Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:720/10.1BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:REVERSÃO
NULIDADE DA CITAÇÃO
NULIDADE DO DESPACHO DE REVERSÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:i. A sentença não padece de nulidade por omissão de pronúncia se enuncia explicitamente as razões por que não conheceu de determinada questão suscitada pelo revertido na petição inicial de oposição.

ii. A nulidade da citação não consubstancia fundamento de oposição à execução fiscal nos termos do art.º 204.º do CPPT.

iii. Constituindo o acto de citação para a execução fiscal um acto processual, praticado no âmbito de um processo judicial, a invalidade desse acto tem de ser suscitada no respectivo processo executivo, perante o órgão de administração fiscal, com posterior reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância da eventual decisão de indeferimento, em harmonia com o preceituado nos artigos 276.º do CPPT e 103.º, n.º 2 da LGT.

iv. A falta de inclusão, na citação do responsável subsidiário para a execução fiscal, dos pressupostos e extensão da reversão, incluindo a respectiva fundamentação, representa a inobservância da formalidade legal prevista no n.º 4 do 23.º da LGT, a qual configura uma nulidade à luz do regime contido no art.º 191.º do CPC (anterior 198.º).

v. Questão diferente da falta de fundamentação da citação é a questão da nulidade do despacho de reversão por falta de fundamentação, para cujo conhecimento se mostra próprio o meio processual da oposição à execução fiscal.

vi. Encontra-se fundamentado o despacho de reversão se dele constam os pressupostos e a extensão da reversão.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

J…, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou parcialmente procedente a oposição por si deduzida à execução fiscal n.º 1… e apensos, originariamente instaurada contra “C…, LDA.” e contra si revertida, apresentando para tal as seguintes conclusões:
«
A. O Tribunal a quo julgou a Oposição do Recorrente improcedente sem conhecer de matérias que tinha obrigação de conhecer.

B. Matérias que demonstram a manifesta insuficiência da fundamentação que consta da “citação-reversão” do Recorrente.

C. Como forma de reagir a tal insuficiência de fundamentação, o Recorrente fez-se valer do meio processual da Oposição à execução nos termos do art.º 203.º, n.º 1, alínea a), estribando esta no previsto no art.º 204.º, n.º 1, alínea i) CPPT.

D. Meio processual que a sentença recorrida considerou ser incorrecto, por entender que o meio adequado para fazer face ao vício invocado pelo Recorrente seria o requerimento dirigido ao Chefe das Finanças. Assim, considerou o Tribunal a quo que as disposições aplicáveis ao caso em concreto seriam os arts.º 37.º, n.º 1 e, 276.º, n.º 1 do CPPT.

E. Ao decidir assim, o Tribunal a quo não só se desviou do entendimento unânime da Jurisprudência, como, ao mesmo tempo, deixou de conhecer de matéria da qual estava obrigado a conhecer.

F. O que se traduz na verificação de uma omissão de pronúncia, nos termos art.º 123.º, n.º1 e 125.º, n.º 2 CPPT, 615.º, n.º 1, alínea d) CPC, aplicável ex vi art.º 2.º, alínea d) CPPT.

G. Apesar da invocada nulidade por omissão de pronúncia da sentença recorrida, pode este Venerado Tribunal conhecer da questão da falta de fundamentação, visto que o presente recurso é de apelação e contém os elementos necessários para tal (vd. arts.º 281.º CPPT, 665.º, n.º 1 e 2 CPC).

H. Por conseguinte, ao considerar que não era a oposição o meio adequado para levantar a questão da falta de fundamentação, o Tribunal a quo errou na determinação da norma a aplicar fazendo-se valer do art.º 37.º, n.º 1 e 276.º CPPT, quando devia na realidade ter-se feito valer do art.º 203.º e 204.º, n.º 1 alínea i) CPPT, e consequentemente, conhecido da nulidade invocada pelo Recorrente.

