sempre que o mesmo condicione a plena aplicação do artigo 23.°, n.° 1, da Convenção reconduzindo-o a um benefício fiscal, dependente de um despacho emitido pelo poder tributário do Estado Acreditador e afastando a sua natureza de privilégio de direito internacional.

Termos em que deve ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto pela Fazenda Pública, confirmando-se a sentença recorrida, tudo com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA!.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

5. Sem vistos, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento de direito ao julgar extinto o processo de execução fiscal.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

A) Por escritura celebrada, em 16.12.1988 no 21.° Cartório Notarial de Lisboa, a oponente adquiriu as fracções autónomas com as letras "A" a "Q", onde as frações "A" e "B" se destinam às instalações dos serviços culturais e administrativos e as restantes à habitação do pessoal diplomático, consular ou administrativo da Embaixada da oponente e todas elas fazem parte do prédio urbano sito na Rua L...(à A...), inscrito na respectiva matriz com ao artigo 1…, da freguesia do Lumiar, concelho de Lisboa;, conforme escritura pública junta como documento, da pi que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;

B) Por escritura celebrada em 06.01.2011 a oponente adquiriu a fracção autónoma com as letras "AS", correspondente à Loja E - Bolco B, destinada a comércio, serviços a actividades complementares designadamente restauração, sita no piso zero, sita na Rua S..., inscrita na matriz predial urbana, sob o artigo 2… da Freguesia de Alcântara, concelho de Lisboa (doc. da PI)

C) Por escritura celebrada, em 16.03.2011 a oponente adquiriu as fracções autónomas designadas com as letras "AR" e "AT", destinadas a comércio, serviços a actividades complementares designadamente restauração, correspondentes à Loja D - Bolco B e Loja F - Bloco B, sitas no piso zero na Rua S..., inscrita na matriz predial urbana, sob o artigo 2…, da Freguesia de Alcântara, concelho de Lisboa (doc. da PI);

D) Em 04-02-2014 o Ministério dos Negócios Estrangeiros/Protocolo do Estado, declarou que emitiu as declarações no sentido da existência da reciprocidade de tratamento no que respeita à isenção do IMI sobre imóveis para uso habitacional e instalações de funcionamento do Consulado Geral de Angola em Lisboa respeitante aos imóveis descritos nos pontos atrás identificdos, B) a D) de que a República de Angola é proprietária, nos termos do n.°1 do art.° 23 da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, de 18 de Abril de 1961, em vigor no ordenamento jurídico português por força do Decreto-lei 48295 de 27 de Março de 1968 e de acordo com a alínea a) do n.°1 do artigo 44 do Estatuto do Benefícios Fiscais (doc. 8 a 24 da PI);

E) Em 08-10-2018 foi instaurado o processo de execução fiscal n° 3…, para cobrança de IMI no montante de €7.609,48 (doc n° 1, da pi);

F) Em 14-11-2018 deu entrada a presente oposição.

Inexistem outros factos provados ou não provados com interesse para a decisão da causa.

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados.


*

2. DE DIREITO

2.1. À Recorrida foi liquidado Adicional ao IMI relativo ao ano de 2018, que deu origem à instauração da execução fiscal subjacente aos presentes autos, sendo um dos fundamentos da oposição a ilegalidade abstracta da liquidação, alicerçado no artigo 23.º, n.º 1 da Convenção sobre Relações Diplomáticas, por as fracções objecto de imposto, de que é proprietária, estarem afectas ao fins da missão diplomática da República de Angola em Portugal e, por isso isentas de imposto.

A decisão recorrida aderindo ao discurso fundamentador do acórdão do STA de 17/06/2015, proferido no processo n.º 0187/15, que transcreveu, decidiu pela procedência da oposição, por a questão colocada nos autos encontrar-se decidida em sentido uniforme em diversos acórdãos, quer do STA, quer do TCAS.

A primeira questão que importa analisar é a de saber se a sentença recorrida fez uma correcta aplicação das regras sobre a distribuição do ónus da prova (alíneas L) a W) das conclusões).

Alega a Recorrente que não aceita que os imóveis, que estão subjacentes à liquidação de IMI estejam efectivamente isentos, por a AT não ter aquiescido ao pretendido pela oponente e que o Tribunal a quo não considerou as regras do ónus da prova.

A Recorrente não impugnou a factualidade constante do probatório, antes e só põe em causa a aplicação das regras sobre o ónus da prova.

Na distribuição do ónus da prova estão em causa não juízos de facto, mas de direito, sendo que a questão há-de ser apreciada com recurso à interpretação das regras gerais.

Com efeito, saber se os imóveis prosseguem as finalidades da missão, uma conclusão a extrair de um conjunto de factos essenciais e da sua conjugação com verdadeiras normas jurídicas, nomeadamente, reguladoras do critério da repartição do ónus de prova.

Nesta matéria, estatui o artigo 74.º, da LGT, que «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

O Tribunal a quo deu como provado na alínea D) o teor de uma Declaração do Ministério dos Negócios Estrangeiros/Protocolo do Estado, emitida para efeitos de obtenção de isenção de IMI, cujo teor é no sentido da existência da reciprocidade de tratamento no que respeita à isenção do IMI sobre imóveis para uso habitacional e instalações de funcionamento do Consulado Geral de Angola em Lisboa, respeitante aos imóveis dos autos.

Ao contrário do referido pela Recorrente, em lado nenhum da declaração se lê que o Ministério dos Negócios Estrageiros (MNE) reconhece/declara a isenção de IMI (alínea P) da conclusões).

Como decorre do probatório e documentos de suporte, o MNE apenas declarou para efeitos de isenção de IMI relativamente aos imóveis em questão, que existe reciprocidade de tratamento no que respeita à isenção de IMI sobre imóveis para uso habitacional e instalações de funcionamento do Consulado Geral de Angola em Lisboa (alínea D) do probatório).

Invoca a Recorrente que tal declaração não tem relevância probatória.

Quanto à força probatória de tal documento, importa trazer à colação as regras insertas nos artigos 374.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1 do Código Civil (CC).

A força probatória do documento consiste no valor ou na fé que, como meio de prova a lei lhe confere. Este valor pode referir-se ao documento em si mesmo ou ao seu conteúdo. No primeiro caso, tem-se e vista a força probatória formal do documento, a sua autenticidade ou genuinidade, enquanto no segundo, a sua força probatória material.

E a força probatória material que se atribuir ao documento não obsta a que as declarações nele insertas sejam impugnadas com fundamento em qualquer vício que a lei associe à sua ineficácia lato sensu (v.g. erro, dolo, coação, etc.), o qual poderá ser provado por qualquer meio de prova, nomeadamente, a testemunhal, ou através da arguição da sua falsidade.

Por outro lado, os juízes pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do juiz (artigo 371.º, n.º 1, 2.ª parte do CC).

A declaração do MNE dos autos faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor.

Na verdade, a Recorrente não impugnou o conteúdo do documento, nem arguiu a falsidade do documento (artigo 376.º do CC).

Daqui resulta que, a prova na qual a Recorrente funda o seu desacordo quanto à violação do ónus da prova, não merece a censura que a Recorrente endereça à decisão da Mma Juiz a quo quanto à violação das regras do ónus da prova.

Concluímos, assim, pela improcedência das referidas conclusões de recurso.

2.2. Importa agora apreciar se a decisão da primeira instância errou ao enquadrar o fundamento da oposição na alínea a), do n.º 1, do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e se os imóveis em causa não prosseguem as finalidades da missão tal como definidas no artigo 3.º da Convenção de Viena.

As questões suscitadas neste recurso foram já objecto de diversos acórdãos proferidos no STA e neste TCA, nomeadamente, em 09/03/2017, no âmbito do processo n.º 709/12.6BELRS, sendo as partes nos processos as mesmas, diferindo somente o ano a que se refere o IMI, aqui 2018, ali 2010, pelo que, por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil) acolhemos toda a argumentação jurídica aí expendida, uma vez que não vislumbramos justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos, transcrevendo a parte com interesse para a decisão da questão em apreciação.

«Igualmente defende o recorrente que os imóveis que subjazem às liquidações de I.M.I. que constituem a dívida exequenda não prosseguem as finalidades da missão, tal como definidas no artº.3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, e, por consequência, não são locais da missão, sendo que o Tribunal “a quo” lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito.

Em sede de exame do presente vector da apelação deve começar este Tribunal por relembrar que a decisão recorrida enquadrou o fundamento da presente oposição no artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T., mais concluindo pela ilegalidade abstracta da dívida exequenda, tudo conforme já aludido supra.

O citado preceito tem a seguinte redacção:


ARTIGO 204.º
(Fundamentos da oposição à execução)

1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:
a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação;

b) (…)

No artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.Tributário, primeira parte da norma, é enquadrável qualquer ilegalidade substantiva agravada (absoluta ou abstracta) como é a eventual ilegalidade do diploma criador do tributo que constitui a dívida exequenda. Está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, a qual se distingue da “ilegalidade em concreto” por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação concretamente levada a efeito. Isto é, na ilegalidade abstracta a ilicitude não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação material a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado. Por outras palavras, o vício não se refere ao concreto acto de liquidação, mas antes se reportando à ilegalidade da norma em que o mesmo acto tributário se baseia (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.590 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.322 e seg.; João António Valente Torrão, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.787; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.67 e seg.).