I. Nulidade essa, que subiste visto que a fundamentação da citação reversão não está munida dos elementos essenciais que permitam conhecer ao citando dos fundamentos pelos quais é chamado para o cumprimento das obrigações tributárias do credor originário.

J. A fundamentação em causa é portanto, violadora do artigos 268.º da CRP, 22.º, n.º 4, 23.º, n.º 4, 77.º, n.º 1, n.º 2 e 3 da LGT, artigos 124.º, n.º 1 e 2, 125.º, n.º 1, 2 e 3 do CPA, aplicáveis por referencia ao art.º 2.º, n.º 1 mesmo diploma, e por consequência o art.º 204.º, n.º 1, aliena i) do CPPT, pelo que não pode manter-se.

Termos em que, dando provimento ao presente recurso e revogando a sentença recorrida nos termos e com os efeitos acima expostos, farão V. Exas., Exmos. Senhores Juízes Conselheiros, o que é de inteira JUSTIÇA!».

Não foram apresentadas contra-alegações

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central controvertida reconduz-se a saber se a fundamentação da reversão vertida na citação pode ser discutida em processo de oposição á execução, ou se, como entendeu a sentença recorrida, ocorre excepção que obsta ao conhecimento desse fundamento da oposição.


3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
Com interesse para a decisão da causa, atentas as questões a decidir, considera-se assente a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) A sociedade “C…, LDA.” (“C…”), foi constituída em 23.05.2003, tendo por objeto social a culinária e prestação de serviços de apoio a eventos sociais e culturais a realizarem-se no Lugar do …, n.º …, em Faro, e encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Faro desde 24.06.2003 – cfr. a certidão de Registo Comercial e contrato de sociedade a fls. 150 a 159 dos autos.

B) À data da constituição da sociedade foi nomeado gerente J…, ora Oponente, obrigando-se a sociedade com a sua assinatura do Oponente até à nomeação do segundo gerente – cfr. a certidão de Registo Comercial a fls. 150/151 dos autos .

C) A “B…, LDA.” (“B…”) tem por objeto social o comércio de equipamentos de hotelaria, e foi criada com o objetivo de equipar a sociedade “C…, LDA.” – por acordo e prova testemunhal.

D) Em 2003 e 2004 a “C…” prestou regularmente serviços de comes e bebes (catering) e em 2005 a prestação de serviços baixou consideravelmente – por confissão no artigo 57.º da p.i. e prova testemunhal.

E) Era o Oponente quem geria a “C…”, assinava contratos, passava cheques e vinculava a sociedade das mais diversas formas; contratava as pessoas responsáveis pela contabilidade prestando-lhe os esclarecimentos necessários, e também o único que, em representação da sociedade devedora originária, assinava documentos relacionados com as ações inspetivas referidas efetuadas à sociedade entre 2004 e 2005 – prova testemunhal.

F) Em 2005 a “C…” vendeu ao sócio C…o imobilizado composto de equipamento hoteleiro pelo valor aproximado de € 127.000,00 – cfr. prova testemunhal.

G) Com o valor da venda do imobilizado a sociedade privilegiou o pagamento dos mecanismos de financiamento a fim de evitar a penhora do imóvel que os garantia – por confissão (cfr. art.ºs 133.º a 135.º da p.i.) e prova testemunhal.

H) Entre 10.09.2004 e 21.07.2005 a “C…” foi alvo de inspeção tributária externa, em sede de IRC e IVA, exercícios de 2003 a 2005, que resultou em correções à matéria tributária, tudo conforme resulta dos respetivos Relatórios de Inspeção, a fls. 179 a 186 e 207 a 215, que aqui se dão por reproduzidos.

I) Na sequência da ação inspetiva identificada na alínea que antecede foram instaurados processos de contraordenação por falta de cumprimento de obrigações declarativas que culminaram na aplicação de coimas em 2006, e emitidas as respetivas liquidações oficiosas de IVA e IRC de 2004, tendo também sido liquidado IRC relativo a 2005, tudo acrescido de juros compensatórios, totalizando € 238.522,61, conforme relação constante de fls. 114 dos autos que aqui se dá por reproduzida.