Concluindo, deve considerar-se que cabem no citado conceito de ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal, tal como normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares (cfr.ac.S.T.A.-Plenário, 7/4/2005, rec.1108/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/4/2012, proc.4796/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.6195/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.443 e seg.).

Por último, sempre se dirá que a inexistência de imposto a que faz menção a norma sob exegese se refere à inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos, a qual, afectando a própria lei, não depende do acto que faz a aplicação ao caso concreto (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/7/2007, rec.129/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc. 6195/12).

Já a segunda parte da alínea a), do nº.1, deste artº.204, se refere à falta de autorização de cobrança na data em que ocorreu a liquidação, visando concretizar as normas constitucionais que fazem depender a possibilidade de cobrança de receitas de prévia inscrição no Orçamento do Estado (que inclui o orçamento da segurança social) da discriminação das receitas que, anualmente, o Estado está autorizado a cobrar (cfr.artº. 105, da C.R.P.). Assim, a falta de inscrição orçamental de receita liquidada sujeita a tal inscrição constitui um vício do acto tributário gerador da sua ilegalidade abstracta, equiparável aos vícios de inexistência do tributo nas leis em vigor, consagrados na primeira parte da mesma norma (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.6195/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.451).

Revertendo ao caso “sub judice”, a isenção de tributação consagrada no artº.23, nº.1, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas(1), porque não é uma isenção segundo o conceito tradicional, mas um privilégio de direito internacional que afasta a aplicação aos locais de missão da legislação interna em matéria tributária, enquadra-se no fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T. E recorde-se que nos termos do artº.8, nº.2, da C.R.P., as normas de convenção internacional, quando regularmente adoptadas pelo Estado Português e publicadas na forma legal, prevalecem sobre o direito interno infraconstitucional, em tudo o que seja conflituante com este, motivo por que os Tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que viole tratado internacional a que Portugal se tenha vinculado (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/6/2015, rec.187/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/6/2015, rec.464/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2014, proc.7445/14; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.255 e seg.). Nesta vertente deve, portanto, confirmar-se a decisão do Tribunal “a quo”, a qual igualmente enquadrou o fundamento da oposição deduzida pela entidade recorrida no examinado artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T.

Por último, deve este Tribunal examinar se os imóveis que subjazem às liquidações de I.M.I. que constituem a dívida exequenda não prosseguem as finalidades da missão, tal como definidas no artº.3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, e, por consequência, não são locais da missão, conforme defende o recorrente, tudo levando em consideração a factualidade provada.

A citada Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, celebrada em Viena em 18 de Abril de 1961 e que entrou em vigor a 24 de Abril de 1964, nos termos do seu artº.51, é um tratado internacional que regula os direitos e deveres dos Estados na condução das relações diplomáticas entre si e o regime das missões diplomáticas, tendo sido aprovada pelo Estado Português através do dec.lei 48295, de 27/03/1968, e pela ... através da resolução nº.3/91 da Assembleia ... (actual Assembleia Nacional ...), de 16/3/1991.

A expressão missão diplomática designa o conjunto de pessoas nomeadas por um Estado (Estado acreditante) para exercer, sob a autoridade de um chefe de missão, funções de caráter diplomático no território de um Estado estrangeiro (Estado acreditado ou receptor), mas na prática significa o local onde as pessoas designadas pelo Estado acreditante trabalham. De harmonia com o artº.3, da Convenção, as funções de uma missão diplomática consistem, entre outras, em representar o Estado acreditante perante o Estado acreditado ou receptor. Por sua vez, nos termos do artº.1, al.i), da Convenção, os "locais da missão" são “os edifícios, ou parte dos edifícios, e terrenos anexos, seja quem for o seu proprietário, utilizados para as finalidades da missão inclusive a residência do Chefe da Missão” (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2014, proc.7445/14).

O fundamento dos privilégios e imunidades das representações diplomáticas em determinado Estado receptor estão relacionados com um duplo aspecto, por um lado a representação diplomática, isto é, a imunidade soberana (imunidade “ratione materiae”) ligada aos actos oficiais dos Estados estrangeiros e, por outro, com os elementos mais vastos e sobrejacentes, todavia mais condicionantes, dos privilégios e imunidades “funcionais” do pessoal diplomático e das instalações (cfr.Ian Brownlie, Princípios de Direito Internacional Público, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pág.369 e seg.).

A Convenção consagra, além do mais, privilégios e imunidades. Importa precisar os conceitos de privilégio e imunidade. A imunidade diplomática traduz o conjunto de prerrogativas reconhecidas pelo Direito Internacional costumeiro e pela cortesia internacional (“comitas gentium”), concedidas aos agentes diplomáticos, na base da reciprocidade e no interesse mútuo dos Estados, que permitem o exercício completo e cabal das suas missões. Já o privilégio significa atribuir aos diplomatas e aos locais de missão um regime jurídico de excepção, isentando-os da aplicabilidade de normas ou regimes jurídicos ou concedendo-lhes vantagens que, por regra, não são concedidos aos nacionais.

Quer as imunidades, quer os privilégios, subtraem os diplomatas e os locais de missão à autoridade e à competência jurisdicional do Estado acreditado. Por isso nem sempre é fácil estabelecer a linha de fronteira entre uns e outros, considerando-se, regra geral, que a imunidade impede a sujeição a uma norma de direito interno, enquanto o privilégio determina a substituição da lei geral por uma regra especial de direito interno.
Tanto o Estado acreditante, como o Chefe da Missão estão isentos de todos os impostos e taxas, nacionais, regionais ou municipais, sobre os locais da missão de que sejam proprietários ou inquilinos, exceptuados os que representem o pagamento de serviços específicos que lhes sejam prestados, portanto os impostos indirectos (cfr.artº.23, nº.1, da Convenção; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2014, proc.7445/14; Ian Brownlie, Princípios de Direito Internacional Público, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pág.380).

Esta imunidade que se consubstancia na isenção de todos os impostos e taxas incidentes sobre os locais da missão de que sejam proprietários ou inquilinos, igualmente é extensiva ao pessoal administrativo e técnico da missão, nos termos do artº.37, nº.2, da Convenção (cfr.Ian Brownlie, Princípios de Direito Internacional Público, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pág.381).

“In casu”, do exame da factualidade provada, decorre o supra citado entendimento de que a isenção/imunidade previstas nos citados artºs.23 e 37, da Convenção, consubstancia a aplicação de norma convencional internacional que afasta a aplicação aos locais de missão da legislação interna em matéria tributária, nos termos do artº.8, nº.2, da C.R.P. Aliás, este entendimento encontra-se vertido em declarações emitidas pelo Estado Português, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros e com base no princípio da reciprocidade de tratamento, incidentes sobre os imóveis para uso habitacional dos membros da missão diplomática ... (cfr.nº.5 do probatório).


Concluindo, está demonstrada a ilegalidade absoluta ou abstracta das liquidações de I.M.I. que constituem a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº...., fundamento de oposição enquadrável no examinado artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.Tributário.» (disponível em
www.dgsi.pt); no mesmo sentido se decidiu nos Acs. deste TCAS de 27/09/2018, proc. n.º 268/13.2BELRS, de 15/11/2018, proc. n.º 999/14.0BELRS e de 21/05/2020, proc. n.º 2852/10.7BELRS, ainda inéditos).

Apropriando-nos da fundamentação desenvolvida no acórdão deste TCAS que se acabou de transcrever, resta, pois, concluir que a sentença não errou no julgamento que fez, pelo que, o recurso não merece provimento.


*

Conclusões/Sumário:

I - Na distribuição do ónus da prova estão em causa não juízos de facto, mas de direito, sendo que a questão há-de ser apreciada com recurso à interpretação das regras gerais.

II - E a força probatória material que se atribuir ao documento não obsta a que as declarações nele insertas sejam impugnadas com fundamento em qualquer vício que a lei associe à sua ineficácia lato sensu (v.g. erro, dolo, coação, etc.), o qual poderá ser provado por qualquer meio de prova, nomeadamente, a testemunhal, ou através da arguição da sua falsidade.

III – A isenção de tributação consagrada no artº.23, nº.1, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, porque não é uma isenção segundo o conceito tradicional, mas um privilégio de direito internacional que afasta a aplicação aos locais de missão da legislação interna em matéria tributária, enquadra-se no fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al. a), do C.P.P.T.

IV - Esta imunidade que se consubstancia na isenção de todos os impostos e taxas incidentes sobre os locais da missão de que sejam proprietários ou inquilinos, igualmente é extensiva ao pessoal administrativo e técnico da missão, nos termos do artº.37, nº.2, da Convenção (cfr.Ian Brownlie, Princípios de Direito Internacional Público, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pág.381).


*

IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conferência, negar provimento ao recurso e manter a sentença na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 4 de Junho 2020.


Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Hélia Gameiro Silva – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)