J) Para cobrança coerciva da quantia identificada em I) foram instaurados no Serviço de Finanças de Faro, contra a “C…”, os processos de execução n.º 1… e apensos – cfr. informação de fls. 768/769.

K) Em 31.03.2008 foi lavrado auto de diligências no Serviço de Finanças de Faro a atestar a insuficiência de bens da devedora originária para garantia da quantia em execução – cfr. fls. 780 dos autos.

L) Por despacho de 10.02.2010 da Adjunta do Chefe do Serviço de Finanças de Faro (em substituição), e em cumprimento da sentença proferida no processo 711/08.2 BELLE, foi a execução identificada em J) revertida contra o ora Oponente, com os seguintes fundamentos:
«Atestada a insuficiência de bens penhoráveis da executada C… Lda., NIPC 5…, como se comprova através do auto de diligências de fls. 11, estando concretizada a audição do responsável subsidiário nos termos do artº 60º da LGT, e após sentença proferida no Procº de Reclamação de execução fiscal instaurado nos termos do artº 276º do CPPT, prossiga a reversão ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 24º da LGT e artº 8º do RGIT contra J…, NIF 1…, gerente de facto ao tempo do facto gerador do imposto e da respectiva cobrança não tendo o mesmo feito prova que não lhe foi imputável a falta de pagamento, pelo que determino a repetição da citação do executado por reversão nos termos do artº 160º do CPPT, para pagar no prazo de 30 dias, a quantia de 238.522,61 € sem juros de mora nem custas (nº 5 do artº 23º da LGT), enviando-lhe cópia deste despacho» – cfr. fls. 146 dos autos.

M) Em 19.02.2010 o Oponente foi citado para a execução, na qualidade de revertido, com cópia do despacho que antecede e respetivas certidões de dívida, constando da carta de citação, no campo “FUNDAMENTOS DA REVERSÃO”, o seguinte «Cópia do despacho anexo. Insuficiência de bens penhoráveis (art. 24, nº 1/b) e artº 8º RGIT)» – cfr. Doc. 4 junto com a petição inicial, a fls. 791 a 826 dos autos .

N) A oposição deu entrada no Serviço de Finanças Faro em 12.10.2010 – cfr. fls. 2 dos autos.

Factos não provados:

Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes dos articulados, todos objeto de análise concreta, não se provou:

1) Que o Oponente, “não exerceu, de facto, as funções de gerência nos períodos aqui em apreço” (art.º 295.º da p.i.).

2) Que “eventuais incumprimentos da sociedade não resultam da actuação do Oponente no exercício do seu cargo, mas sim no estrito cumprimento do que lhe era imposto pelos sócios da C… (art.º 312.º da p.i.).

3) Que “a insuficiência patrimonial da devedora originária ficou a dever-se exclusivamente à falta de actividade e capacidade para gerar negócios (…) e ao esgotamento do objeto social” (art.º 336.º da p.i.).

Motivação da decisão de facto:

A decisão da matéria de facto assenta nos elementos constantes dos autos, que não foram objeto de impugnação, conforme indicado nas respetivas alíneas do probatório, e ainda, da prova produzida em audiência de julgamento, mostrando-se determinantes, na formação da convicção do Tribunal, os depoimentos das testemunhas C…, L… e J….
Quanto ao primeiro, irmão do Oponente, diretamente conhecedor da atividade da sociedade devedora originária, quando questionado sobre quem geria a sociedade, foi perentório a afirmar que eram sócios os pais, ele próprio e o irmão, mas era este último quem se dedicava à gerência da sociedade, que fazia coisas que nem o pai sabia, que era ele (Oponente) que assinava contratos, passava cheques e, em geral, vinculava a sociedade.
Por sua vez, a testemunha L…, técnica oficial de contas, contratada, através de contacto da testemunha C… para recuperar a contabilidade da “C…”, trabalho que afirmou ter iniciado em agosto de 2011 (referindo, à data do julgamento, que o tinha iniciado em agosto do ano passado), foi também categórica ao afirmar que o responsável era “o Jo…” e que, sempre que precisava de alguma coisa, era com ele que falava. Resultou ainda do seu depoimento, prestado com clareza e isenção, a prova dos factos indicados nas alíneas D), F) e G), na medida em que esclareceu que, apesar de ter havido atividade da sociedade em 2005, a mesma baixou consideravelmente e que, nesse mesmo ano foi vendido o imobilizado (equipamento hoteleiro) ao Sr. C…, pelo valor aproximado de € 127.000,00, tendo, nessa altura, entrado na “C…”, por ordem do Sr. C…, a quantia de cerca de € 240.000,00, que foi usada pela sociedade para pagar os leasings, que ficaram praticamente liquidados.
Não menos relevante, em termos de contribuir para formação da convicção do Tribunal em relação a quem exercia a gerência da sociedade devedora originária, foi o depoimento J…, Inspetor Tributário, que efetuou, entre 10.09.2004 e 21.07.2005 a inspeção à “C…”, tendo afirmado que foi sempre com “o J…” que contactou e era ele “a única pessoa que assinava os documentos”.
Os factos considerados como não provados resultam: o primeiro da sua oposição àquele que foi dado como provado em E), os demais da inexistência de qualquer elemento probatório que permita ao Tribunal sequer ponderar a possibilidade de julgamento em sentido contrário.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como enunciamos já, a única linha de defesa que o oponente mantém no recurso prende-se com o invocado erro de julgamento da sentença ao considerar que o meio processual adequado para reagir contra a nulidade ou irregularidades da citação é o requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal com possibilidade de reclamação judicial da decisão executiva, nos termos previstos nos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

De há muito constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que a nulidade da citação não consubstancia fundamento de oposição à execução fiscal nos termos do art.º 204.º do CPPT, porquanto, “constituindo o acto de citação para a execução fiscal um acto processual, praticado no âmbito de um processo judicial, a invalidade desse acto tem de ser suscitada no respectivo processo executivo, perante o órgão de administração fiscal, com posterior reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância da eventual decisão de indeferimento, em harmonia com o preceituado nos artigos 276.º do CPPT e 103.º, n.º 2 da LGT” (vd. acórdãos do alto tribunal de 20/01/2016, proc.º 01124/15; de 04/03/2015, proc.º 01271/13; de 18/06/2013, proc.º 01276/12).

Assim, é por demais evidente que a nulidade da citação não é sindicável em sede de oposição à execução fiscal antes devendo ser arguida em primeira linha perante o órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável.

Nessa medida, bem andou a sentença ao não conhecer desse invocado fundamento na oposição, por manifesta impropriedade do meio processual, tendo unicamente emitido pronúncia de mérito sobre os demais fundamentos para que se mostra adequado o processo de oposição.

Nesse pressuposto entendimento, não ocorre, bem visto, nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 615/1 alínea d) do CPC e 125/1 do CPPT, porquanto a sentença não tendo conhecido embora da questão da falta de fundamentação da reversão na citação, não deixa de enunciar as razões por que o não fez.

Como é entendimento da doutrina, a omissão de pronúncia “só ocorrerá nos casos em que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento” – vd. Jorge Lopes de Sousa, “CPPT Anotado”, Vislis, 4.ª ed. (2003), a pág.566.

A falta de inclusão, na citação do responsável subsidiário para a execução fiscal, dos pressupostos e extensão da reversão, incluindo a respectiva fundamentação, representa a inobservância da formalidade legal prevista no n.º 4 do 23.º da LGT, a qual configura uma nulidade à luz do regime contido no art.º 191.º do CPC (anterior 198.º).

Questão diferente da falta de fundamentação da citação é a questão da nulidade do despacho de reversão por falta de fundamentação, para cujo conhecimento se mostra próprio o meio processual da oposição à execução fiscal.

Ora, do vício de falta de fundamentação do despacho de reversão, a sentença conheceu, em termos que não merecem censura. Ora vejamos.

O dever de fundamentação dos actos administrativos constitui uma garantia constitucional dos administrados, plasmada no art.º 268/3 da CRP e, em desenvolvimento desse comando constitucional, estabelece o art.º 77.º da Lei Geral Tributária que a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram.

Em especial para o procedimento de reversão, preceitua o art.º 23.º, n.º 4 da mesma LGT, que «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».

Sobre o alcance do dever de fundamentação do despacho de reversão, é de chamar à colação o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.10.2013 (Processo: 0458/13), onde se refere:

“…[E]nquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (…)

Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).

Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).

Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido…” [mais recentemente, v. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.11.2019 (Processo: 02001/16.8BEPRT 0552/18)].

Por outro lado, como se deixa referido no ac. deste TCAS, de 13/05/2021, tirado no proc.º 301/11.2BEFUN, «Para aferir do cumprimento do dever de fundamentação do despacho de reversão por parte do órgão de execução fiscal (OEF), cumpre atentar na disciplina aplicável “in casu” no que ao regime jurídico da reversão respeita.

Assim, desde logo, há que considerar o disposto no art.º 23.º da LGT, de cujo n.º 1 decorre que é através da reversão que se efetiva a responsabilidade tributária subsidiária.

Resulta deste mesmo art.º 23.º que a reversão depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário (n.º 2), sendo a este propósito de ter em consideração o disposto no n.º 2 do art.º 153.º do CPPT.

Nos termos do n.º 4 do mesmo art.º 23.º da LGT, a reversão é precedida de audição do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.

Somos ainda remetidos para o art.º 24.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual:

“1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

À semelhança do que já decorria do art.º 13.º do CPT, o art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

O art.º 24.º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1.

A primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária (AT) alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.

A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere­‑se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. A presunção constante da referida al. b) do art.º 24.º, n.º 1, da LGT, deriva da consagração do dever de boa prática tributária, constante do art.º 32.º da LGT, que prevê “... um especial dever de diligência no cumprimento dos deveres tributários [das pessoas colectivas] (...) — dever de diligência que se presume violado caso tais deveres tributários não sejam cumpridos”. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.

Feito este enquadramento legal, resulta que, do ponto de vista do cumprimento de dever de fundamentação formal do despacho de reversão, é exigido ao OEF que:
a) Indique as normas legais que determinam a imputação da responsabilidade;
b) Mencione o preenchimento dos pressupostos da reversão, a saber:

b.1) Inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária (n.º 2 do art.º 23.º da LGT e n.º 2 do art.º 153.º do CPPT);

b.2) O exercício efetivo do cargo nos períodos relevantes, dependendo do enquadramento da situação na alínea a) ou na alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT;
c) Mencione a sua extensão temporal.».

Ora, como a sentença recorrida bem refere, “fundando-se a reversão na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, ou seja, no exercício do cargo de gerência no período correspondente ao prazo legal de pagamento das dívidas em cobrança coerciva não se impunha à entidade exequente descrever os concretos atos que a levam a concluir pelo exercício, de facto, da gerência da sociedade, mas tão só, como fez [vd. ponto L) do probatório], indicar os pressupostos da responsabilidade subsidiária, designadamente a fundada insuficiência dos bens penhoráveis da devedora principal, bem como o exercício do cargo de gerência nos períodos do prazo legal de pagamento da dívida, cabendo ao oponente, comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, uma vez que estamos (…), no que às dívidas de IVA e IRC respeita, perante uma situação de presunção de culpa”.

Assim, considera-se que o despacho de reversão está suficientemente fundamentado.

A sentença não incorreu nos apontados vícios de nulidade e erro de julgamento, sendo de confirmar e negar provimento ao recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.

Condena-se o Recorrente em custas (litiga com apoio judiciário).

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2022



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha